Deus e o Diabo no Sertão da Terra Firme: Imaginário, subjetivação e poder nas fronteiras do sagrado (Planalto Catarinense ? 1892-1920)

Abstract

Partindo das biografias e relatos do padre Rogério Neuhaus, frei da ordem franciscana da Província de Santa Cruz da Saxônia, procura-se compreender as práticas de subjetivação e tecnologias de poder acionadas através dos imaginários religiosos nos territórios de missão do planalto catarinense. Na tensão entre catolicismo ultramontano e catolicismo popular, os imaginários constituíram- se como campo de disputa simbólica, espaço de permeabilidade e local de reativação de categorias tropológicas (como a categoria ?possessão demoníaca?), articuladas a um amplo conjunto de enunciados da modernidade. Por sua vez, esta tese pretende demonstrar como a romanização ou reforma ultramontana foi incorporada como parte das estratégias de uma governamentalidade biopolítica, durante o processo de consolidação do Estado Republicano. Convertidos em agentes da biopolítica, os padres ultramontanos foram responsáveis pela rearticulação do poder pastoral, mediante a aplicação das técnicas de subjetivação, de exame e direção de consciência. Através do emprego destas tecnologias sacramentais, como a confissão e o matrimônio, propuseram-se a infundir uma forma de governo sobre as populações, assegurando a ordem social biopolítica, como também normalizando e gerindo os conteúdos dos imaginários religiosos. Deste modo, o poder pastoral, reativado pelo catolicismo ultramontano e apoiado pela ortopedia moral franciscana instrumentalizou os processos de modernização e civilização que se encontravam em curso no Brasil, Lages e todo o planalto catarinense durante a Primeira República.

Abstract: Starting from the biographies and reports of father Rogério Neuhaus, friar of the Franciscan Order of the Santa Cruz Province of Saxony, we seek to understand the practices of subjectivation and power technologies triggered by religious imaginary in the mission territories of the Santa Catarina plateau. In the tension between ultramontane catholicism and popular catholicism, the imaginary constituted itself as a field of symbolic dispute, permeability space and place of reactivation of tropological categories (such as the ?demonic possession? category), articulated to a broad set of statements of modernity. In turn, this thesis intends to demonstrate how the romanization or ultramontane reform was incorporated as part of the strategies of a biopolitical governmentality, during the process of consolidation of the Republican State. Converted into agents of biopolitics, the ultramontane priests were responsible for the rearticulation of pastoral power by applying the techniques of subjectivation, examination and direction of conscience. Through the use of these sacramental technologies, such as confession and matrimony, they set out to infuse a form of government over populations, ensuring the biopolitical social order, as well as normalizing and managing the contents of religious imaginary. Thus, pastoral power, reactivated by ultramontane catholicism and supported by franciscan moral orthopedics, instrumentalized the processes of modernization and civilization that were underway in Brazil, Lages and the entire Santa Catarina plateau during the First Republic.