Title: | Direito ambiental comparado: a valorização do patrimônio das áreas protegidas brasileiras e francesas |
Author: | Leite, André Olavo |
Abstract: |
Introdução: Apesar da impressionante capacidade técnico-científica das sociedades modernas, e em grande medida como consequência dela, vários indicadores não deixam dúvidas sobre a destruição acelerada da natureza do planeta. Embora os sinais dessa degradação tenham sido percebidos em vários momentos da história, é a partir da Revolução Industrial que o homem adquire a habilidade tecnocientífica necessária para superar a capacidade regenerativa do planeta, e decide organizar-se para combater seus efeitos negativos. Trata-se de um marco dos objetivos contemporâneos de proteção ambiental, que resultou na institucionalização de uma ferramenta operacional privilegiada: a área natural protegida. Nascidas como uma resposta à modernidade e caracterizadas pela segregação espacial entre homem e natureza, progressivamente novos objetivos vêm sendo adicionados aos objetivos tradicionais desses territórios, que resultam da evolução das teorias cientificas que justificam sua gestão e de preocupações com suas populações locais e a necessidade de integra-los aos objetivos mais amplos do desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, a noção de valorização do patrimônio ambiental vem sendo identificada como sendo capaz de responder aos atuais desafios das políticas públicas de proteção da natureza, e progressivamente os direitos nacionais dos países têm visto o surgimento de dispositivos legais objetivando valorizar o patrimônio de suas áreas protegidas. Contudo, os mecanismos que levam os Estados a desenvolvê-las e o processo de diversificação dessas respostas jurídicas em cada país permanecem mal compreendidos. Objetivos : Este trabalho propõe-se a mostrar, por meio do direito comparado, que os dispositivos do direito público brasileiro e do direito público francês para valorização do patrimônio das áreas protegidas se distinguem por suas abordagens: no direito brasileiro, a valorização prioriza a integração do investimento privado à exploração sustentável do patrimônio das áreas protegidas, ao passo que no direito francês a abordagem centra-se principalmente na valorização da identidade dessas áreas. Com essa finalidade principal, a tese é composta de quatro seções que se sucedem. Sua Introdução define os conceitos que enquadram a pesquisa realizada; contextualiza esses conceitos e a temática pesquisada, de forma a mostrar seus limites e implicações; e precisa a questão que ela busca responder. Na sequência, sua Primeira Parte identifica um quadro comparativo pertinente para os regimes jurídicos das áreas protegidas brasileiras e francesas. Sua Segunda Parte demonstra o reconhecimento político e cientifico do interesse de valorizar o patrimônio ambiental das áreas protegidas, e a presença desse objetivo nos direitos brasileiro e francês. Por fim, sua Terceira Parte identifica e compara os dispositivos dos direitos brasileiro e francês criados com a finalidade de valorizar o patrimônio de suas áreas protegidas. Metodologia : Comparações têm uma longa história nas ciências sociais, e como nessas ciências o direito comparado pode ser dividido em dois níveis, o da ciência do direito comparado e o do método do direito comparado. Este último, corresponde a um conjunto de postulados metodológicos que permitem a construção de relações de similaridade e dissimilaridade entre diferentes questões de fato e, a partir desse contraste, produzir novos conhecimentos a respeito dos direitos estudados. Para que uma comparação seja pertinente o seu objeto deve ser uma questão de fato. Como consequência, a noção de equivalência funcional desempenha um papel operacional importante neste trabalho, que dedica um capítulo à identificação de um conceito capaz de sintetizar os instrumentos de áreas protegidas dos direitos francês e brasileiro que desempenham a mesma função em seus ordenamentos. Reconhecendo o valor limitado de comparações puramente descritivas, este trabalho também emprega um tertium comparationis, uma construção intelectual elaborada de forma idealizada e independente do conteúdo dos direitos comparados, a fim de servir de referência ao estudos destes. Aqui, ele toma a forma da noção de valorização do patrimônio ambiental, que permite mostrar o reconhecimento dos objetivos de valorização nas esferas científica, política e jurídica, e identificar e avaliar os instrumentos jurídicos brasileiros e franceses criados para alcançar esse objetivo. Em relação à diversidade apresentada pelos direitos francês e brasileiro, este trabalho se limita ao direito público aplicado em todo o território nacional. A diversidade desses direitos implica limitações evidentes de tempo e recursos, mas essa decisão baseia-se também