A participação do ensino jurídico na construção de um novo viés cultural por meio da justiça conciliativa

Abstract

No Brasil, o ensino jurídico surge e se desenvolve alicerçado na cultura de sentença, a cultura dominante na seara jurídica, que enaltece a prevalência das decisões judiciais para gestão de conflitos. As figuras da jurisdição contenciosa, da ação e do processo judicial, principalmente no âmbito cível, confirmam a adoção dessa cultura. Atualmente, as legislações, principalmente as de natureza civis, como é o caso do CPC, têm adotado em seu texto uma ideologia conciliativa, que apresenta diversas formas de resolver o conflito e não apenas a sentença. Esse cenário colabora para a transformação e o surgimento de uma nova cultura, a qual incentiva a adoção de métodos diferentes do Poder Judiciário para resolver os conflitos, a emancipação e responsabilização dos envolvidos e o uso do diálogo para chegar ao consenso. No intuito de fomentar essa cultura, sob a ótica da teoria da justiça conciliativa, o ensino jurídico tradicional precisa ser reestruturado. A presente tese busca explorar o papel do ensino jurídico na promoção de uma nova abordagem cultural, por meio dos postulados de uma justiça conciliativa. O objetivo central da pesquisa é investigar se a educação jurídica vem contribuindo para a mudança de uma cultura predominantemente sentenciosa para uma que valorize outros métodos de gestão de conflitos. O problema da pesquisa se concentra em verificar se o ensino jurídico, no Brasil, após as diretrizes curriculares da Resolução n.º 5/2018, do CNE/CES, que instituíram a essencialidade do ensino das formas de autocomposição de conflitos, tem se movido no intuito de transformar a cultura de sentença para uma cultura conciliativa. Para tanto, foi utilizado o método qualitativo, com a análise dos cursos de Direito das 5 (cinco) melhores instituições de ensino superior, conforme o Ranking Universitário Folha 2023, quais sejam: USP, UFMG, FGV-SP, UFRGS e FGV-Rio. Justifica-se a escolha dos presentes cursos, em razão dos demais sempre buscarem se igualar aos melhores. Com efeito, a análise recaiu sobre os PPCs, ementas e planos de ensino disponíveis nos sites das instituições, a fim de observar se estavam cumprindo com os ditames das DCN, por meio da atualização dos PPCs e da presença de disciplinas que contemplam os métodos de resolução de controvérsias diversos ao adjudicado, contribuindo, assim, para a propagação de uma cultura de justiça conciliativa. Como base teórica, o trabalho se fundamenta, principalmente, na teoria dos símbolos da cultura de sentença, de Jéssica Gonçalves, na teoria de justiça conciliativa de Ada Pelegrini Grinover, na teoria da mediação emancipadora e responsável, de Juan Carlos Vezzulla, e nos estudos sobre o ensino jurídico, de Horácio Wanderlei Rodrigues. Os resultados da pesquisa indicam que, embora existam avanços significativos na legislação e normativas do MEC, a cultura de sentença continua se reproduzindo na esfera acadêmica. A educação jurídica, ao incorporar princípios e práticas de consensualidade, tem o potencial de promover uma transformação cultural, visando uma solução jurídica mais justa, cooperativa e orientada para a resolução pacífica de conflitos. Todavia, as instituições ainda resistem em adotar essa nova cultura, o que se comprova pelos PPCs desatualizados e pelas disciplinas específicas com uma carga horária inferior às disciplinas que tratam do processo judicial. Ao final, sugere-se que o NDE, órgão consultivo formado por professores da instituição, responsável por elaborar e atualizar o projeto pedagógico do referido curso, incluam uma disciplina obrigatória, que trate dos meios consensuais de tratamento de conflitos, até o quarto período/fase do curso ou segundo ano, com carga horária compatível com as disciplinas que abordam o processo judicial (igual ou superior), e que, além de desenvolver a cultura de justiça conciliativa, deverá proporcionar o domínio das formas consensuais de composição de conflitos.

Abstract: In Brazil, legal education emerged and developed based on the culture of sentencing, the dominant culture in the legal field, which praises the prevalence of judicial decisions in conflict management. The figures of contentious jurisdiction, the lawsuit and the judicial process, especially in the civil sphere, confirm the adoption of this culture. Currently, legislation, especially civil legislation such as the CPC, has adopted a conciliatory ideology in its text, which presents various ways of resolving the conflict and not just a sentence. This scenario contributes to transformation and the emergence of a new culture, which encourages the adoption of methods other than the Judiciary to resolve conflicts, the emancipation and accountability of those involved and the use of dialog to reach consensus. In order to foster this culture, from the perspective of the theory of conciliatory justice, traditional legal education needs to be restructured. This thesis seeks to explore the role of legal education in promoting a new cultural approach, through the postulates of conciliatory justice. The central aim of the research is to investigate whether legal education has been contributing to the change from a predominantly sententious culture to one that values other methods of conflict management. The research problem focuses on whether legal education in Brazil, after the curricular guidelines of CNE/CES Resolution No. 5/2018, which established the essentiality of teaching forms of self-composition of conflicts, has moved towards transforming the culture of sentencing into a conciliatory culture. To this end, the qualitative method was used, analyzing the law courses of the five (5) best higher education institutions, according to the Folha 2023 University Ranking, namely: USP, UFMG, FGV-SP, UFRGS and FGV-Rio. The choice of these courses is justified by the fact that the others are always trying to keep up with the best. In fact, the analysis focused on the PPCs, syllabuses and teaching plans available on the institutions' websites, in order to see if they were complying with the dictates of the DCN, by updating the PPCs and the presence of subjects that include methods of resolving disputes other than adjudication, thus contributing to the propagation of a culture of conciliatory justice. The work is based mainly on Jéssica Gonçalves' theory of the symbols of sentencing culture, Ada Pelegrini Grinover's theory of conciliatory justice, Juan Carlos Vezzulla's theory of emancipatory and responsible mediation and Horácio Wanderlei Rodrigues' studies on legal education. The results of the research indicate that, although there have been significant advances in legislation and MEC regulations, the culture of sentencing continues to be reproduced in the academic sphere. By incorporating consensual principles and practices, legal education has the potential to promote a cultural transformation aimed at a fairer, more cooperative legal solution geared towards the peaceful resolution of conflicts. However, institutions are still reluctant to adopt this new culture, as evidenced by outdated PPCs and specific subjects with a lower workload than those dealing with the judicial process. In conclusion, it is suggested that the NDE, an advisory body made up of professors from the institution, responsible for drawing up and updating the pedagogical project for the course, include a compulsory subject dealing with consensual means of dealing with conflicts, up to the fourth period/phase of the course or second year, with a workload compatible with the subjects dealing with the judicial process (equal to or greater than), and which, in addition to developing a culture of conciliatory justice, should provide mastery of consensual forms of conflict resolution.