"Aguafuertes montevideanas": cartografia histórica cultural dos espaços geográficos e sociais de consumo cultural da infância da cidade de Montevidéu na primeira década dos anos 2000

Abstract

Montevidéu não é apenas a capital econômico-administrativa do Uruguai, mas também a principal capital cultural do país. A cidade concentra a maior parte dos agentes culturais responsáveis por instituir e organizar a ação cultural, abrangendo o mercado, os espaços geográficos e sociais de consumo cultural, a gestão cultural e a cidadania, com foco nos processos de produção e transmissão de bens simbólicos e de consciências urbanizadas. O início do século XXI marcou simbolicamente a ascensão de uma sociedade de consumo e de globalização cultural, onde a cultura se tornou um processo multinacional e uma articulação de recursos acessível a qualquer cidadão, independentemente de sua nacionalidade, religião ou ideologia. A imagem da infância, concebida no século XX como um espaço simbólico onde os adultos projetavam o futuro e suas utopias políticas, econômicas e sociais, foi transformada pela sociedade de consumo. As crianças passaram a assumir uma nova função econômica como pequenos consumidores, participantes ativas desse modelo social. Essas novas configurações culturais, intimamente ligadas ao consumo, redesenharam as dinâmicas de socialização e exigiram processos que incluíssem as crianças nos circuitos de consumo, influenciando as decisões de compra das famílias e tornando-as agentes ativos na sociedade de consumo. Além disso, essas mudanças contribuíram para a formação de novas personalidades que perpetuam o consumo e o capital. Esta dissertação tem como objetivo realizar uma cartografia histórica e cultural dos espaços geográficos e sociais de consumo cultural da cidade de Montevidéu, Uruguai, na primeira década dos anos 2000, com o intuito de compreender as relações entre a cidade e a infância. Para a construção dessa cartografia, foi planejada uma abordagem interpretativa que considera o espaço vivido e imaginado, com ênfase nas dinâmicas sociais e culturais, utilizando leituras alternativas e contra-hegemônicas sobre o espaço urbano. A metodologia incluiu entrevistas qualitativas semiestruturadas com indivíduos nascidos entre 1994 e 2002, que passaram sua infância em Montevidéu durante os anos 2000. A análise desses espaços de consumo cultural desvenda as complexidades das dinâmicas urbanas necessárias para a reprodução da vida social sob o capitalismo e explora como as subjetividades de adultos e crianças se sobrepõem nas novas propostas culturais, especialmente com a crescente mediação tecnológica que passou a organizar os elementos lúdicos na cultura. Por fim, este trabalho propõe um debate sobre o papel da educação como facilitadora na superação da lógica capitalista. Superar o capital exige um refazimento do ser humano e, ao observar a relação entre a cidade e a consciência, também se faz necessário repensar o refazimento da cidade.

Abstract: Montevideo is not only Uruguay's economic and administrative capital, but also the country's main cultural capital. The city concentrates most of the cultural agents responsible for instituting and organizing cultural action, covering the market, the geographical and social spaces of cultural consumption, cultural management and citizenship, with a focus on the processes of production and transmission of symbolic goods and urbanized consciousness. The beginning of the 21st century symbolically marked the rise of a consumer society and cultural globalization, where culture has become a multinational process and an articulation of resources accessible to any citizen, regardless of their nationality, religion or ideology. The image of childhood, conceived in the 20th century as a symbolic space where adults projected the future and their political, economic and social utopias, has been transformed by consumer society. Children have taken on a new economic role as petit consumers, active participants in this social model. These new cultural configurations, closely linked to consumption, have redesigned the dynamics of socialization and demanded processes that include children in consumer circuits, influencing families' purchasing decisions and making them active agents in consumer society. These changes have also contributed to the formation of new personalities that perpetuate consumption and capital. The aim of this dissertation is to carry out a historical and cultural mapping of the geographical and social spaces of cultural consumption in the city of Montevideo, Uruguay, in the first decade of the 2000s, in order to understand the relationship between the city and childhood. In order to build this cartography, an interpretive approach was planned that considers the lived and imagined space, with an emphasis on social and cultural dynamics, using alternative and contra-hegemonic readings of the urban space. The methodology included semi-structured qualitative interviews with individuals born between 1994 and 2002, who grew up in Montevideo during the 2000s.The analysis of these spaces of cultural consumption reveals the complexities of the urban dynamics necessary for the reproduction of social life under capitalism and explores how the subjectivities of adults and children overlap in the new cultural proposals, especially with the growing technological mediation that has started to organize the ludic elements in culture. Finally, this work proposes a debate on the role of education as a facilitator in overcoming capitalist logic. Overcoming capital requires a remaking of the human being and, on observing the relation between the city and consciousness, it is also necessary to think about the remaking of the city.