Da camponesania à florestania: a jorna do grotesco entre gaibéus, cafoni, indígenas e outros terranos

Abstract

Esta tese de doutoramento analisa os romances neorrealistas Gaibéus (1939), do escritor português Alves Redol, e Fontamara (1933), do escritor italiano Ignazio Silone, comparando-os também com outras obras literárias, visuais e cinematográficas como forma de evidenciar contornos estéticos concernentes ao traço grotesco, tanto no que se refere ao rebaixamento ou bathos bakhtiniano ? o da ironia, do sarcasmo, da beffa, do humor obsceno que pode guardar a intenção de profanação do sagrado ? quanto no que concerne ao retorno à grotta, ao chão como os gaibéus curvados sobre a ceifa do arroz, à terra primordial. Essa bifurcação grotesca não esquece o lastro de um trajeto que vai das imagens metamórficas e antropomórficas descobertas pelos renascentistas italianos no subterrâneo do Domus Aurea em Roma, passando pelo monstruoso, noturno e abissal oriundos do romantismo, até chegar à caricatura moderna. Tampouco ignora a outra face ou semblante grotesco, máscara em queda em direção ao chão, ao subterrâneo, ao encontro ancestral, mágico e religioso, que é a de um devir-terra. Essa dupla face como a de Jano, máscara sobre máscara, dobra ou quiasma, permite ainda realizar um percurso rizomático e anacrônico que, pela fulguração grotesca, é capaz de des(en)cobrir restos de história, socavar o tempo, re-presentar, reatualizar, propor o gesto revolucionário do evento messiânico benjaminiano, o da imobilidade fundamental, o de um agora em acontecimento. O estilhaçamento no tempo a que são submetidas as duas narrativas deforma a História, propõe um real visado, nunca fotografado; em outras palavras, um novo real. A escolha de duas obras neorrealistas publicadas na conturbada década de 1930, propensas a criar quadros pictórico-literários que guardem imagens-dialéticas oportunas a iluminar uma sintomatologia da sociedade em declínio, antropocêntrica e em vias de fim de mundo, também corrobora para essa perspectivação física/moral de um devir-animal, vegetal, mineral, máquina, sobretudo devir-terra. Assim, subterraneamente e em virada etnográfica, o corpo camponês pode reexistir ou resistir ao deserto do real, ganhando ainda aliados afetivos, não humanos, sub-humanos, terranos, como é o caso do corpo indígena.

Abstract: This doctoral thesis analyzes the neo-realist novels Gaibéus (1939), by the portuguese writer Alves Redol, and Fontamara (1933), by the italian writer Ignazio Silone, comparing them also with other literary works, visual and cinematic as a way to show aesthetic contours concerning the grotesque trait, both with regard to the demotion or bathos of Bakhtin - that of irony, sarcasm, joke, the obscene humor that can keep the intention of desecration of the sacred - as far as the return to grotta, to the ground as the gulls bent over the rice harvest, to the primordial land. This grotesque bifurcation does not forget the ballast of a path that goes from the metamorphic and anthropomorphic images discovered by the Italian Renaissance underground of the Domus Aurea in Rome, passing by the monstrous, nocturnal and abyssal to the modern caricature. Nor does it ignore the other face or grotesque countenance, a mask falling towards the ground, underground, to the ancestral, magical and religious encounter, which is that of a becoming-earth. This double face like that of Janus, mask on mask, fold or chiasm, also allows to perform a rhizomatic and anachronistic course that, by the grotesque glow, is able to uncloak remnants of history, dig up time, re-present, re-update, propose the revolutionary gesture of the messianic evento of Walter Benjamin, that of fundamental immobility, that of a now in progress. The shattering in the time to which the two narratives are submitted deforms the History, proposes a real to be seen, never photographed; in other words, a new real. The choice of two neo-realist works published in the troubled 1930s, prone to create pictorial-literary paintings that keep dialectical images opportune to illuminate a symptomatology of society in decline, anthropocentric and on the way to the end of the world, also corroborates for this physical/moral perspective of a becoming-animal, vegetable, mineral, machine, especially becoming-earth. Thus, subterranean and ethnographic turning, the peasant body can re-exist or resist the desert of the real, still gaining affective allies, non-human, subhuman, terranos, as is the case of the indigenous body.