Se fere a escuta, pode ferir a psicóloga?: os enlaces entre transferência e violência

Abstract

A construção desta pesquisa de mestrado foi motivada tanto por minha vivência quanto pelos atravessamentos da escuta ao longo da prática clínica e das supervisões. Neste estudo, foram analisadas as repercussões de linguagens e ações violentas direcionadas à figura feminina que se encontram presentes na sociedade e que se manifestam por meio da transferência na clínica exercida por mulheres. Trabalhei com o pressuposto de que a heteronorma e o falologocentrismo atravessam os discursos e as práticas presentes na sociedade, os quais, por sua vez, atravessam a transferência na prática clínica realizada por mulheres. Com o método da pesquisa em psicanálise, por meio da escuta flutuante, da associação livre e da transferência, realizei entrevistas on-line com mulheres analistas, a fim de obter suas percepções acerca dos entrelaçamentos entre transferência e violências. Essas reflexões se fazem relevantes para os campos da psicanálise, da psicologia, dos estudos de gênero e outros, pois visam a aproximar o diálogo entre esses campos e a releitura de conceitos já consolidados historicamente, além de problematizar os atravessadores do falologocentrismo e da heteronorma na prática clínica. Para isso, analisei autores que promovem esse diálogo, como Sigmund Freud, Judith Butler, Jurandir Freire Costa e Jean Laplanche, entre outros. A complexidade da relação que se estabelece entre as teorias de gênero e a psicanálise, assim como se apresentam na sociedade falologocentrada e heteronormativa, atravessam o viver, o relacionar, o psicanalisar e o clinicar. As vivências recontadas e depositadas nesse espaço dizem respeito ao singular do sujeito que ali se apresenta, mas também ao social que o constrói. Compreender os enlaces do social com a transferência é necessário, assim como problematizar o desejo e a rede simbólica de práticas e de linguagens que atravessam a vida humana e que estão presentes no campo analítico.

Abstract: This study was motivated both by my own experience and by the experiences of listening during clinical practice and supervision. In this paper, I analyzed the repercussions of violent language and of actions directed at females that are present in society and that manifest themselves through transference in women's clinical practice. I carried out my research based on the hypothesis that the heteronorm and the phallocentrism cross the discourses and the practices found in society, which, in turn, also cut across the transference in the clinical practice carried out by women. Through the method of research in psychoanalysis, by means of free-floating listening, of open association and transference, I have done online interviews with female analysts, in order to gather their perceptions about the interrelations between transference and violence. These discussions have relevance for the fields of psychoanalysis, psychology, gender studies and others, since they aim to promote dialogue between these fields and the revision of historically consolidated concepts, in addition to questioning the impact of phallocentrism and heteronorm in the clinical practice. To this end, I have analyzed authors who foster such dialogue: Sigmund Freud, Judith Butler, Jurandir Freire Costa and Jean Laplanche, among others. Gender theories and psychoanalysis, as they are presented in the phallocentric and heteronormative society, go through the complexity of the relations between living, establishing relationships, doing psychoanalysis and practicing. The experiences which are retold and recorded in this material relate to the unique aspect of the individuals who present themselves here, but also to the social aspect that constitutes them. It is necessary to both understand the intertwining of the social with transference and to question the desire as well as the network of practices and speeches that permeate human life and that are present in the analytic field.