Aprendizagem coletiva no enfoque dos sistemas socioecológicos adaptativos: obstáculos e margens de manobra jurídicas para a sua implementação no Antropoceno

Abstract

Com o ingresso do planeta no Antropoceno e o comprometimento das bases de sustentação da vida da biosfera, a efetividade do Direito para conter as tendências evolutivas em curso vem sendo questionada. Isso implica avaliar as insuficiências e as limitações da epistemologia e dos critérios interpretativos convencionais, ainda fortemente ancorados em uma visão utilitária, fragmentadora e mecanicista da natureza. A presente pesquisa focaliza a temática da aprendizagem coletiva, à luz do enfoque dos sistemas complexos adaptativos, e as suas possíveis implicações para uma modificação nos arranjos jurídico-institucionais e nos esquemas interpretativos convencionais. O trabalho propôs-se a investigar os bloqueios ao desenvolvimento de mecanismos de aprendizagem coletiva (concernentes ao comprometimento dos sistemas socioecológicos) embutidos nessa visão institucional em vigor e na hermenêutica predominante. Como hipótese, sustentou-se que a visão jurídica convencional (formalista e centralizadora) contribui para o aumento do tempo de resposta do Direito aos feedbacks dos sistemas socioecológicos e dificulta o estabelecimento de um ambiente jurídico-institucional voltado à implementação e à manutenção de interações socioinstitucionais contínuas e repetidas. O enfoque analítico contemplou contribuições advindas da Ecologia Política, da literatura sobre cogestão adaptativa de recursos comuns, da teoria dos Sistemas Complexos e da abordagem do Direito como um Sistema Complexo Adaptativo. A pesquisa qualitativa desenvolvida utilizou o método hipotético-dedutivo e a abordagem interdisciplinar. Foram investigadas três situações problemáticas regionais em Santa Catarina: a contaminação das águas em razão do uso de agrotóxicos, o Programa de Gerenciamento Costeiro e as medidas estruturais requeridas pela sociedade civil em Ação Civil Pública referente à Lagoa da Conceição-SC. A pesquisa recorreu à coleta de dados secundários, documentações e revisão bibliográfica. Foi confirmada a hipótese explicativa formulada. Nos casos investigados, verificaram-se obstáculos à formação de uma conscientização social sobre o funcionamento dos sistemas socioecológicos, bem como a consolidação de uma visão jurídica centralizadora e práticas anti-reflexivas dos órgãos públicos e dos setores econômicos influentes no âmbito regional. Possíveis margens de manobra contemplam a incorporação, nos procedimentos hermenêuticos e nos arranjos institucionais, de uma visão sociológica-sistêmica do Direito, na rota da sua ecologização. Devem ser encorajadas avaliações (em ambiente deliberativos ou por coletivos inter e transdisciplinares) concernentes ao funcionamento dos sistemas socioecológicos, a sua estrutura e jogo-de-atores, às tendências evolutivas, aos seus objetivos, aos seus pontos de resistência a mudanças e à identificação de leverage points. Por essa linha de atuação, é possível conferir contornos concretos ao princípio da integridade ecológica. Por outro lado, diante do contexto sociopolítico e econômico anti-limitante e anti-reflexivo, o fluxo de informações acuradas, o favorecimento de atribuições integrativas por parte dos órgãos do Estado, a revisibilidade dos encaminhamentos jurídicos judiciais e extrajudiciais e o incentivo à formação de networks são convergentes com o objetivo de consolidação progressiva de mecanismos de aprendizagem coletiva. Em consideração às limitações dos arranjos jurídico-institucionais no formato top down, devem ser encorajados formatos construtivos de engajamento direto e auto-organizado nos planos regional e local, mais responsivos, adaptáveis, legitimados socialmente e atentos às diferentes representações cognitivas e valorativas dos atores sociais.

Abstract: With the entry of the planet into the Anthropocene and the undermining of the foundations for sustaining life in the biosphere, the effectiveness of Law in containing ongoing evolutionary trends has been questioned. This implies assessing the shortcomings and limitations of epistemology and conventional interpretative criteria, which are still strongly anchored in a utilitarian, fragmenting and mechanistic view of nature. The present research focuses on the theme of collective learning, in the light of the approach of complex adaptive systems, and its possible implications for a change in legal-institutional arrangements and in conventional interpretative schemes. The work proposed to investigate the obstacles to the development of collective learning mechanisms (concerning the commitment of socio-ecological systems) embedded in this institutional vision in force and in the prevailing hermeneutics. As a hypothesis, it was argued that the conventional legal view (formalist and centralizing) contributes to increasing the Law's response time to feedback from socio-ecological systems and hinders the establishment of a legal-institutional environment aimed at the implementation and maintenance of socio-institutional interactions continuous and repeated. The analytical focus included contributions from Political Ecology, the literature on adaptive co-management of common resources, the theory of Complex Systems and the approach to Law as a Complex Adaptive System. The qualitative research developed used the hypothetical-deductive method and the interdisciplinary approach. Three regional problematic situations were investigated in Santa Catarina: water contamination due to the use of pesticides, the Coastal Management Program and the structural measures required by civil society in a Public Civil Action regarding Lagoa da Conceição-SC. The research resorted to the collection of secondary data, documentation and bibliographic review. The formulated hypothesis was confirmed. In the investigated cases, there were obstacles to the formation of social awareness about the functioning of socio-ecological systems, as well as the consolidation of a centralizing legal vision and anti-reflective practices of public agencies and influential economic sectors at the regional level. Possible margins for maneuver contemplate the incorporation, in hermeneutic procedures and institutional arrangements, of a sociological-systemic view of Law, in the route of its greening. Assessments should be encouraged (in a deliberative environment or by inter and transdisciplinary collectives) concerning the functioning of socio-ecological systems, their structure and player-play, evolutionary trends, their objectives, their points of resistance to changes and the identification of leverage points. Through this line of action, it is possible to give concrete contours to the principle of ecological integrity. On the other hand, in view of the anti-limiting and anti-reflective socio-political and economic context, the flow of accurate information, the favoring of integrative attributions by State bodies, the reviewability of judicial and extrajudicial legal referrals and the encouragement of the formation of networks remain convergent with the objective of progressive consolidation of collective learning mechanisms. In consideration of the limitations of legal-institutional arrangements in the top down format, constructive formats of direct and self-organized engagement at the regional and local levels, which are more responsive, adaptable, socially legitimized and attentive to the different cognitive and value representations of social actors, should be encouraged.