UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL Família Rural e Reprodução Social: Estudo de caso da UHE Quebra Queixo Luciano Campelo Bornholdt Florianópolis, fevereiro de 2003. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL Família Rural e Reprodução Social: Estudo de caso da UHE Quebra Queixo Mestrando: Luciano Campelo Bornholdt Orientador: Prof. Sílvio Coelho dos Santos Dissertação apresentada ao PPGAS/UFSC como requisito parcial e final para a obtenção do título de Mestre em Antropologia Social Florianópolis, fevereiro de 2003. 2 2002 foi um ano cheio. Dedico este trabalho: In memoriam, a Arnaldo Bornholdt em vida e esperança, à minha esposa, Suzana, e ao meu pai, Valdemar. 3 Agradecimentos Não se faz um trabalho sozinho. E, geralmente, aqueles que ajudam o sabem. Vou manter então enxutos os agradecimentos. Gostaria de agradecer à CAPES e ao CNPq, que em diferentes momentos me permitiram contar com uma bolsa de Mestrado, essencial à dedicação à minha formação acadêmica. Outrossim, gostaria de agradecer ao NEPI/UFSC, que através do projeto “Hidrelétricas, Privatizações e os Indígenas no Contexto do Mercosul II”, financiado pelo CNPq, viabilizou algumas etapas desta pesquisa. Ao mesmo tempo, o NEPI serviu de apoio físico, disponibilizando o suporte de suas instalações. À equipe do Núcleo e ao Prof. Sílvio Coelho dos Santos, orientador deste trabalho e coordenador do NEPI, meu muito obrigado. Estendo os agradecimentos aos colegas e professores do PPGAS/UFSC. Agradeço ao Grupo de Pesquisa em Grandes Projetos de Desenvolvimento/CNPq, especialmente às Profas Maria José Reis, Neusa Maria Sens Bloemer e Aneliese Nacke, pelo incentivo e prestatividade em nossos diálogos. Agradeço também aos diversos profissionais, empresas e instituições que disponibilizaram informações essenciais à realização deste trabalho. Na esfera pessoal, tenho dívidas da gratidão com as famílias minha e de minha esposa, famílias Bornholdt e Coutinho, apoio e amparo constante, portos seguros entre uma etapa e outra de trabalho. Um agradecimento “mui especial” à minha prenda Suzana, por toda a ajuda de cônjuge e colega. E pelo apoio em busca deste objetivo que aqui toma forma de realização. Finalmente, agradeço aos deslocados da UHE Quebra Queixo, cujas famílias me receberam em suas casas e propriedades, e que diversas vezes deixaram o trabalho de lado para atender aos questionamentos deste pesquisador. Luciano Campelo Bornholdt verão de 2003 4 Circulada, a região Oeste catarinense. Figura reproduzida de Santos e Reis (2002: 19) Na parte de cima da figura, o rio Chapecó, onde está sendo implantada a UHE Quebra Queixo Figura reproduzida de Canali (2002: 117) 5 Resumo Esta dissertação analisa os processos de reprodução social de famílias rurais em um contexto de mudança social acelerada. Esta análise é feita através de um estudo de caso: as famílias rurais afetadas pela implantação de um Grande Projeto na bacia do rio Uruguai, a Usina Hidrelétrica Quebra Queixo, que barra o rio Chapecó e cujo lago inunda terras pertencentes aos municípios de Ipuaçu e São Domingos (oeste de Santa Catarina). Como estudo de caso da implantação de um Grande Projeto hidrelétrico, esta pesquisa apresenta interesse por voltar-se à análise de um dos primeiros empreendimentos inteiramente privados do setor elétrico, recentemente inserido em um processo de privatização cujos resultados para as populações locais afetadas são ainda pouco conhecidos. O deslocamento compulsório provocado pela implantação dos Grandes Projetos faz parte de um processo marcado por mudanças aceleradas, que traz em si forças potencialmente desagregadores dos laços sociais e econômicos da população local. Essas famílias rurais tiveram sua reprodução social posta em risco, e são os impactos multidimensionais sobre as mesmas, e também suas reações e estratégias na dimensão da organização social, que compõem o principal objeto deste trabalho. 6 Sumário Introdução Capítulo I – Água, Energia e Política Capítulo II – A Região de Implantação da Barragem: o Oeste catarinense Capítulo III – Os Laços (des)feitos Capítulo IV – Reprodução Social: a dinâmica dos grupos domésticos Considerações Finais Referências Bibliografia Consultada Lista de Siglas Legenda dos Gráficos de Parentesco Anexos 1 7 20 29 48 71 76 81 90 91 92 7 Introdução Os Grandes Projetos (GPs), entre os quais se incluem as usinas hidrelétricas (UHEs), possuem entre suas características o fato de originarem uma série de efeitos sociais negativos, justificados por uma ideologia de desenvolvimento e progresso. Um dos efeitos mais danosos é o deslocamento compulsório de populações. De acordo com Bartolomé (1983), esses deslocamentos devem ser entendidos como processos, no sentido de uma série de eventos que se sucedem no tempo e cuja duração ultrapassa os limites do cronograma do Grande Projeto. Bartolomé (1980, 1983 e 1985), apoiado em diversos estudos, caracteriza esses processos como fenômenos complexos e multidimensionais de mudança social acelerada. Processos compulsórios, temporalmente concentrados sobre variáveis cruciais para as estratégias vitais da população, e que abrangem um tempo mais amplo do que o projeto em si. De acordo com o próprio Bartolomé (1985: 11-12), el desarraigo masivo e involuntario altera los parámetros básicos en que se basan las estrategias adaptativas de una comunidad o de un determinado grupo humano; estrategias que si bien se realizan en forma individual, se basan y expresan un hecho social colectivo. De acordo com Catullo (1993: 207), no se trata (...) de fenómenos aislados y ocasionales, sino de un proceso de escala mundial que presenta una tendencia creciente y que demanda cada vez mas el interés de científicos, técnicos, políticos y de la población en general. Apesar da grande particularidade de cada GP, algumas características gerais e mais ou menos comuns são apontadas pela literatura pertinente. Uma dessas características é o fato de os GPs não levarem em conta os interesses da parcela da população que é por eles afetada. De acordo com Santos e Reis (1993: 2) os GPs foram e são implantados sem levar em consideração as tradições das populações locais e regionais, e tampouco suas expectativas e aspirações. As demandas que os justificaram e justificam são de caráter nacional ou internacional. Sua localização é decidida em função de critérios e estratégias complexos e distanciados das lógicas que presidem o cotidiano local. 8 A barragem da UHE1 Quebra Queixo é considerada de grande porte - tecnicamente, uma barragem de grande porte tem altura de 15 metros ou mais2, e a sua possui 75 metros. No quesito geração de energia, entretanto, é relativamente pequena (120 MW) se comparada a outras da mesma bacia, como Itá (1315 MW) e Machadinho (1060 MW). Neste texto, considero estratégico tratar a UHE Quebra Queixo como Grande Projeto, considerando suas características frente à área de implantação. Os recursos mobilizados são de grande monta, principalmente para a realidade local. Os trabalhadores vindos de outras regiões para a obra representam um número considerável frente à população dos municípios locais. E as famílias rurais locais sofreram e sofrem os impactos como “drama social”3, assim como em muitos outros Grandes Projetos. Com a privatização do setor elétrico, a política de relacionamento que os atores interessados na implementação de Hidrelétricas mantiverem com as populações locais terá influência direta sobre as condições de existência destas. Neste último aspecto, a UHE Quebra Queixo apresenta um agravante que se torna comum: num contexto de privatização crescente no Estado brasileiro, o “dono” do projeto é um consórcio privado. Num cenário recente, em que os estudos existentes trataram em sua maioria de casos em que o responsável pelo projeto era um ente estatal único (a holding ELETROBRAS e suas subsidiárias), a substituição deste ator por uma série de diferentes atores de capital privado constitui um novo motivo de interesse. Pesquisadores apontaram a tendência de que sejam perdidas as conquistas sociais das populações locais em suas relações com um setor elétrico anteriormente estatal4. Na definição desses novos relacionamentos, será de influência marcante o tipo de compensação que receberão os deslocados: indenização em dinheiro, indenização “terra por terra” ou reassentamentos das mais diversas modalidades. Nas placas de identificação no canteiro de obras, o termo usado é AHE (Aproveitamento Hidrelétrico). Por sua vez, o EIA, bem como o decreto de concessão utilizam UHE. Neste trabalho, opto pelo termo UHE, por ter sua utilização mais difundida, e para evitar confusões desnecessárias aos leitores. 2 De acordo com a ICOLD (Comissão Internacional de Grandes Barragens), grande barragem é aquela com altura de 15 m ou mais contados do alicerce, que tenha entre 5 e 15 m e reservatório com capacidade maior do que 3 milhões m3 (www.dams.org/report/wcd_sumario.htm). 3 Bartolomé (1985: 11-12): “Toda relocalización compulsiva constituye de por sí un drama y, por lo tanto, expone a la luz los mecanismos básicos que sostienen el tejido social de una comunidad humana, y en especial aquellos que hacen a su ajuste con el medio físico y social”. 4 Mantenho nesta pesquisa o foco na política do empreendedor para a população local e principalmente nos impactos sobre a reprodução social. Por ter de limitar o alcance do trabalho, a organização da Associação dos Atingidos pela UHE Quebra Queixo será exposta apenas naquilo que for fundamental para a compreensão do nosso problema, em forma de notas ou breves comentários. 1 9 Os estudos sobre os impactos sociais de barragens em populações camponesas geralmente se detém sobre aspectos socioculturais dessas populações, sobre sua reação em termos de mobilização ou sobre a atuação do setor elétrico. Há entre os primeiros, estudos que tratam dos reassentamentos, como o de Reis (1998) e o de Catullo e Patti (2001). Entretanto são raros, se não inexistentes, os estudos sobre os indenizados. Isto se deve em muito à dificuldade de se localizar essas famílias após o recebimento das indenizações e conseqüente abandono da área requisitada para o empreendimento. A indenização, segundo Bloemer (2001: 112), possui duas características principais como tipo de solução: se constitui como uma solução individual e de caráter patrimonialista, favorecendo a dispersão das unidades familiares e excluindo automaticamente todos os não proprietários da terra; e desobriga o setor elétrico de qualquer acompanhamento ou assistência durante a readaptação dos atingidos. Essas características confluem no sentido de pôr em risco as condições de reprodução social das famílias rurais afetadas e dificultar a realização dos projetos familiares. No caso em questão, os deslocados da UHE Quebra Queixo (em implementação nos municípios de Ipuaçu e São Domingos, Oeste do estado de Santa Catarina) foram sujeitos à indenização como solução principal, sendo compulsoriamente levados a migrar por sua própria conta. Uma migração potencialmente desestruturante, ao contrário do movimento migratório que levou à colonização do Oeste de SC, intimamente ligado a estratégias de reprodução social das famílias. Bloemer (2001: 102), ao tratar do caso da hidrelétrica de Campos Novos, também localizada na Bacia do Rio Uruguai, afirma que “a atual possibilidade de migração foi ressemantizada e é agora percebida como uma ameaça à manutenção de sua condição camponesa.” O deslocamento compulsório faz parte de um processo marcado por mudanças aceleradas, com características de “drama social”, que afetam os projetos individuais e familiares e a reprodução social das famílias rurais. A bibliografia indica que a natureza e dimensão dos efeitos estarão, em cada caso particular, grandemente relacionados com características sócio-culturais dos grupos afetados. De acordo com Reis (1993: 20-21): Esses efeitos dependerão, em primeiro lugar, do modo como estão estruturadas as relações sociais dos segmentos afetados, de suas estratégias adaptativas e redes de sociabilidade, em articulação com o território que ocupam, bem como do universo cultural que dá significado e razão de ser à totalidade de sua vida social. 10 A implementação, portanto, da UHE QQ constitui um fenômeno privilegiado para se estudar a reprodução social das famílias rurais, por ameaçar essa reprodução e pela acelerada mudança social que instala em caráter compulsório. Do mesmo modo, analisar a reprodução social neste contexto é um modo de acesso aos aspectos sociais dos impactos gerados pela construção de Usinas Hidrelétricas. Esta dissertação apresenta alguns resultados de minha pesquisa sobre a reprodução social de famílias rurais numa situação de mudança social acelerada, através de um estudo de caso focando as famílias rurais deslocadas compulsoriamente pela barragem. Busquei identificar e compreender as possíveis mudanças nos projetos sucessórios das famílias, com o deslocamento devido à barragem, frente ao seu percurso em relação aos processos sucessórios passados e à reprodução social, recuperados através da memória genealógica. Ao mesmo tempo, e embora este não fosse meu objetivo principal, recuperei alguns aspectos da atuação do Consórcio Queiroz Galvão em sua relação com a população rural local (Ipuaçu e São Domingos/SC), notadamente os deslocados. Trata-se não de ver o movimento populacional e a reação das famílias rurais apenas em suas relações externas, nem limitado a sua relação econômica com a sociedade maior, mas em sua dinâmica própria, em sua lógica interna. Nos estudos em que a reprodução social toma espaço como abordagem teórica, de acordo com Almeida (1986), dois focos analíticos foram os mais comuns. O primeiro, interessado no que o autor chama de ciclo curto, está voltado para as especificidades do modo de produção camponês. Este ciclo curto, anual, diz respeito à reprodução da família a partir de sua lógica econômica, sua preservação via trabalho e consumo. A família é tomada como uma unidade econômica com uma racionalidade própria, cujo objetivo é garantir a própria sobrevivência. O segundo tem sua atenção voltada à reprodução da família no ciclo geracional, através da linguagem do parentesco. Este é o ciclo longo, ligado à lógica das relações de parentesco, que perpetua famílias via nascimento, casamento, morte e herança. E se o objetivo da reprodução social no ciclo curto é a reprodução da família em seu aspecto econômico, no ciclo longo o objetivo é a reprodução da família em seu aspecto social, em suas relações sociais. Os processos sucessórios são fundamentais na reprodução social das famílias em questão, por estarem relacionados com a transmissão do patrimônio familiar e da autoridade, geralmente do pai para um dos filhos, encaminhando os outros filhos e filhas para atividades e residência fora da propriedade familiar. 11 A reprodução social como me interessa neste trabalho está relacionada principalmente ao ciclo longo, e portanto a temas como herança da terra, sucessão de gerações na família e projetos individuais em sua relação com os projetos familiares. A idéia de reprodução social tem sido muito utilizada ao se analisar impactos de Grandes Projetos de Desenvolvimento sobre famílias rurais, como em Reis (1998), Bloemer (1996) e Sigaud (1986). Em trabalho anterior5 pesquisei as estratégias de herança como estratégias de reprodução social em famílias rurais “de origem”, no Oeste de Santa Catarina. A pesquisa aqui realizada constitui uma continuidade da anterior em termos de temática, abordagem geral e região estudada: estudei, a partir de dados etnográficos, os processos e estratégias de reprodução social de famílias rurais em um contexto de mudança social acelerada, provocado pela construção da Usina Hidrelétrica Quebra Queixo, nos municípios de Ipuaçu e São Domingos (SC)6. O empreendimento da UHE Quebra Queixo7 pertence a um consórcio privado liderado pela Construtora Queiroz Galvão S/A, e do qual fazem parte também a Construtora Barbosa Mello S/A e a DESENVIX S/A (Engevix, l997). A UHE QQ será implantada no Rio Chapecó, afluente do Rio Uruguai, na divisa dos municípios de São Domingos e Ipuaçu (SC), aproveitando uma volta formada pelo rio. A área correspondente às desapropriações é de 6,25 km2, se excluída a área da atual calha do rio. A UHE deverá ter uma potência instalada de 120 MW, e a previsão para enchimento do lago é meados de fevereiro de 2003. Para tanto, deslocou cerca de 135 grupos domésticos8, entre proprietários e não-proprietários. Como o estudo pretendeu atentar também à política do empreendedor frente à população local num cenário privatizado, além dos deslocados outros atores foram privilegiados como informantes, tais como lideranças políticas locais, Prefeitos, Secretários municipais, pessoal técnico do empreendedor e outros. Durante o trabalho de campo privilegiei algumas famílias que representam casos exemplares. Realizei Bornholdt (2000). A pesquisa se insere assim, nos trabalhos do Grupo de Pesquisa em Grandes Projetos de Desenvolvimento, ligado ao Núcleo de Estudos de Povos Indígenas (NEPI/UFSC). No PPGAS/UFSC, insere-se na linha de pesquisa Etnologia, Etnopolítica e Projetos de Desenvolvimento, tendo recebido em diversas etapas apoio do NEPI através de recursos do CNPq. 7 Já indicávamos em Reis e Bornholdt (2001) que este recente caso parecia confirmar a ameaça de que no novo cenário privatizado não fossem levadas em conta as conquistas anteriores de movimentos sociais em relação aos critérios de classificação e de compensação, de modo especial em relação aos agricultores locais. 8 Os dados que obtive junto ao empreendedor não são precisos, e esse número é uma aproximação, feita a partir de seu monitoramento da população atingida. 6 5 12 entrevistas semi-dirigidas9 com diferentes membros da família, voltadas principalmente à percepção dos processos sucessórios, propriedade da terra, a implantação da barragem, o deslocamento e temas correlatos. As possíveis mudanças nos processos sucessórios, após o deslocamento da terra devido à barragem, foram analisadas através dos projetos familiares existentes antes e depois desse processo, e através das mudanças na constituição dos grupos domésticos e sua percepção sobre as mesmas. É interessante também o fato de ser dirigido a diferentes membros da família, e não apenas ao chefe da mesma. Paralelamente, realizei complementos às entrevistas semi-dirigidas, referentes ao parentesco e genealogia das famílias, atentando para processos sucessórios, relações com a terra e outros eventos e componentes importantes dos processos de reprodução social. A observação das casas, propriedades, condições de vida, assim como da área de origem, complementou e auxiliou no cruzamento das informações obtidas nas entrevistas. As entrevistas foram realizadas em duas etapas de campo, nos meses de fevereiro e abril de 2002, cada uma com duração aproximada de dez dias. Foram realizadas diversas entrevistas com aproximadamente 22 informantes de 12 famílias, que abarcam um número ainda maior de grupos domésticos. Através de um pequeno censo qualitativo, feito a partir de dois informantes diferentes para cada município, pude cobrir informações gerais sobre a quase totalidade do universo dos deslocados. Essas informações serviram para a seleção e visita a famílias cujos casos fossem especialmente ilustrativos, que porventura não houvessem sido privilegiados, objetivando ao mesmo tempo analisar a representatividade dos casos já descritos e analisados com mais profundidade em meu diário de campo. Os casos não foram usados como ferramentas para a constituição de tipos, mas os expus à medida em que podiam trazer luz sobre o problema de pesquisa como um todo. Nesse sentido, não usei a bibliografia para ser esgotada, mas para iluminar determinados aspectos do problema. O formulário guia para as entrevistas – ver anexo - foi inspirado em um outro utilizado por Abramovay et al(1997), ao estudar as mudanças nos processos sucessórios em famílias rurais “de origem”, no Oeste de SC. Tal formulário chama a atenção por privilegiar a relação entre a situação atual das famílias, e os projetos seus e de seus integrantes. 9 13 Capítulo I 14 Capítulo I Água, Energia e Política A água é um recurso fundamental. No passado, inúmeras civilizações se desenvolveram próximas a grandes cursos d’água. Os rios desempenhavam um papel central no cotidiano dessas populações, como fontes de abastecimento de água, vias de transporte, fontes de alimentos. O movimento das águas dos rios move rodas d’água e outros artefatos, gerando energia cinética para pôr em movimento moinhos. Até recentemente, antes da quase generalização da distribuição da eletricidade em Santa Catarina, os moinhos nas áreas de colonização eram postos em movimento dessa forma. Várias vezes na história da humanidade o domínio da água como recurso se traduziu na tecnologia do regadio, que permitiu uma produção de alimentos em quantidade através da agricultura, possibilitando que certos grupos humanos se expandissem por grandes extensões de terra e formassem grandes civilizações regionais e impérios10. Tal é o caso da Mesopotâmia, com os impérios Acádio (2350 a.C.) e Babilônico (1800 a.C.), e do Egito, com o Império Médio (2070 a.C.) e com o Império Novo (1750 a.C.) (Ribeiro, 1998: 123). Todo rio faz parte de uma bacia hidrográfica. As bacias englobam rios, lençóis freáticos e a terra drenada por suas águas. A importância de uma bacia para a região em que está localizada não pode ser subestimada. Há uma simbiose entre as águas de uma bacia e suas áreas de mata. As necessidades de grupos humanos em termos de seu consumo, de suas criações, irrigação de suas áreas de cultivo, depende em grande medida das águas da bacia. Mesmo o relevo foi – e é – desenhado pelo fluxo das águas, que erodindo e desgastando as terras por onde passam, continuamente redesenham seus caminhos. O fluxo de um rio está ligado aos ciclos de estiagens e inundações, à movimentação dos sedimentos que carrega dos terrenos por onde passa. Ribeiro (1998: 126) desenha um quadro que remete à importância da água como recurso de figuração essencial na existência, sobrevivência e desenvolvimento dos grupos humanos: Armados deste poder monolítico, os impérios teocráticos de regadio se capacitam a alargar as bases de sua economia interna através da ampliação portentosa dos sistemas de irrigação e de defesa contra inundações e da construção de enormes obras hidráulicas, a fomentar o crescimento das cidades através de programas de urbanização e da construção de aquedutos, diques e portos e, ainda, a edificar gigantescos templos, palácios e sepulcros, bem como amplíssimas redes de caminhos, monumentais muralhas defensivas e enormes canais de navegação. 