O lugar da literatura no processo de alfabetização: análise da(s) concepção(ões) depreensível(is) de documentos oficiais

Abstract

O objeto desta pesquisa diz respeito ao lugar ocupado pela leitura do texto literário em documentos oficiais, no que diz respeito ao período de alfabetização, sobretudo na Base Nacional Comum Curricular (2017), mas também em documentos adjacentes de programas nacionais, tais como: Política Nacional de Alfabetização (2019), Programa Conta pra Mim (2020) e Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (2023). Assumese a especificidade do período supracitado como sendo a apropriação da linguagem escrita comprometida com o processo de humanização, sendo, para tal, a autonomia da leitura e da escrita ferramenta indispensável, que, por sua vez, possibilita e amplia o domínio do saber elaborado (ciência), da valorização (ética) e simbolização (arte), campos do conhecimento fundamentais a esse processo. Dessa assunção, derivou o objetivo do estudo: identificar o papel da leitura do texto literário no processo de alfabetização, considerando o ideal de formação humana projetado no documento em análise e nos documentos adjacentes. Como objetivos específicos, destacam-se: recuperar o lugar ocupado pela leitura do texto literário em documentos oficiais nacionais voltados para a alfabetização; depreender o ideal de formação humana e a(s) concepção(ões) de linguagem defendidos no marco legal nacional estabelecido por este estudo (BNCC); problematizar o lugar que a leitura do texto literário e o ensino do sistema de escrita alfabética podem ocupar em período de alfabetização quando se tem no horizonte a especificidade da educação em uma perspectiva de humanização. A pesquisa, ao problematizar tais aspectos, debruça-se sobre a seguinte questão: qual é o lugar ocupado pela leitura do texto literário em período destinado à alfabetização no documento que baliza a educação escolar nacionalmente 3 Base Nacional Comum Curricular (BNCC)? A hipótese supõe que o campo da alfabetização, em derivações da BNCC, ao priorizar o processo de alfabetização em até dois anos e o aprendizado da quantidade e identificação das letras que formam uma palavra, no mínimo, secundariza implicações do trabalho com a literatura na alfabetização. De fundamentação teórico-metodológica materialista histórica e dialética, o estudo baseou-se em Marx, Engels, Vigotski, Luria, Leontiev, Lukács, Saviani, Duarte, Candido, Leminski, Kosik, entre outros autores de mesma filiação filosófica. No processo analítico, os principais achados foram: a intencionalidade de formação do leitor literário não é explicitamente marcada nos documentos oficiais analisados; existe a prevalência de concepções de alfabetização centradas na concepção sistêmica de língua e alfabetização voltada para o uso no cotidiano, atreladas ao lema aprender a aprender; a proposição de formação humana unilateral por meio de conhecimentos da vida cotidiana e do trabalho com textos com fim em si mesmo. A partir desses aspectos identificados, foram constatadas algumas ausências caras à filiação desta pesquisa: concepção de alfabetização voltada para a prática social histórica (totalidade), formação humana omnilateral (indivíduo concreto e histórico), professor enquanto sujeito mais desenvolvido (no componente que ensina), concepção de língua enquanto interação Volóchinov (1981), posição pedagógica de orientação crítica, garantia de tempo adequado para a apropriação da linguagem escrita, defesa de conhecimentos culturais mais desenvolvidos dos campos da arte, ciência e filosofia desde a alfabetização e preocupação com a formação do leitor literário.

Abstract: This study examines the role of literary text reading in official documents pertaining to the period of literacy acquisition. It focuses on the Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) [National Common Core Curriculum] and other national documents, including the Política Nacional de Alfabetização (2019) [National Literacy Policy], the Programa Conta pra Mim (2020) [Tell Me Program], and the Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (2023) [National Commitment to Educating Children]. The research posits that literacy, in this context, is oriented towards the appropriation of written language as an integral aspect of the humanization process. Autonomy in reading and writing is a crucial element in the development and expansion of mastery over sophisticated knowledge (science), appreciation (ethics), and symbolization (art), which are fundamental domains of knowledge in this process. The general objective is to identify the role of literary reading in literacy, emphasizing the ideal of human formation expressed in the BNCC and related documents. Specific objectives include: reclaiming the space allocated to literary reading in these documents; investigating the conception of language and human formation in the legal framework established by the BNCC; and questioning the role of literary reading and the teaching of the alphabetic writing system in the literacy process, considering an education perspective aimed at humanization. The research questions the place of literary reading in the literacy period, starting from the hypothesis that the reading of literary texts, historically present in these documents, is treated as a pretext (for religious, civic, adaptive purposes, and for teaching the alphabetic system), as well as being viewed as entertainment and/or hedonism. This approach, it is believed, persists in the BNCC. The theoretical-methodological foundation is historicaldialectical materialism, anchored in authors such as Marx, Engels, Vygotsky, Luria, Lukács, Saviani, Duarte, Cândido, and Leminski. The main findings show that the intention of forming literary readers is not explicitly marked; instead, conceptions of literacy centered on the everyday use of language and the motto \"learning to learn\" prevail, resulting in a one-sided formation. Notable absences include: a view of literacy oriented toward historical social practice (totality), omnilateral human formation, the teacher as a more developed subject (in the component they teach), an interactive conception of language, a critical approach to the pedagogical stance, adequate time for the appropriation of written language, and the appreciation of literary reader formation and more advanced cultural knowledge, such as art, science, and philosophy.