no desejo de privilegiar os mecanismos jurídicos nacionais em detrimento das iniciativas privadas ou públicas locais, regionais e internacionais. Resultados : A partir da análise dos regimes jurídicos brasileiros e franceses que respondem ao conceito de área protegida utilizado como referencia neste trabalho, ele identifica uma pluralidade de instrumentos jurídicos dos direitos aqui comparados que são suscetíveis de desempenhar a mesma função de valorização do patrimônio ambiental das áreas protegidas, tal qual aqui definida. Por razões variadas são assim descartados os fundos fiduciários para conservação (FFC), também conhecidos como fundos fiduciários ambientais, as aplicações positivas e negativas do princípio do poluidor-pagador (os esquemas de compensação ambiental e os pagamentos por serviços ambientais), os incentivos para doações privadas para áreas protegidas, e uma série de instrumentos fiscais que fazem parte dos regimes legais das áreas protegidas e que por sua natureza são contribuições compulsórias e impostos. Por outro lado, são identificados como correspondendo à noção de valorização que orienta este trabalho diversos instrumentos: os contratos de delegação de serviços turísticos de áreas protegidas (direito brasileiro); as marcas de áreas protegidas e de seus produtos e serviços (direito francês, com presença marginal no direito brasileiro); as licenças para exploração das identidades de áreas protegidas por entidades privadas (direito brasileiro); os contratos de concessões florestais (direito brasileiro); e as licenças para captação de imagens e sons das áreas protegidas (direito francês e em parte no direito brasileiro). Discussão : A pesquisa empreendida analisa e compara os dispositivos dos direitos brasileiro e francês para a realização do objetivo de valorizar o patrimônio ambiental das áreas protegidas. Além de mostrar os limites desses dispositivos, ele permite conhece-los mais a fundo por meio do contraste que proporciona o método comparado. De maneira mais importante, a análise desses instrumentos permite concluir que a valorização do patrimônio das áreas protegidas é feita principalmente por meio da gestão da imagem pública das áreas protegidas, em direito francês, e pela integração do investimento privado à gestão das áreas protegidas, em direito brasileiro. Os resultados encontrados vão ao encontro de outros trabalhos realizados em anos recentes, que sublinham uma progressiva integração do investimento privado à gestão das áreas protegidas e por vezes sugerem um processo pouco transparente de privatização de espaços públicos. Considerações Finais : A pesquisa expressa neste trabalho permitiu apresentar contribuições significativas para um número de questões. Em particular, esta obra busca revisitar o surgimento das áreas protegidas contemporâneas e distingui-las de exemplos históricos que são antecedentes sobretudo de instrumentos contemporâneos de manejo florestal, um mal-entendido é particularmente difundido da literatura sobre as áreas protegidas. Em seguida, este trabalho apresenta uma definição original de valorização do patrimônio das áreas protegidas. Essa definição leva em conta uma série de trabalhos que tratam da valorização dos bens ambientais, e é desenvolvida de maneira transversal às categorias de valores que normalmente são apresentadas pelos trabalhos sobre o tema. O conceito de valorização enfim proposto é baseado na noção de patrimônio, que é transmitido de geração em geração, e de meio ambiente, que evidentemente inclui elementos naturais, artificiais e culturais. Depois, o segundo capítulo mostra que as sínteses conceituais dos direitos brasileiro e francês não permitem comparações relevantes, pois cada um desses conceitos inclui instrumentos jurídicos muito heterogêneos. No entanto, a análise dessas sínteses conceituais permite mostrar, por um lado, a falta de consenso, no âmbito da doutrina, dos tribunais e da legislação brasileira, sobre o conteúdo da noção de ETEP e sua relação com o conceito de UC. E, por outro lado, ela permite mostrar um crescente reconhecimento legislativo do conceito de espace protégé, no direito francês. Tendo em vista o conteúdo desses conceitos e a falta de equivalência entre eles, este trabalho apresenta uma aplicação original do conceito de área protegida da UICN aos instrumentos legais brasileiros e franceses de proteção dos espaços naturais. Apesar da difusão desse conceito e a abrangência do seu uso, nenhum dos trabalhos que puderam ser identificados faz uma aplicação explícita e fundamentada dessa definição aos instrumentos franceses ou aos instrumentos brasileiros. Depois, este trabalho apresenta análises originais de uma série de documentos científicos, políticos e legislativos, e contribui ao identificar os documentos políticos e científicos mais influentes em termos