Méis de abelhas sem ferrão: perfil físico-químico, bioacessibilidade in vitro de compostos fenólicos e impacto da alimentação artificial à base de juçara

Abstract

Os méis de abelhas sem ferrão (MASF) são produzidos por abelhas que não ferroam, endêmicas de países tropicais e subtropicais. O Brasil é o país que contempla a maior biodiversidade de espécies ? cerca de 250 espécies e, portanto, os MASF produzidos no país possuem características físico-químicas e sensoriais variadas, tornando este um produto singular. A diversidade de MASF produzidos no país é um dos fatores que dificulta a sua inserção no mercado, uma vez que este não é um produto padronizado. Assim sendo, o número de estudos científicos que avaliam as propriedades físico-químicas e bioativas desses méis cresceu exponencialmente na última década, fornecendo dados que contribuem com uma melhor compreensão sobre este alimento e suas particularidades. Diante disso, o objetivo dessa pesquisa foi avaliar MASF de diferentes espécies de Santa Catarina quanto a sua caracterização físico-química e o seu potencial bioativo, além de avaliar MASF produzidos a partir de abelhas alimentadas artificialmente com uma dieta à base de polpa de juçara. Os resultados confirmaram a variada composição química desses méis com destaque para o seu elevado teor de água (umidade e atividade de água), que em conjunto com a sua microbiota diversificada pode acarretar em processos fermentativos. Apesar da fermentação não ter sido investigada, a elevada acidez e o teor de ácidos orgânicos verificados nas amostras contribuem com tal hipótese, uma vez que os ácidos lático, acético e glucônico foram majoritários em todas as amostras. A umidade elevada de MASF, apesar de ser considerada uma característica intrínseca deste alimento, pode estar relacionada com a falta de padronização durante a coleta. É importante mencionar que o néctar coletado pelas abelhas sem ferrão (ASF) é armazenado em potes dentro da colmeia e conforme as abelhas vão adicionando as substâncias necessárias para convertê-lo a mel elas vão selando estes potes até que este seja completamente fechado, indicando a sua maturidade. Desse modo, é comum que somente os méis armazenados em potes fechados sejam coletados, já que este seria o mel maduro. Entretanto, a realização de análises de maturidade (umidade a açúcares) mostrou que algumas amostras de mel de mandaçaia provenientes de potes abertos também possuíam maturidade adequada (inferior a 40 g 100 g-1). Através dessa observação foi possível propor uma análise rápida para verificar a maturidade desse tipo de mel durante a coleta a partir do teor de sólidos solúveis utilizando um refratômetro portátil, no qual um °Brix acima de 55 é capaz de garantir a maturidade do mel de mandaçaia. A aplicação desse método durante a colheita pode otimizar a quantidade de mel coletado uma vez que méis armazenados em potes abertos e fechados poderiam ser coletados, caso sua maturidade fosse confirmada. Ademais, o potencial bioativo dos MASF avaliados foi confirmado a partir dos resultados observados quanto a sua capacidade antioxidante in vitro e a sua variada composição fenólica. Contudo, a bioacessibilidade in vitro dos compostos fenólicos no geral foi baixa, e a concentração dos compostos não foi proporcional a sua taxa de absorção; i.e., concentrações mais elevadas de fenólicos não necessariamente apresentaram alta bioacessibilidade e vice-versa. Isso ocorre porque durante o processo de digestão novas moléculas podem ser sintetizadas ao mesmo tempo que outras são degradadas. Também foi observado que a dieta à base de juçara contribuiu positivamente com a composição fenólica dos MASF, além de contribuir com o fortalecimento das colônias. Apesar do mel proveniente de abelhas alimentadas artificialmente não ser considerado mel genuíno de acordo com os Regulamentos Técnicos e de Qualidade, os resultados demonstraram que as dietas à base de juçara apresentaram alta aceitabilidade pelas abelhas e contribuíram positivamente com a composição fenólica dos méis, além de produzir um mel diferenciado com coloração que variou de vermelho a roxo. Nesse sentido, os resultados obtidos apresentam novas perspectivas sobre as possibilidades de obtenção e comercialização de MASF a partir da elaboração de dietas utilizando alimentos com rica composição nutricional, e.g., fruto de juçara.

Abstract: Stingless bee honey (MASF) is produced by bees that do not sting, endemic to tropical and subtropical countries. Brazil is the country with the greatest biodiversity of species - around 250 species - and therefore, the MASF produced in the country have varied physicochemical and sensory characteristics, making it a unique product. The diversity of MASF produced in the country is one of the factors that hinders its market insertion, as it is not a standardized product. Therefore, the number of scientific studies evaluating the chemical properties and bioactive potential of these honeys has grown exponentially in the last decade, providing data that contribute to a better understanding of this food and its particularities. In view of this, the aim of this research was to evaluate MASF from different species in Santa Catarina regarding their physicochemical characterization and their bioactive potential, as well as to evaluate MASF produced from bees artificially fed with a nutritionally rich diet based on juçara. The results confirmed the varied chemical composition of these honeys, with emphasis on their high-water content (moisture and water activity), which, together with their diversified microbiota, can lead to fermentation processes. Although fermentation was not investigated, the high acidity and the content of organic acids found in the samples contribute to this hypothesis, since lactic, acetic, and gluconic acids were predominant in all samples. The high moisture content of MASF, although considered an intrinsic characteristic of this food, may be related to the lack of standardization during collection. It is important to mention that the nectar collected by stingless bees (ASF) is stored in pots inside the hive, and as the bees add the necessary substances to convert it into honey, they seal these pots until they are completely closed, indicating their maturity. Thus, it is common for only honey stored in closed pots to be collected, as this would be mature honey. However, from the performance of some experiments and laboratory analyses, it was possible to observe that some samples of MASF from open pots also had adequate maturity. Based on this observation, it was possible to propose a quick analysis to verify the maturity of MASF during collection based on the soluble solids content using a portable refractometer. The application of this method during collection can optimize the amount of honey collected, as honey stored in both open and closed pots could be collected if its maturity was confirmed. Furthermore, the bioactive potential of the evaluated MASF was confirmed based on the observed results regarding their in vitro antioxidant capacity and their varied phenolic composition. However, in vitro bioaccessibility of phenolic compounds in general was low, and the concentration of the compounds was not proportional to their absorption rate; i.e., higher concentrations of phenolics did not necessarily show high bioaccessibility and vice versa. This occurs because during the digestion process, new molecules can be synthesized at the same time that others are degraded. It was also observed that the juçara-based diet positively contributed to the phenolic composition of MASF, as well as to the strengthening of colonies. Although honey from artificially fed bees is not considered genuine honey according to Technical and Quality Regulations, the results demonstrated that juçara-based diets were highly acceptable to bees and positively contributed to the phenolic composition of the honeys, as well as producing a differentiated honey with colors ranging from red to purple. In this sense, the obtained results present new perspectives and insights into the possibilities of obtaining MASF through the development of diets using foods with rich nutritional composition, e.g., juçara fruit.