10 15 É possível interromper o fluxo de um curso d’água com diferentes finalidades. O barramento de rios é uma prática imemorial, atuando no sentido de facilitar a coleta de pescados, com a finalidade de regadio ou de controle de cheias e inundações. Porém, novas tecnologias como a do concreto armado, associadas a uma certa ideologia desenvolvimentista, permitiram à humanidade construir barragens de porte e em quantidades nunca dantes vistas. Existem mais de 45.000 grandes barragens11 no mundo, responsáveis segundo a International Rivers Network12 por uma área total de terras alagadas da ordem de 400.000 Km2. Isto, é claro, desencadeou conseqüências no fluxo13 – antes natural – dos rios, e assim nos agrupamentos sociais estabelecidos em suas proximidades, passando de beneficiários dos cursos d’água a afetados por seu represamento. Estima-se um total de 40 a 80 milhões de pessoas compulsoriamente deslocadas em todo o mundo14, isto é, pessoas que foram retiradas/expulsas de seus locais de moradia e cultivo para abrir espaço à formação de lagos criados por barragens. Grande parte das barragens existentes no Brasil e no mundo são voltadas à produção de hidroeletricidade. Essas barragens utilizam a energia potencial da água armazenada para colocar em movimento turbinas que irão produzir energia elétrica. Por suas características, as barragens para geração de energia elétrica podem ser enquadradas na categoria de Grande Projeto (GP). Um GP possui, de acordo com Ribeiro (1985: 29-42), três características principais: o gigantismo, o isolamento, e o seu caráter temporário. São projetos que movimentam grandes montantes de capital e mão-de-obra, manejados por corporações grandes e poderosas, dirigidas a uma intervenção geopolítica e que se legitimam através de uma ideologia desenvolvimentista. A movimentação de recursos e mão-de-obra para suprir a demanda criada pelo projeto, e que não poderia ser atendida pelas forças produtivas locais, é o que o caracteriza como isolado, mais do que o isolamento geográfico em si. E finalmente, um GP segue um cronograma, e De acordo com a ICOLD (Comissão Internacional de Grandes Barragens), grande barragem é aquela com altura de 15 m ou mais contados do alicerce, que tenha entre 5 e 15 m e reservatório com capacidade maior do que 3 milhões m3 (www.dams.org/report/wcd_sumario.htm). 12 www.irn.org 13 Muitos rios têm, assim, seu fluxo interrompido, e substituído por seqüências de lagos artificiais, alterando sua fauna, flora, a quantidade e tipo de sedimentos suspensos, e conseqüentemente as características químicas de suas águas. Áreas férteis, redutos de mata nativa são alagados; as margens do lago modificam-se, devido ao novo regime de águas. O regime de cheias é interrompido, deixando assim de fertilizar com seus sedimentos extensas áreas de terra. 14 Estimativas da Comissão Mundial de Barragens (http://www.damsreport.org/docs/report/wcdreport.pdf). De acordo com a comissão, o levantamento dos números é impreciso e complicado, com fontes diversas e incompletas. 11 16 mobiliza recursos consideráveis durante um intervalo limitado de tempo: é uma forma de produção que se ativa e desativa. Os efeitos deletérios da implantação de um GP são dificilmente mensuráveis em toda sua extensão, seja em termos da área afetada ou do montante de tempo que se fazem sentir, mesmo após o término das obras para a construção da barragem. A bibliografia indica que a natureza e dimensão dos efeitos estarão, em cada caso particular, grandemente relacionados com características sócio-culturais dos grupos afetados. No cenário energético brasileiro, a hidroeletricidade figura dominante. Em um total de 78.363 MW gerados por empreendimentos em operação, 65.172,7 MW são de geração hidrelétrica, o que corresponde a quase 80% do total. Para se ter uma idéia, o segundo lugar em geração, ocupado pelas Usinas Termelétricas (UTEs), responde por 18,36% da energia total produzida. Tal fato se deve pela conjugação de um grande potencial hídrico por parte das bacias existentes em território nacional, com uma vontade política para seu uso extensivo e intensivo, baseando assim na hidroeletricidade a matriz energética do país15. Já a partir da década de 1940, o setor elétrico começava a ser inserido nas preocupações com o planejamento econômico do país a longo prazo. Surgiu em 1946 o Plano Nacional de Eletrificação (PNE)16, que tinha como uma de suas propostas a instalação de usinas de pequeno e médio porte, privilegiando assim a hidroeletricidade em detrimento da energia gerada a partir de UTEs. Entretanto, na década seguinte, o modelo de aproveitamento do potencial hidrelétrico do Brasil seguiu por um caminho diferente daquele que indicava o PNE. A eletricidade era produzida por grandes usinas a cargo do governo federal e distribuída por empresas que respondiam aos governos estaduais. Em 1962 foi criada a Eletrobrás, Centrais Elétricas Brasileiras S.A., que correspondeu aos planos de centralização e gigantismo relacionados ao regime militar. Antes disso, até o surgimento do Código das Águas, em 1934, o Estado deteve papel limitado no gerenciamento dos recursos hídricos. O setor elétrico em expansão Com a recente crise do setor elétrico, as fatias de outras formas de geração de energia elétrica têm aumentado; é o caso da geração termelétrica (que irá passar, com os novos empreendimentos em construção ou já outorgados, de 15.117 MW para 34.754 MW), e em menor proporção da geração a partir da energia eólica (de 21.425 kW para 4.223 MW) . Dados obtidos de www.aneel.gov.br, capturados em 26/01/2003. 16 Um breve resgate histórico da constituição e principais mudanças no setor elétrico brasileiro foi feito por Reis e por mim em outro lugar (Reis e Bornholdt, 2001). Como certos pormenores escapam do objetivo deste trabalho, limito-me a indicar fontes de informação complementares às aqui apresentadas. Ver por exemplo Santos e Reis (2002), e Silva (2001). 15 17 constituía um cenário em que os principais atores eram empresas privadas, muitas de capital estrangeiro, que coexistiam com pequenas geradoras para consumo privado ou de pequenas vilas e cidades17. A constituição federalista de 1891 garantia aos governos dos estados autonomia nas decisões envolvendo geração e distribuição de energia elétrica. Municípios e estados estabeleciam livremente acordos com empresas do Setor Elétrico (Vianna, 1989). Foi ainda nesse contexto que surgiram e se fortaleceram grandes empresas privadas voltadas à comercialização de energia elétrica, como a Light (Light and Power Company Limited, formada em 1899), de capital norte-americano. Com o novo panorama que se formou após a revolução de 1930, com um Estado centralizador e detentor de maiores poderes, o governo federal começou a normatizar a questão da utilização de recursos hídricos para a geração de energia elétrica. O Código das Águas (Decreto Federal 24.643), de 1934, passou a regular o setor de águas e energia elétrica, apresentando já alguma preocupação com a proteção ambiental, que segundo Vianna (1989: 8), teve cumprimento restrito. As populações locais, isto é, as ocupantes de áreas a serem requisitadas para a implantação de obras visando a produção de energia elétrica, ou de algum outro modo por elas afetadas, eram referidas de forma tênue no Artigo 143, sob a indefinida noção de “interesses gerais”18. A definição de um setor elétrico sob o controle centralizado do poder federal, entretanto, concretizou-se em 1967, quando a Eletrobrás, juntamente com o DNAEE19, passaram a executar a política energética nacional. No início da década de 1970, o aumento do preço do petróleo no mercado internacional refletiu-se no II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974), em que o governo brasileiro destinava recursos a projetos energéticos, principalmente hidrelétricos (Vianna, idem: 11). A Usina Hidrelétrica de Itaipu foi um marco nesse sentido: teve sua construção iniciada em 1975, no rio Paraná, e com o fechamento de 17 A geração termelétrica era também bastante comum, e apenas mais adiante – com o Plano Nacional de Eletrificação, em 1942 – o Setor Elétrico voltou-se preferencialmente para o aproveitamento do potencial hidrelétrico do território brasileiro. 18 “Em todos os aproveitamentos de energia hidrelétrica serão satisfeitas exigências acauteladoras dos interesses gerais: a) da alimentação e das necessidades das populações ribeirinhas; (...)” (Diário Oficial da União, 20/07/1934) 19 Respectivamente Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (criada em 1962), e Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, ambos subordinados ao Ministério das Minas e Energia. 18 suas comportas, em 1982, provocou o alagamento de 1.350 km2 – dos quais 780 km2 em território brasileiro20 e 570 km2 em território paraguaio. O aproveitamento acelerado e em grande escala do potencial hidroenergético brasileiro se calcou em uma ideologia desenvolvimentista, alheia à realidade das populações locais atingidas pelos GPs. De acordo com Ribeiro (1985: 33), los proyectos de gran escala son acompañados por un proceso de legitimación que articula varias construcciones ideológicas. El gigantismo estimula la idea de que la dimensión del proyecto es positiva por sí misma, porque crea numerosas oportunidades para miles de personas. También se lo suele presentar como algo que redimirá a una región o país de su atraso. Es lo que podría llamarse una ideología de la redención, cuya matriz principal es la ideología del progreso, que muchas veces toma la forma del desarrollismo, es decir, la suposición de que los proyectos de gran escala son positivos porque desarrollarán una región, suministrando bienestar a todo el mundo. Como veremos mais adiante, entretanto, o progresso prometido e esperado muitas vezes se mostra ilusório, e após finda a implementação do projeto, seus benefícios se mostram limitados, frente a efeitos deletérios que se desenrolarão ainda por muito tempo, além do ponto limite em que o empreendedor ainda reconhece alguma responsabilidade pelos impactos sociais gerados no processo. A bacia do Uruguai21 Embora o interesse do governo brasileiro pelo potencial hidrelétrico da bacia do rio Uruguai existisse desde a década de 1940, foi na década de 1960 que estudos extensivos foram dirigidos ao seu aproveitamento. Um consórcio canadense-americano-brasileiro (CANAMBRA) realizou, nesta bacia, um dos maiores levantamentos sistemáticos de potencial hidrelétrico realizados no mundo. Foi desenhada uma série de aproveitamentos, que seguiriam uma ordem seqüencial de implantação, seguindo “um Os efeitos danosos de Itaipu se fazem sentir até hoje. Muitos problemas sociais ainda não foram solucionados, e as conquistas das populações atingidas – grande parte através do Movimento Justiça e Terra, como inclusão dos não proprietários nas compensações e a possibilidade de optar entre indenização em dinheiro, “terra por terra na região” ou reassentamentos coletivos – foram obtidas após intensas e muitas vezes turbulentas negociações e reivindicações. Entretanto, tais conquistas passaram a ser garantia em posteriores casos de populações locais atingidas pela construção de barragens hidrelétricas, ao menos até a configuração do no novo cenário em privatização, em que a mudança de interlocutores põe a perigo tais conquistas. 21 Em alguns momentos utilizarei guias de leitura em negrito onde considero importante facilitar a compreensão do texto, embora não tenha tomado esta prática como necessária em toda a dissertação. 20 19 critério primordial de eficiência econômica”, prevalecendo “critérios exclusivamente das esferas da engenharia e da economia” (Canali, 2002). Mais adiante sob a coordenação da Eletrosul, em 1976, novos estudos resultaram no plano de construção de 19 novas usinas e 3 reservatórios de regularização, somando o total de 22 barragens. Esse montante equivalia a um investimento de US$ 10 bilhões. A essas 22 barragens somariam mais 3, no trecho internacional da bacia (Canali, 2002). Ao retomar o projeto de aproveitamento hidrelétrico da bacia do Uruguai, na década de 1970, de acordo com Canali (2002) a Eletrosul considerou as variáveis ambientais na tomada de decisão. Entretanto, como o próprio autor deixa claro mais adiante, a preocupação com o meio natural e com os grupos sociais afetados - que costumam ser incluídos vagamente na categoria de “meio ambiente” -, manteve-se subordinada às esferas decisórias econômicas e de engenharia: tratava-se, portanto, de encontrar a melhor alternativa de aproveitamento do potencial hidroenergético que causasse o menor impacto, ou que permitisse a consideração de medidas mitigadoras, mantendo o custo de produção de energia abaixo daqueles que se poderia obter da segunda fonte alternativa mais atraente, tomada como referência22 (Canali, 2002: 118). As conquistas sociais frente aos grandes projetos ocorreram de modo custoso e contrariamente aos interesses dos empreendedores dos GPs do setor elétrico. No caso do Projeto Uruguai, elaborado pela Eletrosul, a organização dos agricultores, apoiados por instituições como Igrejas, sindicatos e faculdades, deu origem à “Comissão Regional de Atingidos pelas Barragens” (CRAB), e a partir dela ao “Movimento dos Atingidos pelas Barragens” (MAB) (Scherer-Warren e Reis, 1989 e Reis, 1998, entre outros), que se posicionou frente à possibilidade da construção de 22 hidrelétricas brasileiro em território do vale do Rio Uruguai, dentre as quais as de Machadinho e Itá, as duas primeiras a serem instaladas. O movimento assumiu a função de principal interlocutor representante da população atingida com a Eletrosul, embora, segundo Canali (2002: 122), “a empresa tenha resistido a tanto”. Tendo iniciado em finais da década de 1970, a CRAB conseguiu, em 1987, a assinatura de um acordo com a Eletrosul, referente ao trato dos atingidos pelas duas primeiras hidrelétricas, já citadas acima23. A Comissão 22 23 Grifo meu. “Várias foram as conquistas desse Movimento, alterando significativamente a relação de forças entre a população local, sobretudo os agricultores, e a Eletrosul, no campo de conflito instalado desde que vieram a público as primeiras notícias sobre o Projeto Uruguai.” (Reis e Bornholdt, 2001). 20 Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB) tornou-se um marco nas relações entre as populações atingidas e o estado (Scherer-Warren e Reis, 1989), e a partir disso, as populações atingidas conquistaram a partir desse período e devido a sua resistência mais espaço na definição das políticas relacionadas ao seu trato. Entretanto, a soma das conquistas obtidas pela CRAB e outros movimentos sociais frente ao setor elétrico então estatal e unificado, estão ameaçadas no novo cenário em privatização. Durante a década de 199024, o sistema Eletrobrás teve sua desestatização planejada, a partir de proposta do Ministério das Minas e Energia. Tal proposta teve como alvo e balizadoras certas características, apresentadas nas profundas transformações experimentadas pelo setor elétrico de diversos países, desde o final dos anos 1970. De acordo com Silva (2001: 58) eram quatro as principais características: (a) a reorganização do mercado da indústria de energia elétrica, por meio da desverticalização da geração, transmissão e distribuição e da quebra de regime de monopólios regionais; (b) a separação das funções de distribuição e comercialização; (c) a introdução de uma nova regulamentação e de uma reorganização institucional para a melhoria da ‘performance’ do setor elétrico; e (d) a privatização total ou parcial do setor como condição necessária para promover a competição. O setor elétrico, então, teve seu desmembramento iniciado. A Eletrosul, primeira do sistema Eletrobrás a passar por este processo, foi dividida em duas partes: uma responsável pela distribuição da energia elétrica, que manteve o nome original da empresa, e outra envolvida com a geração, chamada de Gerasul, e adquirida pelo grupo belga Tractebel. Como conclui Silva (2001: 81), e de acordo com o breve histórico do setor elétrico brasileiro acima esboçado, a atual é apenas mais uma proposta de reestruturação do setor, agora em direção a um modelo privado. Isto não significa, entretanto, uma oposição em relação a um setor estatal, mas combinações, em cada momento, que apresentam mais características de um ou de outro, apresentadas por Silva (idem) como privado-privado, estatal-privado, estatal-estatal e privado-estatal. Essas modificações, para Silva, constituem movimentos cíclicos nacionais que pretendem espelhar o movimento global. De acordo com Silva (2001: 58), em 1996 foi elaborado o documento “Diretrizes e Ações do Ministério das Minas e Energia-MME para o Setor Elétrico”, “com o fim de apresentar as diretrizes, com base na evolução histórica do setor elétrico nacional, na privatização como instrumento, nas concessões e nas necessidades da expansão da oferta na transição”. 24 21 Torna-se relevante o estudo da Bacia do rio Uruguai por ser a primeira a marcar o novo modelo de geração de energia, onde antes atuava a Eletrosul, empresa estatal regional responsável. Efetivamente, o Projeto Uruguai como um projeto unificado, e comandado por um único ator formal – a Eletrosul -, deixou de existir. O projeto de aproveitamento do potencial hidrelétrico da bacia do rio Uruguai foi pulverizado em uma série de empreendimentos menores, que correspondem a cada barragem particular do projeto original. Os empreendimentos de geração de hidroeletricidade passaram a ser implementados por consórcios, mais rápidos e mais dinâmicos que o empreendedor estatal, e que exigem respostas idem. A diversidade dos consórcios em atuação, suas diferentes políticas, aliada ao fato de que a legislação deixa a desejar em termos de normatização do relacionamento do setor com as populações atingidas25, indica a possibilidade de retrocesso em relação às conquistas sociais anteriores. Esta tendência já foi apontada por Santos e Reis (1993), Santos e Henriques (2001), por Reis e Bornholdt (2001) e por Canali (2002). Este26, ao comentar a possibilidade e a necessidade de negociações para que as populações atingidas possam continuar a viver nas condições em que viviam, ou preferencialmente em melhores condições, afirmou que “esta possibilidade passará a ser menos provável num ambiente agora privatizado, exigindo maior esforço dos empreendedores para encontrar as formas que conduzam à viabilidade social e ambiental dos novos empreendimentos” (Canali, 2002: 127). Ao mesmo tempo, a pulverização do setor elétrico – e do Projeto Uruguai – diminuíram a possibilidade de os efeitos dos empreendimentos serem considerados em seu todo, como um conjunto de intervenções sobre uma bacia hidrográfica e sobre agrupamentos sociais integrados, cujos efeitos deletérios se mostrarão, ao fim e ao cabo, também integrados27. Perde-se o que já havia sido conquistado e perde-se a visão integrada dos efeitos deletérios, em favor dos interesses de lucro de uma diversidade de consórcios. Entretanto, esta diversidade de consórcios não reflete uma mesma diversidade de empreendedores. Como aponta Silva (2001 e comunicado pessoal), há um número limitado de empresas28, que se repetem em arranjos diferentes para cada consórcio, criando a ilusão da Ver Reis e Bornholdt (2001). Gilberto V. Canali foi chefe do Departamento de Engenharia de Geração da Eletrosul e Superintendente de Meio Ambiente da Itaipu Binacional. 27 Veja, por exemplo, o estudo de Santos et al (1978), indicando os efeitos danosos do projeto Uruguai para as populações indígenas, que teriam seus territórios recortados e circundados por lagos artificiais, formando verdadeiros arquipélagos com dificuldades de comunicação entre seus diversos trechos não alagados. Na ocasião, o citado trabalho indicou como desaconselhável a implantação do Projeto Uruguai. 26 25 22 diversidade de empreendedores através da criação de atores jurídicos diversos, os entes esquivos com os quais os afetados passaram a tentar negociar. Há um órgão regulador federal, a ANEEL29, que parece estar mais voltada à produção de energia do que aos efeitos sociais e à inserção regional, em sua atividade reguladora. Deste Projeto Uruguai constava o Aproveitamento Hidrelétrico Quebra Queixo, a ser implantado no Rio Chapecó, afluente do Rio Uruguai, na divisa dos municípios de São Domingos e Ipuaçu (SC). Com a privatização de parte do setor elétrico, o empreendimento da UHE Quebra Queixo passou a pertencer então, desde sua concessão, a um consórcio privado liderado pela Construtora Queiroz Galvão S/A, do qual fazem parte também a Construtora Barbosa Mello S/A e a DESENVIX S/A (Engevix, 1997). A UHE Quebra Queixo aproveita uma volta formada pelo Rio Chapecó, requisitando para sua implantação uma área correspondente a 6,25 km2 (aprox. 625 ha), se excluída a área da calha do rio. Este caso confirma, em parte, a ameaça de perda das conquistas anteriores das populações locais frente aos GPs de barragens. Ao mesmo tempo, engendra um cenário com novos atores, novas regras, fundindo ao já conhecido modus operandi do setor elétrico novas agressões às populações locais, muitas mais sutis e de mais difícil dimensionamento. De modo especial em relação aos agricultores locais, estes são submetidos a alguns critérios similares de classificação e de compensação aos que foram aplicados por empreendedores estatais, antes das conquistas do Movimento Justiça e Terra e do MAB. Ao mesmo tempo, são confrontados com práticas individualistas e patrimonialistas, alheias à totalidade de suas próprias práticas e escamoteadas sob a aparência e a ideologia – vendida principalmente pelo GP e comprada por parcela da população local – do “bom negócio”, do interesse da nação e da “indenização justa”, boa em relação ao valor de mercado, mesmo que abaixo do valor do prejuízo social, ou mesmo do custo, social e econômico, do recomeço da vida em uma nova localidade, por sua própria conta e risco. No período anterior, em que o setor elétrico era eminentemente estatal, centralizado e hierarquizado, as populações locais afetadas pela implantação de grandes projetos de geração hidrelétrica identificavam claramente o interlocutor: geralmente a Eletrobrás e suas subsidiárias, como a Eletrosul no caso da Região Sul. O 28 Silva (2001), e comunicado pessoal. Segundo o autor, o monopólio estatal teria sido substituído por um quase monopólio privado, protegido pela constituição jurídica dos consórcios. 29 Agência Nacional de Energia Elétrica. 