Tendência da idade dos estágios de maturação sexual e da menarca e associação com o índice de massa corporal e sobrepeso (incluindo obesidade): estudo de painéis transversais e longitudinal

Abstract

Nas últimas décadas tem sido observada uma tendência secular de antecipação da puberdade, principalmente em meninas, que pode ser reflexo de mudanças na saúde da população, como o aumento do sobrepeso/obesidade infantil. Dados sobre a puberdade e seus determinantes em países de baixa e média renda são limitados, e a grande maioria dos estudos sobre este tema são transversais, impossibilitando a discussão de causalidade. Nesse contexto, o objetivo desta tese é avaliar a ocorrência de tendência de antecipação da maturação sexual e da menarca e verificar a associação com o índice de massa corporal (IMC) e sobrepeso (incluindo obesidade) em escolares de 7 a 14 anos do município Florianópolis/SC. Esta tese está vinculada ao Estudo de Prevalência da Obesidade em Crianças e Adolescentes de Florianópolis, SC (EPOCA) e está dividida em três partes: dois estudos de painéis transversais e um estudo longitudinal. Os dados foram coletados por uma equipe previamente treinada por meio de protocolos padronizados. O escore-z do IMC, específico para idade e sexo, foi calculado e categorizado de acordo com os pontos de corte da Organização Mundial da Saúde (com ou sem sobrepeso, incluindo obesidade). O tipo de escola foi categorizado como pública ou privada. A maturação sexual (MS) foi autoavaliada de acordo com os estágios de Tanner. No primeiro estudo foram analisadas as idades medianas dos estágios de MS de acordo com o estado nutricional e o tipo de escola, nos dois estudos transversais realizados em 2007 e 2012/2013, incluindo 2215 e 1614 crianças, respectivamente. Os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis foram realizados para comparar a idade mediana dos estágios de MS. A média de idade diminuiu para quase todos os estágios durante o período de 5 anos em ambos os sexos. Os escolares com sobrepeso apresentaram medianas de idade inferiores para a maioria dos estágios, especialmente as meninas, já as diferenças por tipo de escola foram equilibradas ao longo dos anos. O segundo estudo de painéis transversais teve como objetivo comparar as idades de ocorrência da menarca com os dados dos três estudos transversais realizados em 2007, 2012/2013 e 2018/2019, compreendendo 838, 680 e 298 escolares, respectivamente. Foram verificadas diferenças de acordo com o ano da pesquisa, o estado nutricional e o tipo de escola pelo teste de log-rank e pela regressão de Cox. A variável menarca foi coletada pelos métodos statu quo e recordatório, e foi estimada por análise de sobrevida. Observou-se uma diminuição na média da idade da menarca entre 2007 e 2018/2019 (12,3 versus 11,9 anos, respectivamente). A média de idade da menarca em meninas com sobrepeso foi menor nos três estudos, quando comparado àquelas sem sobrepeso (11,9, 11,8 e 11,5 versus 12,4, 12,4 e 12,1, respectivamente, p<0,001). As meninas com sobrepeso apresentaram maior probabilidade de menor idade na menarca (Risco relativo 1,57; Intervalo de confiança de 95% 1,36; 1,80). Não houve diferença significativa na idade da menarca, de acordo com o tipo de escola. O estudo longitudinal objetivou analisar a associação entre o IMC e a MS e a idade da menarca, incluindo dados de 494 escolares (260 meninas) coletados em 2007 e 2012. A MS foi categorizada de acordo com os tercis de idade para cada estágio de Tanner como normal/tardia (acima do primeiro tercil) e precoce (abaixo do primeiro tercil). A modelagem de equações estruturais foi realizada para analisar os efeitos do escore-z do IMC em 2007 na 1) MS em 2012, estratificado por sexo, e 2) na idade da menarca em 2012. Os modelos foram ajustados para renda familiar, tipo de escola, escolaridade materna, peso ao nascer, tempo de amamentação, atividade física e padrão alimentar (PA). Não foi verificada associação significativa entre o escore-z do IMC e a MS em ambos os sexos. Entretanto, em meninas, um maior escore-z do IMC em 2007 (ß=-0,27) apresentou um efeito direto negativo na idade da menarca e o PA composto por salgadinhos, batata frita, fast food e bebidas açucaradas apresentou efeito indireto negativo na idade da menarca, mediado pelo escore-z do IMC em 2007 (ß=-0,05). Em meninos, um maior PA - composto por leite, café com leite, queijo, pães/biscoitos (ß=-0,21) - e um maior status socioeconômico (ß=-0,21) foram associados com a MS normal/tardia. Os resultados desta tese mostram uma redução das idades nos estágios de MS e da menarca, mais pronunciada nos escolares com sobrepeso (incluindo obesidade), e uma associação entre o aumento no escore-z do IMC na infância e a redução da idade da menarca na adolescência. Esses resultados reforçam a importância de intervenções para reduzir e prevenir o excesso de peso e a importância do monitoramento contínuo da puberdade em nível populacional.

