Um estudo relacional sobre as/os novas/os agricultoras/es de origem urbana e sua participação no setor agroalimentar da região da Grande Florianópolis (SC)

Abstract

Nesta tese investigamos como indivíduos de origem urbana participam e constituem o setor agroalimentar de base ecológica da Região da Grande Florianópolis (SC) enquanto agricultoras/es, a quem chamamos de novas/os agricultoras/es por sua inexperiência anterior na atividade agrícola. Diferente de outras pesquisas sobre neorurais, termo usado a partir da década de 1960 na França e que enfatiza a migração do meio urbano para o rural, nesta pesquisa privilegiamos experiências de mudança laboral, acompanhada ou não de uma migração espacial. Nosso objetivo central foi investigar como projetos individuais são articulados às condições materiais, socioculturais e político institucionais, conformando diferentes possibilidades de reprodução social e como essas experiências se vinculam ao setor agroalimentar local e regional, ao mesmo tempo que o constituem. Para identificar, quantificar e localizar essas experiências, realizamos um levantamento de campo a partir do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos junto a 152 agricultoras/es cadastradas/os, dentre os quais 29% tinham origem urbana. Essa etapa nos forneceu informações atualizadas sobre o contexto produtivo regional, e nos permitiu replanejar a etapa seguinte da pesquisa, especificamente com as/os novas/os agricultoras/es de origem urbana, visto que sob as restrições impostas pela pandemia de Covid-19 não pudemos ir a campo em 2020. Assim, sabendo que todas/os as/os agricultoras/es independentemente da origem tinham acesso à internet, aplicamos um questionário remoto. Os dados revelaram que as/os novas/os agricultoras/es não são necessariamente jovens, têm nível educacional acima da média rural e urbana, migram preferencialmente em duplas/casais, e que ambos dedicam-se em alguma medida às atividades agrícolas, embora seja comum a manutenção de algum outro trabalho. As motivações para tornarem-se agricultoras/es são pessoais e orientadas sobretudo pela busca por uma qualidade de vida que deixou de ser acessível nas cidades, especialmente no que diz respeito aos fatores ambientais. Apesar disso, há preferência por unidades produtivas próximas às cidades, o que facilita a circulação para questões pessoais, a entrega de produtos e/ou o recebimento do público nas unidades produtivas, prática comum entre as/os participantes da pesquisa. A grande maioria está vinculada à entidade de certificação participativa, o que propicia algumas das principais oportunidades de aprendizado das atividades agrícolas por promover o contato com outras/os agricultoras/es com interesses semelhantes, constituindo redes mais importantes do que a proximidade geográfica. Quanto à comercialização, a prioridade são os circuitos curtos de comercialização, o que favoreceu a continuidade da atividade apesar das restrições devido à pandemia de COVID-19. De um lado, essa situação incidiu no aumento da demanda por alimentos de base ecológica por consumidores individuais, o que pôde ser atendido por parte das/os novas/os agricultoras/es, especialmente por quem podia entregar a domicílio. Por outro, interferiu nas compras institucionais, cujos contratos não foram executados integralmente pelo governo, o que poderá influenciar futuras adesões às políticas públicas, que já é aquém quando comparado com o público da agricultura familiar. Concluímos que as/os novas/os agricultoras/es participam e influenciam a dinâmica do setor agroalimentar da região, promovendo não apenas a agricultura de base ecológica, mas um estilo de vida diferenciado. Consideramos que nossa aproximação ao fenômeno pode auxiliar na definição da categoria e consequentemente na elaboração ou ajustes das políticas públicas do setor agroalimentar de modo a ampliar a participação de outros atores interessados. Mas ponderamos que pesquisas futuras precisam aprofundar a compreensão sobre os impactos no mercado de terras e a interação com a comunidade local, por exemplo, se quisermos contribuir com uma perspectiva menos urbano-centrada que pode levar a novas rupturas sociais.

Abstract: In this dissertation, we have investigated how individuals of urban origin participate and constitute the ecologically based agri-food sector in the Metropolitan Region of Florianópolis (SC) as farmers, whom we called new farmers due to their previous inexperience in agricultural activity. Unlike other research on neo-rural people - a term used from the 1960s onwards in France that emphasizes migration from urban to rural areas, in this research, we focus on experiences of labor change, accompanied or not by spatial migration. Our main objective is to investigate how individual projects are linked to material, socio-cultural, and political-institutional conditions, shaping different possibilities of social reproduction, and how these experiences are linked to the local and regional agri-food sector at the same time they make up its dynamics. To identify, quantify and locate these experiences, we carried out a survey from the National Register of Organic Producers with 152 registered farmers, of which, 29% had urban origins.This stage provided us with updated information on the regional production context and allowed us to replan the next stage of the research under the restrictions imposed by the Covid-19 pandemic, since we were not able to collect data about new farmers of urban origin in person during 2020. Thus, knowing that all these farmers, regardless of origin, had access to the internet, we applied a remote questionnaire. The collected data revealed that these new farmers are not necessarily young, they have an educational level above the rural and urban average, they preferentially migrate in pairs/couples, and that both engage to some extent in agricultural activities, although it is common for them to keep other jobs. The motivations for becoming farmers are personal and mainly quality-of-life-oriented , which is no longer accessible in cities, especially due to environmental factors. However, there is still a preference for farms close to cities, which facilitate the locomotion for personal issues, the delivery of products, and/or public visits of the farms, a common practice among the research participants. The vast majority of them are linked to the participatory certification entity, which provides some of the main opportunities for learning agricultural activities by promoting contact with other farmers with similar interests, forming networks that are more important than geographic proximity. As for commercialization, their priority is the short commercialization circuits, which favored the continuity of the activity despite the restrictions of the COVID-19 pandemic. On one hand, this situation led to an increase in demand for ecologically based produce by individual consumers, which was met by some of the new farmers, especially those who could deliver to the consumers' homes. On the other hand, it interfered with institutional purchases, whose contracts were not fully executed by the government. This discontinuity could influence future adherence to public policies, which is already short when compared to the family farming public. We conclude that new farmers participate and influence the dynamics of the agri-food sector in the region, promoting not only ecologically based agriculture, but also a specific lifestyle. Our approach to the study of new farmers can help in the definition of the category and, consequently, in the elaboration or adjustments of public policies in the agri-food sector to expand the participation of other interested actors. Nevertheless, we consider that future research needs to deepen the understanding of land market impacts and interaction with local communities, for example, if we are to contribute to a less urban-centric perspective that could lead to new social disruptions.