Abstract:
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Esta pesquisa topicaliza os usos sociais da escrita e tem como tema a interface entre escrita e comunidade de prática (WENGER, 1998), ancorando-se em estudos de Street (1984; 2003a; 2003b); Street e Lefstein (2007); Barton (1994); Barton e Hamilton (1998); Barton, Hamilton e Ivanic (2000); Hamilton (2000a); Kleiman (2006). Seu objetivo foi descrever, com base em teorizações de Hamilton (2000b), práticas e eventos de letramento vivenciados por um grupo de crianças - na escola e em casa -, residentes em um bairro de vulnerabilidade social no município de Florianópolis/SC, identificando concepções sobre a escrita em ambos os espaços e depreendendo implicações de aprendizagem, no que diz respeito à formação dos alunos, decorrentes de similaridades ou diferenças entre tais práticas. Participaram do estudo seis alunos, com idade entre nove e onze anos, cursando o quarto ou o quinto ano do Ensino Fundamental e inseridos no Núcleo de Letramento. Compuseram, ainda, o quadro de participantes as mães e, em se tratando de uma das crianças, a avó. Também participaram da pesquisa funcionários da escola, como secretária, coordenadora do núcleo, bibliotecária estagiária e professores de Língua Portuguesa, Meteorologia e Geografia. O estudo, de cunho etnográfico, implicou descrição analítico-interpretativa (MASON, 1996) e teve como mote as seguintes questões de pesquisa: Como se caracterizam práticas e eventos de letramento subjacentes/presentes às/nas relações intersubjetivas que crianças de comunidades socioeconomicamente desprivilegiadas e de baixo nível de escolarização estabelecem na escola e em casa? Que divergências e convergências emergem no que diz respeito a práticas e eventos de letramento vivenciados por tais crianças nesses grupos e na escola? Há implicações de aprendizagem depreensíveis nessa maior ou menor convergência? Os dados foram obtidos por meio de entrevistas, observação e notas de campo, focalizando os elementos visíveis nos eventos de letramento, tal qual suscitado nos estudos de Hamilton (2000b), como, por exemplo, participantes, ambientes, artefatos e atividades. Já os constituintes não-visíveis das práticas de letramento, tais como participantes ocultos, domínio, recursos e rotinas foram observados durante a interação. Os resultados evidenciam que a hipotetizada divergência entre práticas de letramento que caracterizam o espaço escolar e práticas de letramento que caracterizam a ambientação familiar, ainda que se institua naquele espaço, não parece ser o foco efetivo implicado na não ressignificação das representações das crianças sobre os usos da modalidade escrita da língua na sociedade contemporânea. Parece haver, na verdade, uma flagrante ausência de escrita na ambientação escolar e nas aulas dessa classe, muitas vezes motivada pelas condições de a(na)lfabetismo dos alunos e, possivelmente, na origem, motivada por uma tácita naturalização da não aprendizagem que tende a caracterizar espaços de vulnerabilidade social como esse. À luz das teorizações de Vigotski (1998 [1978], parece evidente que, se a escola não agir na Zona de Desenvolvimento Imediato da criança, e por via de consequência, os professores não se assumirem como agentes de letramento (KLEIMAN, 2006), não haverá possibilidade de apropriação de novos saberes nas relações intersubjetivas. Não havendo um processo de elaboração didática (HALTÉ, 2008 [1998]) construído a partir da Zona de Desenvolvimento Imediato (VIGOSTKI, 1998 [1978]) das crianças, não haverá hibridização entre suas práticas de letramento e as práticas de letramento dominantes, tal qual sugere Street (2003a). Vivências na escola sinalizam, ainda, que, dentre vários aspectos, tal processo de hibridização está inviabilizado também em razão das dificuldades docentes no que diz respeito à efetiva apropriação dos letramentos dominantes. |