Entre wiphalas e fuzis: a estruturação do golpe de Estado na Bolívia em 2019

Abstract

A presente dissertação busca analisar o processo de estruturação do golpe de Estado ocorrido entre outubro e novembro de 2019 na Bolívia, que destituiu o presidente progressista Evo Morales. Para tal, nossa pesquisa pauta-se por uma abordagem a partir de dois eixos teórico-metodológicos: de um lado, da teoria marxista da dependência (TMD) e suas contribuições para o estudo da geopolítica latino-americana; de outro, pelos estudos acerca de modalidades contemporâneas de desestabilização nacional e ofensiva imperialista à luz da doutrina de dominação de espectro completo. A partir deste referencial, objetiva-se a análise da crise político-institucional boliviana compreendendo duas evoluções paralelas e interligadas: em primeiro lugar, a compreensão sobre a evolução do processo de transformação social encabeçado por Evo Morales e pelo Movimiento al Socialismo (MAS), denominado Proceso de Cambio, entendendo suas perspectivas estratégicas, suas dinâmicas internas (especialmente na relação contraditória entre o oficialismo e os setores populares), bem como seus limites e contradições estruturais. Segundo, reconhecendo que os eventos registrados entre outubro e novembro de 2019 não são um fenômeno isolado, busca-se compreender a evolução da ofensiva da oposição nacional em simbiose com o projeto estadunidense de desestabilização do Proceso de Cambio. Nesse sentido, em diálogo com a análise destas evoluções, a investigação sobre o golpe de Estado contra Evo e o MAS busca pontuar a dimensão geopolítica da luta de classes na Bolívia, observando a centralidade do país e de seus recursos estratégicos na geopolítica regional e nas conjunturas latino-americanas. Com esta compreensão, observa-se a estruturação do golpe tendo como marco cronológico central o referendo sobre possibilidade de reeleição de Evo em 2016 até a consolidação do governo de facto de Jeanine Ánez, observando: a construção de uma narrativa anti-Evo e anti-MAS a partir de uma articulação opositora internacional; os elementos de legitimação do golpe, impondo questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral; a conformação de um processo de desobediência civil pautado pelo terrorismo social e racial e pela leniência das forças de segurança; e o estabelecimento de um governo ditatorial a partir da repressão popular e do apoio de países aliados. A investigação aponta que a ofensiva opositora contou com apoio direto ou indireto de distintos atores internacionais, como think tanks, agentes do governo estadunidense e instituições de política externa dos Estados Unidos, tanto para a construção de uma narrativa quanto para a operacionalização do golpe. Destarte, a análise destaca a conspiração civil junto a setores-chave das Forças Armadas e da polícia para garantir a não repressão dos atos de rua e posteriormente para a entrada ativa destas forças no golpe de Estado. Por fim, a pesquisa caracteriza o governo de facto a partir da tentativa de retorno neoliberal e dos processos de repressão aos movimentos e setores populares.

Abstract: This dissertation seeks to analyze the process of structuring the coup d'état that occurred between October and November 2019 in Bolivia, which ousted progressive president Evo Morales. To this end, our research is guided by an approach based on two theoretical and methodological axes: on the one hand, the Marxist Dependency Theory (TMD) and its contributions to the study of Latin American geopolitics; on the other, by studies on contemporary modalities of national destabilization and imperialist offensive in light of the doctrine of full-spectrum dominance. Based on this framework, the aim is to analyze the Bolivian political-institutional crisis by encompassing two parallel and interconnected developments: first, to understand the evolution of the process of social transformation led by Evo Morales and the Movimiento al Socialismo (MAS), called Proceso de Cambio, understanding its strategic perspectives, its internal dynamics (especially in the contradictory relationship between the government and the popular sectors), as well as its limits and structural contradictions. Second, recognizing that the events recorded between October and November 2019 are not an isolated phenomenon, we seek to understand the evolution of the national opposition offensive in symbiosis with the US project to destabilize the Proceso de Cambio. In this sense, in dialogue with the analysis of these developments, the investigation into the coup d'état against Evo and the MAS seeks to highlight the geopolitical dimension of the class struggle in Bolivia, observing the centrality of the country and its strategic resources in regional geopolitics and in Latin American conjuncture. With this understanding, we observe the structuring of the coup, having as its central chronological milestone the referendum on the possibility of Evo's reelection in 2016 until the consolidation of the de facto government of Jeanine Ánez, observing: the construction of an anti-Evo and anti-MAS narrative based on an international opposition articulation; the elements of legitimacy of the coup, raising questions about the fairness of the electoral process; the formation of a process of civil disobedience guided by social and racial terrorism and the leniency of security forces; and the establishment of a dictatorial government based on popular repression and the support of allied countries. The investigation indicates that the opposition offensive had direct or indirect support from various international actors, such as think tanks, US government agents and US foreign policy institutions, both in constructing a narrative and in operationalizing the coup. Thus, the analysis highlights the civil conspiracy with key sectors of the Armed Forces and the police to ensure that the street protests were not repressed and, later, for the active participation of these forces in the coup d'état. Finally, the research characterizes the de facto government based on the attempted neoliberal return and the processes of repression of popular movements and sectors.