Sintomas de depressão, ansiedade e qualidade de vida em estudantes de medicina: um estudo longitudinal

Abstract

Introdução: Vários estudos apontam a Faculdade de Medicina como um ambiente estressor, com alta prevalência de sofrimento psíquico para os alunos. A escola médica é descrita como elemento que afeta negativamente a qualidade de vida (QV) do estudante. Vários fatores têm sido relacionados a este problema. Estudos transversais apontam flutuação desses elementos ao longo da formação, entretanto poucos estudos longitudinais abordam o tema. Objetivo: Este estudo, teve como objetivo analisar a QV e ocorrência de sintomas depressivos e ansiosos em estudantes de medicina, de uma Universidade Pública do Sul do Brasil, acompanhados do primeiro ao quarto ano do curso, além de compreender melhor possíveis fatores relacionados às mudanças na QV. Método: Estudo observacional longitudinal de 2015 a 2019, com estudantes de 2 turmas de medicina. Foi aplicado instrumento contendo: questionário sociodemográfico, Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS) e questionário de QV da OMS (WHOQOL-Bref). Para análise estatística foram calculadas frequências absolutas e relativas das variáveis, de acordo com o ano do curso, agrupadas em inicial ou final. Foram estimadas associações entre as variáveis sociodemográficas, QV, ansiedade e depressão, com o ano do curso. As associações foram avaliadas, considerando significância estatística quando p<0,05. Foram calculadas a incidência anual e a prevalência acumulada de depressão e ansiedade segundo o ano do curso. Posteriormente, modelos de regressão linear foram utilizados para determinar associações entre variáveis dependentes, de QV e domínios no 4°ano, com variáveis independentes principais. Os modelos foram ajustados para potenciais confundíveis, usando seleção backward. Observou-se significância estatística por intervalos de confiança de 95%. Resultados: Amostra inicial de 105, sendo que 68 responderam todos os anos. Os resultados foram apresentados em 2 artigos. 1º artigo: encontrou-se uma alta prevalência de sintomas depressivos (44,2%) e ansiosos (55,9%), já no primeiro ano do curso. Houve redução estatisticamente significativa, dos sintomas depressivos no quarto ano (p=0,04). Os sintomas ansiosos mantiveram-se altos, com uma discreta redução no quarto ano. Entretanto, durante o período avaliado, 11 alunos desenvolveram sintomas sugestivos de depressão e 20 de ansiedade. Observou-se aumento estatisticamente significativo da QV, no aspecto geral (p=0,03) e domínio ambiental (p=0,002), do início para o final da coleta. Houve relação inversa entre QV e sintomas depressivos e ansiosos. Esta relação mostrou-se estatisticamente significativa entre o domínio psicológico e sintomas de depressão e ansiedade, em todos os anos. Também entre os sintomas depressivos e o domínio físico, a relação inversa foi significativa em 3 dos 4 anos. 2º artigo: no modelo de regressão linear, alguns fatores estiveram significativamente associados, com QV geral e Domínios, no 4º ano do curso. Foram eles: QV geral no 4º ano, associou-se com QV geral no 1º ano (IC95% 0.06;0.51); com HADS ansiedade no 4º ano, de forma invertida (IC95% -0,11; -0,23); com morar sozinho no 4º ano também de forma invertida (IC95% -0.89; -013) e trabalhar no 4º ano, também de forma invertida (IC95% -1.39; -0.26). Domínio Físico no 4º ano associou-se com o domínio físico no 1º ano (IC95% 0.05; 0.57) e de forma invertida, com HADS depressão (IC95% -0.78; -0.24); estado civil (com companheiro) (IC95%-0.48; -0.03) e sexo feminino (IC95% -0.52; -0.05). Domínio Psicológico no 4º ano associou-se com o Domínio Psicológico no 1º ano (IC95% 0.22; 0.50) e de maneira invertida, com a HADS depressão no 4º ano (IC95% -0.16; -0.11). O Domínio Ambiental no 4º ano associou-se com o Domínio Ambiental no 1º ano (IC95% 0.26; 0.77) e de forma invertida, com a HADS depressão no 4º ano (IC95% -0.09; -0.009) e com a QV geral (negativa) no 4º ano (IC95% -0.75; -0.07). O Domínio Social no 4º ano associou-se com o domínio Social no 1º ano (IC95% 0.05; 0.40) e de forma invertida com a QV geral (negativa) no 4º ano (IC95% -0.94; -0.22). Conclusão: Houve alta prevalência de sintomas depressivos e ansiosos entre os estudantes da amostra, nos quatro anos pesquisados. Os valores mais elevados foram os do início do curso. A QV acompanhou de maneira invertida os sintomas psíquicos. A QV geral e nos domínios, no 4º ano do curso, associou-se, com a QV do 1º ano do curso. Sintomas de ansiedade e de morar sozinho, no 4º ano, associaram-se com pior QV geral, no 4º ano. Os domínios físico, psíquico e ambiental, associaram-se negativamente aos sintomas depressivos. Sexo feminino associou-se negativamente com domínio físico. Morar sozinho associou-se com pior QV geral. Ter companheiro, associou-se à pior QV no domínio físico.

