"Na escola não entra tiro": expectativas e estratégias escolares de mulheres-mães empobrecidas de uma comunidade de Florianópolis/SC

Abstract

A análise das desigualdades escolares objetivas mostra a disparidade escolar entre ricos e pobres. Os dados estatísticos reafirmam das mais distintas formas que a escola nula ou escassa influência tem sobre as grandes chagas da sociedade brasileira, como as sequelas de um passado escravocrata e o alto índice de crimes violentos nos bairros mais empobrecidos. Também é possível assumir que a escola ? sobretudo aquela desenhada para atender aos mais pobres do país ? tem falhado em seu papel, no que compete à emancipação intelectual de seus estudantes; não tem contribuído para ampliar significativamente a mobilidade social dos mais desfavorecidos economicamente e, fato incansavelmente constatado pela Sociologia da Educação, tende a contribuir para a manutenção das desigualdades. Sendo assim, uma pergunta, ainda que óbvia, não poderia deixar de ser feita: qual papel, afinal, a escola desempenha na vida das pessoas cujo cotidiano é demarcado pela privação dos bens sociais básicos? Mobilizada por esta questão é que esta pesquisa foi produzida. Especificamente, o objetivo principal deste estudo é conhecer e analisar o papel imputado à escola por mulheres-mães- majoritariamente negras - que vivem em condição de pobreza, residentes na comunidade Monte Cristo, em Florianópolis (SC), tomando como base suas expectativas e estratégias escolares. A comunidade é reconhecida pela condição de pobreza de seus moradores e também pelo alto índice de crimes violentos, ocasionados, sobretudo, pela guerra entre os traficantes que comandam a região. A realização de entrevistas e a inserção durante cinco meses na comunidade possibilitaram a defesa da tese de que em contextos de pobreza e extrema pobreza mulheres-mães tendem a redimensionar o papel da escola como promotora de justiça social, esperando que esta instituição atenda suas necessidades mais prementes, tanto nos aspectos objetivos, quanto nos subjetivos. Sendo assim, a expectativa das mães em relação à escola abarca questões de justiça, pela via do assistencialismo e pela proteção da vida dos alunos, mas também se direciona às suas perspectivas de futuro, de dignidade e de esperança. Metodologicamente, este trabalho tem inspiração etnográfica, justificada pela postura assumida durante a coleta de dados e pelos instrumentos utilizados, como as entrevistas, diários de campo e observação participante. A análise das entrevistas se deu principalmente à luz da sociologia, elegendo categorias como justiça social na perspectiva do jusnaturalismo, destacando os estudos de Émile Durkheim, Pierre Bourdieu e François Dubet na interpretação da função social da escola e abrangendo leituras sociológicas sobre categorias essenciais a esta tese, como a fome e a violência.<br>

Abstract : Analysis of objective school inequalities reveals the disparity in schooling between rich and poor. Statistical data reaffirm the various ways that schools have little or no influence on Brazil?s large social problems, such as the scars of historic slavery and the high rate of violent crime in the poorest neighborhoods. It is also possible to assume that schools ? particularly those designed to serve the poorest people in the country ? have failed in their role to intellectually emancipate students. They have not contributed to significantly expanding the social mobility of the most economically disfavored and tend to contribute to the maintenance of inequalities, a fact regularly found by the Sociology of Education. Thus, one obvious question must be raised: what role do schools perform in the lives of people marked daily by the privation of basic social goods? This study was mobilized by this question. The main objective of the study is to know and analyze the role expected from schools by women and mothers who live in situations of poverty who are residents of the community of Monte Cristo, in Florianópolis (SC). The community is known for the poverty of its residents and the high rate of violent crimes, caused above all by the war among drug traffickers. The realization of interviews and an insertion for five months in the community allow defending the thesis that in contexts of poverty and extreme poverty, women and mothers tend to give new dimensions to the role of schools and see them as promoters of social justice, expecting that the institutions will serve their more pressing needs, both in objective and subjective aspects. Thus, the expectations of the mothers in relation to schools encompass questions of justice, involving the protection of students? lives and social assistance, but also focuses on their perspectives for the future, dignity and hope. Methodologically, this study has an ethnographic inspiration, justified by the position assumed during the data collection and by the instruments used, including interviews, field diaries and participant observation. The analysis of the interviews was conducted mainly from a sociological perspective, using categories such as social justice from the perspective of natural law, highlighting studies of Emile Durkheim, Pierre Bourdieu and François Dubet to interpret the social function of schools and engage in sociological readings about categories essential to this thesis, such as hunger and violence.