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A (canônica) literatura brasileira não conta com obras extensas que tratem detidamente sobre HIV/AIDS. Com exceção de ‘Depois daquela viagem’(1997), de Valéria Piassa Polizzi, nenhum outro trabalho do gênero surgiu com tal destaque. Por meio do estudo acerca do imaginário epidemiológico da AIDS e suas consequentes heranças traumáticas, buscamos questionar, face outras doenças consolidadas no campo metafórico, quais violências simbólicas perpetuam um histórico desuso poético e literário da AIDS. Em contraponto à perspectiva de incapacidade do HIV/AIDS de conter o sublime, a análise da obra ‘O tribunal da quinta-feira’(2016), de autoria de Michel Laub, demonstrou a riqueza da metáfora viral neste romance da literatura brasileira contemporânea. A partir de uma pesquisa orientada de natureza bibliográfica, certas chaves de leitura foram convocadas para a delimitação de uma poética do contágio, tais como a memória, o desejo, o sexo, a doença e o mundo virtual. Na análise narrativa do trabalho ficcional de Michel Laub, para além do trauma dos fantasmas sexuais que assolam o cotidiano do narrador-protagonista, identificamos certo potencial de renovação metafórico do HIV/AIDS, o que favorece a desmistificação de estigmas associados a essa enfermidade. A imaginação dessa doença, lida como fatal nos anos 1980 e como uma tratável IST (infecção sexualmente transmissível) na virada do século XXI, torna-se, dessa forma, uma positiva resposta crítica às heranças traumáticas do narrador e dos leitores, e confirma a necessidade do presente século em retificar a percepção da doença. A poética do contágio, no intercâmbio metafórico entre virologia e informática que permeia o vazamento e a viralização de mensagens do personagem principal, nos fornece a interpretação de uma disseminação biológica no organismo deste, como também da profusão, tal qual o vírus, de um padrão comportamental da sociedade para/com a enfermidade. Observamos, assim, que o emprego metafórico da doença, embora motivador de violências simbólicas, não deve ser abdicado, mas desconstruído e renovado, em vista da reelaboração de conceitos como vida e morte, saúde e doença, e do tratamento dos sintomas virais de preconceito, de culpabilização, de segregação e de estigmatização estabelecidos pelos tribunais potencialmente virtuais do imaginário coletivo. |
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