Trans tornando o campo do direito: uma análise da construção da categoria transexual na doutrina jurídica brasileira e seus efeitos no reconhecimento das pessoas trans como sujeito de direitos

Abstract

A presente pesquisa teve, dentre seus propósitos, refletir sobre os discursos e práticas acionadas para abordar as transexualidades no contexto contemporâneo. Acompanhou a construção da categoria transexual na teoria jurídica brasileira, por meio da análise de livros, coletâneas e seus capítulos específicos sobre o tema, de autoria de juristas, publicados no Brasil entre 1986 e 2015. O estudo partiu de uma perspectiva interdisciplinar, informada pelo campo dos estudos de gênero e sexualidades. Diante da emergência contemporânea das identidades trans em suas diferentes especificidades, demonstradas nas pesquisas mais atuais sobre o tema na área das ciências humanas e sociais, percebeu-se o descompasso entre as vivências dos sujeitos que se reconhecem como trans, e as descrições e referências a esta categoria no âmbito jurídico, que parecem não ter atentado para a heterogeneidade e a complexidade da experiência transexual. A análise documental realizada evidenciou a adoção de paradigmas dos saberes médicos e psicológicos pelas/os autoras/es do campo do direito, ao analisarem os aspectos jurídicos das transexualidades. As pesquisas recentes revelam como os saberes biomédicos se orientam através do diagnóstico, desde a Resolução nº 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina e da Portaria nº 1.707/2008 do Ministério da Saúde, reforçando a transexualidade como patologia. Assim, concedem às disciplinas biomédicas e do campo psi o poder de definir quem são as pessoas transexuais e o que elas necessitam. Dessa forma se tornam a referência ?legal? para o direito brasileiro, que reproduz a ideia sem dialogar diretamente com as pessoas mais interessadas no tema, que são as próprias pessoas trans. O direito acaba fixando o modelo do ?transexual verdadeiro? como padrão nas construções doutrinárias que são utilizadas nas demandas judiciais e decisões jurídicas sobre processos referentes às questões trans. Este entendimento é atualmente questionado pelo próprio ativismo social do movimento pela despatologização das identidades trans. Desta forma, adoto a reivindicação da despatologização como referência para questionar o fato do campo do direito, reproduzir e, por vezes, reforçar a categoria médica transexual de forma generalizada nos textos jurídicos.

Abstract : The present research had, among its purposes, to reflect about the speeches and practices put in action to approach transsexuality in the contemporary context. It followed the construction of the transsexual category in the Brazilian juridical theory, through the analysis of books and its specific chapters about this subject, published in Brazil between the years 1986 and 2015. The study was made from an interdisciplinary perspective, informed by the gender and sexuality studies fields. Facing the contemporaneous emergence of trans identities in their different specificities, it was demonstrated in the most recent researches about the theme, in the fields of human and social sciences, it has been noted the mismatch between the lives of the individuals who identify themselves as trans, and this category descriptions and references in the juridical context, which seems to have been unaware of the heterogeneity and complexity of the transsexual experience. The documentary analysis performed has made clear the adoption of paradigms of the medical and psychological knowledges by authors from the field of law, when analyzing the juridical aspects of transsexualities. The recent studies reveal how the biomedical knowledges orient themselves through the diagnosis since the Resolution nº 1.482/97 from the Federal Council of Medicine and the Administrative Rule nº 1.707/2008 from the Health Ministry, which guarantee to the biomedical and psychological disciplines the power to define who the transsexual people are and what they need. This way, they become the ?legal? reference to the Brazilian law, that reproduces the idea without dialoguing directly to the most interested people, the trans themselves. The law ends up fixing the true transsexual model as the standard model for juridical decisions related to trans issues processes. This understanding is currently questioned by the social activist movement itself for the depathologization of trans identities. Therefore, I claim to adopt the dephatologization as a reference to question the fact of what the Law field reproduces, and sometimes, to reinforce the transsexual medical cathegory in a general manner in the juridical texts.