Afro-reparação e migrações: acesso e permanência de migrantes e refugiados(as) no ensino superior público do sul do Brasil (2019-2024)

Abstract

O Brasil tem se destacado, ao longo das últimas décadas, como um dos países que procura consolidar sua imagem como acolhedor para refugiados(as) e migrantes. Contudo, os desafios enfrentados por essas populações no acesso a oportunidades educacionais são numerosos e, frequentemente, pouco debatidos. O objetivo geral da pesquisa é compreender como as políticas de acesso ao ensino superior para migrantes racializados como não-brancos, no Sul do Brasil, podem assumir um caráter afro-reparatório, contribuindo para o acolhimento digno e a reparação histórica. A análise incorpora as epistemologias do Sul Global, com a teoria decolonial como base e os Estudos Críticos da Branquitude, destacando a necessidade de romper com narrativas universalizantes que homogeneizam as experiências migratórias. A pergunta de partida é ?se, e em que medida, o acesso e a permanência de estudantes migrantes não-brancos do Sul Global nas universidades federais do Sul do Brasil podem adquirir caráter afro-reparatório e garantir o acolhimento digno no país??. A hipótese construída versa sobre como as ações afirmativas são importantes para assegurar o acolhimento de migrantes no Brasil, contudo concebe os sujeitos de maneira universalizante, sem racializar para uma efetiva reparação e garantia de direitos. O estudo utiliza o método hipotético-dedutivo, estruturado em três objetivos específicos. Primeiro, estabelece um diálogo teórico entre a colonialidade, a racialização das migrações e a agenda afro-reparatória. Segundo, investiga as experiências das instituições públicas de ensino superior na região Sul entre 2019 e 2024, focando na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Por fim, analisa a potencialidade das políticas educacionais para promover justiça racial e reparação histórica, considerando o acolhimento digno como pilar fundamental. Os resultados apontam que os editais específicos de ingresso para migrantes nas universidades federais representam avanços importantes, mas ainda operam sob uma lógica que ignora a racialização das migrações. As políticas existentes categorizam migrantes de forma universalizante, sem abordar as desigualdades estruturais decorrentes da colonialidade e do racismo. Por exemplo, a UNILA, com foco na integração regional e histórica inclusão de haitianos, desempenha papel relevante ao desafiar a lógica hegemônica centrada no eixo Norte-Sul. No entanto, mesmo em iniciativas como essa, a perspectiva racializada ainda não é central. Além disso, o estudo demonstra que as universidades, embora espaços de resistência e luta por direitos, muitas vezes reproduzem estruturas opressivas. Ao tratar das interseções entre migração, raça e educação, a pesquisa sugere que políticas educacionais podem ser instrumentalizadas para ampliar direitos, indo além do ensino superior. A inclusão de migrantes no espaço acadêmico impulsiona debates sobre saúde, reunificação familiar e outros direitos, expondo a insuficiência das políticas vigentes.

Abstract: In recent decades, Brazil has stood out as one of the countries seeking to consolidate its image as a welcoming country for refugees and migrants. However, the challenges faced by these populations in accessing educational opportunities are numerous and often little discussed. The overall objective of the research is to understand how higher education access policies for racialized migrants as non-whites in southern Brazil can assume an Afro-reparative character, contributing to dignified reception and historical reparation. The analysis incorporates epistemologies of the Global South, based on decolonial theory and Critical Whiteness Studies, highlighting the need to break with universalizing narratives that homogenize migratory experiences. The starting question is ?whether, and to what extent, the access and permanence of non-white migrant students from the Global South in federal universities in southern Brazil can acquire an Afro-reparative character and guarantee a dignified reception in the country?. The hypothesis is that affirmative action is important to ensure the reception of migrants in Brazil, but that it conceives the subjects in a universalizing way, without racializing them, to provide effective redress and guarantee rights. The study uses the hypothetico-deductive method, structured around three specific objectives. First, it establishes a theoretical dialogue between coloniality, the racialization of migration and the Afro-reparatory agenda. Second, it investigates the experiences of public institutions of higher education in the South between 2019 and 2024, focusing on the Federal University of Latin American Integration (UNILA), the Federal University of Santa Catarina (UFSC), and the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS). Finally, the potential of educational policies to promote racial justice and historical reparation is analyzed, considering dignified reception as a fundamental pillar. The results show that migrant-specific admissions notices at federal universities represent important advances, but they still operate under a logic that ignores the racialization of migration. Existing policies categorize migrants in a universalizing way, without addressing structural inequalities resulting from coloniality and racism. For example, UNILA, with its focus on regional integration and the historical inclusion of Haitians, plays an important role in challenging the hegemonic logic centered on the North-South axis. However, even in initiatives such as this one, the racialized perspective still does not occupy a central place. Moreover, the study shows that universities, despite being spaces of resistance and struggle for rights, often reproduce oppressive structures. By addressing the intersections between migration, race and education, the research suggests that educational policies can be instrumentalized to expand rights, going beyond higher education. The inclusion of immigrants in the academic sphere drives debates on health, family reunification and other rights, highlighting the inadequacy of current policies.