Abstract: Introduction: Several studies point to the Medical School as a stressful environment, with a high prevalence of psychological distress among students. Medical school is described as a factor that negatively impacts the quality of life (QOL) of students. Various factors have been related to this issue. Cross-sectional studies indicate fluctuations in these elements throughout the education period, but few longitudinal studies address the topic. Objective: This study aimed to analyze the QOL and occurrence of depressive and anxious symptoms in medical students from a Public University in Southern Brazil, followed from the first to the fourth year of the course. Additionally, the study sought to better understand possible factors related to changes in QOL. Method: A longitudinal observational study was conducted from 2015 to 2019, involving students from two medical school classes. An instrument containing a sociodemographic questionnaire, the Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS), and the WHO Quality of Life questionnaire (WHOQOL-Bref) was administered. Absolute and relative frequencies of variables were calculated for statistical analysis, grouped by the year of the course into initial or final. Associations between sociodemographic variables, QOL, anxiety, and depression with the year of the course were estimated. Associations were evaluated with statistical significance set at p < 0.05. Annual incidence and cumulative prevalence of depression and anxiety were calculated based Over the evaluated period, 11 students developed symptoms suggestive of depression, and 20 developed symptoms of anxiety. A statistically significant increase in QOL was observed in the overall aspect (p=0.03) and the environmental domain (p=0.002) from the beginning to the end of the data collection. There was an inverse relationship between QOL and depressive and anxious symptoms. This relationship was statistically significant in the psychological domain and symptoms of depression and anxiety in all years. Also, a significant inverse relationship between depressive symptoms and the physical domain was observed in three out of the four years. In the second article, the linear regression model identified several factors significantly associated with overall QOL and domains in the fourth year of the course. These included: overall QOL in the fourth year associated with overall QOL in the first year (95% CI 0.06; 0.51); with HADS anxiety in the fourth year in an inverse manner (95% CI -0.11; -0.23); living alone in the fourth year also inversely (95% CI -0.89; -013); and working in the fourth year, also inversely (95% CI -1.39; -0.26). The physical domain in the fourth year was associated with the physical domain in the first year (95% CI 0.05; 0.57) and inversely with HADS depression (95% CI -0.78; -0.24); marital status (with a partner) (95% CI -0.48; -0.03); and female gender (95% CI -0.52; -0.05). The psychological domain in the fourth year was associated with the psychological domain in the first year (95% CI 0.22; 0.50) and inversely with HADS depression in the fourth year (95% CI -0.16; -0.11). The environmental domain in the fourth year was associated with the environmental domain in the first year (95% CI 0.26; 0.77) and inversely with HADS depression in the fourth year (95% CI -0.09; -0.009) and overall QOL (negative) in the fourth year (95% CI -0.75; -0.07). The social domain in the fourth year was associated with the social domain in the first year (95% CI 0.05; 0.40) and inversely with overall QOL (negative) in the fourth year (95% CI -0.94; -0.22). Conclusion: There was a high prevalence of depressive and anxious symptoms among the sampled students over the four years of the study. The highest values were observed at the beginning of the course. QOL inversely correlated with psychological symptoms. Overall QOL and domains in the fourth year were associated with QOL in the first year. Anxiety symptoms and living alone in the fourth year were associated with worse overall QOL. The physical, psychological, and environmental domains were negatively associated with depressive symptoms. Female gender was negatively associated with the physical domain. Living alone was associated with worse overall QOL. Having a partner was associated with worse QOL in the physical domain.