23 desenvolvimento do diálogo e das pressões que levaram a ele construíram outros atores, como o MAB e outros movimentos sociais de atingidos por barragens. Assim se formou um cenário, os atores assumiram posições em relação uns aos outros, e as negociações tinham seus resultados assegurados às próximas interlocuções. O que era conquistado como direito pelas populações afetadas ficava relativamente assegurado, e o interlocutor dessas populações ficava comprometido com as decisões tomadas em interlocuções passadas. Assim, desde o Movimento Justiça e Terra até recentemente, as conquistas se somaram, na direção do tratamento justo às populações deslocadas compulsoriamente ou de outra forma afetadas pela implantação das barragens e de seus lagos artificiais. Com a mudança no contexto, parte do diálogo se perdeu. As conquistas não estão mais asseguradas, e cada caso parece se tornar uma negociação à parte. Isso permite que diferentes empreendedores acordem entre si as políticas para as populações locais de diferentes barragens, ao passo que publicamente procedem à fragmentação das negociações. Não negociam mais com um movimento organizado, interlocutor no processo de aproveitamento hidrelétrico da Bacia como um todo, mas com associações locais30. Não mais negociam com todos os agricultores ao mesmo tempo, mas individualmente, um a um. O controle do processo volta às mãos do empreendedor do projeto, não mais por calcar-se no autoritarismo do período militar brasileiro, mas pelo emprego de estratégias administrativas de implantação do projeto voltadas aos interesses de lucro. Os novos empreendedores do setor elétrico unem a dinâmica empresarial à livre utilização do que, nas táticas do antigo setor elétrico estatal, for útil aos seus objetivos. Nesse cenário em mudança, o ator com quem a população local dialogava desapareceu, e em seu lugar surgiram vários entes, difusos e de definição incerta. Com a diluição dos atores, diluiu-se também o reconhecimento, frente à população local e à sociedade nacional, das responsabilidades pelo custo social da implantação de Grandes Projetos. A UHE Quebra Queixo é um projeto particular no cenário empreendedor privado na Bacia do rio Uruguai. Como barragem, é relativamente pequena: seu lago de 27,8 Km2 fica longe dos 160 Km2 de Itá, na mesma bacia. Como empreendimento, seu Consórcio é 30 É o caso da Associação dos Atingidos pela Barragem do Quebra Queixo nos Municípios de São Domingos e Ipuaçu, organizada localmente e reconhecida pelo empreendedor como interlocutora. O MAB não atuou 24 formado por empresas diferentes das que compõem os outros consórcios atuantes. Mas representa um caso revelador. Esse ente que a população local não logra identificar com certeza é chamado de “o Quebra Queixo”, “os homens da barragem”, “o Consórcio” ou outros ainda mais vagos. Na verdade, os atores reais se confundem e acabam assim confundindo a todos – população, Prefeituras, e mesmo parte da ETS31 – : Consórcio Queiroz- Galvão, Companhia Energética Chapecó, a própria ETS e várias subempreiteiras. Como ouvi em uma das Prefeituras, de um Secretário Municipal, “é um rolo que ninguém entende”. Nesse quadro, é difícil também identificar as responsabilidades, o que serve de certo modo aos interesses do empreendedor. Outro complicador é o fato de que o implementador do projeto é diferente do operador da UHE Quebra Queixo. Após a construção pelo Consórcio Queiroz-Galvão, a Companhia Energética Chapecó32 irá operar a geração de energia elétrica. Há a possibilidade desta não reconhecer compromissos assumidos por aquele, notadamente em relação à população compulsoriamente deslocada visando a liberação das áreas de construção e do lago a ser formado. No cenário político local, a atuação de um Consórcio com poder econômico incomum para a região acaba por criar assim um forte ator político. De acordo com Ribeiro (1985: 32), como conseqüência (da escala das transações e do acesso a esferas políticas superiores às locais, N. do A.), a empresa pode gozar de um poder político quase tão grande como seu poderio econômico. Esta é, também, uma das fontes do tremendo poder que a companhia exerce sobre as vidas dos participantes do projeto. No local da construção, pode chegar inclusive a substituir o Estado. Tende a gerar uma situação de fato na qual os interesses da corporação governam todas as esferas da vida dos participantes” (T. do A.). Como afirmo mais adiante, a relação das Prefeituras locais com o empreendedor é de submissão e de interesse. neste caso, devido ao posicionamento da Associação, que se entendeu como mais indicada para as negociações. 31 Energia, Transporte e Saneamento S/C Ltda, empresa contratada pelo Consórcio Quebra Queixo e responsável pela administração dos impactos sociais e ambientais. 32 Note-se que, de acordo com as regras da concessão, após um período de 35 anos – prorrogáveis – os bens e instalações referentes à exploração da UHE Quebra Queixo passarão a integrar o patrimônio da União (DECRETO DE 14 DE NOVEMBRO DE 2000, publicado no D.O. de 16/11/2000, que outorga concessão para exploração de potencial hidráulico, por meio da usina hidrelétrica denominada Quebra Queixo, em trecho do rio Chapecó - http://www.mme.gov.br/ministerio/legislacao/decretos/Decreto1411200StaCat.htm. 25 Argumentei acima, baseado em literatura da área, que os efeitos sociais de um GP dependem de características da organização social, política e econômica do grupo afetado. Entretanto, afirmei também que apesar da diversidade existente entre os casos, há certas características comuns a todos; e de certa forma, identificá-las é um dos objetivos dos cientistas sociais que realizam pesquisa sobre GPs. Um desses traços comuns aos GPs é a instituição de mudança social acelerada e a característica de “drama social” que marca o processo como é vivenciado pelas populações locais atingidas. Sumariamente, nas próximas páginas concentraremos a atenção sobre a reprodução social de famílias rurais “de origem” numa situação de mudança social acelerada. Isto será feito através da utilização do estudo de caso enfocando as famílias rurais deslocadas pela barragem da UHE Quebra Queixo. A implementação de uma Hidrelétrica constitui um fenômeno privilegiado para se pensar a reprodução social dos grupos locais, por ameaçar essa reprodução e pelo caráter compulsório da acelerada mudança social que instala. Paralelamente, estarão em nosso campo de visão o processo de implantação do empreendimento e as relações entre hidrelétrica e população local. Do mesmo modo, ao se definir os efeitos da implantação de GPs como multidimensionais, a análise de casos específicos, como este, contribui com elementos para delimitar as características comuns aos GPs. 26 Capítulo II 27 Capítulo II A Região de Implantação da Barragem: o Oeste catarinense A porção meridional do Brasil atual tomou suas formas através de longas disputas relativas ao direito à terra, contestado por diferentes interesses. Primeiro pela Espanha e Portugal, depois pelo Brasil e a Argentina, e então pelas províncias do Paraná e Santa Catarina. Enquanto as disputas chegavam aos finais do século XIX, diferentes grupos sociais até certo ponto alheios a esses conflitos territoriais viviam naquelas terras. Além de populações indígenas, principalmente guarani e kaingang, contingentes lusobrasileiros vieram também a ocupar essa aparente “terra de ninguém". O direito do “uti possidetis”33, como se verá, aplicou-se aos novos Estados recém constituídos, deixando à parte – ou pondo violentamente à parte – o ocupante anterior, imemorial ou não. A organização social e política dos povos que por essas terras viviam só foi considerada na medida em que representava entrave ou servia aos interesses daqueles que passaram a reivindicar aquele território, aquela “terra de ninguém”, para si. Como se sabe, Portugal incorporou lentamente o litoral catarinense através da criação de povoações e fortes, não sem conflitos. Com o tratado de Madri, assinado em 1750, os portugueses incorporaram, através do princípio do “uti possidetis”, uma grande área a oeste da linha de Tordesilhas (1494). Esta área tinha como limites reconhecidos a partir de 1759 – através do Tratado de Madri – os rios atualmente conhecidos como Peperi e Santo Antonio. Posteriormente, no entanto, a Espanha advogou que os limites corresponderiam ao atual rio Chapecó. A Espanha, assim, criou o argumento que permitiu posteriormente à Argentina34 pretender incorporar essa região ao seu território, a chamada “Questão de Palmas”. Na atual região Sul do Brasil, a Serra Geral foi um importante limite à ocupação do território pelo litoral. No caso de Santa Catarina, corta o estado de norte a sul. Da serra ao litoral, uma faixa de terra relativamente estreita foi progressivamente ocupada por O “uti possidetis”, adotado com a assinatura do tratado de Lisboa, em 1681, era um princípio de direito internacional que garantia o direito de uma ocupação anterior, pacífica, sobre o território. 34 Com as independências americanas, a disputa passou a ser entre Brasil e Argentina. 33 28 povoações luso-açorianas e posteriormente também por imigrantes alemães e italianos (a partir de 1829 e 1836, respectivamente)35. Em Santa Catarina, a ocupação do centro oeste até a fronteira atual com a Argentina se deu a partir do Rio Grande do Sul e de São Paulo (ou Paraná, desmembrado deste em 1853). No período imperial, dois importantes caminhos de tropas atravessavam o interior catarinense, servindo de escoamento para o gado “xucro” aprisionado nos campos do Rio Grande do Sul e levado para a feira de Sorocaba (SP), onde abastecia o centro do país com couro, carne e animais de carga. Um desses caminhos atravessava os Campos de Lages, e nos pontos de parada e descanso foram aos poucos surgindo fazendas e povoados. Um outro caminho, já há muito utilizado pelos indígenas, ia de Palmas (localizado no atual Paraná) a Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. A hostilidade de alguns grupos indígenas era uma das principais dificuldades encontradas pelos tropeiros. Missionários foram enviados para Nonoai36, na província do Rio Grande do Sul, com o objetivo de aldear os índios. Alguns luso–brasileiros se instalaram como moradores onde as tropas paravam para descansar. A partir das expedições de 1836 e 1838, os campos de Palmas e Guarapuava começaram a ser ocupados por particulares (Werlang, 1992). De acordo com Renk (1997: 34), o que caracterizou a ocupação desses campos foi a instalação de grandes propriedades e poucos proprietários, com povoamento escasso e numa segmentação vertical, onde o contato e a mediação da população dependente com a sociedade maior era feita pela fração superior da hierarquia social, na figura do grande proprietário. O atual Oeste catarinense teve sua ocupação de forma mais dinâmica a partir da década de 1850, em parte devido ao interesse que a existência de ervais na região provocou em argentinos e paranaenses. Inúmeros luso-brasileiros se instalaram na região para efetuar 1829 para a colonização alemã em São Pedro de Alcântara, de acordo com Santos (1998: 78), e 1836 para a italiana na Colônia “Nova Itália”, segundo Piazza (2000: 30). 36 Localizado no Rio Grande do Sul, próximo à fronteira com Santa Catarina, e onde atualmente localiza-se uma Terra Indígena. 35 29 o corte da erva. Como era considerada “terra de ninguém”, também argentinos ocuparam a área com o mesmo objetivo. Grande parte da erva-mate explorada era comercializada com a Argentina. Em 1882 foi implantada a Colônia Militar de Xapecó, onde se localiza atualmente a cidade de Xanxerê. Werlang (1992: 12) afirma que “além do objetivo da defesa da fronteira, as colônias militares visavam proteger os habitantes dos Campos de Palmas, Erê, Xagú e Guarapuava contra ataques indígenas, bem como através da catequese procurava pacificá-los”. De acordo com Cunha (1992: 137), sobre a política indigenista no século XIX, “nas rotas ou regiões que se quer desinfestar de índios (...) estabelecemse presídios, como eram então chamados, ou seja, praças-fortes com destacamentos militares. Estes presídios, que pretendem se tornar núcleos de futuras povoações, combatem os índios que resistem e instalam os índios que logram atrair em aldeamentos, como uma reserva de remeiros, de agricultores e, mais tarde, de fornecedores de lenha para os vapores”. A Colônia Militar havia sido criada já em 1859, através do Decreto número 2502 do Governo Imperial, mas só foi implantada frente à reivindicação Argentina de 1881, quando esta definiu sua interpretação do Tratado de Santo Ildefonso – que ratificava o Tratado de Madri –, identificando o rio Chapecó como sendo o Peperi-Guaçú, e o Chopin como sendo o Santo Antônio. Muitos anos depois, a chamada “questão de Palmas” finalmente se resolvia. Em 1895, com a arbitragem do presidente norte-americano Grover Cleveland, a região compreendida entre os rios Chapecó e Peperi passou a pertencer definitivamente ao Brasil. Passavam a fazer parte do território brasileiro 30.621 Km2. A partir daí, Paraná e Santa Catarina intensificaram a disputa interna para definir seus limites. Além da área recentemente incorporada ao país, mais 18.000 Km2 a leste dos rios Chapecó e Jangada estavam sendo contestados, somando aproximadamente 48.000 Km2 e tendo como limites os rios Iguaçu ao norte e Uruguai ao Sul (Werlang,1992)(ver também Santos, 1998 e 2000). Mais adiante, com a construção da Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande, a empresa Brazil Railway Company adquiriu a concessão em seu trecho catarinense, recebendo como pagamento uma faixa de 15 km de cada lado da ferrovia. Foi então criada a Southern Brazil Lumber and Colonization Company, subsidiária da Brazil Railway, para administrar essas terras através da exploração dos recursos florestais e da negociação de terras para imigração (Santos, 2000:17). 30 A Guerra do Contestado, de 1912 a 1916, teve como fator importante a expulsão dos posseiros luso-brasileiros37 que ocupavam parte do que passaram a ser os domínios da Lumber, a partir de 1911. Esse contingente humano foi engrossado por parte dos operários envolvidos na construção da Estrada de Ferro, dispensados após o término do trecho catarinense, formando um grupo de homens, mulheres e crianças desrespeitados em seus direitos, que tiveram suas terras ocupadas à força. A figura do Monge João Maria foi aglutinadora desses espoliados. Considerado santo pela população local, histórias sobre sua vida e seus milagres corriam entre os sertanejos da região. A guerra do Contestado foi a maior guerra civil da história do Brasil, deixando fortes marcas na população. O fim da guerra, a partir de 1915, coincidiu com as negociações para um acordo entre as Províncias de Paraná e Santa Catarina, que se materializou em 1916, dividindo a área contestada e pondo fim à questão de limites (Santos, 1998 e 2000). O Estado catarinense agiu a partir daí no sentido de garantir a ocupação populacional da área disputada. Poderosos interesses econômicos balizaram as concessões de áreas para colonização e exploração. De acordo com Werlang (1992:4), “como as concessões das terras eram feitas pelo estado a um preço bem abaixo do valor real, as mesmas eram amplamente disputadas entre as empresas colonizadoras. Acabava vencendo quem tivesse maior poder político”38. Os ricos recursos naturais, como os ervais nativos, cuja extração atendia principalmente ao mercado de exportação à Argentina, também foram objeto de concessão. De acordo com Werlang (idem: 17), os ervais que eram explorados artesanalmente já desde a década de 1850, com a definição de limites ocorrida em 1916, passaram a ser arrendados a particulares pelo governo catarinense, fomentando o monopólio dessa atividade extrativista. Santa Catarina criou quatro municípios na recém incorporada região Oeste39, garantindo a presença do Estado por meio de agências governamentais. Visando a ocupação populacional da área recentemente contestada, repassou a empresas 37 Conhecidos, tanto na bibliografia quanto regionalmente, como “brasileiros”, “luso-brasileiros” ou “caboclos”. Este último termo carrega um estigma, sendo freqüentemente em sua auto-identificação preterido pelos sujeitos em favor de outro termo. 38 No caso das terras colonizadas pela Sul Brasil, por exemplo, que eram também pleiteadas pela Lumber (subsidiária da Brazil Railway), pesou a força dos deputados estaduais Henrique Rupp Junior e Abelardo Luz, filho do então governador Hercílio Luz. Como acionistas da Empresa Construtora e colonizadora Oeste Catarinense, criada para colonizar estas terras, fizeram o papel de um poderoso lobby no cenário político estatal catarinense (Werlang, 1992). A Empresa Construtora e colonizadora Oeste Catarinense foi adquirida em 1925 pela Sul Brasil, que a sucedeu. 39 Chapecó, Cruzeiro (atual Joaçaba), Porto União e Mafra. 31 particulares imensas glebas de terra, com o objetivo de colonização. “Isso porém”, afirma Werlang (idem: 21), não ocorreu de forma pacífica, pois a região já havia sido tomada por posseiros, além das concessões feitas na região pelo estado do Paraná, que o governador Felipe Schmidt havia se comprometido a respeitar no acordo de 20 de outubro de 1916, que pôs fim à questão do Contestado. O Paraná após o acordo continuou a expedir títulos de terra, incrementando a confusão administrativa e fundiária que era resquício ainda da disputa do Contestado. Além das disputas provinciais, outra se desenrolava paralelamente entre diferentes grupos que, disputando o mesmo espaço, se tornaram socialmente conflitantes. Brancos, índios e caboclos com diferentes ethos e modos de ocupação do território disputavam o então Oeste catarinense. Os índios foram desde o primeiro momento vistos de modo utilitarista, indicando o caminho para as tropas, antepondo-se a outros grupos mais arredios, servindo de mão-de-obra e através do uso de suas mulheres. Esse mesmo movimento tropeiro os viu, em seguida, como um obstáculo à passagem das tropas de gado e à ocupação da região pelas fazendas de criação. A criação da Colônia Militar de Xapecó, bem como o envio de missionários para Nonoai, teve o objetivo de combater e catequizar os indígenas, reduzindo-os em aldeias (Werlang, 1992), “limpando” o território e deixando-o livre para a expansão dos interesses da sociedade nacional40. De acordo com Cunha (1992: 133) o século XIX como um todo foi caracterizado por esse processo, em que a questão indígena “deixou de ser essencialmente uma questão de mão-de-obra para se tornar uma questão de terras”. Os contingentes luso-brasileiros representavam também um entrave aos interesses governamentais. Já há tempo instalados na região no rastro das tropas de gado, ou em busca da sobrevivência na lide da erva, ocupavam terras e matas de grande interesse econômico. As terras de Santa Catarina destinadas à colonização, caracterizadas como “terras devolutas”, o eram apenas como recurso retórico na defesa de interesses. Com a Constituição de 1891 – a primeira republicana – as chamadas “terras devolutas” passaram para o domínio dos estados, e assim para a esfera de interesses das lideranças políticas e econômicas regionais. Longe de serem devolutas ou “terra de ninguém”, eram ocupadas por indígenas e caboclos. Estes últimos, acostumados com a imensidão Santos (1970: 25): “Como se vê, a frente pioneira tratava de limpar os campos e para tanto utilizava os contingentes tribais amistosos para os antepor aos grupos arredios, além de usa-los como guias e mão de obra na descoberta e exploração de novas áreas. Os índios perderam sua autonomia tribal e os territórios de que dispunham, além de verem desarticular-se sua vida social e econômica”. 40 32 do sertão, não tiveram a preocupação de legalizar sua situação sobre terras tão amplas e fartas; por outro lado, não possuíam nem o capital nem o conhecimento dos trâmites legais para tanto41. Seu destino estava selado: as terras precisavam ser desocupadas para a finalidade almejada pelo estado. O decreto estadual número 21, de 5 de março de 1925 (apud Werlang, 1992: 27), no seu artigo primeiro define que “Fica estabelecido o prazo até 31 de dezembro de 1925, a regularização das posses criminosas (invasões ou ocupações ilegais). Os posseiros após este prazo serão despejados, com perdas das benfeitorias”. O decreto dava claramente suporte legal às ações de despejo das colonizadoras. Com a demarcação sucessiva das áreas concedidas para colonização, a delimitação de cada grupo de lotes empurrava os caboclos para os limites das áreas, onde as colônias ainda não haviam sido demarcadas, até que novamente fossem alcançados pela agrimensura das empresas colonizadoras. “Os posseiros assim formavam a ‘frente da frente’, deixando o caminho aberto para as empresas colonizadoras penetrarem na região e venderem as terras já desbravadas” (Poli apud Werlang, 1992: 84). De acordo com Santos (1970: 29-30), o caboclo e o índio saíam das terras em que as companhias tinham interesse, pela força das armas dos jagunços contratados, ou pela presença da justiça e da polícia constantemente manipuladas pelos empresários, ou pela aquisição de suas benfeitorias pelos empresários. Entre os posseiros, alguns foram incorporados ao novo sistema social e econômico, sempre nas partes mais baixas da cadeia social. Como afirma o estudo de Werlang (1992: 84), Os que foram incorporados geralmente não tinham acesso à terra, meio de produção. Marginalizados, acabavam vendendo sua força de trabalho, explorada principalmente entre os colonos de origem italiana, enquanto Com a Lei no 601 de 1850, mais conhecida como a “Lei de Terras”, as “terras devolutas” foram definidas como aquelas que não estivessem sob o domínio dos particulares, sob qualquer título legítimo, nem aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, proibindo toda e qualquer aquisição dessas terras devolutas que não fosse por compra. Os posseiros não reconhecidos legalmente seriam despejados das “terras devolutas”, pertencentes ao Estado, sem indenização das benfeitorias. A “Lei de Terras” criava assim um amparo legal que se mostrou perverso para os segmentos indígenas e camponeses brasileiros. 41 33 os alemães preferiam a ‘limpeza da área’ à utilização da mão de obra cabocla. Ainda hoje observam-se inúmeras famílias luso-brasileiras nas comunidades italianas, totalmente dependentes dos colonos de origem. Podemos ter uma idéia da área administrada pelas principais colonizadoras no final dos anos 1930, através dos números aproximados calculadas por Werlang (1992: 44), para lotes com 25 ha de área em média: Oeste Catarinense (Sul Brasil) Chapecó-Peperi Bertaso, Maia e Cia. Volksverein 11.091 lotes 10.660 8.997 2.340 A ocupação do espaço teve particularidades de acordo com a empresa colonizadora, mas certas características foram relativamente comuns, como a área do lote colonial de aproximadamente 25 ha, determinada pelo Estado. O modelo de ocupação não seguiu o padrão europeu, em que a aldeia era separada dos campos de cultivo. Não havia nos empreendimentos colonizatórios do Sul do Brasil uma área que concentrasse as moradias dos colonos. Cada família residia em seu próprio lote agrícola, caracterizando um povoamento disperso, característica comum às áreas de colonização. Nas áreas ricas em recursos florestais, o empreendimento colonizador surgiu vinculado à exploração madeireira, que constituía com a venda de terras para colonização as principais atividades econômicas das empresas colonizadoras. Além dessas características, os empreendimentos colonizatórios eram voltados para a fixação de colonos “de origem”, quais sejam aqueles de origem européia, notadamente alemães e italianos e seus descendentes rio-grandenses. A empresa colonizadora Bertaso, Maia e Cia., antiga administradora da região em que hoje está sendo construída a UHE Quebra Queixo, se distinguia das demais pela localização de sua sede. Seus proprietários a transferiram para a área de colonização (Chapecó)42. A aplicação dos lucros da empresa na região, segundo Werlang (1992: 43), contribuiu para o desenvolvimento de Chapecó, atual centro agroindustrial regional. “Parte destas terras, as localizadas a Oeste do rio Chapecó ficavam na área disputada entre o Brasil e Argentina, no atual município de São Lourenço do Oeste; e outra parte localizada a leste do rio Chapecó, dentro do qual situa-se a cidade de Chapecó, centro agroindustrial da região” (Werlang, 1992: 44). 