Processamento anafórico em compreensão leitora de texto acadêmico-científico: "o mesmo" sob as lentes da Psicolinguística

Abstract

Estudar a leitura sob as lentes da Psicolinguística envolve pensar nos diferentes processos que ocorrem cognitivamente para que a compreensão seja construída. Nesse sentido, diversos fatores que se relacionam ao texto, ao leitor, à situação e ao contexto de leitura assumem papel relevante. No que diz respeito à presente investigação, busca-se olhar para um elemento inerente ao texto, que atua na sua microestrutura (KINTSCH; RAWSON, 2013) e auxilia na integração textual (KINTSCH; RAWSON, 2013; JUST; CARPENTER, 2013; OAKHIL; CAIN; ELBRO, 2017): a anáfora correferencial. De modo mais específico, centra-se na realização anafórica construída com o sintagma ?o mesmo?, que não tem na correferência uma de suas funções mais salientes e aceitáveis segundo as gramáticas escritas. Busca-se, assim, pensar acerca do papel dessa anáfora correferencial na compreensão em leitura, sobretudo por se tratar de uma construção tida como não adequada para alguns estudiosos da língua (BAGNO, 2012; SACCONI, 1994; ALMEIDA, 2009). Diante disso, este estudo tem por objetivo compreender de que forma e em que medida ?o mesmo? usado como anáfora correferencial influencia no processamento e na compreensão em leitura de texto acadêmico-científico. Esse objetivo geral se desdobra em cinco objetivos específicos: 1. Conhecer o custo de tempo de resposta diante do sintagma ?o mesmo? como anáfora correferencial; 2. Explorar o tempo e a acurácia diante de anáforas correferenciais de forma a relacioná-los a estratégias utilizadas e ao desempenho em leitura de texto acadêmico-científico; 3. Identificar a aceitabilidade do uso de ?o mesmo? como elemento anafórico correferencial em construções sentenciais do PB; 4. Explorar o desempenho e o comportamento estratégico do leitor diante do texto e do sintagma ?o mesmo?; 5. Caracterizar e compreender as estratégias utilizadas durante a leitura de texto acadêmico-científico, no que tange à anáfora, e a relação de tais estratégias com a resolução bem-sucedida dessa anáfora. A hipótese aventada prevê que ?o mesmo? segue um padrão de processamento e de integração semelhante ao do pronome ?ele?. Assim, esperava-se que os resultados em termos de processamento mostrassem que ?o mesmo? pudesse exercer a função de anáfora correferencial, sem que a compreensão em leitura fosse dificultada por maiores custos para o processamento. Trata-se de um estudo experimental com exploração de questões específicas acerca do comportamento leitor e de estratégias empregadas diante das anáforas correferenciais realizadas com o sintagma ?o mesmo?. O enfoque é explicativo, com abordagem do problema feita de forma mista, realizando os processos analíticos por meio de discussões qualitativas e quantitativas. Os participantes da pesquisa foram vinte e seis acadêmicos do curso de Engenharia de Controle e Automação da Universidade Federal de Santa Catarina. A coleta de dados ocorreu em dois momentos. No primeiro, aplicaram-se as técnicas de protocolo verbal (ERICSSON; SIMON, 1993) e de leitura automonitorada (MITCHELL, 2004; KAISER, 2013). No segundo momento, ocorreram o teste de aceitabilidade (SCHÜTZE; SPROUSE, 2013) e o teste de compreensão em leitura (BRASIL, 2016), com a gravação da tela do computador, captando os movimentos realizados pelos participantes por meio do mouse e do teclado. Para análise, as estratégias e o comportamento dos participantes foram categorizados e, após tabulados, foram cruzados com os dados relativos ao tempo de leitura e ao desempenho na compreensão em leitura. O teste de leitura automonitorada mostrou que o pronome e o sintagma são processados de modo semelhante, sem que haja diferenças significativas entre ambos os anafóricos. No que diz respeito à relação entre tempo de leitura e desempenho local, há uma tendência de que quanto maior a pontuação nas questões locais, menor o tempo de leitura das frases construídas com o sintagma e com o pronome. Tal resultado vai em direção ao esperado, já que quanto mais rápida e acurada é a leitura, entende-se que maior será o índice de acerto. No que tange à aceitabilidade, ambos os anafóricos foram considerados aceitáveis, ainda que a aceitabilidade do pronome tenha sido significativamente maior que a do sintagma. Além disso, a partir da análise do comportamento dos participantes durante a realização do teste de compreensão em leitura e dos resultados obtidos no teste, é possível inferir que o uso da anáfora realizada com o sintagma ?o mesmo? não se mostra como um complicador no desempenho dos participantes. Tal resultado se revela verdadeiro também quando são analisadas as estratégias utilizadas pelos participantes. Ou seja, as anáforas realizadas com o sintagma ?o mesmo? não parecem ter afetado de forma negativa a compreensão geral do texto. Portanto, de modo geral, os resultados sugerem que, em termos de processamento, ?o mesmo? pode exercer a função de anáfora correferencial sem que haja problemas para a construção da base textual e sem que compreensão em leitura seja dificultada por maior demanda de processamento.

