Title: | Para um modelo penal não moderno: elementos de uma teoria latino-americana do conflito social |
Author: | Motta, Felipe Heringer Roxo da |
Abstract: |
Partindo da interpretação histórica baseada na teoria dos sistemas-mundo, situa-se a formação da modernidade por meio de uma dupla ramificação. O segundo momento, eurocêntrico, percebe o fenômeno moderno desde a Europa, coincidindo com a segunda onda colonizadora. Porém, oculta fica sua primeira fase, na qual ocorre o encontro (choque) ético de mundos, base da formação material e simbólica do ethos conquistador europeu. Iniciando na segunda fase da modernidade, colocam-se delineamentos gerais sobre formas de se teorizar o conflito social, que, apesar das nuanças, podem ser separadas duas linhas principais: uma calcada no consenso como regra das relações das pessoas em sociedade; outra percebe o conflito como elemento sempre presente socialmente. Da contextualização geral, inicia-se uma análise de discurso de textos atuais da dogmática jurídico-penal na constituição de uma narrativa sociológica implícita e que permeia a maioria dos manuais com impressionante homogeneidade. Percebe-se a sociedade como um todo consensual, de valores homogêneos, sendo que os bens essenciais para a própria sobrevivência da coletividade são transformados em normas penais pelo legislador racional. As relações humanas são travadas a partir de sujeitos (universais, individuais e autônomos) isolados reciprocamente. No cometimento de um crime, um indivíduo ataca o bem jurídico de outro, agindo de forma consciente e sem justificação viola valores que inclusive o agente consentiu em respeitar. Essa ação e vontade (ambas individuais) geram um duplo conflito: "criminoso"/vítima; e sociedade/"criminoso". Para responder ao problema, o Sistema de Justiça Criminal possui instrumentos perfeitos para separar o indivíduo e transformá-lo para que re-torne, re-formado e se re-insira no núcleo consensual de onde saiu. Diversas correntes criminológicas teceram teorias capazes de servirem de crítica direta a essa narrativa sociológica, mostrando que a formação social é fundada em conflitos, que resultam em representações desiguais na criação e persecução de condutas definidas como crime - projeção da própria diferença de classes. Assim, consegue-se entender que o cárcere cumpre funções destinadas à clientela selecionada, reais e que não se confundem com as tarefas declaradas da pena. A crise gerada pelos fatos e crítica tem recebido tentativas de respostas a partir de duas linhas: uma que mais se aproxima da crença da narrativa sociológica (possível relegitimação); outra que tem maiores afinidades com a crítica criminológica, entendendo a superação do Sistema de Justiça Criminal como único caminho viável. Somando aos esforços de deslegitimação, levanta-se a lógica moderna como essencialmente genocida desde sua constituição. Damos um passo em direção à primeira modernidade para encontrar nas fronteiras sua exterioridade para onde é direcionada a potência de aniquilação do outro em favor da manutenção consensual da única existência possível, na pretensão de totalidade. A partir de exemplos do conflito totalidade-exterioridade (gênero, raça, colonialidade) é possível entender que a atuação genocida da modernidade perpassa potencialmente todas as dimensões da forma contemporânea de produção da vida e, portanto, também os mecanismos de punição. Assim sendo, a busca penal por arrastar a alteridade de volta aos fundamentos modernos é somente a fronteira entre a morte simbólica e a concreta. O caminho de superação do modo de produção da vida na modernidade encontra nos movimentos populares uma considerável potencialidade de transformação, em direção à utopia factível. Based on the historiographical interpretation under the world-systems theory, the formation of modernity is posited from a clear twofold. Its second moment - Eurocentric - perceives the modern phenomena from Europe, coinciding with the second colonizing wave. However, hidden remains its first stage, in which occurs the ethical encounter (collision) of worlds, the material and symbolic foundations of the European conquering ethos. Departing from modernity's second phase, the forms of thought theoretically dealing with social conflict can be roughly separated into two main understandings: one based on consensus as the ordinary element under which every human relation takes place; another that sees conflict as an ever present social factor. From this general context, a discourse analysis is thus undertaken using contemporary penal textbooks to build a sociological narrative underlying criminal law's technical thought, present with an impressive homogeneity. Society is taken to be a consensual whole and, to guarantee the very survival of this collective body, the essential values are turned into penal normative text by an abstract legislature. Human relations are lived by (universal, individual and autonomous) subjects reciprocally isolated. As of a crime perpetration, a person willingly violates the rights of another, therefore, values that he himself consented to uphold. His action and will (both related to the individual) generate a double conflict: "culprit"/victim; and society/"culprit". Answering to this problem, the Criminal Justice System has the perfect tools to segregate the "criminal" in order to transform the person so that he can re-turn, re-formed and able to re-enter the consensual core whence he originally came. Many criminological Schools of thought have weaved theories that can be used as a direct critique against this sociological narrative, showing how social formations are based on conflicts, out of which come the unbalanced representations in creation and enforcement of laws that define criminal behaviour - following a direct projection of class inequality. Thus, it is understood that penal punishment fulfils goals (real ones not to be mistaken for the officially declared roles) destined to act upon its commonly selected inmates. The crisis generated by the facts and criticisms has received solution attempts by two main lines of arguments: one closer to the sociological narrative's beliefs (sustaining a possible relegitimation); another attuned to the criminological critique that sees the surpassing of the Criminal Justice System as the only viable way. In order to add to the delegitimizing efforts, it's possible to show how genocidal modernity has been since its foundation. Taking steps towards the first stage of the modern world-system, one finds in its very boundaries the exteriority to where the annihilating power is directed. The other is nullified in favour of the only possible consensual existence, under a totality's pretence. With some examples of totality-exteriority conflict (gender, race, colonialism) it is possible to understand that every dimension of the contemporary mode of life production is potentially pervaded by this genocidal logic - by extension, so are the ways of carrying out punishment. Therefore, penal law's intent of dragging the otherness back to modernity's foundations is only the border between symbolic and concrete death. An incredible potential in the path to surpass the modern mode of life production can be found with a specific type of social movement, one that can achieve real social transformation towards a feasible utopia. |
Description: | Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2010 |
URI: | http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/93775 |
Date: | 2012-10-25 |
Files | Size | Format | View |
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285512.pdf | 1.280Mb |