42 34 Contemporaneamente, na região outrora administrada pela Bertaso, Maia e Cia dois municípios do Oeste catarinense - São Domingos e Ipuaçu – terão terras inundadas pelo lago formado pela Barragem da UHE Quebra Queixo, localizado no rio Chapecó. São Domingos (SC) - síntese População 9.537 hab (4.109 rural) sinopse do em 1953. De acordo com a Enciclopédia censo 200043. dos Municípios Brasileiros, a economia do desmembrados do município de Chapecó município de Xaxim se assentava, nos idos de 1956, na produção de banha de porco Principais atividades44 agricultura, avicultura e suinocultura Xaxim45 e Xanxerê foram e na extração de madeira. Quando do Milho (pouco menos de 47 mil toneladas) e soja (quase 14 mil desmembramento de Xaxim a partir de toneladas). Chapecó, São Domingos46 tornou-se A atividade madeireira ainda é bastante distrito, na época uma vila com 61 representativa, e engloba, entre corte e habitantes. Em 1962, São Domingos foi beneficiamentos, 86,8% do pessoal ocupado em atividades industriais no elevado a município. município (145 pessoas). Dados populacionais atualizados obtidos em www.ibge.gov.br, capturado em 4/12/2001. É pertinente considerar as inúmeras críticas que vêm sendo dirigidas à representatividade dos números do IBGE quanto à proporção populacional urbano/rural, relativas às suas categorias de análise. 44 Ver também no capítulo IV o calendário agrícola. 45 Era comum a revenda de terras concedidas para colonização. De acordo com a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (1956, v. XXXII: 410), a área de Xaxim foi colonizada pela Empresa Colonizadora Irmãos Lunardi, que a adquiriram de Ernesto Francisco Bertaso (posteriormente Colonizadora Bertaso). 46 Havia um distrito chamado São Domingos (mais tarde chamado Abelardo Luz) já em 1917, pertencente ao município de Chapecó. Entretanto, é difícil precisar se os limites correspondiam aos do atual município de São Domingos, e em que época. 43 35 Ipuaçu é um município mais recente, desmembrado de Abelardo Luz e Xanxerê em Ipuaçu (SC) - síntese População 6.121 hab (5.154 rural) dados da região e principalmente Ipuaçu. A prefeitura. população indígena representa quase a Em um primeiro momento, ocupada por metade dos habitantes do município48, de contingentes brasileiros que se à agricultura de acordo com dados da Prefeitura, com uma dedicavam subsistência. representatividade política importante nos A partir de 1920, com o início da desenvolveu-se uma quadros públicos. O cacique da Terra colonização, economia baseada na extração de Indígena é o atual vice-prefeito, além de madeira, principalmente pinho. cargos de vereadores serem também A partir da década de 1970, a agropecuária tomou maior vulto. ocupados por indígenas. Kaingang caracteriza de forma marcante a Nesse contexto, a partir de 1920 as famílias rurais “de origem” chegaram ao Oeste catarinense, num processo de migrações sucessivas ligado às estratégias de reprodução social e à busca de terras para as novas gerações. Compuseram juntamente com famílias “brasileiras” a população deslocada pela implantação da UHE Quebra Queixo. 1992 . A presença de uma Terra Indígena 47 47 A partir da Constituição de 1988, o surgimento de novos municípios tornou-se muito mais fácil do que era até então. Em Santa Catarina, a população mínima para que um distrito ou vila se emancipasse, com a autonomia concedida por essa mudança na legislação federal, passou de 10.000 para 5.000 habitantes. Na Região Oeste do Estado, esse processo foi bastante intenso, constituindo uma das áreas mais fragmentadas de Santa Catarina (Badalotti, 1997). 48 Essa presença indígena refletiu-se inclusive na exigência do Ministério Público Federal de que um laudo pericial antropológico fosse realizado, apesar dos argumentos, por parte do empreendedor da UHE Quebra Queixo, de que a área não seria diretamente atingida. Ver Fernandes (2001). 36 Capítulo III 37 Capítulo III Os laços (des)feitos A partir de 1870 se inicia a colonização italiana do Rio Grande do Sul, com as colônias D.Isabel e Conde D’eu (atualmente Bento Gonçalves e Garibaldi). Entre 1884 e 1894 foram fundados os núcleos de Alfredo Chaves e Antônio Prado, e posteriormente Guaporé. O segundo momento de colonização foi marcado pela migração interna e pelas áreas de colonização mista – englobando principalmente alemães e italianos. A partir aproximadamente de 1910, o movimento colonizatório dirigiu-se ao Alto Uruguai e a Santa Catarina. A movimentação do contingente populacional “de origem”, que tendeu a caracterizar migrações internas no Sul do país, foi relevante para a ocupação de várias áreas pioneiras. Mais tarde e chegando aos dias de hoje esta movimentação alcançou a região centro-oeste e a região amazônica. Tal movimentação migratória está intimamente relacionada às estratégias de reprodução social das famílias rurais. Nas colônias velhas o aumento da população, associado à escassez de terras disponíveis nas proximidades da colônia já ocupada, acabava por criar um quadro de pressão demográfica49. Os filhos de colonos “em idade de casar” idealmente deveriam ocupar novos lotes. Isso, associado ao esgotamento do solo, levava o ciclo a ser reiniciado, ocupando novas áreas e formando novas colônias através da migração familiar. O que Roche (1969: 319) afirma sobre os colonos alemães aplica-se também aos colonos italianos: A agricultura dos colonos alemães teve caráter essencialmente pioneiro. Depois de ter feito recuar a floresta, esgotou o solo, obrigando os colonos das gerações seguintes a emigrar para novas zonas a desbravar ou, mais recentemente, para os centros urbanos. Segundo Woortmann (1995:182), a migração da colônia velha para a colônia nova, também chamadas colônia mãe e colônia filha, é um processo de dispersão populacional que minimiza a pressão demográfica 49 Woortmann (1995: 182). 38 na primeira, fazendo com que o mesmo processo que produz a colônia nova reproduza a colônia velha. Essa estratégia de reprodução social camponesa levou à ocupação de áreas ainda cobertas de mata, onde a infraestrutura reduzia-se ao mínimo. O fato de a formação das áreas de colonização ter se caracterizado por uma seqüência de colônias mães e colônias filhas não significou que as migrações se dessem entre umas e outras apenas. As séries de colônias se tornavam verdadeiros corredores migratórios, e assim os atuais municípios de São Domingos e Ipuaçu (SC), nos quais tenho interesse particular, receberam vários migrantes provenientes diretamente de Garibaldi (RS), apesar de haver colônias mais próximas e mais recentes. As famílias rurais migradas às colônias novas, ao chegarem à localidade na qual se localizava sua nova propriedade, e na qual iriam residir, não encontraram a área totalmente vazia. Algumas famílias caboclas viviam na região, e muitas vezes as relações entre estas e os recém-chegados tornaram-se não só constantes, como permitiam o acesso a partes de um cabedal cultural afeito às particularidades dos recursos locais. Relações de vizinhança, trabalho e mesmo casamento tomaram forma. Como conta uma informante “italiana”50 sobre a presença cabocla: “era só nego mesmo, só brasileiro”; ela e os irmãos iam na casa deles comer canjica de milho na panela. Na casa da “finada Bastiana”, por exemplo, lembra bem que o fogo era no chão, com a panela pendurada na corrente. De acordo com a mesma informante, havia casamentos de italianos com brasileiros, e alemães também. Ou, como respondeu outro informante ao ser questionado sobre casamentos mistos: “é tudo meio misturado”, “aqui em roda é tudo parente ou compadre”. Entretanto, é notável a diferença entre certas famílias, mesmo à primeira vista. Apesar de não me ocupar aqui das famílias brasileiras, pude travar um primeiro contato com algumas que refletem a descrição, por exemplo, de Bloemer (2000), notadamente em sua relação com a terra, particular e altamente diferenciada daquela das famílias ditas “de origem”. Esses contingentes “italiano” e “brasileiro” – com predominância numérica do 50 É sempre uma preocupação do pesquisador o cuidado com os termos identificadores a serem usado para populações específicas. Muitos estão sujeitos a críticas pertinentes, algumas de maior seriedade do que outras. Entretanto, a necessidade de um termo provisório – mesmo que seja mantido durante todo o trabalho – justifica seu uso. Não se pode ignorar, contudo, que “italiano” ou “brasileiro” não se referem enfim a reais procedências nacionais, mas a termos de auto-identificação e identificação do outro, e portanto mutantes e dinâmicos. 39 primeiro, e tendo algumas poucas famílias de origem alemã e polonesa - constituem a população local da área requisitada para a implantação da UHE QQ. Deslocados com o objetivo de liberar a área para os interesses do ente empreendedor, este torna-se legalmente responsável por seu remanejamento. A empresa responsável pelo dimensionamento e tratamento das questões sociais – ETS, contratada pelo Consórcio Quebra Queixo – firmou com a Associação dos Atingidos pela Barragem um acordo51 que aprovava a proposta que define as “políticas e ações de remanejamento da população atingida pelo empreendimento”. Notavelmente, as seis alternativas de remanejamento apontadas no documento, na prática tornaram-se três, e uma quarta fortemente voltada às conveniências do empreendedor no sentido de dominar as negociações particulares que não andassem como esperado - os casos especiais. As alternativas realmente oferecidas e possibilitadas à população local e seus impactos sobre esta serão discutidos paralelamente à apresentação dos dados sobre a sociabilidade de famílias rurais. Por hora, aponto-as: “indenização”52, auto reassentamento através de carta de crédito, e reassentamento em áreas remanescentes. De acordo com informações de técnicos do empreendimento ligados ao remanejamento populacional, nenhum “pequeno reassentamento rural”53 – uma das soluções apontadas no documento foi realizado. Quanto ao “reassentamento rural coletivo”, fui informado que “não houve público suficiente para a implementação de soluções deste tipo”. Entretanto, conforme fui informado, o pessoal técnico responsável pelo projeto instruiu outros pesquisadores a “não comentar” nas entrevistas com os agricultores a possibilidade de reassentamento rural coletivo, porque na verdade os agricultores “não sabiam dessa possibilidade”. O reassentamento rural coletivo, como definido no próprio documento sobre as políticas de remanejamento, implicaria a instalação de infra-estrutura tanto nos lotes quanto de caráter coletivo, sob a responsabilidade do empreendedor. Agindo como empresa que é, o empreendedor contabiliza certamente as despesas de suas ações. Não apresenta, assim, interesse em dar soluções custosas aos problemas sociais. E, sob esta ótica, soluções que coloquem a família deslocada fora da abrangência de suas responsabilidades são as mais econômicas. 51 ETS. “Proposta de Políticas e Ações de Remanejamento da População Atingida pelo Empreendimento AHE Quebra Queixo”. Jan/2000. 52 Grafo-a como noção êmica, devido ao seu uso muito particular pelo empreendedor, não relacionado ao uso legal do termo. 53 Contendo de 5 até nove lotes rurais, de acordo com o acordo entre a Associação dos Atingidos e o empreendedor (ETS, 2000). 40 Na prática, o proposto “remanejamento” tornou-se um deslocamento puro e simples. Não há nos casos de deslocamento compulsório, como já indicou Scudder (1975: 14), soluções baratas. Desobstruída a área para o empreendimento, regra geral a população deslocada ficou por sua própria conta e risco. As exceções ficam por conta dos que receberam carta de crédito. Após três anos de carência, terão dez anos para pagar à empresa o valor da carta de crédito, em sacas de milho. Durante os primeiros meses na nova propriedade, recebem um salário manutenção54, que deveria mantê-los até a primeira safra, além de um cheque para compra de calcário para correção do solo. O salário de manutenção, entretanto, não cumpriu o seu papel a contento, visto que as entrevistas durante o trabalho de campo indicaram que o normal era a chegada do tal cheque atrasar mais de um mês. Principalmente através do uso da “indenização”, o ente empreendedor estabeleceu com a população local relações individualistas e de caráter patrimonialista. Apesar de os critérios terem sido acordados entre o empreendedor e a Associação dos Atingidos – em um processo em que notadamente atuou sua diretoria – as negociações acabaram sendo individuais. Cada caso foi um caso particular, possibilitando maior parcialidade nas decisões. Ao invés de um valor total, as propriedades foram negociadas considerando um subtotal relativo ao preço da terra, e outro relativo às benfeitorias, culturas perenes etc, como árvores frutíferas e pés de flores (ver ETS, 2000). É na contagem destes últimos que avaliações subjetivas podem ter se desenrolado55. A relação do ente empreendedor com a população local afetada manteve e fortaleceu a mesma característica patrimonialista que foi comum em empreendimentos ligados ao setor elétrico estatal56. O critério para a indenização era ter uma propriedade escriturada. Os não proprietários, remanejados através de cartas de crédito, deverão pagar o valor recebido à empresa que as concedeu, integralmente e com reajuste de acordo com a cotação da saca de milho. Na UHE QQ, empreendimento privado, as terras foram simplesmente compradas 54 55 Com duração de até 9 meses, de acordo com análise do pessoal técnico do empreendedor. Agradeço à mestranda em agroecossistemas pela UFSC Elaine Baggio por ter me chamado a atenção para esta possibilidade. Paralelamente, inúmeros entrevistados afirmaram a existência de valores muito díspares, para propriedades semelhantes. Poderia se pensar que isso se deva ao descontentamento de certos agricultores, não satisfeitos com os valores recebidos por uma terra economicamente e simbolicamente valorizada. Associado a isto, está o acesso diferenciado à informação, controlado pela empresa e por seus outros detentores parciais como recurso estratégico. Entretanto, mesmo proprietários que “saíram bem” consideram que houve intenção da empresa de negociar pelos preços mais baixos possíveis, colocando os afetados na posição de negociação mais desvantajosa. 56 Ver por exemplo os casos de Ita (Reis, 1998) e de Itaipu (Zaar, 1996). 41 dos seus proprietários originais, num negócio lucrativo57, e utilizando o alegado interesse público, apesar de não existir nenhuma posição do Estado nesse sentido sobre o empreendimento em questão. Entretanto, o ente soube utilizar-se da “jurisprudência”58 e da “autoridade” utilizada pelo setor elétrico em seu período estatal, para “limpar” a área. Essas soluções individualistas geraram forças no sentido do rompimento de importantes laços comunitários, através da pulverização espacial das famílias que antes compunham estabeleciam uma comunidade, de freqüentavam entre as si. mesmas Entretanto, Igrejas, casavam e relações compadrio como veremos, a reorganização desses mesmos tipos de laços pelas famílias rurais, em detrimento da falta de planejamento do empreendedor nesse sentido, fez em boa parte dos casos frente a esta tendência, e apesar de não tê-la anulado de todo garantiu a continuidade de existência de parte das famílias rurais como tais. É importante notar que alguns casos só terão um relativo desfecho em um tempo futuro – Scudder (1973) coloca o tempo de transição entre 2 e 10 anos –, pois os arranjos provocados pela barragem agiram sobre o ciclo de desenvolvimento dos grupos domésticos, e os efeitos se farão sentir mais além do momento da implantação do projeto. Retomando a trajetória histórica dessas famílias rurais, encontramos migrações familiares em busca de terra, em uma seqüência que em meados do século XX desembocou nas linhas59 rurais agora atingidas pelo empreendimento hidrelétrico. Uma das características dessas migrações é que a unidade social migrante era sempre uma família, um grupo doméstico. Outra característica é que geralmente a família vinha acompanhada por outras. A companhia da família de um irmão ou cunhado atenuava as incertezas do empreendimento camponês em novas terras. Posteriormente no decorrer do tempo, com a partilha da terra de cada família entre dois ou mais filhos, quando ocorreu, as relações de vizinhança e parentesco se estreitaram, tornando comum nas 57 Visto que adquiriram a preço de terras para cultivo e pasto, terras que permitirão a implantação de um projeto altamente lucrativo de geração de energia elétrica. 58 Em entrevista com técnico da empresa, ao questionar o modo de definição das políticas para a população local, ouvi que há uma “jurisprudência” : partem de experiências anteriores, relativas ao setor elétrico estatal. Somando-se a isso, há o fato de parte considerável do pessoal contratado ser egresso da Eletrosul ou de outras empresas do setor, contribuindo para a reprodução da atuação do setor, incrementada agora por maior dinamismo e busca de lucro. 59 Nas áreas de colonização, o ponto de partida para a demarcação dos lotes era uma picada principal, aberta na mata. A partir dela, os lotes eram demarcados, paralelos uns aos outros, e com formas retangulares e alongados a partir de sua frente, que dava para a picada. Outras picadas, referidas pela literatura como travessões, eram abertas perpendicularmente à picada principal. Picadas e travessões geralmente acompanhavam os cursos d'água, e correspondem às “linhas” coloniais. 42 linhas coloniais um quadro atual de vizinhança parental. Há vários casos exemplares entre a população local afetada pela UHE Quebra Queixo. Conta um informante sobre o seu avô, que vindo da Itália ao Brasil de navio, levou quarenta dias para “varar o mar”. Seu avô contava histórias da travessia e dos primeiros tempos no Brasil, onde se fixou em uma colônia italiana no Rio Grande do Sul. Durante a viagem seu irmão teria vindo junto, mas se separaram e acabaram perdendo contato. O pai deste informante, por sua vez, veio do Rio Grande do Sul para Santa Catarina em busca de terras baratas. Com o dinheiro da venda da propriedade herdada no Rio Grande do Sul, podia comprar uma área maior, garantindo terra para alguns filhos. Nessa jornada, de seus onze filhos duas filhas já estavam casadas com dois irmãos da família Libardoni, formando outra família. A esposa deste informante, também neta de italiano, veio com os pais e seus seis irmãos do Rio Grande do Sul para Santa Catarina quando tinha doze anos. Juntos vieram um tio e um primo. Os tempos da chegada à Linha Quebra Queixo, em São Domingos, são lembrados como um tempo sofrido, em que viviam cercados por matas. Após a mudança, de caminhão, ficaram quinze dias alojados em um paiol60. Quando chegaram ao seu lote, precisaram fazer pequenas tábuas, rachando madeira das matas para construir uma casa. Conta a informante que nos primeiros tempos a mãe e as crianças choravam, diante da imensidão, escuridão e abandono do sertão, do mato. Anos depois, no dia de seu casamento, foram a pé até a Linha Santo Antônio, onde ficava a Igreja mais próxima, freqüentada semanalmente desde criança por ela e os irmãos. O Padre, que era do município de São Lourenço do Oeste, ficou doente e não pôde ir realizar o casório. Como estava tudo preparado, fizeram “o banquete” do casamento e voltaram cada um para a casa de seus pais, casando oito dias depois. Localizados em sua nova propriedade, quando do início da colonização, relações locais se estreitaram. Uma das principais formas de estreitamento foi através do estabelecimento de laços de aliança, como o compadrio. A tradição religiosa católica permitia o ensejo para que se convidassem casais para serem padrinhos de seus filhos. Como indica Bloemer (2001), há três momentos na vida em que se pode ter um padrinho: no batismo, na crisma e no casamento. Aquele casal que convida e o casal convidado passam a ser compadres e comadres, estabelecendo relações de amizade e sociabilidade mais intensas. Mesmo após o deslocamento da quase totalidade dos atingidos, esses 60 Espécie de galpão utilizado para armazenar milho e outros produtos agrícolas. 43 laços continuam sendo importantes. Visitas aos velhos vizinhos, parentes e compadres são comuns. Uma das famílias deslocadas, atualmente residindo no Rio Grande do Sul, visitou sua antiga propriedade na semana anterior a uma de minhas estadas no campo, pedindo para ver o aviário, a casa etc, pois sentia saudades61. Atualmente, a área remanescente desta propriedade é ocupada por uma outra família atingida, aí reassentada pelo empreendedor. Segundo estes, a esposa do antigo proprietário não havia se conformado com o deslocamento, querendo voltar para sua região de origem. O desejo de voltar para a antiga propriedade familiar não é incomum, apesar de reconhecerem sua impossibilidade: “Na saída pra cá não foi fácil acostumar; que nem, o pai se criou lá”; no começo seu pai “falava em voltar, mas não deu jeito”. Um atingido deslocado para a sede municipal de Ipuaçu esteve presente durante um culto realizado na Igreja católica da Linha São João, que sua família freqüentava. A identidade dessas famílias está vinculada, em certo sentido, à localidade. Na parte interna da Igreja, sobre cada porta ou abertura há um sobrenome italiano, do indivíduo ou família que havia doado aquela parte para a construção da Igreja. Pode-se ler no interior da Igreja sobrenomes que agora também constam na lista de atingidos. Um fato que durante o trabalho de campo foi clarificador nesse sentido, diz respeito a um churrasco na casa de uma família rural relocalizada através de carta de crédito. Após a refeição, sentamos na sala da casa – era noite -, e o chefe da família, homem na casa dos trinta anos, quis me mostrar as fotos que tinha, do seu casamento, da família, da Linha Quebra Queixo, onde residiam, e de campeonatos locais de futebol. Todas as pessoas retratadas nas fotos eram nominadas uma a uma, e indicado também o grau de parentesco ou compadrio e às vezes o local onde mora – ou morava, no caso dos deslocados. A Linha onde morava antes de ser deslocado, segundo ele, era “rodeado só de parente”. O parentesco, além de mecanismo ligado à reprodução social, é valor e mapa de sociabilidade62. Possivelmente, no que diz respeito às relações família-família, seja acionado mais no segundo modo que no primeiro. Isso porque, nessas relações, os graus de parentesco não atuam como um conjunto de regras de trato, rígido ou não, mas como um laço mais geral – “somos parentes” -, definidor da sociabilidade e colaboração, junto com o compadrio (parentesco fictício) e com a vizinhança. De acordo com Fortes (1974: 3), o ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico – que incorpora os mecanismos de 61 62 Outra deslocada visita freqüentemente os antigos vizinhos da propriedade atingida, que “ficaram sozinhos”. O que já foi apontado por vários autores, como Woortmann (1995), Woortmann (1990) e outros. 