Trânsitos de gênero e discursos sobre a “destransição”: uma análise de narrativas presentes no Youtube

Abstract

O presente trabalho trata de discutir os processos frequentemente denominados de “destransição de gênero”, tema que tem sido mais amplamente abordado em outros espaços fora da universidade. O termo é utilizado para nomear as vivências de sujeitos que, depois de um tempo assumindo uma posição ou identidade trans*, deixaram de se identificar desse modo, por diferentes motivos. Levando em consideração que o material mais valioso se refere às experiências daquelas/es que passaram por esses processos, optamos por fazer uma análise das falas desses sujeitos a partir de autorrelatos e entrevistas disponíveis em vídeos na plataforma digital do Youtube. Para a elaboração dessa pesquisa, buscamos não nos limitar às histórias individuais de cada participante, mas sim localizar essas falas dentro de um contexto social maior, a partir do qual se constituem as subjetividades e experiências de gênero, levando em consideração os jogos de poder e as normas de gênero. Buscando pensar na constituição dos processos de “destransição de gênero”, elaboramos essa pesquisa através de três artigos que, ainda que possuam uma linha de raciocínio e continuidade, podem ser lidos separadamente. No primeiro deles discutimos algumas questões sociais e políticas do cenário brasileiro, trabalhando com três temas centrais que, ainda que diferentes, se relacionam em diversos aspectos: conservadorismo, neoliberalismo e neopentecostalismo. No segundo, tratamos dos agenciamentos conservadores que frequentemente ocorrem a partir da captura das experiências dos sujeitos da “destransição”, abordando também a temática das ofensivas antigênero que fazem uso do sintagma “ideologia de gênero” e que defendem uma forma específica de família (cisgênera, heterossexual e monogâmica). Por fim, no terceiro artigo, as questões giraram em torno da disputa pelo sujeito político trans*, das normas de gênero e dos respectivos movimentos de subversão, além de propor um breve mapeamento dos estudos sobre a “destransição de gênero”, especialmente no Brasil. As bases teóricas e epistemológicas dessa pesquisa se filiam aos estudos que têm sido desenvolvidos na área do gênero, das teorias queer e dos transfeminismos. Desse modo, propusemos pensar a “destransição de gênero” como experiências de trânsitos de gênero que não invalidam, em nenhum sentido, as vivências trans*. Nessa perspectiva, o gênero se constitui performativamente para todos os sujeitos, inclusive para as pessoas cisgêneras.

Abstract: This research discusses the processes often referred to as "gender detransition", a theme that has been more widely discussed in other spaces outside the university. The term is used to name the experiences of people who, after a while assuming a trans* position or identity, have stopped to identify themselves in this way, for different reasons. Taking into account that the most valuable material refers to the experiences of those who went through these processes, we chose to make an analysis of the speeches of these subjects from self-reports and interviews available in videos on the YouTube digital platform. For the elaboration of this research, we seek not to limit ourselves to the individual stories of each participant, but to locate these statements within a larger social context, from which subjectivities are constituted and gender experiences, taking into account power games and gender norms. Seeking to think about the constitution of the processes of “gender detransition”, we elaborated this research through three articles that, although they have a line of reasoning and continuity, can be read separately. In the first one, we discussed some social and political issues in the Brazilian scenario, working with three central themes that, although different, are related in different aspects: conservatism, neoliberalism and neo-Pentecostalism. In the second, we deal with the conservative assemblages that frequently occur from the capture of the experiences of the subjects of “detransition”, also addressing the theme of antigender offensives that use the phrase “gender ideology” and that defend a specific form of family (cisgender, heterosexual and monogamous). Finally, in the third article, the questions revolved around the dispute over the trans* political subject, the gender norms and the respective subversion movements, in addition to proposing a brief mapping of the studies on “gender detransition”, especially in Brazil. The theoretical and epistemological bases of this research are affiliated with the studies that have been developed in the area of gender, queer theories and transfeminisms. In this way, we proposed to think of the “gender detransition” as experiences of gender transits that do not invalidate, in any sense, trans* experiences. In this perspective, gender is performatively constituted for all subjects, including cisgender people.