Abstract:
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O estudo apresenta uma perspectiva de cuidado fundamentada na filosofia da experiência de Merleau-Ponty. Essa nova noção de cuidado se articulou a partir da pesquisa realizada com familiares cuidadores de pessoas com Doença de Alzheimer (DA), tendo como objetivo: descrever as vivências em que tais familiares se identificam como corpo próprio nas relações de cuidado à luz da teoria merleau-pontyana da intersubjetividade. Participaram da pesquisa dez cuidadores principais de pessoas com diagnóstico de DA que integram um Grupo de Ajuda Mútua para Familiares Cuidadores de Idosos Portadores de DA e Doenças Similares - GAM. As descrições vivenciais se mostraram através da técnica de entrevista baseada na experiência intercorporal; o corpus constituído foi analisado a partir da analítica da ambigüidade, estratégia criada sob a orientação da filosofia da experiência que tem como matriz teórica a redução fenomenológica eidética, método desenvolvido por Husserl para a compreensão do processo intencional. Merleau-Ponty avança em relação a Husserl, desenvolvendo uma filosofia da experiência ou filosofia da carne; refutando a idéia de uma síntese da consciência, ele acredita que não conseguimos alcançar a essência da consciência; a essência consiste em um movimento de reversibilidade entre dois pólos de uma mesma experiência: o sensível e o objetivo. Essa vivência ambígua é o que caracteriza a nossa experiência perceptiva como uma experiência de campo. A analítica da ambigüidade se configura concebendo a percepção do ponto de vista de quem a vive como um campo fenomenal. A partir da análise, emergiram sete categorias; respectivamente, três delas estão relacionadas à ação do cuidador ou ao cuidado propriamente dito, e quatro, centradas na percepção do cuidador sobre o processo de cuidar: orientação intencional no cuidado; ambigüidade das demandas no processo de "tornar-se cuidador"; estilo e aprendizagem no cuidado; ambigüidade saúde-doença no cuidado; efeito do cuidar nas relações familiares; percepção do outro e de si no cuidado; sexualidade no cuidado. Estas categorias revelam que a experiência de cuidado de uma pessoa com DA vivenciada por familiares cuidadores constitui uma vivência do corpo próprio, ou seja, uma experiência de campo que se caracteriza, sobretudo, pela manifestação da ambigüidade, e que Merleau-Ponty denominou de outrem. Neste sentido, o estudo aponta uma nova perspectiva para o cuidado, aquela que é capaz de abrir possibilidades à transcendência ou experiência de transformação em um outro eu mesmo. Quanto ao cuidado de uma pessoa com DA, não obstante tenha sido veiculado em grande parte da produção científica em gerontologia como uma experiência que, em si, produz sofrimento e contribui para o adoecimento do familiar cuidador, o presente estudo revela que se trata de vivência que abre possibilidades à saúde e a novas perspectivas de vida para o cuidador. |