44 reprodução social –, ao mesmo tempo que é um processo dentro do campo interno do grupo doméstico, é movimento governado pelas suas relações com o campo externo. Como vimos, além do controle da herança e da sucessão, outras estratégias como as relacionadas à sociabilidade, voltadas para as relações do campo externo ao grupo doméstico, desempenham um papel importante na reprodução social no ciclo longo, e por que não, também no curto. Com o deslocamento compulsório das famílias o empreendedor criou uma migração não estrutural, diferente do que foram as migrações sucessivas no passado. Obrigou a população local a adquirir terra em uma área de “fronteira fechada”, com escassas propriedades disponíveis, dificultando a recomposição da vicinalidade existente e desagregando um aspecto importante da sociabilidade. Durante o trabalho de campo foram comuns casos como o dos irmãos Paliga, que antes do deslocamento eram vizinhos; queriam comprar terra juntos, mas não conseguiram, estando suas propriedades a uma distância de aproximadamente três quilômetros uma da outra. Muitos casos se deveram à política da empresa responsável pelo tratamento das questões sociais, incluindo o remanejamento. Para a liberação da carta de crédito, exigia que cada propriedade em vista tivesse certas características, como por exemplo benfeitorias mínimas. Ora, isso exclui a compra de duas propriedades contíguas, por exemplo, em que as casas estivessem próximas uma da outra, concentradas em um dos lotes. No caso de duas ou três gerações de uma família que vivessem sob o mesmo teto antes do deslocamento, mas que receberam ambas carta de crédito, a propriedade vista por eles como a mais adequada estava fora de cogitação. Isso foi o que de fato aconteceu em certos casos. De acordo com um informante, 45 áreas de terra foram visitadas para escolher a dele e a de seu pai. Como queriam áreas próximas – “as filhas são novas, não separavam do nome63 de jeito nenhum” -, demoraram para achar uma que, além de se adequar às suas necessidades, se adequasse às expectativas da empresa. A área adquirida para si é separada da de seus pais por uma outra propriedade, e foi escolhida em detrimento da outra opção descrita acima, que melhor correspondia a suas aspirações. Essa distância foi suficiente para dificultar as visitas dos pais idosos, tornando-as menos freqüentes do que desejariam. De fato, apesar da preocupação da empresa visando a sustentabilidade básica das famílias contempladas por Cartas de Crédito em suas novas propriedades, ela foi insensível e pouco flexível em relação a 63 Nome no sentido de sobrenome, família, equivalendo aqui a os avós. 45 certas demandas dos atingidos. O casal mais idoso não podia prescindir da força de trabalho de seus filho e nora para compor uma unidade de produção. Ao mesmo tempo, o cuidado das crianças ficava ao encargo dos avós. Atualmente, apesar das propriedades separadas, a família do filho, com a ajuda de novos vizinhos e de um irmão morador de outra localidade, têm garantido o cultivo das terras de seus pais. O trabalho representa um valor e uma relação de cooperação. Mesmo no caso de trabalhos esporádicos externos à propriedade, representa mais do que simplesmente incremento de recursos. Em relação às atividades fora da propriedade, excetuando-se alguns assalariados, o mais comum é que os jovens apliquem parte do tempo não consumido com as atividades da propriedade trabalhando para conhecidos. Parte dessas atividades é remunerada e constitui um recurso disponível para os jovens adquirirem dinheiro para uso próprio, mas uma parte considerável envolve “troca de dias” de trabalho. O ethos de sociabilidade foi de extrema importância também quando da necessidade das famílias, após serem deslocadas pelo empreendimento barrageiro, de se estabelecerem em um novo local praticamente por conta própria. Laços já existentes, ou o estabelecimento de novos laços, tiveram um papel central na adaptação social e econômica das famílias rurais deslocadas. Certo casal64 cuja idade beira os sessenta anos, e tem o homem “doente”, ao chegar à sua nova propriedade, adquirida no mesmo município através de carta de crédito, recebeu ajuda dos vizinhos para trabalhar a terra. De acordo com sua própria opinião, sobre a Linha onde passaram a residir, “aqui tem vizinho, tem gente boa”. As relações sociais de vizinhança são não apenas importantes para as estratégias de reprodução social no ciclo curto, através da colaboração, mas são um valor moral65. No caso do deslocamento provocado pela implantação do projeto da barragem, a perda da proximidade espacial com os parentes dá uma visibilidade ainda maior, na nova localidade, às relações baseadas na localidade, como a vizinhança. A filha deste casal, algum tempo após a chegada à nova propriedade, tinha seu casamento marcado com o filho de um casal de vizinhos. Scudder (1973: 708) sugeria que os grupos sociais aprendem a fazer frente à situação utilizando velhos padrões de comportamento e velhas premissas de novas maneiras: eles mudam apenas o suficiente para continuar 64 65 Citado à página anterior. Klaas Woortmann pensa a campesinidade como uma ordem moral. Em suas palavras: Nessa perspectiva, não se vê a terra como objeto de trabalho, mas como expressão de uma moralidade; não em sua exterioridade como fator de produção, mas como algo pensado e representado no contexto de valorações éticas (Woortmann, 1990: 12). 46 fazendo o que valorizavam, sob novas condições. No caso em estudo, os laços estão se reestruturando, recriando a intersecção entre o compadrio e a localidade, recriando e tecendo novamente os laços de sociabilidade tão pertencentes aos sistemas de valores das famílias rurais. A preferência em permanecer como agricultor na região Oeste catarinense, e principalmente no mesmo município, se revela como opção em manter-se em território social relativamente conhecido e mapeado. Quando foi possível, apesar da escassez de terras disponíveis à compra e da inflação fundiária local e regional, optaram por propriedades localizadas onde não encontrassem apenas desconhecidos. Nesse sentido, campeonatos municipais de futebol e bocha no passado, fizeram no presente o papel de referência prévia entre as pessoas. No caso da família Zarembski, foi o que aconteceu. De acordo com sua própria visão do processo, “se acertaram com os vizinhos”. Assim, antes até “de conhecerem direito os vizinhos”, estes os ajudaram na mudança dos móveis. “Já conheciam um pouco”, de campeonatos municipais de bocha e futebol. Pertencem já à comunidade da Igreja Católica local. Para eles, a relativa facilidade de adaptação se deu pela continuidade no município, caso contrário teria sido mais difícil. Uma possível motivação para a permanência das famílias nos municípios pode ser devido ao sistema de integração, em que determinada empresa frigorífica (na região é comum principalmente a criação de aves) fornece insumos ao agricultor, e este revende à mesma empresa a produção quando pronta para o abate. Cada empresa tem uma área limitada em que atua, correspondendo ao seu zoneamento. Para não perder a integração, o agricultor poderia ter rejeitado o deslocamento para municípios fora da área de atuação da empresa à qual era integrado. Este pode ser um fator que compõe o quadro de motivações, mas com certeza não se converte na causa explicativa da preferência por se manter na região ou no município. Vários casos, como o último citado, são de agricultores não integrados, e mesmo no caso daqueles, estar afeito à região e nela possuir laços de sociabilidade converteu-se na principal representação simbólica de suas razões. Entretanto, nem sempre a auto-relocalização que sucedeu o deslocamento compulsório se deu em lugares em que os vizinhos próximos eram já conhecidos, ainda que pouco. O sr. Paliga, por exemplo, não conhecia seus atuais vizinhos anteriormente. Segundo ele, estando há um ano e 4 meses na propriedade, “são tudo vizinho bom, já conhecemos bem”. Mas apesar de não conhecê-los anteriormente, o fato de ter se mudado para uma cidade diferente da sua, apesar de próxima, fez com que ficasse 47 próximo de sua família, pois tem “parentes” na sede municipal (pais e irmão). Muitas vezes a propriedade mais próxima disponível, que correspondia às aspirações e condições do deslocado, implicou em mudança para um local ainda desconhecido e onde não possuía relações prévias. Relata um agricultor sobre seu pai, com quem constituía antes do deslocamento, mais as respectivas esposas, um grupo doméstico co-residente: “O pai fez bastante amizade. Pegou comunidade boa; gosta de conversar”. Este agricultor afirma que pegou “comunidade boa” também, conhece os vizinhos, se dão bem: “No interior, é dois toque, conhece tudo. Na cidade, mora numa casa e outro no lado e não se conhecem. Na cidade é diferente”. Não conheciam ninguém na comunidade de destino; foi onde acharam terra. Acha-se “pouco estudado pra ir na cidade”, ter ocupação urbana, além do fato de pretender ser agricultor. Um de seus antigos vizinhos, antes do deslocamento, utilizou o dinheiro recebido para comprar terra em Capanema, no vizinho estado do Paraná. Seu pai, no lugar deste vizinho, “já teria morrido, estranharia muito; desde o clima muda”. De acordo com Scudder (1973: 710), os conhecimentos e habilidades relacionados ao cultivo da terra não são tão facilmente transferidos, desde que estão parcialmente amarrados ao conhecimento de um pedaço particular de terra, ou para colocar em sentido amplo, ao conhecimento de uma área e clima; além disso, quando uma população considerável está procurando terras o mais próximo possível de seus antigos lares, os preços estarão propensos a aumentar, assim como a propensão à ocorrência de dificuldades66. Casamentos e cartas de crédito Uma das soluções apresentadas pelo empreendedor à população local foi a 66 Trad. do autor. Scudder faz ainda uma outra indicação, de que sob estas condições, a mera compensação pode tornar-se inadequada, e formas adicionais de assistência podem ser assegurados. De acordo com o último informante citado, não há qualquer tipo de assistência: “passou só uma vez pessoal da empresa, pra ver como tava”. De acordo com informações obtidas com pessoal técnico da empresa responsável, o monitoramento – só para o remanejamento por carta de crédito - tem a finalidade apenas de obter informações, enquanto qualquer assistência é deixada ao encargo dos municípios acolhedores. 48 obtenção de terra através de carta de crédito. Com valor por volta de R$ 60 mil67, a carta de crédito deverá ser paga em um prazo de dez anos, após três de carência, e com seu valor cotado em sacas de milho. As cartas de crédito foram destinadas68 a não proprietários que tivessem até a data do Cadastro Sócio-Econômico mantido vínculo com propriedade atingida69, dela dependendo para sua subsistência. Foram enquadrados também no público-alvo das cartas de crédito proprietários de lotes com área até 75 ha que se tornem inviáveis, obedecidas certas condicionantes – em campo, não encontrei nenhum caso desta modalidade. E também, e aqui constam os casos mais interessantes, a filhos de proprietários e não proprietários de área atingida que tenham formado uma nova unidade familiar até a data da negociação da propriedade. O efeito mais perceptível da carta de crédito para filhos de proprietários é a divisão do grupo doméstico, pela viabilização do acesso à terra ao casal que seria herdeiro da propriedade paterna, e será tratado no capítulo específico sobre reprodução social. Entretanto, os critérios para concessão da carta de crédito engendraram outro afetamento pouco esperado, calçado na imposição do tempo do empreendimento sobre a temporalidade da população local. O Cadastro Sócio-Econômico realizado pelo empreendedor é o marco limite para que este reconheça os indivíduos e famílias particulares como dependentes de dada propriedade. Demandas posteriores por compensação, caso o autor do pleito não estivesse citado no referido cadastro, foram negadas sob a alegação de que deslocou-se para a propriedade visando vantagens advindas da compensação. Ou seja, o empreendedor resguardava assim o uso da informação: quando a finalidade do cadastro se tornasse pública – de guiar as compensações -, ninguém poderia fazer uso dessa informação em seu benefício; nem mesmo a maior parte dos próprios atingidos. No caso da constituição de novos casais, o prazo passava a ser a negociação final entre o empreendedor e o atingido. Isso deu tempo suficiente para que indivíduos, filhos de agricultores, arranjassem um modo de ter acesso a esse bem patrimonial e moral 67 De acordo com informações de agricultor não proprietário afetado. Sua carta de crédito tinha o valor de R$ 57 mil, assim como a de seu pai. Posteriormente, tiveram o valor aumentado respectivamente para R$ 69 mil e R$ 63 mil. 68 ETS. “Proposta de Políticas e Ações de Remanejamento da População Atingida pelo Empreendimento AHE Quebra Queixo”. Jan/2000. 69 Note-se que para o empreendedor, a noção de propriedade atingida diz respeito àquela cuja área seja ocupada especialmente pela formação do reservatório, pelo canteiro de obras e por unidades de conservação ou estações ecológicas. Atingido é todo aquele indivíduo ou família proprietária de área atingida, ou que dela dependa para sua subsistência. Note-se que a localidade, salvo submersão de bens coletivos, fica excluída da noção, tendo seus possíveis pleitos negados por definição. 49 precioso para a lógica camponesa - a terra -, através de arranjos matrimoniais. Durante o trabalho de campo, repetidas vezes tomei conhecimento de casos – os mesmos casos através de diferentes fontes – de casamentos arranjados rapidamente visando a obtenção de carta de crédito. Várias foram as variações, desde casais de namorados que começaram a pensar em casamento, efetuando-o em seguida, até completos desconhecidos que em poucos dias foram apresentados, noivaram e casaram. O relato de uma jovem- cerca de 23 anos - e sua mãe, que tiveram sua propriedade adquirida pela empresa, dá uma idéia do quadro geral: Jovem – “Na verdade, eu não sei se isso foi certo ou se isso foi errado; eles (o empreendedor) começaram a alarmar assim que quem casava ganhava carta de crédito.” Pesquisador – “quem era casado...” Jovem – “Tá, ou quem casava, também, dentro desse tempo, ganhava carta de crédito. O pessoal, pra baixo (direção do canteiro de obras), começou tudo a casar”. Mãe – “Arrumavam mulher onde que aparecesse, os rapaz; as moças onde que aparecesse homem casavam”. Jovem – “Lá embaixo aconteceu quanto, uns quatro ou mais, casamentos assim... (calculando)”. “Faça a conta, só lá embaixo, uns oito, nove casamentos assim, só pra ganhar carta de crédito (citaram um a um)”. Mãe – “Deu casamento de quinze dias, o rapaz conhecia a moça e já levava pra casa”. Jovem – “Então faça a conta como que vão viver depois”. Pouco depois, tive a oportunidade de conhecer um destes casais. Um homem, pouco mais de quarenta anos, solteiro, fez uma proposta a uma citadina, oferecendo parte do valor obtido com a carta de crédito. Casaram-se, mas como a propriedade adquirida permanecerá hipotecada por treze anos, só após este período poderão dividir ou vender a terra. Encontram-se em uma situação indesejada, e possivelmente insolúvel, dado que legalmente constituem um casal, apesar da aparente falta de afinidades. No correr de três horas de entrevista, testemunhei inúmeras discussões e ameaças de uma parte a outra. De acordo com várias informações, este caso não é o único do tipo. Não ficou sem ser explorado o ensejo deixado a descoberto pela situação atípica provocada pela implantação da barragem. A situação de stress multidimensional, a 50 mudança social acelerada, e a incomum quantidade de capital em circulação na região e nas mãos de famílias rurais atingidas, atraíram indivíduos em busca de lucros, que souberam aproveitar a situação em seu benefício. De acordo com alguns relatos, um corretor ligado a uma imobiliária da vizinha cidade de São Lourenço d’Oeste trouxe várias mulheres e mesmo um homem para “arranjar casamento” com solteiros atingidos. Em troca, recebeu uma certa porcentagem da venda da terra a ser comprada com a carta de crédito obtida. Este mesmo corretor já havia, segundo informações, atuado nas regiões das barragens de Itá e Machadinho. Reside em Capanema, no Paraná, e sua comissão nas negociações de terra – ou de cônjuges, como se queira - era de 10%. Em um caso, casou seu próprio irmão com a filha de um atingido, vendendo para eles uma propriedade em Capanema (PR), onde residem. Como se vê, além dos peões barrageiros e dos prostíbulos, outros ajudam a criar a rota das barragens, no rastro de grandes projetos temporários, que pelo seu isolamento e pela quantidade de recursos que movimentam, atraem uma grande massa de trabalhadores às regiões de implantação desses projetos70. Os casamentos arranjados que terminam em separações, assim como outros efeitos provenientes das relações que se instalam por influência da implantação do GP, fazem parte dos impactos laterais do empreendimento. Impactos laterais Certos impactos são mais claramente visíveis e imputáveis aos grandes projetos. Outros, que o empreendedor se esforça por caracterizar como exteriores à circunscrição de suas responsabilidades sociais, não são privilegiados com o uso dos conceitos tradicionalmente utilizados pelo setor elétrico desde seu período estatal e ainda utilizados pelo setor elétrico agora parcialmente privatizado, os conceitos de impacto direto e indireto. Sendo apontados como insuficientes, novos conceitos foram forjados por pesquisadores. Entre esses estão conceitos como os de impacto global, impacto lateral e externalidades71, visando dar conta das múltiplas realidades relacionadas a um grande projeto e seus impactos72. Certos afetamentos que não ficaram privilegiados a contento pelos conceitos de impacto direto e indireto podem ser apreciados com mais clareza através do conceito de Ver Ribeiro (1985). Portney (apud Drumond, 1995: 76): “Uma externalidade ocorre sempre que as transações entre duas partes causarem um benefício ou um custo a uma terceira parte e sempre que esse benefício ou esse custo não for levado em conta nos entendimentos entre as duas primeiras partes”. 72 Santos e Nacke (2001: 77). 71 70 51 impactos, ou perturbações, laterais. Perturbações laterais são efeitos atribuíveis à interação de agentes sociais em sua vida cotidiana, através de uma situação gerada pela implantação do projeto (Antonaz, 1996: 18). No caso em estudo, foram registrados exemplos desses efeitos. Próximo ao canteiro de obras (Linha Bela Vista, Ipuaçu), sete casas de prostituição foram erguidas uma ao lado da outra. Na visão de uma moradora local, “se abrisse um mercado no lugar de tanta zona, era melhor”. Os grandes projetos (Ribeiro, 1985) são temporários, e se caracterizam pelo grande movimento populacional que os acompanha. São uma forma de produção que se ativa e desativa, com início e fim marcados – embora não os de seus impactos -, e isolados dos meios de produção, atraindo ou levando para a região recursos e trabalhadores. Outra característica é um desequilíbrio populacional devido à grande quantidade de operários homens, criando uma situação em que o número de homens na população local é temporariamente muito superior ao de mulheres. Os prostíbulos se dirigem à região do empreendimento em busca desse público, e são intrínsecos ao próprio projeto, fazendo parte de sua logística mais ampla, embora seja via de regra um “empreendimento independente”. O empreendedor, devido principalmente ao grande volume de capital que dirige e a relações políticas de alçada superior ao poder político local, tem uma grande influência sobre os políticos locais. Regra geral, o discurso das lideranças políticas locais são imbuídos de uma ideologia progressista, considerando os prejuízos provocados pelos GPs insignificantes, se comparados com os recursos que trazem aos municípios atingidos. O impacto sobre as famílias rurais é considerado assim como um mal menor, e constantemente negligenciado. O prefeito de um dos município atingidos, em entrevista a mim concedida em fevereiro de 2002, considerou excelente o andamento de todas as negociações com o empreendedor. Em uma das mais claras verbalizações da opinião do poder local que pude presenciar, afirmou que no início chegaram a se preocupar com os prostíbulos na área rural e com as possíveis conseqüências disso em termos de doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo, e pelo fato de ser uma atividade ilegal. Entretanto acabou, segundo ele próprio, “sendo convencido” pelo pessoal do empreendedor, no sentido de que com tantos operários, o fato de haver prostíbulos resguardaria as mulheres e filhas dos agricultores de serem assediadas. Certa submissão dos poderes políticos locais em relação aos responsáveis pela implantação de barragens têm se mostrado a regra em inúmeros casos. Isso se deve, provavelmente, aos atrativos do poderio político, técnico e econômico do empreendedor. Neste cenário, a 52 disponibilização de recursos financeiros aos municípios toma papel central. Além dos royalties – porcentagem sobre o lucro gerado pela produção de energia -, há o ISS (Imposto Sobre Serviços), que segundo informações da Prefeitura de Ipuaçu, representa 3% sobre as prestações de serviço efetuadas na construção da barragem. Como a implantação de um projeto como este movimenta bilhões de reais, boa parte em serviços terceirizados, isto representa um montante considerável. Outro fato importante é a arrecadação através dos cartórios, devido à grande quantidade de transferências de escrituras de propriedade, provocada pela aquisição das propriedades a serem atingidas. Quanto aos prostíbulos, a justificativa de resguardar a população local do assédio dos operários mostrou-se insuficiente, se não irresponsabilidade com os efeitos sociais que transcendem o simples alagamento das propriedades. Com o tempo, homens da localidade, pais de família, passaram também a freqüentar as casas de prostituição, construídas em sua localidade. Durante entrevista a um casal cuja propriedade havia sido atingida, me confidenciou que um sobrinho seu estava se separando da esposa, que o descobriu numa das casas de prostituição. Há grande vergonha em relatar esses fatos a um estranho, e só tomei conhecimento da identidade do casal graças a um desavisado que chegou quando a citada entrevista já estava em curso. Tudo indica que este não foi um caso isolado, e a presença massiva das casas de prostituição, ao invés da proteção à população local apregoada primeiro pelo empreendedor e depois pelas prefeituras, acabou constituindo-se em ator no conjunto de impactos sociais sofridos pela população local, no sentido de desorganização dos laços sociais. Além das casas de prostituição e da grande quantidade de peões barrageiros – alojados em sua maioria na própria obra, ou fora dos municípios atingidos pelo lago, em municípios próximos -, ajudam a construir a rota das barragens pequenos comércios, como bares, que buscam atender os trabalhadores da obra. Em Ipuaçu, um certo “Pedra’s Bar” instalou-se em decorrência da implantação da UHE Quebra Queixo. Toda uma família veio de Itá (SC), “atrás da barragem”. Em município próximo a Itá, trabalhavam na lavoura. Abandonaram o cultivo para começar um negócio – o mesmo que agora está em Ipuaçu, na saída que dá acesso ao canteiro de obras. Além do bar, possuem um táxi, e o irmão cabeleireiro atua na mesma casa. Segundo o irmão responsável pelo bar, vale a pena atender os barrageiros, e da UHE Quebra Queixo vão para outra barragem. Os fregueses, de acordo com ele, são em sua maioria conhecidos, pois já eram seus fregueses ao trabalharem na barragem de Itá. Além do “Pedra’s Bar” o “Manias Bar” instalou-se no município, também proveniente de Itá. 53 Há uma rota das barragens, caracterizada por um movimento populacional economicamente vinculado aos recursos movimentados pelos empreendimentos hidrelétricos. Essa rota engendra relações entre populações que de outra forma não estariam em contato, provocando perturbações laterais importantes para as regiões atingidas, embora na prática