"Covardia" e castigo: a imunização de agentes de Estado no caso de torturas da Penitenciária de São Pedro de Alcântara

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"Covardia" e castigo: a imunização de agentes de Estado no caso de torturas da Penitenciária de São Pedro de Alcântara

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Title: "Covardia" e castigo: a imunização de agentes de Estado no caso de torturas da Penitenciária de São Pedro de Alcântara
Author: Zimmermann, Aline Amábile
Abstract: Entre 2012 e 2013, o Estado de Santa Catarina vivenciou uma série de ações contra ônibus, carros oficiais, postos de polícia e unidades prisionais, descritas pela mídia como “ondas de ataques” do Primeiro Grupo Catarinense (PGC). Esses eventos teriam sido desencadeados por “sessões de tortura” realizadas por agentes penitenciários contra detentos do Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara, entre 5 e 9 de novembro de 2012, como represália ao assassinato de uma agente penitenciária, esposa do então diretor da unidade. Da chamada “maior crise de segurança pública catarinense”, resultaram o indiciamento de mais de 90 presos, a transferência de supostos “líderes” para fora do Estado e a condenação de 80 pessoas por envolvimento com a facção e os ataques de 2012-2013. Enquanto as ações atribuídas aos “integrantes do PGC” foram punidas já em 2015, aquelas cometidas por agentes penitenciários e autoridades públicas foram imunizadas: a ação penal de denúncia de tortura foi encerrada com a absolvição de todos os réus em 2020, e a ação civil pública de improbidade administrativa foi julgada improcedente em 2022. Essa disparidade evidencia a normalização pelo Estado dos abusos no sistema prisional, perpetuando a cultura de violência no tratamento penitenciário. O trabalho investiga os mecanismos utilizados pelas agências do sistema de justiça criminal para construir o processo de imunização dos agentes de Estado denunciados por tortura. A pesquisa busca contribuir para reflexões no campo da criminologia crítica e dos direitos humanos sobre o papel dessas agências na impunidade de crimes de Estado e na reprodução da violência no sistema prisional, além de servir como reparação social ao reconstruir a memória das vítimas. Adotou-se o estudo de caso como metodologia principal, com uma abordagem empírica e etnográfica. Os dados, fruto da interação entre a pesquisadora e o campo, foram obtidos de documentos processuais e notícias veiculadas em mídias digitais e observados com aporte da criminologia crítica. A análise identificou categorias que descrevem os mecanismos de imunização. As polícias atuaram por meio de engrenagens de contenção, como a mitigação do enquadramento legal, a omissão nas perícias técnicas, a imobilização na busca de suspeitos e a busca pela criminalização das vítimas, para limitar a produção de provas e encerrar as investigações na fase de inquérito. O Poder Judiciário operou com engrenagens de convalidação, como a diminuição da gravidade dos danos, a culpabilização das vítimas, a redução do valor probatório das vítimas, a ratificação da fabulação exculpatória e a interpretação do caso pelo “saber técnico” da doutrina da intervenção penitenciária, para validar juridicamente os atos dos agentes e enquadrar os fatos na excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal. O Ministério Público utilizou engrenagens de autorrealização da profecia, caracterizadas pela inércia diante da absolvição, ao não recorrer da decisão judicial, interrompendo a possibilidade de responsabilização criminal. Por fim, a Administração Penitenciária empregou engrenagens de blindagem institucional, omitindo registros, promovendo falta de transparência e utilizando estratégias como o anonimato de agentes e promoções para proteger os envolvidos.Abstract : Between 2012 and 2013, the state of Santa Catarina experienced a series of actions targeting buses, official vehicles, police stations, and prison units, described by the media as “waves of attacks” by the Primeiro Grupo Catarinense (PGC). These events were allegedly triggered by “torture sessions” conducted by prison officers against inmates at the São Pedro de Alcântara Penitentiary Complex between November 5 and 9, 2012, in retaliation for the murder of a prison officer, who was the wife of the then-director of the facility. From what was called "the greatest public security crisis in Santa Catarina," over 90 inmates were indicted, alleged "leaders" were transferred out of the state, and 80 individuals were convicted for their involvement with the faction and the 2012-2013 attacks. While actions attributed to "PGC members" were punished as early as 2015, those committed by prison officers and public authorities were shielded: the criminal case denouncing torture was closed with the absolution of all defendants in 2020, and the civil action for administrative misconduct was dismissed as unfounded in 2022. This disparity highlights the normalization of abuses in the prison system by the state, perpetuating a culture of violence in penitentiary practices. This work investigates the mechanisms employed by criminal justice system agencies to construct the process of shielding state agents accused of torture. The research aims to contribute to critical criminology and human rights reflections on the role of these agencies in enabling impunity for state crimes and reproducing violence in the prison system. Additionally, it seeks to serve as a form of social reparation by reconstructing the memory of the victims. A case study was adopted as the main methodology, with an empirical and ethnographic approach. Data, resulting from the interaction between the researcher and the field, were obtained from procedural documents and digital media reports and analyzed through the lens of critical criminology. The analysis identified categories that describe mechanisms of shielding. The police operated through containment mechanisms, such as mitigating the legal framing, omitting technical forensic evidence, immobilizing suspect investigations, and criminalizing victims to limit evidence production and close investigations during the inquiry phase. The Judiciary employed validation mechanisms, such as downplaying the severity of harm, blaming victims, reducing the evidentiary value of victim testimonies, endorsing exculpatory fabrications, and interpreting the case through the "technical knowledge" of penitentiary intervention doctrine to legally validate agents' actions and classify the facts under the justification of strict legal duty. The Public Prosecutor’s Office utilized mechanisms of self-fulfilling prophecy, characterized by inaction in the face of acquittal, failing to appeal judicial decisions and thereby halting the possibility of criminal accountability. Finally, the Penitentiary Administration employed institutional shielding mechanisms, such as omitting records, promoting a lack of transparency, and using strategies like agent anonymity and promotions to protect those involved.
Description: Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2024.
URI: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/264040
Date: 2024


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