"O sofrimento além das fronteiras": impactos das violências no processo migratório na saúde mental de imigrantes haitianos

Abstract

Esta pesquisa, constitui-se como pertencente ao macroprojeto \"Dimensões psicossociais do acolhimento de imigrantes e refugiados em Santa Catarina\", do Núcleo de Estudos em Psicologia, Migrações e Culturas (NEMPsiC), e explora a violência enfrentada por imigrantes haitianos. A inquietude em compreender as complexidades da experiência migratória, acentuada por crises humanitárias e ciclos de violência no Haiti motivou este estudo. O objetivo principal é investigar como essas violências, tanto passadas quanto recentes, afetam a saúde mental dos haitianos forçados a deixar seu país em busca de um bem-estar psicológico. A pesquisa fundamenta-se em teorias da Psicanálise e da Etnopsiquiatria, reconhecendo que o sofrimento é universal, mas sua manifestação e manejo são influenciados por contextos culturais. Optou-se por uma abordagem qualitativa, exploratória e descritiva, envolvendo entrevistas com 20 imigrantes haitianos (10 homens e 10 mulheres) selecionados por conveniência, utilizando a técnica de amostragem em cadeia. Os instrumentos de coleta de dados incluíram: 1) entrevistas semiestruturadas; 2) um Formulário Sociodemográfico Intercultural do NEMPsiC; e 3) o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Quanto à análise utilizou-se a de conteúdo categorial proposta por Bardin (2011), em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. As unidades de análise incluíram palavras, frases, parágrafos ou textos que se alinham aos objetivos da pesquisa e aos pressupostos teóricos. Os resultados revelam que os participantes experimentam múltiplas formas de violência, tanto pré quanto pós-migratória. A violência conjugal e do Estado foram preponderantes na fase pré, enquanto a xenofobia, racismo e violência de gênero emergiram no pós- migração. As narrativas evidenciaram sofrimento psicológico, manifestado em sintomas como tristeza, ansiedade e medo, reflexo das dificuldades de integração social. As discussões indicam a urgência de adotar abordagens interseccionais nas políticas públicas, levando em conta as múltiplas discriminações enfrentadas pelos imigrantes e sua vulnerabilidade agravada por condições socioeconômicas adversas. Os participantes relataram barreiras linguísticas, precariedade habitacional e dificuldades de acesso a serviços essenciais, perpetuando um ciclo de sofrimento. Durante a coleta de dados, alguns limites foram identificados. O acesso aos participantes demandou mais tempo do que o previsto, e a falta de confiança inicial, devido a experiências traumáticas, dificultou a participação. Para superar isso, foi essencial construir mediadores de confiança. Além disso, as entrevistas realizadas nas residências dos participantes refletem suas condições precárias de moradia e a interferência de outros moradores, que, embora tenham impactado a dinâmica das entrevistas, não comprometeram a qualidade das discussões. A pesquisa sublinha a necessidade de intervenções que promovam a saúde mental dos imigrantes haitianos e de outros grupos minoritários, destacando a importância das redes de apoio familiar e comunitária, além das instituições governamentais e não- governamentais. Sugestões para futuras pesquisas incluem: estudos longitudinais para avaliar a saúde mental ao longo do tempo; investigação de especificidades culturais nos impactos das violências entre diferentes grupos de imigrantes; e avaliação da eficácia de programas de suporte psicossocial. Esta tese contribui para a literatura sobre migração, saúde mental e violência, sugerindo novas direções para investigações futuras em contextos semelhantes.

Abstract: This research is part of the macro-project ?Psychosocial dimensions of welcoming immigrants and refugees in Santa Catarina?, of the Center for Studies in Psychology, Migrations and Cultures (NEMPsiC), and explores the violence faced by Haitian immigrants. The restlessness to understand the complexities of the migratory experience, accentuated by humanitarian crises and cycles of violence in Haiti, motivated this study. The main objective is to investigate how this violence, both past and recent, affects the mental health of Haitians forced to leave their country in search of psychological well- being. The research is based on theories from Psychoanalysis and Ethnopsychiatry, recognizing that suffering is universal, but its manifestation and management are influenced by cultural contexts. We opted for a qualitative, exploratory and descriptive approach, involving interviews with 20 Haitian immigrants (10 men and 10 women) selected for convenience, using the chain sampling technique. The data collection instruments included: 1) semi-structured interviews; 2) a NEMPsiC Intercultural Sociodemographic Form; and 3) the Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). The categorical content analysis proposed by Bardin (2011) was used in three stages: pre- analysis, exploration of the material and treatment of the results. The units of analysis included words, phrases, paragraphs or texts that aligned with the research objectives and theoretical assumptions. The results reveal that the participants experience multiple forms of violence, both pre- and post-migration. Marital and state violence were prevalent in the pre-migration phase, while xenophobia, racism and gender violence emerged in the post-migration phase. The narratives showed psychological suffering, manifested in symptoms such as sadness, anxiety and fear, reflecting the difficulties of social integration. The discussions indicate the urgency of adopting intersectional approaches in public policies, taking into account the multiple discriminations faced by immigrants and their vulnerability aggravated by adverse socio-economic conditions. Participants reported language barriers, precarious housing and difficulties in accessing essential services, perpetuating a cycle of suffering. During data collection, some limits were identified. Access to the participants took longer than expected, and the initial lack of trust due to traumatic experiences made participation difficult. To overcome this, it was essential to build trusting mediators. In addition, the interviews conducted in the participants' homes reflect their precarious living conditions and the interference of other residents, which, although they had an impact on the dynamics of the interviews, did not compromise the quality of the discussions. The research underlines the need for interventions to promote the mental health of Haitian immigrants and other minority groups, highlighting the importance of family and community support networks, as well as governmental and non-governmental institutions. Suggestions for future research include longitudinal studies to evaluate mental health over time; investigation of cultural specificities in the impacts of violence among different immigrant groups; and evaluation of the effectiveness of psychosocial support programs. This thesis contributes to the literature on migration, mental health and violence, suggesting new directions for future research in similar contexts.