Da tradição ao mercado: a informalidade na fabricação e comercialização do Queijo Artesanal Serrano em Santa Catarina

Abstract

O Queijo Artesanal Serrano (QAS) foi identificado como o produto processado mais antigo da região Campos de Cima da Serra, que abrange os planaltos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os modos de fabricação e comercialização são caracterizados como artesanal e familiar, presente em mais de duas mil unidades agrícolas. Considerando sua importância social, econômica e cultural, essa tradição tem sido alvo de diferentes iniciativas de valorização, continuidade da produção do QAS e a proteção do saber-fazer. Porém, mesmo sendo uma alternativa de fonte de renda para a maioria dessas famílias, a fabricação e a comercialização do QAS se dão quase que totalmente na informalidade. Nesse contexto, o objetivo principal desta dissertação consiste em analisar a informalidade no sistema produtivo do QAS, na Serra Catarinense, apresentando as principais explicações para a sua persistência e sua relevância para o território sob a perspectiva do Desenvolvimento Territorial Sustentável, por meio do enfoque \"Cesta de Bens e Serviços Territoriais\". A principal ferramenta utilizada para a coleta dos dados foi o questionário intitulado ?Tool for Agroecology Performance Evaluation?, desenvolvido pela FAO para fornecer evidências sobre como a agroecologia contribui na promoção de sistemas agrícolas e alimentares sustentáveis. De forma complementar à aplicação do questionário, realizaram-se entrevistas semiestruturadas, visando a caracterização de diferentes unidades agrícolas familiares que adotam o sistema produtivo do QAS. A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de março e maio de 2023, com a aplicação de 39 questionários e a realização de 59 entrevistas, em quinze municípios. Os resultados serão apresentados em dois artigos. O primeiro apresenta a caracterização geral das unidades produtivas do QAS na Serra Catarinense e o segundo aprofunda a discussão sobre a informalidade e suas implicações nesse sistema produtivo. Embora o QAS represente a principal fonte de renda em apenas 15,3% das unidades, em 80% teve-se investimento para aumentar a escala produtiva, incorporando tecnologias para estender o período de fabricação do QAS durante todo o ano. A falta de perspectiva de continuidade da atividade pela próxima geração representa uma ameaça à continuidade da tradição e um desafio para a aplicação de iniciativas que objetivam sua valorização. Apenas sete unidades agrícolas (18%) foram identificadas com o certificado sanitário de inspeção municipal. O queijo informal possui maior visibilidade no território por estar mais disseminado entre os municípios e por acessar diferentes canais de comercialização, como feiras, atravessadores, vendas diretas no estabelecimento e entregas a domicílio. As pessoas responsáveis pelas unidades informais, em sua maioria, não possuem interesse em se formalizarem por não haver dificuldade de venda, visto que o reconhecimento do produto se baseia principalmente nas relações de confiança e proximidade entre atores territoriais. As unidades formais, por sua vez, têm maior incidência de práticas produtivas alinhadas com os preceitos socioambientais e com o propósito de preservar o saber-fazer do queijo. A ampla difusão da informalidade no sistema produtivo está intimamente associada à vitalidade de mercados territoriais socialmente construídos, estabelecendo bases fundamentais para alavancar processos de desenvolvimento territorial sustentável.

Abstract: Serrano Artisanal Cheese (QAS) was identified as the oldest processed product in the Campos de Cima da Serra region, which encompasses the plateaus of Santa Catarina and Rio Grande do Sul. The methods of production and marketing are characterized as artisanal and family-based, present in more than two thousand agricultural units. Considering its social, economic and cultural importance, this tradition has been the target of different initiatives to value, continue the production of QAS and protect the know-how. However, despite being an alternative source of income for most of these families, the production and marketing of QAS is almost entirely informal. In this context, the main objective of this dissertation is to analyze the informality in the QAS production system in Serra Catarinense, presenting the main explanations for its persistence and its relevance for the territory from the perspective of Sustainable Territorial Development, through the \"Basket of Territorial Goods and Services\" approach. The main tool used for data collection was the questionnaire entitled ?Tool for Agroecology Performance Evaluation?, developed by FAO to provide evidence on how agroecology contributes to the promotion of sustainable agricultural and food systems. In addition to the application of the questionnaire, semi-structured interviews were conducted to characterize different family farms that adopt the QAS production system. The field research was carried out between March and May 2023, with the application of 39 questionnaires and the carrying out of 59 interviews, in fifteen municipalities. The results will be presented in two articles. The first presents the general characterization of the QAS production units in Serra Catarinense and the second deepens the discussion on informality and its implications in this production system. Although QAS represents the main source of income in only 15.3% of the units, 80% invested in increasing the production scale, incorporating technologies to extend the QAS manufacturing period throughout the year. The lack of prospects for the next generation to continue the activity represents a threat to the continuity of tradition and a challenge for the implementation of initiatives that aim to enhance its value. Only seven agricultural units (18%) were identified as having a municipal health inspection certificate. Informal cheese has greater visibility in the territory because it is more widespread among municipalities and because it accesses different marketing channels, such as fairs, middlemen, direct sales at the establishment and home deliveries. The people responsible for informal units, for the most part, are not interested in formalizing themselves because there is no difficulty in selling, since the recognition of the product is based mainly on relationships of trust and proximity between territorial actors. Formal units, in turn, have a greater incidence of production practices aligned with socio-environmental precepts and with the purpose of preserving cheesemaking know-how. The wide spread of informality in the production system is closely associated with the vitality of socially constructed territorial markets, establishing fundamental bases for leveraging processes of sustainable territorial development.