da definição dos objetivos das áreas protegidas. Embora alguns desses documentos sejam bem conhecidos e sejam objeto de numerosas análises, este trabalho os analisa a partir de um novo ponto de vista original, o da valorização do patrimônio ambiental das áreas protegidas. E enfim a terceira parte desta obra apresenta contribuições originais em termos de identificação e análise dos instrumentos dos direitos brasileiro e francês para a valorização do patrimônio das áreas protegidas. Em outras palavras, a parte final deste trabalho aplica a noção de valorização do patrimônio das áreas protegidas aos principais instrumentos jurídicos criados a fim de financiar os parques, de modo a testar sua compatibilidade com a noção de valorização do patrimônio das áreas protegidas. Em seguida, a pesquisa mostra que, nos direitos francês e brasileiro, os instrumentos jurídicos criados para alcançar o objetivo de valorização do patrimônio das áreas protegidas se caracterizam por abordagens transversais: enquanto os instrumentos do direito francês concernem sobretudo a gestão e a exploração da identidade das áreas protegidas, o direito brasileiro se concentra principalmente na integração do investimento privado à exploração do patrimônio das áreas protegidas. Abstract : Despite the impressive techno-scientific capacity of modern societies, and for the most part precisely as a result of it, several indicators leave no doubt about the accelerated destruction of the nature of the planet. Although signs of this degradation have been perceived at various moments in history, it is from the unprecedented scale it acquires with the Industrial Revolution that mankind becomes aware of its role as an agent of environmental change, and decides to act in order to face it. A milestone in the history of contemporary environmental protection goals, this important change resulted both in the constitution of an autonomous segment of society concerned with the protection of nature, and in the institutionalisation of a specific operational tool: the natural protected area.The impressive success protected areas have found amongst governments should not obscure the fact that this success is a relatively recent phenomenon, and that it is the result of the profound changes nature protection policy has seen in the last decades. On the one hand, these changes have led national states to experience a significant increase in the financial resources needed for the conservation of natural areas, and to recognise that protected areas should benefit from a certain financial independence and contribute to development. And on the other hand, it has become increasingly clear that the effectiveness of protected areas depends on the awareness, education, persuasion and the commitment of the population and, especially, of the local communities of protected areas; and that protected areas can play an important role as experimental territories for the search of new models of social and economic development, because they have both a growing need for financial resources and the necessary regulatory and institutional framework necessary for the development of such new practices.In this sense, the concept of environmental valorisation is increasingly recognised as capable of responding to the current challenges of nature conservation policies, for its aptitude to link the seemingly contradictory goals of nature protection and local economic development. In this work we identify and compare how Brazilian and French law have taken into account this new objectives, and their contributions towards it implementations. In other words, this thesis draws on the valorisation of the environmental assets of protected areas in Brazilian and French law, from a comparative point of view. Towards this objective, it draws successively on the notions of valorisation of the environmental heritage of protected areas, on the scientific, political and legal recognition of this valorisation as being capable of responding to the contemporary challenges of protected areas, and lastly on the legal means introduced in Brazilian and French laws with the purpose of realising this valorization. We show that while French law tends to realise the valorisation of the heritage of their protected areas by managing the identities and identitary elements of their parks, the legal means introduced in Brazilian law tend to concentrate on the integration of private capital in different forms of exploitation of the environmental assets of protected areas. |
Description: | Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2018. |
URI: | https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/198945 |
Date: | 2018 |
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PDPC1402-T.pdf | 7.281Mb |
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