O processo civil de interesse público no paradigma publicista-cooperativo

Abstract

O processo civil dialoga com a ciência política. A figura equivalente ao que, hodiernamente, se concebe como o juiz (tanto quanto qualquer magistrado ou autoridade investido de poderes semelhantes, ao longo da história), ora arbitrava conflitos privados, ora servia como executor das vontades do governante, na exata medida em que os ciclos históricos foram vividos pela humanidade. A partir do século XX, os direitos sociais capturam a emergente ciência processual ? e o processo civil (outrora um apêndice do direito material, e permeado pela postura de desconfiança e vigilância quanto ao papel histórico dos magistrados pré-­revolução francesa) passa a estar direcionado à concretização de uma série de escopos ligados à reafirmação do papel do Estado e à garantia de imposição do direito objetivo em face dos jurisdicionados; secundariamente, estes resguardariam estes direitos em nome próprio para, através da garantia do acesso à justiça, acionarem os mecanismos estatais de concretização do Direito para o caso concreto. Essa lógica, no entanto, foi hipertrofiando o papel da jurisdição, de modo que a rigidez dos formalismos publicistas teve que se readaptar à realidade da atividade jurisdicional, a partir do momento em que os números desastrosos apresentavam um quadro de colapso do sistema judiciário. Eis que de um paradigma hiperpublicista, o atual Código de Processo Civil se dedica a tratar de normas fundamentais, dentre as quais o dever-poder de o Estado privilegiar a solução extrajudicial dos (seus) conflitos, e o de entrega de uma prestação jurisdicional justa (e como tal, célere, de mérito e satisfativa) e pautada pela cooperação dos sujeitos processuais para com aqueles objetivos. Ao mesmo tempo, a Constituição Federal de 1988 pré­-formatou uma extensa agenda política concretizável pela via judicial ? una e inafastável ? de modo que o processo civil de interesse público, em princípio materializado por diplomas legislativos que tutelam direitos coletivos, tornou­-se absolutamente ineficaz e incapaz de concretizar direitos sem que se confira ? paradoxalmente ? flexibilidade procedimental. O processo civil tradicional/pré­-formatado, portanto, não é capaz de concretizar suas próprias normas fundamentais, em se tratando de processos de interesse público, se não pela compreensão de um modelo publicista­-cooperativo que conceba um padrão condutor e decisório característico, capaz de condicionar o comportamento das partes e dos juízes e de impor consequências pelo seu descumprimento.

Abstract: The civil process dialogues with political science. The figure equivalent to what is currently conceived as the judge (as much as any magistrate or authority invested with similar powers throughout history), sometimes arbitrated private conflicts, sometimes served as the executor of the ruler's will, to the exact extent that the historical cycles were lived by humanity. From the 20th century onwards, social rights capture the emerging procedural science ? and the civil procedure (once an appendix to material law, and permeated by a posture of distrust and vigilance regarding the historical role of pre­French revolution magistrates) starts to be directed to the implementation of a series of scopes linked to the reaffirmation of the State's role and to the guarantee of imposition of the objective law in the face of jurisdictions; secondarily, they would safeguard these rights in their own name to, through the guarantee of access to justice, trigger the state mechanisms for the realization of the Law for the specific case. This logic, however, hypertrophied the role of jurisdiction, so that the rigidity of publicist formalisms had to be readjusted to the reality of jurisdictional activity, from the moment when the disastrous numbers presented a picture of the collapse of the judicial system. From a hyperpublicist paradigm, the current Code of Civil Procedure is dedicated to dealing with fundamental norms, among which the duty­power of the State to privilege the extrajudicial solution of (its) conflicts, and the delivery of a fair judicial provision (and as such, swift, meritorious and satisfactory) and guided by the cooperation of procedural subjects towards those objectives. At the same time, the Federal Constitution of 1988 pre­formatted an extensive political agenda that could be achieved through the courts ? one and undisputed ? so that the civil process of public interest, in principle materialized by legislative diplomas that protect collective rights, became absolutely ineffective and incapable of realizing rights without conferring ? paradoxically ? procedural flexibility. The traditional/pre­formatted civil process, therefore, is not able to implement its own fundamental norms, in the case of public interest processes, if not through the understanding of a publicist­cooperative model that conceives a characteristic, capable conducting and decision­making standard to condition the behavior of the parties and judges and to impose consequences for their non­compliance.