Abstract: In recent decades, a secular trend of earlier puberty, particularly in girls, has been observed, which may reflect changes in population health, such as the increase in childhood overweight/obesity. Data on puberty and its determinants in low- and middle-income countries are limited, and the vast majority of studies on this topic are cross-sectional, making it impossible to discuss causality. In this context, the aim of this doctoral thesis is to evaluate the occurrence of a secular trend towards earlier sexual maturation and menarche and to assess the association with body mass index (BMI) and overweight (including obesity) in schoolchildren aged 7 to 14 years in Florianópolis, SC. This thesis is linked to the Study of the Prevalence of Obesity in Children and Adolescents of Florianópolis, SC (EPOCA), and is divided into three parts: two cross-sectional panel studies and one longitudinal study. Data were collected by a previously trained team using standardized protocols. The BMI z-score, specific for age and sex, was calculated and categorized according to the World Health Organization cut-off points (with or without overweight, including obesity). The type of school was categorized as public or private. Sexual maturation (SM) was self-assessed according to Tanner stages. In the first study, median ages of SM stages were analyzed according to weight status and type of school in the two cross-sectional studies conducted in 2007 and 2012/2013, including 2,215 and 1,614 children, respectively. The Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests were performed to compare the median age of SM stages. The median age decreased for almost all stages over the 5-year period in both sexes. Overweight schoolchildren had lower median ages for most stages, especially girls, while differences by type of school were balanced over the years. The second panel study aimed to compare menarche ages using data from the three cross-sectional studies conducted in 2007, 2012/2013, and 2018/2019, including 838, 680, and 298 schoolchildren, respectively, examining differences according to the survey year, weight status, and type of school by log-rank test and Cox regression. The menarche variable was collected using the statu quo and recall methods and was estimated by survival analysis. A decrease in the mean age at menarche was observed between 2007 and 2018/2019 (12.3 versus 11.9 years, respectively). The mean age at menarche in overweight girls was lower in all three periods compared to non-overweight (11.9, 11.8, and 11.5 versus 12.4, 12.4, and 12.1, respectively). Overweight girls were more likely to have a younger age at menarche (Relative Risk 1.57; 95% Confidence Interval 1.36; 1.80). There were no differences in menarche age according to the type of school. The longitudinal study aimed to analyze the association between BMI and SM and age at menarche, including data from 494 schoolchildren (260 girls) collected in 2007 and 2012. Pubertal development was categorized according to age tertiles for each Tanner stage as normal/late (above the first tertile) and early (below the first tertile). Structural equation modeling (SEM) was conducted to analyze the effects of the BMI z-score in 2007 on 1) SM in 2012, stratified by sex, and 2) age at menarche in 2012. Models were adjusted by family income, type of school, maternal education, birth weight, breastfeeding duration, physical activity, and dietary patterns (DP). No significant association was found between the BMI z-score and SM in either sex. However, in girls, a higher BMI z-score in 2007 (ß=-0.27) had a direct negative effect on age at menarche, and the DP composed of snacks, fries, fast food, and sugary drinks had an indirect negative effect on age at menarche, mediated by the BMI z-score in 2007 (ß=-0.05). In boys, a higher DP composed of milk, coffee with milk, cheese, bread/cookies (ß=-0.21) and a higher socioeconomic status (ß=-0.21) were associated with normal/late SM. The results of this thesis show a reduction in SM and menarche ages, more pronounced in overweight (including obese) schoolchildren, and an association between an increase in the BMI z-score in childhood and a reduction in age at menarche during adolescence. These results reinforce the importance of interventions to reduce and prevent overweight and the importance of continuous monitoring of puberty at the population level.