Espíritos, corpos e território: etnografia da crise e práticas de autoatenção entre os Avá-Guarani no Oeste do Paraná, Brasil

Abstract

Esta etnografia retrata a crise de saúde enfrentada nas aldeias Avá-Guarani no Oeste do Paraná, reconhecida pelos indígenas como ataques de espíritos que causam surtos de tremedeira e podem induzir a morte autoprovocada. As práticas de autoatenção indígenas, incluindo as discursivas, demonstram noções específicas de construção do corpo individual, social e político do grupo, elaboradas a partir de um acervo sócio-cosmológico próprio. Um conjunto de aspectos elencados pelas lideranças avá-guarani apontam para os efeitos da desterritorialização na crise que atravessam, de modo que a luta política pelo reconhecimento de terras pode ser compreendida como uma prática de autoatenção em saúde no sentido amplo. O pertencimento recíproco entre os Avá-Guarani e as suas terras de origem pode ser percebido nas iniciativas de recuperação de posse das retomadas, que inscrevem na paisagem o modo indígena de habitar o mundo. O processo de instalação das fronteiras nacionais no espaço geográfico dos Avá-Guarani contou com a participação indígena, contudo, a partir do século XX a sua presença étnica e os seus direitos territoriais foram invisibilizados, principalmente a partir da construção da hidrelétrica de Itaipu. As histórias de vida dos indígenas revelam a sua perspectiva histórica da ocupação regional, da qual decorre a configuração territorial contemporânea. O reconhecimento de terras é uma medida fundamental para que os Avá-Guarani superem a crise de saúde que enfrentam.

Abstract: This ethnography portrays the health crisis faced in the Avá-Guarani settlements in western Paraná, which the indigenous recognize as attacks by spirits that cause surge of tremors and can induce self-inflicted death. The indigenous self-attention practices, including discursive ones, demonstrate their specific notions on construction of the body in individual, social and political views, which are elaborated from their own socio-cosmological collection. A set of aspects listed by the Avá-Guarani leaders points out to the effects of deterritorialization in the crisis they are going through, so that the political struggle for the recognition of land can be understood as a self-attention practice in the broad sense. The reciprocal belonging between the Avá-Guarani and their lands of origin can be seen in the initiatives to recover land tenure, which inscribe in the landscape the indigenous way of living in the world. The process of installing national frontiers in the geographic space of the Avá- Guarani involved indigenous participation, however, from the 20th century onwards, their ethnic presence and their territorial rights were made invisible, mainly after the construction of the Itaipu dam. The indigenous life stories reveal their historical perspective of regional occupation, from which the contemporary territorial configuration derives. Land recognition is a key measure to overcome the health crisis the Avá-Guarani are facing.