Ethos discursivo e polifonia em cartas de amor e resistência: a escrita de si como recurso terapêutico

Abstract

Esta Tese analisa a emergências das subjetividades e a (re)construção das identidades de sujeitos em situação de tratamento clínico-terapêutico, por meio da identificação do ethos discursivo em ?cartas de amor e resistência?, as quais foram produzidas em contexto de incomunicabilidade. A inscrição da problemática do ethos contempla o quadro dialógico-enunciativo do gênero epistolar, no qual o locutor faz uma primeira apresentação de si em função do alocutário. O objeto desta pesquisa é um tipo específico de escrita de si: correspondências escritas em dois idiomas (português e espanhol). A base teórica apresenta interface entre Mikhail Bakhtin (1997, 2006), Dominique Maingueneau (1997, 2004, 2008a, 2008b, 2009, 2010, 2015, 2018, 2020), Michel Foucault (1992, 1997, 2004, 2006, 2011, 2014) e Ruth Amossy (2016, 2020), associados à Teoria da Argumentação Polifônica de Oswald Ducrot (987, 1988), à Teoria Enunciativa de Émile Benveniste (2005, 2006), à Terapia Narrativa (WHITE, 1990, 2002, 2016), além de teóricos das áreas da literatura e da psicologia. O corpus é constituído por um total de 70 cartas das quais foram selecionadas 23 amostras e transcritos 33 trechos discursivos para análise. Escritas de setembro de 2020 a abril de 2021, têm por remetente e destinatário dois internos de uma Comunidade Terapêutica (CT), o que levou a refletir das questões do corpo, da disciplina, do poder e da resistência, por uma perspectiva foucaultiana. As cartas foram produzidas e coletas in loco, constituindo uma ação-participante. A pesquisa é bibliográfica, de caráter exploratório e descritivo. Os procedimentos metodológicos correspondem à aproximação dos conceitos: ethos discursivo, aparelho formal da enunciação, dialogismo, interação verbal, cuidado de si, parresía, escrita de si e polifonia. Da perspectiva pragmática, destaca-se que a linguagem é ação e, por meio de um fazer (escrever cartas) pode representar a própria existência. A análise do aparelho formal da enunciação permitiu observar a presença e a vivência dos missivistas na e pela linguagem. Dos resultados da pesquisa, a constatação: as cartas apresentaram uma cenografia composta por discursos amorosos que permitiram a identificação de sentimentos relacionados ao passado, presente e futuro, à reflexão acerca da recuperação e ao processo de (re)construção identitária dos missivistas. A escrita e a leitura são ?um fazer? que gera alívio de tensões, de sofrimentos, contribuem para o autoconhecimento e para melhora da saúde mental. Nas análises das cartas foram identificadas, pela enunciação, várias vozes e vários ethé discursivos, de modo que foi possível concluir que o ethos é constituído de modo polifônico. A pesquisa evidencia o poder curativo e catártico da palavra escrita à mão, assim, as cartas de amor e resistência configuram-se como um recurso terapêutico. O gênero epistolar se reveste de grande importância para os estudos do discurso, além da função comunicativa, no contexto clínico e, por conseguinte social. A necessidade de reformulação das práticas terapêuticas destinada aos pacientes em CTs e às pessoas no geral, coloca a escrita de si epistolar como eficiente método. Por fim, esta pesquisa pode contribuir como um profícuo dispositivo terapêutico, cooperando para salvar vidas.

Abstract: This Thesis analyzes the emergencies of subjectivities and the (re)construction of the identities of subjects in a clinical-therapeutic situation, through the identification of the discursive ethos in ?letters of love and resistance?, which were produced in a context of incommunicability. The problematic inscription of the ethos contemplates the dialogic-enunciative framework of the epitolar genre, in which the speaker makes a first presentation of himself in terms of the addressee. The object of this research is a specific type of self-writing: correspondence written in two languages (Portuguese and Spanish). The theoretical basis presents an interface between Mikhail Bakhtin (1997, 2006), Dominique Maingueneau (1997, 2004, 2008a, 2008b, 2009, 2010, 2015, 2018, 2020), Michel Foucault (1992, 1997, 2004, 2006, 2011, 2014 ) and Ruth Amossy (2016, 2020), associated to Oswald Ducrot's Theory of Polyphonic Argumentation (987, 1988), Émile Benveniste's Enunciative Theory (2005, 2006), and Narrative Therapy (WHITE, 1990, 2002, 2016), in addition to theorists in the fields of literature and psychology. The corpus consists of 70 letters total from which 23 samples were selected and 33 discursive excerpts were transcribed for analysis. Written from September 2020 to April 2021, the sender and recipient are two inmates of a Therapeutical Community (TC), which led them to reflect about the body, discipline, power and resistance, from a Foucauldian perspective. These letters were produced and collected in loco, constituting a participant action. The research is bibliographical, exploratory and descriptive. The methodological procedures correspond to the approximation of the concepts: discursive ethos, the formal apparatus of enunciation, dialogism, verbal interaction, self-care, parrhesia, self-writing and polyphony. From the pragmatic perspective, it is emphasized that language is action and, through doing (writing letters) it can represent self-existence. The analysis of the formal apparatus of enunciation allowed us to observe the presence and experience of letter writers in and through language. From the research results, the observation: the letters represented a scenography composed of amorous speeches that allowed the identification of feelings related to the past, present and future, the reflection about the recovery and the process of (re)construction of self-identity of the writers. Writing and reading are ?a doing? that relieves tension and suffering, contributes to self-knowledge and improves mental health. In the analysis of the letters, several voices and several discursive ethé were identified by the enunciation, so that it was possible to conclude that the ethos is constituted in a polyphonic way. The research evidences the healing and cathartic power of the handwritten word; thus, love and resistance letters are configured as a therapeutic resource. The epistolary genre is of great importance for discourse studies, in addition to the communicative function, in the clinical and, therefore, social context. The need to reformulate therapeutic practices aimed at patients in TC´s and people in general, places the self-writing as an efficient method. Finally, this research can contribute as a useful therapeutic device, cooperating to save lives.