"Se nós ficar sem origem, onde não vamos parar?": memória biocultural e soberania alimentar em sistemas agrícolas tradicionais e agroecológicos no Brasil

DSpace Repository

A- A A+

"Se nós ficar sem origem, onde não vamos parar?": memória biocultural e soberania alimentar em sistemas agrícolas tradicionais e agroecológicos no Brasil

Show full item record

Title: "Se nós ficar sem origem, onde não vamos parar?": memória biocultural e soberania alimentar em sistemas agrícolas tradicionais e agroecológicos no Brasil
Author: Braga, Maraísa Resende
Abstract: A soberania alimentar (Sobal) e a memória biocultural mantêm uma relação complexa e interdependente, mediada por fatores políticos, territoriais e sociais. A Sobal, enquanto paradigma contra-hegemônico, preconiza a autonomia camponesa sobre seus sistemas agroalimentares, permeado por uma convivência saudável ambientalmente e com relações sociais mais dignas e justas. A memória biocultural representa o acúmulo dinâmico de saberes tradicionais sobre o uso, manejo e convivência com a biodiversidade e o ambiente. Esta pesquisa investigou essa relação em sistemas agrícolas tradicionais e agroecológicos, desenvolvendo o Instrumento de Avaliação da Soberania Alimentar (IASA) em duas versões: uma detalhada para pesquisas acadêmicas ou técnicas, e outra resumida, voltada para autoavaliação comunitária participativa. A aplicação do IASA Detalhado em 14 comunidades camponesas de Minas Gerais, Santa Catarina e Rio de Janeiro revelou padrões importantes. Em contextos como o Quilombo do Campinho (RJ) e a Comuna Amarildo de Souza (SC), onde prevalecem a organização coletiva e o acesso seguro à terra, observamos sistemas agrícolas diversificados que preservam tanto a autonomia alimentar quanto os conhecimentos ecológicos. Nestes casos, as práticas agroecológicas e a gestão comunitária de recursos naturais demonstraram ser eficazes na manutenção ou criação de memória biocultural. Contudo, para algumas famílias entrevistadas em Biguaçu (SC) e em Berilo (MG), a especialização produtiva orientada para o mercado e a dependência de insumos externos mostraram-se fatores de erosão tanto da Sobal quanto da memória biocultural. A análise dos dados, utilizando métodos mistos, destacou a importância crítica do território nessa relação. A perda de terras, como ocorreu na Chapada das Veredas (MG) com a expansão da monocultura do eucalipto, comprometeu gravemente tanto a soberania alimentar quanto a prática dos sistemas tradicionais. Os resultados indicam que sistemas com maior diversidade de cultivos, menor dependência de insumos externos e forte base comunitária apresentam maior exercício da Sobal e manutenção da memória biocultural. Identificamos ainda processos interessantes de reinvenção biocultural, pelos quais algumas famílias agricultoras vêm adaptando práticas agroflorestais que mesmo num novo contexto viabilizam a manutenção dos princípios de convivência com o ambiente, a promoção da Sobal e da memória biocultural. Como ferramenta, o IASA mostrou-se valioso tanto para pesquisa quanto para ação comunitária, com especial potencial em sua versão resumida demonstrando potencial particular para a autoavaliação envolvendo a comunidade e para a conscientização política sobre o Sobal. Recomendamos seu uso combinado com estratégias de valorização cultural e defesa de direitos territoriais, elementos fundamentais para a manutenção dessa relação. Para pesquisas futuras, sugerimos a ampla aplicação do IASA Resumido em diversos contextos agrícolas, a adaptação do instrumento para contextos indígenas, onde a dimensão espiritual é central na memória biocultural, além de estudos que acompanhem a evolução dessa relação sob diferentes pressões externas.Abstract: Food sovereignty (FS) and biocultural memory maintain a complex and interdependent relationship, mediated by political, territorial, and social factors. FS, as a counterhegemonic paradigm, advocates for peasant autonomy over their agri-food systems, underpinned by an environmentally healthy coexistence and more dignified and just social relations. The biocultural memory represents the dynamic accumulation of traditional knowledge about the use, management, and coexistence with biodiversity and the environment. This research investigated this relationship in traditional and agroecological agricultural systems by developing the Food Sovereignty Assessment Instrument (IASA) in two versions: a detailed one for academic or technical research, and a summarized version focused on participatory community self-assessment. The application of the detailed IASA in 14 peasant communities across Minas Gerais, Santa Catarina, and Rio de Janeiro revealed important patterns. In contexts like the Quilombo do Campinho (RJ) and Comuna Amarildo de Souza (SC), where collective organization and secure access to land prevail, we observed diversified agricultural systems that preserve both food autonomy and ecological knowledge. In these cases, agroecological practices and community-based natural resource management proved effective in maintaining or creating biocultural memory. However, for some families interviewed in Biguaçu (SC) and Berilo (MG), market-oriented specialization of production and dependence on external inputs emerged as factors eroding both FS and biocultural memory. The data analysis, using mixed methods (Multiple Factor Analysis and content analysis), highlighted the critical importance of territory in this relationship. Loss of access to land, as occurred in Chapada das Veredas (MG) due to the expansion of eucalypt monocultures, severely jeopardized both FS and the practice of traditional systems. The results indicate that systems with greater crop diversity, less dependence on external inputs, and strong community foundations tend to demonstrate stronger exercise of FS and maintenance of biocultural memory. We also identified interesting processes of biocultural reinvention, where new practices like agroforestry maintained principles of environmental coexistence, demonstrating great adaptive capacity that promotes both FS and biocultural memory. As a tool, the IASA proved valuable for both research and community action, with its summarized version showing particular potential for community-engaging self-assessment and political awareness raising about FS. We recommend its use combined with strategies for cultural valorization and defense of territorial rights, fundamental elements for maintaining this relationship. For future research, we suggest: broader application of the summarized IASA in diverse agricultural contexts; adaptation of the instrument for indigenous contexts, where the spiritual dimension is central to biocultural memory; and studies tracking the evolution of this relationship under different external pressures.
Description: Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Agrárias, Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas, Florianópolis, 2025.
URI: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/269257
Date: 2025


Files in this item

Files Size Format View
PAGR0561-T.pdf 14.38Mb PDF View/Open

This item appears in the following Collection(s)

Show full item record

Search DSpace


Advanced Search

Browse

My Account

Statistics

Compartilhar