Por baixo da batina: religião e homossexualidade na produção da subjetividade homoclerical nos seminários católicos: religião e homossexualidade na produção da subjetividade homoclerical nos seminários católicos

Abstract

O fenômeno da homossexualidade no clero é um tema ainda pouco pesquisado. Porém, nas últimas décadas, tem se tonado cada vez mais público que o clero é composto por uma maioria homossexual, mesmo sendo uma das instituições mais homofóbicas da história do Ocidente. Apesar de uma aparente contradição, e da Igreja, em sua defesa, dizer que se trata apenas de um fenômeno isolado e produto dos anos após os movimentos de libertação sexual, nos moveremos a partir da hipótese de que há na Igreja uma já histórica cultura homoclerical hegemônica. Acreditamos que uma das principais peças para a continuidade do sistema homoclerical são os seminários, que garantem a produção da subjetividade homoclerical, procurando, selecionando e formando jovens para o sacerdócio. Neste horizonte, a presente tese busca compreender a relação entre a experiência religiosa e a vivência da homossexualidade na produção da subjetividade de ex-seminaristas católicos gays. Para tanto, inicialmente apresenta-se um quadro teórico com as principais questões sobre as normas institucionais para formação nos seminários católicos, a partir das teorias sobre as instituições disciplinares de Michel Foucault (2014) e as instituições totais de Erving Goffman (1961). E, a seguir, realiza-se uma análise da doutrina moral sobre a homossexualidade da Igreja Católica, que perpassa a construção da subjetividade dos ex-seminaristas gays, a partir de estudos das Ciências das Religiões e da Teologia. Posteriormente, introduz-se uma concepção do que se denominou nessa pesquisa de homoclericalismo, com a função de compreender o fenômeno de uma maioria homossexual no clero e nos seminários não como um produto da modernidade, mas como uma estratégia histórica de poder para a reprodução institucional da Igreja Católica. Concepção baseada na sociologia da homossexualidade do clero de Frédéric Martel (2019), articulada a diversas investigações jornalísticas e análises históricas e sociais sobre a homossexualidade no clero, apresentando a realidade da homossexualidade e das práticas sexuais entre padres e seminaristas. Bem como faz-se uma breve revisão histórica da homossexualidade no clero, onde se identificou já nos mosteiros a origem da cultura homoclerical na Igreja e que a partir do Concílio de Trento (1545-1563) tornou-se a cultura hegemônica do clero. Por fim, foram realizadas entrevistas sobre a história de vida de três ex-seminaristas gays, que foram apresentadas sob a forma de narrativa, na tentativa de apresentar seu conteúdo utilizando uma linguagem científica mais acessível (André, 2005), com o objetivo de analisar os processos de subjetivação homoclerical presentes nas histórias de vida. Entrevistas que demonstraram como o processo formativo dos seminários católicos visa, diferente de seu discurso oficial que diz não aceitar homossexuais em suas fileiras, produzir um tipo específico de subjetividade homossexual, onde até as práticas sexuais são aceitas, desde que não se tornem públicas, e os futuros sacerdotes aprendam a não demonstrarem sua orientação sexual nem defender nada contra a doutrina sexual oficial da Igreja.

Abstract: The phenomenon of homosexuality in the clergy is a topic that has not been widely researched. However, in recent decades, it has become increasingly public knowledge that the clergy is composed of a homosexual majority, even though it is one of the most homophobic institutions in the history of the Occident. Despite an apparent contradiction, and the Church, in its defense, claiming that this is merely an isolated phenomenon and a product of the years following the sexual liberation movements, we will proceed from the hypothesis that there is a historically hegemonic homoclerical culture in the Church. We believe that one of the main elements for the continuity of the homoclerical system are the seminaries, which guarantee the production of homoclerical subjectivity, seeking, selecting and training young men for the priesthood. In this context, this thesis seeks to understand the relationship between religious experience and the experience of homosexuality in the production of subjectivity of former gay Catholic seminarians. To this end, a theoretical framework is initially presented with the main questions about institutional standards for training in Catholic seminaries, based on theories on ?disciplinary institutions? by Michel Foucault (2014) and ?total institutions? by Erving Goffman (1961).This article also analyzes the moral doctrine on homosexuality in the Catholic Church, which permeates the construction of the subjectivity of former gay seminarians, based on studies in the Sciences of Religion and Theology. Subsequently, a conception of what has been called homoclericalism in this research is introduced, with the purpose of understanding the phenomenon of a homosexual majority in the clergy and seminaries not as a phenomenon of modernity, but as a historical strategy of power for the institutional reproduction of the Catholic Church. Conception based on the sociology of homosexuality among the clergy by Frédéric Martel (2019), articulated with several journalistic investigations and historical and social analyses on homosexuality among the clergy, presenting the reality of homosexuality and sexual practices among priests and seminarians. A brief historical review of homosexuality in the clergy is also provided, where the origin of the homoclerical culture in the Church was identified in monasteries and that from the Council of Trent (1545-1563) it became the hegemonic culture of the clergy. Finally, interviews were conducted about the life stories of three former gay seminarians, which were presented in narrative form, in an attempt to present their content using more accessible scientific language (André, 2005), with the aim of analyzing the processes of homoclerical subjectivation present in their life stories. Interviews that demonstrated how the formative process of Catholic seminaries aims, unlike their official discourse which do not accept homosexuals in their ranks, to produce a specific type of homosexual subjectivity, where even sexual practices are accepted, as long as they are not publicized, and future priests learn not to demonstrate their sexual orientation nor defend anything against the official sexual doctrine of the Church.