Abstract: Studying reading through the lenses of Psycholinguistics involves thinking about the different processes that occur cognitively so that understanding can be built. In this sense, several factors that relate to the text, to the reader, to the situation and to the reading context play a relevant role. In respect to the present investigation, we intend to look at an element inherent to the text, which acts on its microstructure (KINTSCH; RAWSON, 2013) and assists in textual integration (KINTSCH; RAWSON, 2013; JUST; CARPENTER, 2013; OAKHIL; CAIN; ELBRO, 2017): the coreferential anaphora. More specifically, it focuses on the anaphoric realization constructed with ?o mesmo?, which does not have in coreference one of its most salient and acceptable functions in Brazilian written grammars. Thus, we propose to investigate the role of this co-referential anaphora in reading comprehension, especially because it is a construction considered inappropriate by some language scholars (BAGNO, 2012; SACCONI, 1994; ALMEIDA, 2009). Therefore, this study aims to understand how and to what extent \"o mesmo\" used as a coreferential anaphor influences the processing and reading comprehension of academic-scientific text. This general goal is divided into five specific objectives: 1. To know the cost of response time in the face of the syntagma ?o mesmo? as a coreferential anaphora; 2. Explore the time and accuracy of coreferential anaphoras in order to relate them to the strategies used and the performance in reading academic-scientific texts; 3. Identify the acceptability of the use of ?o mesmo? as a coreferential anaphoric element in BP (Brazilian Portuguese) sentence constructions; 4. Examine the performance and strategic behavior of the reader in front of the text and the syntagma ?o mesmo?; 5. Characterize and understand the strategies used when reading academic-scientific text, with regard to anaphora, and the relationship of such strategies with the successful resolution of this anaphora. The hypothesis raised for this study predicts that ?o mesmo? follows a pattern of processing and integration similar to that of the pronoun ?ele?. Thus, it was expected that results in terms of processing would demonstrate that ?o mesmo? could perform the function of co-referential anaphora, without reading comprehension being hindered by higher processing costs. It is an experimental study with exploration of specific questions about reader behavior and strategies used in the face of coreferential anaphora carried out with ?o mesmo?. It focuses on an explanatory perspective, with a mixed approach to the problem, carrying out the analytical processes through qualitative and quantitative discussions. The research participants were twenty-six undergraduate students from the Control and Automation Engineering course at the Federal University of Santa Catarina. Data collection took place in two moments. In the first, the techniques of verbal protocol (ERICSSON; SIMON, 1993) and self-paced reading (MITCHELL, 2004; KAISER, 2013) were applied. In the second moment, the acceptability test (SCHÜTZE; SPROUSE, 2013) and the reading comprehension test (BRASIL, 2016) took place, with the recording of the computer screen, capturing the movements performed by the participants through the mouse and keyboard. For analysis, the strategies and behavior of the participants were categorized and, after tabulation, were crossed with data related to reading time and performance in reading comprehension. The self-paced reading test showed that the pronoun ?ele? and ?o mesmo? are processed in a similar way, without significant differences between both anaphoras. Regarding the relationship between reading time and local performance, there is a tendency that the higher the score on local questions, the shorter the reading time of sentences constructed with the syntagma and with the pronoun. This result is in the direction of what was expected, since the faster and more accurate the reading, it is understood that the higher the accuracy rate will be. Regarding acceptability, both anaphoras were considered acceptable, although the acceptability of the pronoun was significantly higher than that of ?o mesmo?. In addition, from the analysis of the participants' behavior during the reading comprehension test and the results obtained in the test, it is possible to infer that the use of the anaphora performed with ?o mesmo\" does not prove to be a complicating factor in the participants' performance. This result is also true when the strategies used by the participants are analyzed. That is, the anaphors made with syntagma ?o mesmo? do not seem to have negatively affected the general understanding of the text. Therefore, in general, the results suggest that, in terms of processing, ?o mesmo? can perform the function of co-referential anaphora without any problem in the construction of the textbase and without the reading comprehension being hampered by greater processing demand.