negligenciadas tanto pelos empreendedores quanto pelos poderes políticos oficiais locais. Outro impacto diz respeito aos rumores que antecedem a execução de um grande projeto. Diferentes informantes afirmaram que os comentários sobre a construção de uma suposta barragem na região começaram a circular há dez ou vinte anos. Nesse meio tempo, segundo eles, o medo da desapropriação levou muitas famílias a abandonarem a localidade, vendendo suas propriedades por preços abaixo dos de mercado. De acordo com um agricultor deslocado do município de Ipuaçu, sobre a Linha São João: “São João era grande; desde que saiu a notícia da barragem só foi pra trás; muitas pessoas foram embora”. Entretanto, o próprio agricultor nota que o lago, no dimensionamento atual da barragem, não chega até a referida Linha. Na própria Linha Quebra Queixo, em São Domingos, outra informante conta que “com a história da barragem, uns oito, dez anos atrás, foram embora umas vinte, trinta famílias; venderam mal, foram pra cidade”. Não foi somente devido às primeiras vagas notícias sobre a implantação da barragem que famílias a princípio “não atingidas” foram afetadas. Um dos remanejados através de carta de crédito adquiriu sua propriedade no mesmo município. O antigo proprietário, com o dinheiro da venda, comprou lotes em um assentamento do movimento sem-terra, no município de Abelardo Luz. Comprou sete lotes dos assentados, sem escritura, esperando recebê-la quando o assentamento for regularizado, o que pode não acontecer. As famílias que têm suas terras alagadas não são as únicas a terem sua continuidade colocada em risco. Scudder (1973) já afirmava que a população receptora dos deslocados deve ser incluída nos projetos de assistência e desenvolvimento, sendo objeto de atenção por parte do empreendedor. Entretanto, ao invés de incluir sob sua responsabilidade aqueles afetados lateralmente ou que arcam com externalidades da implantação do projeto, a lógica privatista do empreendedor se impôs de forma a ter total controle das inclusões e exclusões à categoria “atingido”. Outra lateralidade está ligada à atratividade dos empregos no empreendimento sobre alguns agricultores. Tive a oportunidade, durante um culto da Igreja Católica na Linha São João (Ipuaçu), de conhecer um agricultor da localidade que atualmente trabalha como tratorista na obra da barragem. Como possui “pouca terra”, cogita seguir 54 para outra barragem em construção. Essas externalidades, custos não computados como a escalada dos preços das terras, a especulação imobiliária e a atratividade de atividades que põem em risco as atividades agrícolas familiares, acabam sendo assumidas por populações numa área bem mais ampla do que aquela considerada pelo empreendedor como impactada. Externalidades: os “não-atingidos” Do diário de campo: Fui visitar a obra, aproveitando uma turma da Linha Vista Alegre que pela primeira vez visitaria as obras. Na portaria, enquanto esperávamos os técnicos em segurança do trabalho que guiariam a visita, me identifiquei, porque havia uma conversa sobre ter gente demais. Me prontifiquei a dar prioridade para os membros da comunidade. Isso voltou a atenção de alguns homens da comunidade sobre mim. Aproveitei para perguntar sobre quem, naquele grupo, era atingido. Um dos homens me corrigiu, dizendo que se eu estava atrás de quem terá terra alagada, estava atrás dos indenizados. Atingido, segundo ele, é quem fica. Com a diminuição da comunidade, as poucas famílias que sobraram se sentiram excluídas da compensação pelo empreendedor. Muitas solicitaram remanejamento, pelo fato de terem perdido vizinhos e parentes, pelos transtornos e preocupação durante toda a obra, pela insegurança duradoura. Aterrissagem de pedras na propriedade, rachaduras nas casas devido às explosões no canteiro de obras, também foram motivos repetidos de pleitos. A esses pedidos, o empreendedor respondia laconicamente que deveriam “fazer um ofício”. Regra geral, por sentirem não dominar essa linguagem burocrática, desistiam de reclamar direitos que consideram seus. Dizem que “para o Consórcio Quebra Queixo o importante é a obra, não a comunidade”. Uma senhora, viúva, foi um desses casos, e até hoje não se sentiu segura para redigir o tal ofício. Entretanto, durante a entrevista para esta pesquisa indicou claramente sua percepção da relação imposta pelo empreendedor, e seu também imposto status de não atingida. De acordo com ela, queixando-se, “eles tinham dito que 55 ninguém era pra ficar mal”; “eu não sou atingida pela água, mas pelo barulho, pelos transtornos que tá dando”. E a firma não vai... quanto menos eles pagarem, quanto menos eles gastarem, eu acho que pra eles é melhor. Não importa que tu tá (...) A pessoa, nem que esteja sofrendo, ele vai acostumar; eu disse assim, eu não agüento mais, é barulho demais; eles dizem ‘mas não é, a sra vai se acostumar, a sra tem que se acostumar, é assim o jeito, vai se acostumando’. Eu fiquei sem vizinho, porque os Spada eram tudo meus vizinhos, fiquei lá num canto agora sozinha, bem lá embaixo, ‘mas vai se acostumando’. A Associação dos Atingidos, de acordo com várias famílias, desconsideravam, “riram” dos que pleiteavam remanejamento mas não teriam terras ocupadas pelo empreendimento, afirmando que não iriam ganhar nada. Ao menos uma família desconsiderada pela associação acabou sendo remanejada por residir em área posteriormente considerada área de risco. Pedras caíam em sua propriedade, devido às detonações. Quanto à definição mesma de atingido, esta é um consenso de representação entre o empreendedor e a Associação. Atingido seria todo aquele que tivesse sua propriedade atingida pelas áreas do lago, da casa de máquinas ou da área de preservação permanente, ou aqueles que tivessem uma relação comprovada com estas propriedades e delas dependessem para sobreviver, formando no mínimo um casal (proprietários, arrendatários, posseiros, parceiros, agregados, assalariados ou filhos de proprietários). Esse consenso exclui, entretanto, aqueles que no conceito corrente não se enquadram mas mesmo assim sentem-se esbulhados ou afetados de alguma forma. Esta percepção acaba por incluir a dupla característica de afetado e excluído, seja em termos de impactos à sua propriedade, seja em termos de impactos à sua localidade, lócus das principais redes de sociabilidade das quais faz parte. Essa percepção de sua própria condição faz com que os moradores não remanejados considerem-se os verdadeiros atingidos, não indenizados e deixados sem opções. 56 Capítulo IV 58 Capítulo IV Reprodução Social: a dinâmica dos grupos domésticos O termo “família rural” como eu uso refere-se na verdade a um grupo doméstico cujos integrantes se reconhecem a priori através de relações de parentesco. Um grupo doméstico é um grupo marcado por co-residência e via de regra por trabalho e consumo comuns e é, segundo Fortes (1974), o lócus da reprodução social. A “família” em si é composta por vários grupos domésticos rurais aparentados, incluindo também os indivíduos encaminhados para fora dos GDs em direção a atividades urbanas. Estes últimos são excedentes estruturais e, exceto na possibilidade de fixarem-se novamente na terra, como um novo grupo doméstico, constituirão o êxodo rural estrutural, distanciando-se do modelo familiar, residencial e produtivo discutido. Nas áreas coloniais, a exclusão da herança e encaminhamento de alguns filhos para fora do grupo doméstico têm se constituído em estratégia voltada ao não fracionamento da propriedade familiar quando da morte o em do que social, à chefe-depoderia risco a pela filhos encaminhados para residências e atividades fora do grupo doméstico herdeiro potencial família, colocar reprodução inferior divisão em lotes com área considerada necessária à subsistência de um grupo doméstico. No passado, essas famílias migraram motivadas por seus planos, projetos, possibilidades de sobrevivência. A migração foi, nesta situação, um movimento positivo em direção ao mantenimento e reprodução social de várias famílias rurais. Essa foi uma migração para colonização, constitutiva da reprodução social camponesa (Bloemer, 2000) (Reis, 1998) (Renk, 2000) (Bornholdt, 2000). Esse fluxo migratório 59 originado nos não herdeiros respondeu pela colonização de novas áreas e posteriormente por parte da urbanização dessas mesmas regiões73. Recentemente, deslocamentos compulsórios devidos à implantação de projetos de geração hidrelétrica na bacia do Uruguai puseram em risco essa mesma reprodução. Como afirmei anteriormente, calçado em literatura especializada, os GPs se caracterizam por ter a lógica que coordena sua implantação originada em esferas alheias à das áreas em que são implantados e que arcarão com seus custos sociais. A lógica que preside os GPs não é, via de regra, aquela das populações locais por eles afetadas. A temporalidade do GP suplanta a da população local. Os efeitos do grande projeto se fazem sentir em múltiplas dimensões, caracterizando o drama social sentido no contexto de mudanças sociais aceleradas. O deslocamento devido à implantação da barragem é bem diferente das migrações anteriores. Mas, ao fazerem suas opções frente a esses novos fatos, as famílias rurais deslocadas lançam mão de um corpo de conhecimentos de que já dispunham, relativo à extensão de seu mundo conhecido, às suas relações de parentesco, de vizinhança, às suas concepções sobre a propriedade da terra e sobre o trabalho. Os velhos mapas cognitivos são aplicados à solução de novos problemas. Um bom exemplo é o fato de o deslocamento compulsório ter sido visto pelas famílias rurais muitas vezes como, apesar de tudo, uma maneira de assegurar terra aos filhos, através das indenizações e das cartas de crédito. A apreciação da implantação da barragem pelos indivíduos afetados apresenta ambigüidade de valores, por trazer em si além do risco a própria possibilidade de reprodução social da família rural. Os mapas cognitivos que ordenam a vida cultural das famílias rurais têm importante papel na definição dessas possibilidades. De acordo com Klaas Woortmann (1990: 23), “(...) cada cultura terá categorias nucleantes específicas, mas, ao que parece, existem certas categorias comuns às sociedades camponesas em geral, como terra, família e trabalho”. As sociedades urbanas também teriam essas categorias, mas em outras combinações e não nucleantes e relacionadas. Cada grupo camponês, segundo o autor, teria então um arranjo particular desse esquema. De acordo com Ellen Woortmann (1995: 127), escrevendo sobre famílias rurais teuto-brasileiras, “(...) o domínio sobre a terra, nesta ótica, se legitima pelo trabalho, e não pela propriedade cartorial. (...) É ela (a terra) que torna possível a reprodução, não 73 Ver capítulo anterior. 60 só do campesinato, mas de seu sistema de parentesco”. Diria na verdade que, não ao invés mas além da propriedade cartorial, é a terra e o trabalho sobre ela que tornam possível a reprodução social das famílias rurais. Para Renk (2000: 18), a terra tem sido o valor-base desse campesinato, cuja concepção e significado caracterizam esses colonos, opondo-os a outros campesinatos diferenciados etnicamente, como é o caso dos brasileiros. Para além da diferenciação étnica, o acesso à terra é constitutivo da condição camponesa, de sua identidade e do trabalho familiar numa economia corporada. As diferenças étnicas entre “alemães” e “italianos” são, segundo Renk (2000: 414), menores do que as afinidades. Em sua tese, a autora abordou “as categorias nucleantes, amalgamadas pelo viés étnico, nas quais se ancoram os de origem, construindo a distintividade em oposição aos brasileiros. Essas categorias nucleantes, que são o cerne da ética camponesa, respaldam a produção e a reprodução social nos ciclos de curta e de longa duração (...)” (Renk, 2000:413). A noção de reprodução social foi cunhada por Fortes (1974), vinculada à de ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico. Serviu de base, posteriormente, a vários estudos de antropologia e sociologia rural, principalmente aqueles voltados ao que Almeida (1986) denominou de “ciclo longo” de reprodução social. De acordo com este autor, a reprodução social se daria em um ciclo curto, anual, relacionado ao asseguramento das condições econômicas e produtivas de reprodução da família rural, e ao mesmo tempo em um ciclo longo, geracional, ligado à reprodução dos grupos domésticos via nascimento, casamento e morte de seus membros. Sobre a reprodução no ciclo curto, Renk (2000: 26) afirma que essa constelação de pequenas práticas, ou seja, as estratégias de reprodução de curta duração, não se explicam apenas economicamente, mas são movidas por valores inculcados que orientam as práticas, entrecruzando-os ao grande movimento intergeracional74 (...) ou seja, 74 Quando Fortes (1974) se referiu à sucessão em termos de reprodução social, o fez no sentido de “sucessão de cada geração pela subseqüente”. Autores contemporâneos como Abramovay et al (1997) referem-se a uma noção mais restrita, e por sucessão entendem na verdade a sucessão do patrimônio e do status, em que a posição do chefe-de-família geralmente passa a ser ocupada por um de seus filhos. Renk (2000) refere-se ao mesmo processo como devolução intergeracional. A sucessão de gerações se dá através de sua incorporação na sua estrutura social, pela dissolução do grupo doméstico original, que culminará em sua substituição por outro do mesmo tipo. 61 um movimento auxiliar, complementar que tem como ponto de chegada o processo de devolução intergeracional75. Renk (2000: 188), explorando ampla bibliografia, aponta duas respostas dos colonos “de origem” em relação à terra, no contexto sulista. A primeira - descrita especialmente por Seyferth (1985) e Woortmann (1995) - apresenta os valores de ancestralidade/terra/família/honra imbricados, num quadro marcado pela permanência da terra76, enquanto os membros da família alternam-se, no ciclo vital. A parcela não herdeira da terra familiar migra (Woortmann, 1995), e “é desses colonos e de outros em situações similares que se compôs o campesinato étnico do Oeste catarinense, que têm nas histórias de vida uma tradição de migração para assegurar a condição camponesa”77. A segunda é caracterizada por constante reinvestimento, vendendo frações para adquirir porções maiores78, o que, sob o ponto de vista da primeira abordagem, feriria o princípio de ancestralidade. A solução nativa, segundo a autora, reside na construção social da propriedade, onde os trabalhos investidos na colônia é que a tornam familiar. No primeiro caso, uma das estratégias de reprodução social geralmente associadas às famílias rurais “de origem” é a ultimogenitura, em que o herdeiro é o mais novo dos filhos homens do casal79. Segundo Seyferth (1985), outros arranjos também podem ser encontrados nas mesmas regiões, e em muitos casos várias estratégias aparecem combinadas. Para Seyferth (1985: 1), As práticas de herança (...) visam, principalmente, evitar a excessiva fragmentação das pequenas propriedades, que ameaça a reprodução desse campesinato. Os mecanismos que asseguram a manutenção da estrutura social camponesa têm como base a tradição, ou melhor, o 'direito costumeiro', que permite excluir da herança da terra um ou mais 75 No capítulo anterior foram analisados vários efeitos sentidos sobre o ciclo curto, como por exemplo sobre as trocas de trabalho. 76 Essa estabilidade das terras nas mãos de uma família no passar do tempo não é prerrogativa das famílias que nos interessam. Moura (1978) aponta casos de herança dividida igualitariamente, de acordo com o que orientava o código civil, e depois comprada dos outros herdeiros por um ou mais irmãos homens, reconfigurando a propriedade como originalmente 77 O aumento da população criava uma pressão demográfica, associada à escassez de terras disponíveis nas proximidades da colônia já ocupada. Os filhos de colonos, “em idade de casar”, idealmente deveriam ocupar novos lotes. Isso, associado ao esgotamento do solo, levava o ciclo a ser reiniciado, ocupando novas áreas e formando novas colônias. Roche (1969: 319), em afirmação sobre os colonos alemães, mas que também se aplica aos descendentes de italianos: "A agricultura dos colonos alemães teve caráter essencialmente pioneiro. Depois de ter feito recuar a floresta, esgotou o solo, obrigando os colonos das gerações seguintes a emigrar para novas zonas a desbravar ou, mais recentemente, para os centros urbanos". 78 Embora não seja o que sempre acontece, nos casos em que a construção social da propriedade tem ascendência sobre a ancestralidade da mesma (ver casos em Bornholdt, 2000). 79 Ver por exemplo Woortmann(1995), Seyferth(1985) e Bornholdt (2000). 62 membros da família. As variações do Casal X sistema de partilha são muitas, e vão desde a herança impartível, onde um dos filhos herda toda a propriedade, até a partilha entre todos os herdeiros. A estrutura da família camponesa (e o ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico) é, sob muitos aspectos, determinada pelas regras de herança. No círculo, o grupo de co-residência caracterizado como “família-tronco”. À esquerda, os filhos encaminhados para fora da propriedade familiar. Nesse cenário de variações no sistema de partilha da terra, para Seyferth (1985) as regras de herança em certo sentido determinam a estrutura da família camponesa. De acordo com a autora, a família-tronco é a família camponesa tradicional. Neste tipo familiar, a propriedade é transmitida a apenas um dos filhos do casal X. Este, com o casamento, passa a residir patrilocalmente, na casa da família, localizada na propriedade familiar. O termo família-tronco se refere a que em um determinado momento do ciclo do grupo doméstico, vivem sob um mesmo teto três gerações da mesma família, geralmente aparentadas pela descendência masculina: o patriarca e sua esposa, o filho herdeiro do casal e sua esposa, e os filhos desse casal mais novo. De acordo com Seyferth (1985: 14), "nesse caso, a estrutura da família é determinada por um conjunto de fatores ligados à herança da terra e à característica fortemente patriarcal desse campesinato." Seyferth (1985: 11-12) apresenta algumas características da família-tronco: associação à herança impartível; transmissão da herança antes da morte dos pais; padrão de residência patrilocal para o herdeiro e neolocal para os demais filhos. Mas a família-tronco aparece também em casos de herança compartilhada. Para a autora, "o padrão de residência, num certo sentido, parece ser conceitualmente mais importante do que as formas de herança". Woortmann (1995), ao descrever as relações de parentesco entre colonos sulistas, enfatiza a relação pensada entre pessoas e famílias. As noções de Stammhaus (do alemão: stamm=tronco, haus=casa), Stammbaum (do alemão: stamm=tronco, baum=árvore) e Keim (do alemão: "princípio germinativo") são utilizadas pelas famílias pesquisadas pela autora, ao pensar suas relações de parentesco. Para Woortmann (1995: 175-176), 63 A casa, enquanto edificação, e a Stammhaus, enquanto tradição, representam, juntamente com a terra, o patrimônio de uma famíliatronco. A terra, naturalmente, é o suporte fundamental para que a casa possa se perpetuar. (...) A família extensa relaciona-se estreitamente ao padrão de herança, à chamada herança desigualitária, destinada a garantir a integridade do patrimônio e sua vinculação ao nome. Entre os colonos que estudei, esse padrão de herança acabou tomando a forma de ultimogenitura... De acordo com a autora, à Stammhaus corresponde uma família extensa patrilocal. As casas são pensadas como as "...unidades básicas do parentesco no plano das relações sociais. São elas as detentoras do patrimônio e é entre elas que se realizam as trocas matrimoniais" (idem: 135). De acordo com Seyferth (1985), a caracterização da família-tronco apenas pela herança impartível, consideradas as variações nos arranjos de herança, seria insuficiente. Seyferth chama a atenção para as variações, associadas a uma regra absoluta: apenas um herdeiro, quase sempre homem, herda a parte da terra onde se encontra a residência da família e seus anexos: estábulos, pomar etc. Tradicionalmente o herdeiro é o filho mais novo. Mas, acima deste costume, está a autoridade do pai, que pode escolher o seu herdeiro (idem). Ainda de acordo com Seyferth, apesar da existência de parcelamentos no tamanho real, "a colônia permanece indivisível enquanto unidade de produção familiar" (idem: 25). E fica assegurada a presença da família-tronco como regra, "diretamente relacionada aos padrões de residência (...) qualquer que seja a estratégia de herança acionada" (idem: ibidem). Woortmann (1995) aponta uma recente descaracterização da herança indivisa, ligada aos direitos legais sobre a terra80. Mas a tendência à descaracterização do patrimônio seria limitada pela redução da natalidade, migração para a cidade, celibato etc. Nesse contexto, a noção de patrimônio se alteraria, não sendo mais a totalidade das terras mas a parcela onde se encontra a casa ancestral. Isso é muito semelhante à afirmação acima, de Seyferth. A principal diferença está na ênfase colocada por Woortmann sobre as relações de parentesco como são pensadas pelos colonos. 80 Ainda em relação à partilha igualitária da terra, Woortmann afirma que, na prática, a terra herdada pela mulher passa para o domínio de seu marido. A herança é uma relação entre homens, em que a mulher é um elemento de intermediação, e "o casamento constitui, então, uma forma de acesso aos bens do outro, particularmente o acesso do marido à terra da mulher" (idem: 193-196). 