Sujeitos e(m) processos: reflexões a partir de processos criminais de violências com crianças e adolescentes

Abstract

O sistema de justiça é parte inalienável da compreensão sobre a violência sexual com crianças e adolescentes e, enquanto um jogo estratégico do Estado, envolve dinâmicas passíveis de serem compreendidas de distintas formas. Uma destas formas, que transforma enunciados discursivos em acontecimentos e coisas, são os arquivos, ou na categoria do direito, os processos judiciais. Para o sistema de justiça, os processos são uma maneira de registrar procedimentos para o exercício do poder ? do Estado ? de punir. Esta tese tem por objetivo portanto, refletir por meio de processos judicias, os discursos de verdade sobre a violência sexual com crianças e adolescentes. São reflexões elaboradas a partir de processos judiciais, os quais buscam identificar certas enunciações que produzem efeito de verdade e dão sentido e inteligibilidade à violência sexual com crianças e adolescentes no sistema de justiça. Isso implica entender que a verdade não existe fora do poder ou sem o poder, mas é produzida como efeito de poder. Busca-se neste estudo: 1) explicitar a dimensão produtiva e política da violência, ou seja, como é produzida e leva a ensejar resolutividades; e, 2) entender como essa ?politicidade? do sujeito está presente nos processos judicias, tendo como perspectiva a existência de uma dimensão política da vida que é amparada por dispositivos que constituem ? mesmo que precariamente ? destes sujeitos. Dentro desse escopo, cabe a este estudo a pergunta retórica sobre como se configuram os sujeitos durante os processos judiciais ou, mais objetivamente, como se é sujeito dentro dos processos judiciais. Isso implica em perceber como se contorna essa ?politicidade? do subjetivo a fim de mostrar essa dimensão política e social dos sujeitos atravessados pela violência sexual. Essa tese não objetiva, portanto, pensar somente no sujeito como objeto de análise, no sistema de justiça ou, então, nos processos judiciais única e exclusivamente. É possível perceber por fim que quando o sistema de justiça atua, ele busca operacionalizar, criar e dar dimensões à(s) violência(s) como coisas atemporais e monolíticas. Contudo, a violência se reconfigura e (re)contextualiza a todo tempo ao longo dos processos judiciais, assim como também se reconfigura a própria percepção sobre os fatos/eventos mediados através das escutas, depoimentos, decisões judiciais, laudos psicológicos, exames de corpo de delito, etc. Isso implica compreender que os processos judiciais buscam, a todo tempo, objetivar e torcer sujeitos, a fim de produzir a verdade por meio da justiça.

Abstract: The justice system is, nowadays, an inalienable part in the process of comprehending sexual violence with children and adolescents and, as a State strategic game, it encompasses dynamics that may be apprehended in many ways. The archives are one of them, one that transforms statements in events and things or, in Law terms, in judicial processes. For the justice system, such processes can register proceedings regarding the exercise of ? the State ? power to punish. Therefore, the objective of this thesis is to reflect about the truth discourses that are created around sexual violence with children and adolescents. These reflections are elaborated stemming from judicial processes, seeking to identify certain statements that can produce the effect of truth and that validate and legitimize sexual violence with children and adolescents within the justice system. Such an intent entails the understanding that truth do not exist outside or without power relations, being produced as an effect of power itself. In that sense, in this study we seek to: 1) describe such productive and political dimensions of violence, that is, how it is produced and may lead to resolutions; and, 2) understand how this ?politicality? of the subject is made present in judicial processes, having as perspective the existence of a political dimension of life itself that is supported by apparatuses that constitute ? although precariously ? such subjects. We, thus, question how subjects are constituted and what is it like to be a subject within judicial processes, how the ?politicality?of the subjective is designed, in order to make explicit the political and social dimensions of subjects trespassed by sexual violence. This thesis does not draw on the subject, or the justice system or, judicial processes as exclusive objects of analysis. It is possible to understand, in the end, that when the justice system acts, it seeks to size, create, and operationalize violence(s) as monolithic and intemporal artifacts. Violence reconfigures and recontextualizes itself all the time along judicial processes, and so does the perception of facts/events that area mediated through hearings, depositions, judicial decisions, psychologic reports, corpus delicti, etc. Judicial processes, we understand, pursue the objectification of subjects as well as its constant twisting, for the purpose of producing justice trough truth, and truth trough justice.