Democracia pluriversal abyayaliana: proposições para a coexistência de mundos e o reenraizamento do político

Abstract

A presente tese investiga como as práticas e os saberes filosóficos e políticos dos povos ameríndios podem reconfigurar a teoria e a prática política, promovendo uma democracia mais inclusiva e participativa em Abya Yala/América Latina. Adota-se uma abordagem crítica e interdisciplinar, combinando revisão bibliográfica e mapeamento etnográfico de experiências de governança indígena no Brasil, Bolívia, Equador e México, sob uma perspectiva decolonial. A análise crítica da democracia liberal revela suas limitações estruturais e raízes coloniais, que historicamente invisibilizam e desqualificam as formas de vida e organização política dos povos de Abya Yala. Em contrapartida, a tese explora o conceito de Abya Yala como uma afirmação política, epistêmica e civilizatória que contesta as narrativas eurocêntricas. Destaca-se a filosofia do Bem Viver como um fundamento ético-político e jurídico essencial, contrastando-a com a lógica individualista do \"viver melhor\" inerente ao desenvolvimento capitalista. São analisadas as contribuições significativas de mulheres indígenas e dos diversos feminismos ? comunitários, decoloniais e ecofeministas ? na construção de alternativas políticas enraizadas nos territórios. A pesquisa examina experiências concretas de autogoverno e autonomia indígena, como os Planos de Gestão Territorial e Ambiental e os Protocolos Autônomos de Consulta no Brasil, as Autonomias Indígenas Originárias Camponesas na Bolívia, os cabildos no Equador e a comunalidade no México. Tais práticas demonstram a existência de formas democráticas plurais e já atuantes, desafiando o monopólio estatal e a racionalidade monocultural. A pesquisa propõe a construção de uma Democracia Pluriversal Abyayaliana articulada em torno de cinco eixos fundamentais: a pluriversalidade e interculturalidade crítica, o Bem Viver como fundamento ético político e jurídico, a plurinacionalidade e jusdiversidade, a descentralização e comunalidade, e a decolonialidade epistêmica e demodiversidade. Conclui-se que os saberes e as práticas políticas ameríndias são centrais para redefinir a própria política, não como meras contribuições marginais, mas como expressões legítimas e potentes. Uma democracia verdadeiramente inclusiva em Abya Yala exige uma profunda transformação epistemológica e institucional, que reconheça e valorize as diversas formas de organização política e justiça. Isso implica abandonar a lógica assimilacionista e abraçar a pluriversalidade de mundos, onde a vida, o território e a comunidade são os pilares da ação política.

Abstract: This thesis investigates how Amerindian philosophical and political practices and knowledge can reconfigure political theory and practice, fostering a more inclusive and participatory democracy in Abya Yala/Latin America. A critical and interdisciplinary approach is adopted, combining literature review and ethnographic mapping of indigenous governance experiences in Brazil, Bolivia, Ecuador, and Mexico, from a decolonial perspective. The critical analysis of liberal democracy reveals its structural limitations and colonial roots, which historically invisibilize and disqualify the ways of life and political organization of the peoples of Abya Yala. In contrast, the thesis explores the concept of Abya Yala as a political, epistemic, and civilizational affirmation that challenges Eurocentric narratives. The \"Bem Viver\" philosophy is highlighted as an essential ethical-political and legal foundation, contrasting it with the individualistic \"viver melhor\" logic inherent in capitalist development. The significant contributions of indigenous women and diverse feminisms?communitarian, decolonial, and ecofeminist?in building politically rooted alternatives in the territories are analyzed. The research examines concrete experiences of indigenous self-governance and autonomy, such as the Territorial and Environmental Management Plans and Autonomous Consultation Protocols in Brazil, the Indigenous Original Peasant Autonomies in Bolivia, the cabildos in Ecuador, and communality in Mexico. Such practices demonstrate the existence of plural and active democratic forms, challenging state monopoly and monocultural rationality. The research proposes the construction of an Abyayalian Pluriversal Democracy, articulated around five fundamental axes: pluriversality and critical interculturality, Bem Viver as an ethical-political and legal foundation, plurinationality and jusdiversity, decentralization and communality, and epistemic decoloniality and demodiversity. It concludes that Amerindian knowledge and political practices are central to redefining politics itself, not as mere marginal contributions, but as legitimate and potent expressions. A truly inclusive democracy in Abya Yala demands a profound epistemological and institutional transformation, recognizing and valuing diverse forms of political organization and justice. This implies abandoning the assimilationist logic and embracing the pluriversality of worlds, where life, territory, and community are the pillars of political action.