64 Seyferth tenta adaptar, explicativamente, todas as exceções ao modelo proposto de família-tronco. Ora, de acordo com Almeida (1986), como regra geral os antropólogos interessados no ciclo longo, utilizando a noção de reprodução social, inspiraram-se em Fortes (1974). De acordo com este autor, os processos que garantem a efetivação de um sistema social – os mecanismos de reprodução social, devem manter seus dois recursos vitais em um nível adequado, através de um uso e reposição contínuos. Tais recursos são o capital humano e o capital social, e é este capital social, como definido por Fortes (1974), que vai interessar particularmente ao antropólogo. O capital humano diz respeito a seus determinantes biológicos, como a duração da vida de um indivíduo – cujo desenvolvimento físico está incorporado ao sistema social através da educação, e a sucessão de cada geração pela subseqüente, processo incorporado na estrutura social. Assim, continuidade e substituição são convertidos em processo de reprodução social. O capital social, por seu turno, corresponde ao corpo total de conhecimentos nos costumes e instituições de uma sociedade, mais as utilidades que estão disponíveis para sustentar a vida de seus membros através da aplicação do equipamento cultural aos recursos naturais. Sobre o corpo de conhecimentos das famílias rurais afetadas e seu papel ao assegurar possibilidades de reprodução social frente aos impactos da implantação da UHE Quebra Queixo, apresentei nos capítulos anteriores. Na definição de Fortes (1974: 2), “Em termos gerais, o processo de reprodução social inclui todos os mecanismos institucionais, bem como atividades e normas ditadas pelo costume (costumarias), que servem para manter, suprir e transmitir o capital social de geração a geração”. A importância que dei ao grupo doméstico como unidade de análise, e sua diferenciação da família em si, decorre em parte do fato de que para Fortes (1974: 3) o grupo doméstico é “a fábrica” da reprodução social. Para determinar a estrutura e fronteiras do GD, segundo Fortes (1974: 4), é preciso levar em conta seus caracteres de idade específico, seu estágio no ciclo de desenvolvimento: um GD com todos os filhos adolescentes é diferente de um GD com filhos de idade variada, que por sua vez são diferentes de um GD com filhos em idade de casar. Os padrões de residência fornecem um índice básico das fronteiras dos grupos domésticos. Entretanto, não são um fator primordial da estrutura social, da mesma ordem do parentesco, descendência etc. Os padrões de residência, de acordo com Fortes, são determinados por relações econômicas, afetivas e jurídicas, que se originam desses fatores primários. Na mesma sociedade, de acordo com a argumentação de Fortes, vários “tipos” de grupos domésticos poderiam ser encontrados, como “família 65 nuclear”, “patrilocal extenso” etc. Esses “tipos” seriam, na verdade, fases do ciclo de desenvolvimento de uma única forma geral. Sob esta ótica, o que vários autores têm definido como um “tipo” familiar, a família-tronco, é na realidade “um acidente de percurso”, a visão congelada de um determinado momento do ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico. Um momento em que, cristalizado pela regra de residência, está a meio caminho entre a extinção de um núcleo e a sua substituição por outro do mesmo tipo. Em trabalho anterior, sobre famílias rurais teuto-brasileiras no Oeste do Estado de Santa Catarina, já afirmava (Bornholdt, 2000: 81) que na história de uma família, a ocorrência de co-residência de três gerações por algum tempo, cercada adiante e atrás no tempo de heranças pelo lado feminino, trocas de terras entre cunhados e/ou vendas e compras sucessivas, não permite deduzir que a família-tronco é o tipo familiar presente. Antes, é possível que ela seja menos um tipo familiar, do que um arranjo momentâneo de residência, ligado a questões principalmente de ordem econômica e afetiva. A família-tronco é uma possibilidade estrutural, dada por certas características apontadas acima, p.ex., e descritas por Seyferth (1985: 14) como “(...) conjunto de fatores ligados à herança da terra e à característica fortemente patriarcal desse campesinato”. Mas é uma possibilidade entre outras e não constitui um tipo estático, sendo na realidade definida pelos processos. Nos casos em que um grupo doméstico se constitui em termos residenciais como família-tronco aparente, isto ocorre por diversas motivações, principalmente de cunho econômico e afetivo, relacionadas a estratégias de reprodução no ciclo curto e às relações existentes no seio da família. Logo, o drama social provocado pelo deslocamento compulsório fará sentir seus efeitos de modo especialmente sensível nestas esferas. Tal é o caso da cisão forçada de grupos domésticos. Entre os efeitos sentidos na reprodução social das famílias rurais e impostos pela política de remanejamento do empreendedor, este é um dos impactos mais facilmente perceptíveis. Cisão do GD – impacto sobre a co-residência 66 Na região onde está sendo implantada a UHE Quebra Queixo, a família81 rural Ff + F3 + ? (hachurados ego), proprietária, como em terra mais não vivia de + Ff12 Ff13 + arrendatária F8 F9 F10 parentes. Essa família + Ff14 Ff15 Ff16 Ff17 Ff18 Ff19 rural, que constituía um grupo doméstico, era duas Ff20 Ff21 composta por famílias nucleares, organizadas de acordo com o modelo de tronco. A família nuclear Ff12-Ff13 já vivia na condição de arrendatária há mais de 50 anos, na terra de F10, irmão de F12. Com a morte de seu pai (F3) e subseqüente inventário, F12 e cada um de seus dez irmãos e irmãs receberam uma parte da propriedade familiar. Um de seus irmãos, F8, comprou aos poucos a maior parte da herança de oito dos outros. Apenas F12, que já havia adquirido a parte de uma irmã, manteve a propriedade. Era este que arrendava ao GD em questão. Tomando como dado este arranjo das terras, no momento em que foram deslocados o grupo doméstico era constituído como no diagrama Ff. A casa que ocupavam era a do falecido “Nôno”82. Com a implantação da barragem, foram deslocados. De acordo com a política do empreendedor para famílias ou casais não proprietários, mas dependentes de propriedade atingida, cada família nuclear recebeu uma carta de crédito83. Como citado no capítulo anterior, a carta de crédito é uma espécie de empréstimo concedido pelo empreendedor, de acordo com as exigências da concessão da exploração, relativas à Diagrama Ff. Grupo doméstico organizado na forma de família-tronco Ff20 Ff21 Ff17 Ff18 Ff19 Ff12 Ff13 compensação e mitigação dos impactos à população local. Esta 81 Como neste capítulo apresento mais detalhes sobre as famílias, em relação ao capítulo anterior, passo a utilizar letras ao invés dos nomes familiares, para preservar seu anonimato e sua privacidade. 82 Do italiano “avô”. A casa que a família primeiro ocupou, ao migrar do RS para São Domingos (SC). 83 O valor inicial de ambas era de R$ 57 mil, passando posteriormente para R$ 69 e R$ 63 mil. 67 carta de crédito deverá ser restituída integralmente ao empreendedor, dentro de um tempo e de certas condições estipuladas. As famílias que receberam carta de crédito não dispuseram livremente de seu valor, entretanto. Apesar do discurso do empreendedor ser no sentido de garantir o sucesso das famílias contempladas com carta de crédito, sua atuação deixou aos deslocados uma margem de manobra muito estreita. De acordo com F17, a ETS tem exigências quanto a características das terras a serem adquiridas com as cartas de crédito. Entre elas, a existência de crianças na proximidade, para que fique garantido o transporte escolar das crianças deslocadas. Outra exigência era de que cada propriedade adquirida tivesse casa e benfeitorias. Devido a tais exigências, o informante afirma ter olhado 45 áreas de terra para escolher a dele e a de seu pai. A princípio, suas expectativas eram de adquirir duas áreas contíguas, e continuar residindo juntos. É já difícil encontrar à venda duas áreas assim, e a única que encontraram correspondia a dois lotes do mesmo proprietário. Este havia concentrado casas e benfeitorias em um lote, cultivando ambos como se fossem um único. A área correspondia aos anseios do grupo doméstico deslocado, mas não se enquadrava no perfil exigido pelo empreendedor. A compra destas propriedades foi descartada, e quando o quadro já era de desânimo, encontraram e compraram duas propriedades que se adequavam aos critérios da ETS. Entretanto, se adequavam apenas Ff12 Ff13 parcialmente às suas expectativas. As propriedades então adquiridas através das cartas de crédito são separadas por outra. Isso, na lógica de povoamento disperso que Ff17 Ff18 Ff19 caracteriza as linhas coloniais representa distância de alguns quilômetros, suficiente para que optassem por ocupar as casas das duas propriedades, não deixando nenhuma abandonada. Desse modo, o grupo doméstico original foi cindido, ficando como mostra o diagrama. Ff20 Ff21 As conseqüências dessa cisão se fazem sentir principalmente sobre as motivações da co-residência. Avós e netas são muito apegados, sendo esta uma das principais justificativas para as visitas de um grupo doméstico ao outro. De acordo com o avô, “se a gente não tivesse achado terra com o filho, não sei como íamos fazer. Eu sinto falta das meninas”. Antes do deslocamento, os avós cuidavam das duas crianças em casa, enquanto seus pais trabalhavam na lavoura ou em outros serviços na propriedade ou fora dela. Agora, muitas vezes as meninas – com aproximadamente cinco e sete anos – 68 precisam ser levadas ao local de trabalho, sob sol forte e sem locais de descanso, pela dificuldade de deslocamento da avó até sua casa. O homem mais idoso depende das visitas para ver o filho, a nora e as netas. Acometido por alguma doença crônica que não me foi identificada, dependia da força de trabalho do filho e da nora para se manter. Com a cisão do grupo doméstico e a residência em propriedades separadas, o cultivo de sua propriedade se tornou um novo problema, tendo que se valer do trabalho de vizinhos, filhos e do futuro genro84. Posteriormente ao trabalho de campo, a filha que ainda vivia com o casal mais idoso iria contrair matrimônio com um morador local. A princípio o casal recém-formado passaria a integrar o GD da noiva; entretanto, frente ao J3 J4 fato de os pais do noivo também serem idosos e terem apenas o filho morando com eles, e frente às motivações dos envolvidos, decidiu-se que este seria o GD do qual fariam parte. Nos termos nativos, a expressão usada é “morar com”, com a justificativa de “cuidar” e “ajudar”. Com isso, recém-formados pela J6 um J7 dos GDs J8 J9 J10 cisão J11 (F12 J12 + F13) J13 fica dependente de força de trabalho externa. A cisão de grupos domésticos desarranjo esquemas produtivos Família provoca J. Circulado, o um grupo doméstico. O casal dos J6-J7 residia em uma casa familiares. Esses esquemas não dizem respeito apenas à desde capacidade de trabalho, mas atividade remunerada na cidade de Xanxerê antes da implantação da UHE. também à gestão deste trabalho. Em muitos casos, a posição central na organização do trabalho, apoiada pelo costume, é a do chefe-de-família, que centraliza as decisões, o controle sobre os recursos financeiros e o status frente aos outros. O processo sucessório calcado na co-residência, a “família-tronco”, caracteriza uma resolução lenta, culminando na herança – que pode ser ainda em vida –, passagem do controle sobre a propriedade e do status entre gerações sucessivas. Nas palavras de Woortmann (1995: 74), “aí, como nos sistemas unilineares, a transmissão da propriedade depende da transmissão do status”. Outro grupo doméstico constituído por duas famílias nucleares aparentadas – ver diagrama da família rural J - sofreu cisão com o deslocamento. A propriedade atingida estava em nome do chefe-de-família, que foi considerado pelo empreendedor como sujeito a indenização. O procedimento de compra e venda foi efetivado. Seu filho e a esposa foram classificados pelo empreendedor como parte do público-alvo não proprietário, e receberam assim uma carta de crédito. Outro filho casado, que vivia na mesma propriedade mas em casa separada, não recebeu carta de crédito por possuir um separada, na propriedade familiar. Os casais J10-J11 e J12-J13 residem e exercem As relações sociais acionadas foram citadas no capítulo anterior, da página 37 em diante, quando esses aspectos do caso foram analisados. 84 69 pequeno lote de terra sem benfeitorias, que cultivava individualmente. Atualmente, reside em área remanescente da propriedade familiar. Pai e filho não encontraram propriedades contíguas, como desejavam. O anseio era o de não desintegrar o GD original. Citando também as exigências da empresa para a compra com carta de crédito, afirmou que não encontrava terra na região. Ele e seu pai procuraram terra por quatro, cinco meses. Nesse meio tempo, a especulação fundiária valorizou as propriedades da região: “a empresa pagou R$9 mil terra de máquina, o preço já tava em R$15 mil”85. Posteriormente, a empresa aumentou o valor das cartas de crédito, mas em proporção que na percepção dos deslocados não alcançou o percentual da valorização no mercado de terras regional. Os planos, tanto familiares quanto individuais, eram de permanecer como agricultores: “nós lá, era sempre pensando em comprar terra, e ficar na terra mesmo”86. Antes da cisão do grupo doméstico original, o chefe-de-família era a figura centralizadora na tomada das decisões produtivas. De acordo com ego, “antes nós era tudo junto com o pai; se o pai dizia fazer uma coisa assim, não podia dizer que não”. Agora, “a gente manda”. Semelhante ao caso anterior, o casal mais idoso depende do complemento da força de trabalho do filho para explorar a propriedade. A distância entre as Nos círculos, o novo arranjo de GDs após a cisão. nascida após a relocalização J8 J9 J3 J4 propriedades é de quase três km, e tanto o auxílio nas atividades produtivas quanto a convivência entre as famílias que antes constituíam um GD implica em deslocamentos. Principalmente, a cisão do grupo doméstico obrigou a uma reorganização do processo produtivo e dos arranjos residenciais e de sociabilidade intra-familiar que não são os considerados ideais por eles87. Nos casos em que as diferentes famílias nucleares que compunham o grupo doméstico original lograram comprar terra juntas, as dificuldades não se mostraram nesses termos. Compras conjuntas foram possíveis, p.ex., através da compra da nova propriedade familiar com a carta de crédito de um filho, enquanto a indenização em si foi utilizada para investimentos na propriedade, ou para dotar de terra um outro filho 85 86 Preço do alqueire. Fala de ego. 87 Considerando a importância da divisão social do trabalho produtivo, que obedece a uma lógica própria dos pequenos produtores, decisões técnicas que não levem esses aspectos da organização social em consideração estão fadadas ao erro. 70 não contemplado com nenhum tipo de compensação financeira, por não se enquadrar nos critérios do empreendedor. Nesse caso, a família rural resistiu às pressões geradas pelo empreendedor, no sentido de condições geradoras de forças que encaminhavam o grupo doméstico a uma possível cisão. Outro caso, em que as duas famílias nucleares que compunham o GD encontraram propriedades contíguas, uma das casas encontra-se desocupada. Preferiram manter o mesmo arranjo residencial anterior ao deslocamento, apesar das exigências do empreendedor no sentido de cada propriedade possuir suas benfeitorias. Um tipo de caso bastante particular é aquele que envolve a cisão do GD original visando à formação de um novo casal, frente à possibilidade de obtenção de uma carta de crédito. Não considero aqui como de cisão do grupo doméstico os casos em que os excedentes estruturais – filhos não herdeiros – abandonaram a propriedade familiar para constituir uma nova família nuclear, ficando no grupo doméstico um ou mais possíveis sucessores. Aqueles, mais cedo ou mais tarde, teriam este destino. Preocupo-me principalmente com os casos em que a sucessão – e logo a reprodução social – é colocada em risco. Entretanto, nem todos os casos de casamento do único herdeiro e cisão do grupo doméstico têm tais implicações, especialmente quando indivíduos idosos há muito afastados do processo produtivo e vivendo principalmente de aposentadoria estão envolvidos. No caso que ilustra este argumento, o grupo doméstico anterior à implantação do projeto era como se vê no diagrama E88. Objetivando a carta de crédito, a propriedade familiar foi transferida para o nome da mãe, E2, que possui por volta de sessenta anos. Com a indenização, adquiriram para ela uma casa na cidade, e o resto do dinheiro foi distribuído entre os filhos. Seu filho, E4, casou com uma mulher com quem não mantivera até o momento nenhum tipo de relação, com o objetivo explícito de obter recursos através de uma carta de crédito. Se o risco à reprodução social não se encontra na cisão do grupo doméstico, nesse caso, pode encontrar-se na formação de um casamento E5 + E1 E2 / E3 E4 Diagrama E. Circulado, o grupo doméstico anterior à implantação do projeto 88 Não ficou claro durante o trabalho de campo se E3 e E5 deixaram o GD devido ao empreendimento, mas quando os acontecimentos relatados a seguir ocorreram, não foram citadas. 71 arranjado89. É por essa via que a continuidade enquanto família rural pode ser colocada em risco. Este caso, até o momento da última viagem a campo, ainda estava pendente. Empresa e atingido não haviam entrado em acordo, e diversos conflitos já haviam se desenrolado, com queixas de ameaças e pressões de ambos os lados. Sem dúvida, o caso mais dramático de rompimento de um GD original diz respeito ao falecimento de um dos membros, causado pelo quadro de stress social, fisiológico e psicológico relacionado à implantação do empreendimento e ao deslocamento compulsório. Tanto pior no caso de morte do chefe-de-família, através de suposto suicídio, em momento em que o filho visto como sucessor natural ainda não era considerado, por sua idade, preparado para assumir a posição deixada por seu pai. Aparentemente, não só as dificuldades e ameaças práticas à reprodução social se fizeram sentir, tais como as questões legais relacionadas ao inventário e autópsia, e o stress multidimensional que continuam a alimentar e amplificar. A família rural, tanto em termos de família em si quanto de grupo doméstico, ficou com uma lacuna estrutural. O processo sucessório ficou assim temporariamente paralisado, e a duração desse tempo depende de vários fatores, como o reconhecimento da maioridade do possível sucessor, o tempo que o empreendedor leve para proceder à indenização, liberando assim a família para um novo empreendimento agrícola, e a posterior reorganização do processo produtivo sobre as novas bases. Durante este tempo de suspensão, a reprodução social está em risco permanente. Um dos motivos é a possibilidade de planos individuais do possível sucessor, alimentados pelo desgosto gerado pelas complicações passadas, tomarem um rumo diferente dos planos familiares, deixando o GD sem herdeiros. Planos e projetos Por assumir tanta importância para a reprodução social das famílias rurais, a sucessão – que contém a herança – é um dos processos do ciclo de desenvolvimento do grupo doméstico que mais têm atraído a atenção de pesquisadores. É o caso de Abramovay, Renk e o meu próprio90. A idéia de dinâmica da organização social da família rural é um problema de pesquisa ainda não esgotado, mas mudanças têm sido apontadas por pesquisadores, geralmente tomando o processo de sucessão como indicativo. 89 A existência de “casamentos-relâmpago” visando a obtenção de carta de crédito foram apresentados e discutidos no capítulo anterior. 90 Bornholdt (2000). 72 Renk (2000) aponta que anteriormente cada família produzia-se e reproduzia-se de acordo com seu ciclo de desenvolvimento. Em um período extremamente curto, percebe situações ambíguas, em que ser camponês passa de emblema a estigma: enfim, as situações de ambigüidade podem variar desde a reivindicação de terra para todos os filhos até a crença na não validade da condição camponesa, esta última expressa na migração e nas propriedades sem herdeiros. Essa problemática insere-se num contexto de mudança social que, no pensamento nativo, é avaliado e expresso enquanto crise e, não obstante a mesma rubrica, é vivenciada e interpretada de modos diferentes (Renk, 2000: 23). Abramovay et al (1997) também apontam mudanças no padrão reprodutivo das unidades familiares, se comparado àquele comum até o final dos anos 1960, marcado pelas características já apontadas, pela reprodução dos papéis, e no qual a agricultura era a perspectiva mais viável para as novas gerações. A agricultura constituiu-se não apenas como um ofício endo-reproduzido, mas um modo de vida continuado, marcado pela pressão moral para a continuidade da profissão, e pela escassez e pouca acessibilidade a horizontes alternativos. Para os autores, entretanto, tem se desvanecido a fusão entre os objetivos da unidade produtiva e as aspirações subjetivas dos membros. De acordo com Renk (2000: 99), Um esforço de integração da região à Santa Catarina ocorreu na década anterior (1960), quando foi criada a Secretaria de Negócios do Oeste, cuja sede administrativa localizava-se em Chapecó. Essa integração a Santa Catarina é paralela ao movimento de ‘encolhimento do mundo’ e à ampliação dos horizontes dos colonos (...). Para isso, contribuíram, também a melhoria da malha viária, as estradas asfaltadas, os meios de transportes, o alcance da televisão, o telefone e novas inserções dos colonos. O surgimento de projetos individuais é representado também por mudanças no sentido de as mulheres requisitarem sua parte na herança da terra, ao contrário do que foi a regra nas gerações anteriores (Abramovay et al, 1997). A profissão e modo de vida de agricultor apresenta, em diferentes momentos, valores ambíguos, marcados pela entrada em cena dos projetos individuais, algumas vezes contrapostos aos projetos familiares (Renk, 2000) (Abramovay et al, 1997). 73 Tanto para Seyferth (1985) quanto para Woortmann (1995) a "família camponesa" ou "Stammhaus" – respectivamente – é considerada a unidade. A propriedade pertence a essa unidade, os casamentos são feitos entre unidades desse tipo e, especialmente para Seyferth, essa unidade é uma unidade de produção. Isso pode mudar com a entrada em cena dos projetos individuais. Dependendo do caso, não apenas deixa a família de ser a unidade social mais relevante, como tem sua própria reprodução ameaçada. Entretanto, o interessante em tudo isto é que os valores associados à família rural ainda estão atuantes, tanto que muitos que haviam sido encaminhados para fora da propriedade, com a possibilidade de obter uma Carta de Crédito e assim uma propriedade, voltam aos seus grupos domésticos de origem. Assim, a barragem surge com seu duplo caráter de risco para a reprodução social e/ou apropriação de recursos fundamentais para esta, dependendo da situação fundiária, econômica e familiar dos atingidos. De acordo com Abramovay et al (1997: 17), a partir da década de 1970 as possibilidades objetivas de formação de novas unidades produtivas tornaram-se cada vez mais limitadas, ao mesmo tempo em que os jovens se destinam cada vez menos a reproduzir os papéis de seus pais. Disso emerge o que os autores chamam de “questão sucessória” na agricultura: “é quando a formação de uma nova geração de agricultores perde a naturalidade com que era vivida até então pelas famílias, pelos indivíduos envolvidos nos processos sucessórios e pela própria sociedade”. Este fenômeno se faz sentir na população local afetada pela UHE Quebra Queixo, embora sem impossibilitar a reprodução social da maioria das famílias rurais como tal. A implantação da UHE Quebra Queixo pelo Consórcio Queiroz Galvão, entretanto, impôs sua temporalidade. Acelerou processos em andamento, catalisou a questão sucessória e gerou conflitos. Mas, ao mesmo tempo, provocou uma reação contrária da organização social e das famílias rurais, no sentido de apropriação de recursos para garantir a continuidade de seu modo de vida, a reprodução social e a criação e viabilização de novas famílias rurais. Os efeitos sociais da implantação da UHE QQ têm se feito sentir em diferentes momentos do ciclo de desenvolvimento dos grupos domésticos deslocados. O drama social gerado possui características de multidimensionalidade, mas para finalidades analíticas pode ser isolado em diferentes momentos dos ciclos de desenvolvimento dos GDs. O processo sucessório, por exemplo, abarca vários desses momentos, como o casamento dos filhos, a morte dos pais e a transmissão do patrimônio fundiário – incluído no capital social. 