A disseminação dos saberes expertos no domínio da infância: discursos médicos em torno da infância socialmente problemática
Author:
Lima, Nícolas Bonelli
Abstract:
O trabalho teve por objetivo examinar os olhares da psiquiatria sobre a infância considerada
problemática, em função de atributos e comportamentos definidos como disruptivos de
acordo a determinados parâmetros de normalidade. Do ponto de vista teórico, a perspectiva
adotada se apoiou: a) na consideração da infância como dimensão das tecnologias biopolíticas
na modernidade ; b) no conceito de medicalização de Robert Conrad (2010), que denota o
conjunto de processos caracterizados pela codificação médica de problemáticas anteriormente
localizadas fora do seu domínio; c) na análise do papel das neuronarrativas (MARTÍNEZ-
HERNÁEZ, 2017) nos discursos da psiquiatria contemporânea, caracterizadas pelo
protagonismo de explicações biológicas e de modelos terapêuticos centrados em intervenções
farmacológicas voltadas para a “normalização” dos comportamentos. O desenho
metodológico compreendeu a análise qualitativa de conteúdo de artigos científicos publicados
em periódicos nacionais da área da neuropsiquiatria. Em função das limitações impostas pela
pandemia de SARS – Covid 19, o domínio empírico da pesquisa foi limitado aos artigos
publicados na Revista Brasileira de Psiquiatria no período 2021-2020, levando em
consideração a importância da publicação na área da psiquiatria e a sua disponibilidade em
formato digital. Da análise preliminar dos 25 artigos selecionados, destaca-se: a) o
predomínio da utilização das categorias diagnósticas TDAH, TOC, TOD, bipolaridade,
transtornos do humor e comportamento suicida na descrição e codificação neuropsiquiátrica
do perfil da infância problemática. Em contrapartida, observa-se a ausência de referências a
condições que a psiquiatria infantil associava à figura da criança-problema em períodos
anteriores MITJAVILA, 2020), tais como as relativas ao grupo das deficiências cognitivas; b) a
presença de regularidades discursivas que sugerem o predomínio de modelos etiológicos
baseados na atribuição de causas neurocerebrais e epigenéticas aos diversos tipos de
comportamentos disruptivos, bem como a referência, em menor medida, ao papel etiológico
da família como fator intercorrente, propiciador ou, ainda, propriamente patogênico na
constituição da infância-problema.