A história da erva

Abstract

Na esteira dos estudos feministas e das abordagens etnográficas multiespécie e levando a sério a crítica pós-colonial, este trabalho pretende apresentar a história ambiental da maconha de um ponto de vista ficcional. Cobre desde o momento em que ela estava limitada a seu ambiente nativo (na Ásia) até os dias de hoje, quando ela se encontra espalhada por todos os continentes tornando-se a planta mais consumida de forma ilícita no mundo. Tomando, então, essa planta como ponto de partida etnográfico e buscando reunir o máximo daquilo que ela converge em torno de si, pretende-se apresentar uma estória enigmática, carregada de mistérios, conflitos e controvérsias científicas. Como uma experimentação etnográfica e um exercício de aproximação entre antropologia e literatura, A História da Erva apresenta um texto onde uma erva conta a sua própria história, ou melhor, a história da relação ancestral que estabeleceu com os seres humanos. Um olhar para os modos de definir das ciências e para os seus processos de classificação caracteriza uma das principais preocupações deste trabalho. Pretende-se, assim, colocar em relação discursos diversos, demonstrando como o debate público foi influenciado pelo conhecimento científico e apontar alguns caminhos para a discussão da temática. Em relação à história brasileira, focando especialmente na chegada dessa planta ao Brasil (tanto por vias europeias quanto por africanas), o texto pretende narrar o processo de proibição no país, apresentando suas controvérsias e argumentando que essa foi uma ação repressiva colonialista e racista, apoiada inclusive em produções científicas. A narrativa pretende explorar ainda os efeitos da maconha no corpo humano, seus usos religiosos, terapêuticos e recreativos, sejam eles tradicionais ou modernos, e a sua definição enquanto droga, remédio, planta de poder e psicodélico. Refletir sobre o processo de legalização mundial em andamento e sobre as suas consequências no âmbito nacional também é objetivo do trabalho, bem como atentar para o modo como tudo isso converge no mercado canábico atual, em larga expansão. Acreditando no poder da imaginação, vinculando estética e política, este trabalho aposta na possibilidade de se fazer uma descrição crítica, uma fabulação especulativa, ou seja, uma ficção etnográfica que ajude a contar outras estórias e, assim, a recontar a história.

Abstract: In the wake of feminist studies and multispecies ethnographic approaches, and taking post-colonial criticism seriously, this thesis presents an environmental history of marijuana. It ranges from the time when it was limited to its native environment (in Asia) to today, when it spread across all continents, becoming the world?s most consumed illicit plant. Taking this plant as ethnographic starting point, I assemble multiple threads around it, to present an enigmatic history full of mystery, conflict, and scientific controversy. As an ethnographic experiment and an exercise in bringing anthropology and literature together, The Herb?s History offers a text where an herb tells its own story, or rather, the story of the ancestral relationship it established with human beings. This work concerns how the sciences and their classification processes come about, but also relate it to different discourses. It demonstrates how scientific knowledge has influenced public debate, and point out contemporary paths for such discussions. Locally, I focus on the plant?s arrival in Brazil (through European and African routes), and narrate the process of its prohibition in the country, presenting it as colonialist and racist repression, supported by biased scientific production. The narrative also explores marijuana?s effects on the human body, its religious, therapeutic and recreational uses (whether traditional or modern), and its definition as a drug or medicine, plant of power and psychoactive substance. Reflecting on the ongoing global legalization process and its consequences at the national level, this work also draws attention to how all this flows into contemporary, growing cannabis markets. Grounded on the power of imagination and the overlapping of aesthetics and politics, this work bets on the possibility of making at once critical description, speculative fabulation, and ethnographic fiction, in order to tell other stories.