História de vida e sofrimento psíquico grave na perspectiva da psicologia existencialista: narrativas existenciais

Abstract

A presente pesquisa teve como proposta investigar as histórias de vida de usuários em sofrimento psíquico grave da Rede de Atenção Psicossocial de uma cidade ao norte do Estado de Santa Catarina, para posteriormente elucidá-las pela perspectiva da Psicologia Existencialista, desenvolvida pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre no percurso de sua obra. Delineou-se como pesquisa qualitativa de caráter exploratório-descritivo. A problemática de que partiu este estudo é o entendimento das relações entre a história de vida e a constituição do processo de sofrimento psíquico grave por dentro de uma biografia existencial. Por sofrimento psíquico grave entende-se, em oposição a uma psicopatologia centralmente nosográfica e sintomatológica, um modo de estar no mundo. Elegeu-se tal constructo em consonância com a acepção fenomenológica e existencialista. A entrevista narrativa seguiu um roteiro adaptado do instrumento life history interview delineado por McAdams (2012) utilizado por Langaro (2019) e Borges (2022), em suas pesquisas. As narrativas autobiográficas foram gravadas e posteriormente transcritas e analisadas à luz da fenomenologia existencialista sartriana, por considerar que sua ontologia e metodologia clínica, retoma o sujeito na sua constituição dialética e temporal. Foi possível reunir as narrativas em eixos de significados comuns, seguindo as temáticas suscitadas pelo roteiro, a saber: história de vida, acontecimentos-chaves como pontos alto, baixo e de viragem; trajetória do cuidado e história futura. Conclui-se pela análise das narrativas, que tal método associado a perspectiva existencialista se configura enquanto uma potente ferramenta para a compreensão do sofrimento, apesar das limitações desse estudo quanto ao tempo e ao número reduzido de participantes. Ademais, compreendeu-se que fatores antropológicos e sociológicos se vinculam consideravelmente às experiências comuns de sofrimento desses sujeitos, ainda que tomadas de maneira singular por cada um. Considera-se, por fim, que a lógica da clínica ampliada associada a uma compreensão existencialista do sofrimento humano, pode viabilizar a construção de práticas emancipadoras no território, rompendo de fato com a lógica biomédica de cunho apenas curativo.

Abstract: The purpose of this research was to investigate the life stories of users in severe psychological distress of the Psychosocial Care Network in a city in the north of the state of Santa Catarina in order to later elucidate them from the perspective of Existentialist Psychology, developed by the French philosopher Jean-Paul Sartre in the course of his work. It was outlined as qualitative exploratory-descriptive research. The issue from which this study departed is the understanding of the relationships between life history and the constitution of the process of severe psychic suffering within an existential biography. Severe psychological distress means, as opposed to centrally nosographic and symptomatological psychopathology, a way of being in the world. This construct was chosen in line with the phenomenological and existentialist meanings. The narrative interview followed a script adapted from the life history interview instrument outlined by McAdams (2012), used by Langaro (2019) and Borges (2022) in their research. The autobiographical narratives were recorded and later transcribed and analyzed in the light of Sartre's existentialist phenomenology, considering that its ontology and clinical methodology resume the subject in its dialectical and temporal constitution. It was possible to gather the narratives into axes of common meanings, following the themes raised by the script, namely: life story, key events such as high, low, and turning points; trajectory of care, and future history. It is concluded from the analysis of the narratives that such a method associated with the existentialist perspective is configured as a powerful tool for understanding suffering, despite the limitations of this study regarding time and the small number of participants. Furthermore, it was understood that anthropological and sociological factors are considerably linked to the common experiences of the suffering of these subjects, even if taken in a unique way by each one. Finally, it is considered that the logic of the expanded clinic, associated with an existentialist understanding of human suffering, can enable the construction of emancipatory practices in the territory, effectively breaking with the biomedical logic of a purely curative nature.