A regulação brasileira de agrotóxicos e a contaminação das águas: investigação à luz da gestão de commons e do novo direito ecossistêmico

Abstract

A temática abordada nesta tese insere-se no debate sobre o sistema de regulação de agrotóxicos e a contaminação dos recursos hídricos no contexto da gestão transescalar brasileira, sob o pano de fundo da crise socioecológica planetária. A partir de evidências da presença de resíduos de agrotóxicos em água potável no território catarinense, a ênfase da investigação recaiu sobre a compreensão dos padrões de atuação das agências reguladoras e das organizações envolvidas no controle social dos impactos socioecológicos do modelo agroquímico em Santa Catarina (especialmente no âmbito do Fórum Catarinense de Combate ao Impacto e Uso dos Agrotóxicos e Transgênicos). Com o objetivo compreender a tendência dominante de legitimação sociopolítica dos cenários de contaminação e de flexibilização do sistema de regulação instituído, foram articuladas macro-variáveis condicionadoras do ?jogo-de-atores? envolvidos na problemática, incorporando à análise teórica o resgate das influências históricas e culturais do processo de modernização política brasileira. Para tanto, foi utilizado uma modalidade de análise estratégica proposta no modelo clássico elaborado por Ronald Oakerson de análise de gestão de commons, hibridizado ao enfoque de cogestão adaptativa e do novo direito ecossistêmico. Observou-se a predominância de um peso desproporcional dos lobbies dos setores vinculados ao modelo agroquímico sobre o processo regulatório e a execução das leis. Nesse sentido, os processos de controle social potencialmente mitigadores dos impactos dos agrotóxicos, mostraram-se permeados por uma série de fragilidades, controvérsias e bloqueios. A admissão de parâmetros questionáveis e reducionistas no estabelecimento da portaria brasileira de potabilidade da água, que em última instância permite a presença de agrotóxicos na água consumida pela população, seria um exemplo emblemático. Num contexto mais amplo, argumentou-se que a priorização de interesses econômicos, associada a um tratamento mecanicista das relações entre sociedade e natureza, gera impasses na aplicação dos direitos à saúde e ao meio ambiente equilibrado. A transição para um sistema efetivo de cogestão adaptativa dos recursos de uso comum (commons), como a água, um elemento essencial para todas as formas de vida, evidenciou-se pouco provável. Argumenta-se que tal cenário está relacionado, principalmente, à inércia da cultura política dominante, à falta de uma ciência cidadã e aos padrões de desintegração funcional das agências reguladoras, que carecem de processos crítico-reflexivos voltados para o enfrentamento estrutural da crise socioecológica contemporânea ? a exemplo das premissas ecodesenvovimentistas.

Abstract: This thesis addresses the debate on the pesticide regulation system and water resource contamination within the context of Brazilian cross-scalar management, set against the backdrop of the planetary socio-ecological crisis. Based on evidence of pesticide residues in potable water in the territory of Santa Catarina, the investigation focuses on understanding the operational patterns of regulatory agencies and organizations involved in the social control of the socio-ecological impacts of the agrochemical model in Santa Catarina (especially within the Santa Catarina Forum for Combating the Impact and Use of Pesticides and GMOs). To understand the dominant trend of socio-political legitimization of contamination scenarios and the relaxation of the established regulatory system, macro-variables conditioning the ?actor dynamics? involved in the issue were articulated. The theoretical analysis incorporated historical and cultural influences from the Brazilian political modernization process. To this end, a strategic analysis model was used, proposed in the classic model by Ronald Oakerson for commons management, hybridized with the approach of adaptive co-management and the new systemic environmental law. A disproportionate influence of agrochemical sector lobbies over the regulatory process and law enforcement was observed. Social control processes potentially mitigating the impacts of pesticides were found to be permeated by a series of weaknesses, controversies, and blockages. The admission of questionable and reductionist parameters in establishing the Brazilian water potability ordinance, which ultimately allows the presence of pesticides in the water consumed by the population, is an emblematic example. In a broader context, it was argued that the prioritization of economic interests, combined with a mechanistic treatment of the relationship between society and nature, creates impasses in the application of rights to health and a balanced environment. The transition to an effective system of adaptive co-management of common resources (commons), such as water ? an essential element for all forms of life ? proved unlikely. It is argued that this scenario is mainly related to the inertia of the dominant political culture, the lack of citizen science, and the patterns of functional disintegration of regulatory agencies, which lack critical-reflective processes aimed at structurally addressing the contemporary socio-ecological crisis, as exemplified by eco-developmental premises.