Como as narrativas influenciam na memória e na atenção: uma revisão narrativa

Abstract

A comunicação por meio de narrativas é uma tradição antiga na história da humanidade e pode ter sido relevante para a evolução da sociabilidade em nossa espécie. Uma possível explicação para isso é de que a estrutura narrativa seria um modo de processamento cognitivo que é naturalmente envolvente e mais memorável do que outros modos de compartilhamento de informações. Se baseando nisso e em conhecimento empírico, o uso da contação de histórias tem sido incentivado em diversos campos, inclusive o educacional. O objetivo desta pesquisa foi compreender se a literatura neurocientífica sustenta a afirmação de que é mais eficaz ensinar por meio de narrativas devido à uma melhor memorização e atenção direcionada a elas. Além disso, buscamos identificar quais circuitos neurais as narrativas recrutam e avaliar se tal ativação poderia explicar a maior facilidade de sustentar atenção e memorizar seu conteúdo. Para tanto, fizemos uma revisão narrativa buscando em bases de dados com termos de busca específicos para artigos experimentais com exposição narrativa e medidas fisiológicas da atividade encefálica. Complementamos a busca com pesquisa manual se baseando em listas de referências e indicação de especialistas. Os resultados convergem indicando que as narrativas facilitam a memorização de seu conteúdo porque a representação narrativa parece ser uma maneira pelo qual o hipocampo integra nossas memórias episódicas cotidianas e seus detalhes. Algumas regiões envolvidas com percepção e cognição social também são ativas com exposição narrativa, facilitando a memorização posterior do conteúdo. Alguns trabalhos sugerem que, para melhorar a memorização, é interessante que a narrativa seja exposta por meio de estímulos audiovisuais e que as narrativas tenham coerência e despertem emoções, preferencialmente positivas. O corpo de evidências também indica que há maior captura e sustentação da atenção durante as narrativas, alguns parâmetros aumentam durante a exposição narrativa e sustentam essa hipótese: intervalo entre as piscadas, correlação intersujeitos do sinal eletroencefalográfico, níveis de Hormônio Adrenocorticotrófico e a percepção autorrelatada de engajamento atencional. Esse efeito parece ser ainda mais eficaz se a narrativa for coesa e construída com o elemento de suspense, o que aumenta a atividade da Via de Atenção Ventral, diminui a atividade da Rede de Modo Padrão e restringe o processamento visual para gerar foco, resultando em um estado cerebral comum de engajamento. Portanto, embora a literatura científica sobre o tema ainda seja escassa, o estado da arte indica que as narrativas são capazes de gerar boa memorização de seu conteúdo e aumento do foco e sustentação atencional por meio da modulação de regiões cerebrais relacionadas a esses processos cognitivos, possivelmente melhorando assim a comunicação interpessoal e facilitando o aprendizado de seu conteúdo se comparado à modalidades não narrativas de ensino.

Abstract: Communication through narratives is an ancient tradition in human history and may have been relevant to the evolution of sociability in our species. One possible explanation for this is that narrative structure would be a mode of cognitive processing that is naturally engaging and more memorable than other modes of information sharing. Based on this and empirical knowledge, the use of storytelling has been encouraged in several fields, including educational. The objective of this research was to understand whether the neuroscientific literature supports the claim that it is more effective to teach through narratives because of a better memorization and attention directed to it. In addition, we sought to identify which neural circuits the narratives recruit and to assess whether such activation could explain the greater ease of sustaining attention and memorizing its content. Therefore, we performed a narrative review searching in databases with specific search terms for experimental articles with narrative exposure and physiological measures of brain activity. We complemented the search with a manual search based on reference lists and expert referrals. The results converge indicating that narratives facilitate the memorization of their content because narrative representation seems to be a way in which the hippocampus integrates our everyday episodic memories and their details. Some regions involved with perception and social cognition are also active with narrative exposition, facilitating later memorization of content. Some works suggest that, to improve memorization, it is interesting that the narrative is exposed through audiovisual stimuli and that the narratives have coherence and arouse emotions, preferably positive. The body of evidence also indicates that there is greater capture and sustaining of attention during narratives, some parameters increase during narrative exposure and support this hypothesis: interval between blinks, inter-subject correlation of the electroencephalographic signal, levels of Adrenocorticotropic Hormone and the self-reported perception of attentional engagement. This effect appears to be even more effective if the narrative is cohesive and built with the element of suspense, which increases Ventral Attentional Pathway activity, decreases Default Mode Network activity, and restricts visual processing to generate focus, resulting in a common brain state of engagement. Therefore, although the scientific literature on the subject is still scarce, the state of the art indicates that narratives are capable of generating good memorization of their content and increase focus and attentional support through the modulation of brain regions related to these cognitive processes, possibly thus improving interpersonal communication and facilitating the learning of its content compared to non-narrative teaching modalities.