74 Nos momentos críticos do ciclo de desenvolvimento do GD, a terra tem figuração essencial. A terra, para essas famílias rurais, é um pré-requisito para seu modo de vida. É importante como base produtiva, e é importante como capital simbólico, pois é nesta terra que acreditam se tornar o que são, através do trabalho. Neste capítulo e no anterior, citei vários casos de personagens até então desconhecidos que no cenário da UHE QQ se casaram, visando a aquisição de uma propriedade. Vários momentos críticos do ciclo de desenvolvimento dos grupos domésticos foram adiantados, em grande parte pelo aceno da possibilidade de propriedade da terra91 para aqueles que não formavam – ainda, ou em absoluto – um GD independente. Quando fazem sua interpretação da implantação da barragem as opiniões divergem, e o mesmo informante apresenta muitas vezes diferentes apreciações. Mesmo frente às inúmeras perdas e ao deslocamento compulsório, tendem a ver como acontecimento relativamente positivo, pelo fato dos poucos benefícios terem se dado em relação a parte importante de seus sistemas econômico e de valores: a terra. Fica assegurada porém, através da ambigüidade das opiniões, a indicação do caráter multidimensional dos impactos. Em um tempo anterior, apontado por Renk (2000) e por Abramovay et al (1997), estava presente a preocupação em garantir a reprodução social da família, e o desejo de, quando possível, dotar de terra a maior quantidade de filhos92. No caso da população local da UHE Quebra Queixo, apesar de indícios da questão sucessória estarem presentes, a preocupação em garantir terra para um ou mais filhos é uma constante, e se mostrou ainda mais presente frente às novas possibilidades abertas devido ao empreendimento. A família A, p.ex., acredita que os filhos não casados deveriam ter recebido algum tipo de ajuda, como a carta de crédito. Se no momento da implantação da barragem não constituíam um GD independente, com a propriedade de um lote garantida, essa possibilidade aumentaria, assegurando a reprodução social. O empreendedor, no entanto, optou por não prover à população local condições melhores do que as anteriores, nesse aspecto. As famílias rurais têm visão de seu futuro; projetam a herança e a sucessão. Quando das notícias da implantação da barragem e da perda de sua propriedade, preocuparam-se com essas questões projetadas em um momento 91 Afirmei, em outro lugar (Bornholdt, 2000), a importância da propriedade da terra, ou dessa propriedade ser viável no horizonte de possibilidades das famílias rurais. Mesmo não proprietários são famílias rurais, em muito pela sua relação com a terra. Afigurando-se a possibilidade de adquiri-la, é o que costuma ocorrer. 92 Lembro que a herança impartível surge como estratégia frente à pequena dimensão dos lotes e à escassez de terras próximas, facilmente adquiríveis. 75 futuro. Queixam-se do não atendimento dessa demanda futura, deixada em aberto pelo empreendedor. O problema de garantir terra aos filhos, assegurando a reprodução social da família rural, já existia. A implantação do GP fez com que o ciclo de reprodução social se desdobrasse em drama social, mas o empreendedor não supriu os problemas daí resultantes. Em certos casos, em que filhos já haviam sido encaminhados para fora da propriedade, a possibilidade de acesso à terra foi responsável por seu retorno imediato, abandonando empregos na cidade. Isso demonstra que a vida como família rural, quando presentes as condições para sua efetivação, é ainda bastante valorizada. A família, com a terra garantida, pode voltar à sua condição plena. O encaminhamento para outras atividades parece ser determinado muitas vezes pela escassez de terras, constrangendo o potencial reprodutivo das famílias rurais93. Veja-se, por exemplo, o caso da família Bb. Os casais Bb3-Bb4 e Bb5-Bb6 trabalhavam em um centro urbano próximo, onde também residiam. De acordo com B1 – irmão de Bb0 e Bb1, também atingido -, entretanto, “vinham ajudar na terra”. Quando foi realizado pelo empreendedor o cadastro sócioeconômico, não foram incluídos por não terem sido citados por Bb1. No momento do trabalho de campo, Bb3, Bb5 e suas esposas residiam com os pais Bb1 e Bb2, no intento de receberem compensação através de cartas crédito. Bb1, de acordo com informações Bb3 Bb4 Bb5 Bb6 Bb0 celibatário Bb1 Bb2 ? ? Circulado, o GD antes do cadastro sócioeconômico realizado pelo empreendedor. Posteriormente, Bb0 mudou-se para uma casa vazia em área remanescente, deixada por B1 obtidas em campo, alega não ter citado os filhos por não saber a finalidade do referido cadastro. Baseado neste, o empreendedor se recusa a contemplar a família com cartas de crédito, oferecendo apenas o valor da compra da propriedade de Bb1. Até o momento do trabalho de campo, empresa e proprietário não haviam entrado em acordo, pois este vinculava a venda de sua propriedade às cartas de créditos que pleiteava para os filhos casados. De acordo com informações de técnico a serviço do empreendedor, estudava-se a possibilidade de uma desapropriação judicial, e usava-se este argumento – 93 Em outros casos, os projetos individuais dos possíveis sucessores já estavam anteriormente voltados à busca de atividades não agrícolas, nem sempre sem o incentivo familiar – o que indica que os próprios projetos familiares, em alguns casos, estavam voltados ao abandono da atividade agrícola. Nesses casos, a compensação pelo deslocamento serviu como oportunidade de abandonar a vida como família rural. 76 valores menores e demora na tramitação jurídica – para coagir o proprietário a aceitar as condições da empresa. O empreendedor erra primeiro ao não reconhecer a importância da terra para o sistema social em questão, e depois por não se comprometer com a real melhoria das condições de vida das famílias afetadas. Só vê o universo social como “atingidos” e “não atingidos” pelas obras ou pela água, e entre aqueles faz acepção entre “cadastrados” e “não cadastrados”. Para os agricultores, na lógica local – ao menos em relação à terra, o interessante é que alguns puderam “colocar os filhos”, e outros não. Colocar os filhos é garantir a sua reprodução social, dotando-os de condições de acesso à terra. Pode ser visto pelos afetados como a compensação justa para uma venda praticamente imposta. Isto deveria ser visto como a compensação mínima. Quem se preocupou, em momentos anteriores à implantação do GP, em garantir terra aos filhos, ficou em posição de desvantagem. Algumas famílias redobraram esforços para adquirir outras propriedades, de acordo com suas condições. Essas propriedades, somadas à propriedade familiar original, foram arranjadas, em alguns casos, de modo que todos ou a maior parte dos filhos tivesse em seu nome uma propriedade, através de herança em vida, ou doação, mesmo que de dimensões aquém das consideradas adequadas. Muitas vezes, os filhos continuam morando próximos aos pais, cultivando a propriedade que está em seu nome, sendo que esta algumas vezes não possui qualquer benfeitoria ou fornecimento de água e luz, sendo apenas terra de cultivo. Pelos critérios do empreendedor, entretanto, quem residisse em propriedade atingida, mas tivesse em seu nome outra propriedade, não era caracterizado como pertencente ao público-alvo da Carta de Crédito - pois a empresa entende que este não dependia da propriedade atingida. Desse modo, o esforço das famílias rurais em garantir sua reprodução social e as condições para que o maior número de filhos se mantivesse na atividade agrícola foi penalizado pela política do empreendedor. Foi este esforço que, quando do acerto das compensações, fez com que seus filhos não se adequassem aos critérios para o recebimento de Carta de Crédito. Para algumas famílias, as com melhor nível sócio-econômico ou que tiveram acesso a informações privilegiadas sobre o empreendimento, sua implantação foi vista também como uma oportunidade de negócio. De diferentes formas, as famílias rurais afetadas, de acordo com as suas limitações e com aquelas impostas pelo empreendedor, 77 se apropriaram de recursos, aplicando-os aos seus projetos, notadamente os vinculados à sua reprodução social. Entretanto esses mesmos recursos foram geradores de conflitos. A herança para apenas uma parcela dos filhos, como estratégia reprodutiva, tem sido relativamente aceita pelos filhos excluídos e encaminhados para outras atividades ou, no caso das mulheres, para a propriedade de seus maridos94. Essa combinação de estratégias visa garantir a reprodução social, e os conflitos gerados no processo são em parte resolvidos por essa aceitação. Com a implantação do GP e a movimentação de recursos que provoca, especialmente na forma de capital, o quadro pode se modificar. A terra herdada por um filho, único a ainda viver com os pais, repentinamente se transforma em dinheiro, através da indenização. Os filhos anteriormente encaminhados para fora da propriedade, com relativa aceitação de sua exclusão da herança, mudam seu posicionamento e passam a requerer, mesmo judicialmente, sua parte no espólio familiar. Foi o que ocorreu com uma família local. De acordo com meus informantes, após a indenização da propriedade, o chefe-de-família e o herdeiro previsto, que com ele residia, utilizaram o capital obtido para recomeçar suas atividades – agora agrícolas e comerciais – na região de colonização italiana da serra gaúcha. Diante desse fato, os filhos não beneficiados, já com família constituída e residindo e trabalhando fora da área rural, acionaram seu pai judicialmente, visando obter parte do capital levantado com a venda – indenização – da propriedade familiar, à qual não estavam mais ligados, ao menos em termos de trabalho e consumo. Os arranjos tradicionais passam a ser contestados quando a propriedade familiar sai da lógica da reprodução social – mesmo que de modo aparente e apenas temporariamente – e entra na lógica de mercado. Ver por exemplo Woortmann (1995), Seyferth (1985) e Bornholdt (2000). Embora tenham se tornado comuns, recentemente, pleitos de mulheres agricultoras no sentido de receberem também terra, muitas vezes organizadas em movimentos. Essa ambigüidade, em que convivem a desvalorização da posição de herdeiro e a exigência de participação na herança, é apontada de forma bastante interessante por Renk (2000). 94 78 Tempo Um aspecto do fator Ag tempo diz respeito ao o ciclo curto de reprodução social, calendário cronograma empreendimento pago pelos associado agrícola. ao O do ignorou afetados, este fator, e o custo foi através da inviabilização de safras inteiras para algumas Comprando famílias. as propriedades em períodos de safra ou plantio, o Ou No De Fe Ma Ab Ma Jan Jun Jul t v z v r r i |--Soja-|-Soja-| -| |---------------Milho----------------||------------------Milho----------------| ||---Feijão---| Feijão-| |--|Trig Trigo---| o| |Fum |---Fumoo| Æ Plantio Calendário agrícola anual aproximado95. Trigo e Colheita soja são plantados intercalados. A maioria das famílias tem renda proveniente de venda de leite a indústrias de laticínios. É comum a criação de frangos em aviários, no sistema de integração vertical com frigoríficos regionais. Embora em menor proporção, há criação de suínos. Set empreendedor dificultou a colheita dos campos no período certo, estragando os produtos, e fez com que o plantio não pudesse ser realizado na época correta, pois há quando do deslocamento a necessidade de preparar a terra e remobilizar os recursos produtivos e a força de trabalho da família. Ao mesmo tempo, a demora das negociações muitas vezes fez com que as famílias deslocadas aceitassem a oferta do empreendedor a contragosto, para não perder a chance de compra de uma terra já negociada na região. De acordo com Baggio96, a verba de manutenção, concedida pelo empreendedor aos contemplados com Carta de Crédito, teve sua duração de seis meses decidida de modo arbitrário, desconsiderando as necessidades e particularidades em cada caso. Formar um pasto para o gado, por exemplo, leva de seis meses a um ano. No caso de se relocalizarem após o período de plantio, perdem a safra de um ano. Note-se que essa verba de manutenção não foi disponibilizada aos indenizados, pois com a venda de sua propriedade à empresa, esta se considera eximida de qualquer responsabilidade para com os deslocados. A família E, por exemplo, durante a entrevista queixou-se de ter perdido uma safra, a qual não entrou no cálculo da empresa para sua indenização. Mesmo antes do deslocamento, muitas famílias rurais deixam de cultivar, pois sua vida e Parte das informações constantes desta tabela obtidas junto à pesquisadora Elaine Baggio, Mestranda em Agroecossistemas pela UFSC. 95 79 projetos ficam em suspenso, e não querem investir em um trabalho cujos frutos podem não ver. O tempo é dimensão transversal da reprodução social. Atravessa e está presente todos os momentos do do grupo ciclo de B1 B2 em desenvolvimento doméstico. B3 B4 B5 Podemos chamá-lo também de seqüência e ritmo. As diferentes fases do ciclo se sucedem seqüências particulares, em um ritmo ditado pelos valores do grupo e pelos determinantes biológicos do ciclo de vida dos indivíduos. O processo sucessório envolve não apenas a transmissão do patrimônio, mas também do em B6 nascida após a relocalização Circulado, o GD cujo caso é apresentado abaixo. No retângulo, o novo GD formado após o recebimento de Carta de Crédito status, e idealmente segue uma seqüência própria, ditada pelos valores e pelas escolhas da família rural e de seus membros. No caso da família B, por exemplo, o chefe-defamília (ego) é quem comanda a propriedade; ele e a esposa tomam também as decisões relativas a dinheiro. Todos os integrantes do grupo doméstico trabalham em todas as atividades. B5 será o sucessor, e é o membro do GD com maior carga de trabalho. De acordo com seus pais, B5 só assumirá a propriedade – e o lugar de seu pai como chefede-família – quando casar; então B1 e B2 irão para outro lugar, deixando a propriedade para a nova família nuclear constituída. Em muitos outros casos, o chefe-de-família afirmou que o sucessor só assumiria a propriedade quando ele não pudesse mais trabalhar, ou por sua morte. O importante a notar é que há um momento específico, considerado ideal para a efetivação da sucessão; e que a sucessão não se reduz a este momento, mas constitui-se como processo, sujeito a uma temporalidade própria. Com a temporalidade do projeto se impondo sobre a da população local, só estudos posteriores a este, abraçando um intervalo de tempo mais longo, poderão indicar com certeza os efeitos sobre processos sucessórios que precisaram lidar com as pressões concentradas pela implantação da UHE Quebra Queixo. Os casos mais claros dizem respeito indiretamente à cisão de grupos domésticos. Viabiliza-se a transformação da família nuclear mais jovem em um grupo doméstico independente, sem esperar pelo desenrolar do processo sucessório e sem respeitar o tempo que este precisa para se 96 Elaine Baggio, Mestranda em Agroecossistemas pela UFSC, em comunicado pessoal (2003). 80 efetivar. Ao mesmo tempo, inviabiliza-se a reprodução social do grupo doméstico formado pelo casal mais idoso, que fica sem herdeiros potenciais (ver por exemplo diagrama da família J, apresentado anteriormente). Herdeiros, aqui, no sentido de descendente ou descendentes que assumirão a propriedade, vivendo sobre ela como família rural, como unidade de residência, trabalho e consumo. Sem herdeiros, inviabiliza-se aquela propriedade específica enquanto terra sobre a qual existe uma família rural. Essa é uma preocupação que diz respeito à reprodução social das famílias rurais vista regionalmente, com implicações possíveis sobre o panorama fundiário e econômico. 81 82 Considerações Finais Os impactos provocados pela implantação de um projeto como o da UHE Quebra Queixo sobre as populações locais são multidimensionais. Devido a esta característica não podem ser facilmente isolados uns dos outros, mas afetam o social de múltiplas maneiras, de modo interligado e potencializando uns aos outros. Além disso, os efeitos não ficam limitados às esferas internas dos grupos domésticos deslocados. Como vimos, os laços sociais como um todo sofrem pressões no sentido de sua desestruturação. Se essa ameaça à reprodução social não chega a se concretizar como infalível, é devido à capacidade social de reestruturação desses laços e de aproveitamento da estreita faixa de manobra deixada pela política do empreendedor. Assim, a manobra dos recursos disponíveis, quando possível, permite à população local a utilização de recursos do próprio projeto que ameaça sua reprodução social. A possibilidade de utilização dessa estreita faixa de manobra, entretanto, não foi generalizada. Muitas famílias não puderam fazer uso dos recursos disponíveis. Um dos principais motivos para a desigualdade da capacidade de manobra das famílias rurais foi o regime de informações que se estabeleceu, ao qual apenas algumas lideranças políticas locais – ligadas ou não ao governo municipal ou à diretoria da Associação dos Atingidos – tiveram acesso. Além disso, os impactos não se fizeram sentir apenas para a população deslocada. A pressão sobre os laços sociais e os demais impactos em múltiplas dimensões da vida envolveram a população local como um todo. A desatenção do empreendedor para com aqueles que ficaram em suas propriedades, mas perderam sua comunidade, é um forte exemplo. No critério de definição dos “atingidos”, criado pelo empreendedor e endossado pela própria Associação dos Atingidos, através do poder de nomear e classificar97, muitas famílias que sofrem os efeitos adversos da implantação do projeto ficaram excluídas das compensações. Como na UHE Quebra Queixo, é característica conhecida dos GPs o fato de se originarem em lógicas alheias às populações locais. Nesse cenário, o relativo gigantismo 97 Reis e Bornholdt (2001). 84 do empreendimento hidrelétrico e sua temporalidade se impõem sobre a população local, exercendo pressões e gerando impactos sobre a reprodução social dessas famílias rurais. O deslocamento compulsório faz parte de um processo marcado por mudanças aceleradas, com características de “drama social”, que afetam os projetos individuais e familiares e a reprodução social das famílias rurais. A bibliografia indica que a natureza e dimensão dos efeitos estarão, em cada caso particular como o da UHE Quebra Queixo, grandemente relacionados com características sócio-culturais dos grupos afetados. Nas localidades de destino das famílias rurais deslocadas, a reconstituição dos laços de sociabilidade afetados tem papel preponderante na reprodução social no ciclo curto. Na organização das forças produtivas, esses laços asseguram a viabilidade das estratégias tradicionais em um novo contexto. A lógica que originou o GP, estranha à da população local, criou um deslocamento populacional diverso das migrações familiares que os trouxeram à região de implantação da barragem. Se antes essa migração era estruturante, o movimento populacional atual toma o sentido contrário. A resposta da população local aos impactos, no entanto, teve de partir do inventário cultural de opções das famílias. A reprodução no ciclo longo, notadamente o processo sucessório, que articula família, terra e trabalho – como valores e como elementos de constituição de um modo de vida e reprodução – foram postos em risco pelas pressões geradas pelo GP. O projeto Uruguai deixou de existir como projeto integrado de geração hidrelétrica, sob controle da Eletrosul como ator maior. A UHE Quebra Queixo é um dos projetos em que se fracionou o projeto maior original. A atuação dos atores, e sua interação, definem em grande medida as condições de existência das populações locais. Com o novo cenário privatizado, uma série de vitórias alcançadas pelas populações atingidas, em suas relações com um setor elétrico estatal, precisam ser asseguradas também frente a um setor elétrico parcialmente privado, com novos interesses de lucro compondo o cenário. Santos e Henriques (2001) já alertavam para algumas possíveis características desse novo cenário de um setor elétrico privado, em suas relações com as populações afetadas: ...o capital privado que se organiza para controlar o setor elétrico certamente vai apresentar resistência para assumir os prejuízos conseqüentes da implantação e operação de hidrelétrica, em termos sociais e ambientais. Os movimentos sociais que lograram impor à Eletrobrás e suas subsidiária alterações no trato das questões sócio- 85 ambientais, provavelmente, vão ter de alterar suas estratégias de pressão. Como mostra este estudo, diversas hipóteses estão se confirmando. Muitas conquistas anteriores das populações afetadas foram desconsideradas pelo empreendedor, em favor da supressão dos gastos. A sociedade, e especialmente a população local, paga parte considerável dos custos de implantação dos GPs: o chamado custo social. Ao contrário do custo social, que recai sobre parcelas da sociedade civil, o lucro produzido pela geração de energia elétrica tem beneficiário certo no empreendedor. O apetite dos empreendedores privados por dividendos concentra os lucros e distribui os custos entre parcelas da população que não possuem condições de arcar com os mesmos. Todo grande projeto de geração hidrelétrica deve atender às preocupações com sua inserção regional, servindo de instrumento para o desenvolvimento da região em que será implantado. Sob a lógica do empreendedor e de acordo com a sua capacidade política, o único desenvolvimento promovido é aquele gerado pela movimentação a nível regional dos recursos necessários à implementação do projeto. E este é muitas vezes um desenvolvimento enganoso, nada mais que um aquecimento temporário da economia local e em menor medida da economia regional, sem qualquer sustentabilidade. Quaisquer medidas efetivas incentivadoras de um desenvolvimento real tendem a ser preteridas pelos empreendedores, por razão de seus custos. De acordo com Bartolomé98, se o processo de deslocamento e relocalização de populações não for também um processo de desenvolvimento regional, então ele não é nada. A experiência anteriormente vivenciada pela Eletrosul, agudizada no novo contexto e somada ao não acompanhamento do processo pelo Estado de Santa Catarina, fez com que as conseqüências para as populações locais se tornassem preocupantes. Mas essa é uma história que ainda se encontra em pleno desenrolar. No caso da UHE Quebra Queixo, notícias recentes indicam que a aceitação relativamente pacífica dos interesses gerais do empreendedor pela população local pode tomar um novo rumo. Os agricultores afetados, assim como as prefeituras de Ipuaçu e São Domingos, passaram a questionar e pedir a revisão das compensações. Através da ABRABE99, solicitaram ao 98 Seminário Hidrelétricas e Populações Locais no.Contexto do Mercosul, 19 e 20 de novembro de 2001, Centro de Filosofia e Ciências Humanas/UFSC. 99 Associação Brasileira de Atingidos pelas Barragens, organização que passou a atuar juridicamente frente ao empreendedor. 86 Ministério Público que seja bloqueada a Licença de Operação100 à UHE Quebra Queixo, até que os impactos sociais tenham sido compensados a contento. Ao mesmo tempo, a FUNAI e lideranças da Terra Indígena Chapecó solicitam indenizações relativas à UHE QQ, com valor da ordem R$ 2,4 mi. Através também do Ministério Público, buscam bloquear a Licença de Operação. Até o momento, ao que tudo indica, não há nenhuma posição oficial nesse sentido. A nova dinâmica que se instala pede uma análise e uma reavaliação dos posicionamentos e interesses em jogo. Nesse contexto que está em formação, há ainda espaço para que as populações locais se afirmem como atores e interlocutores, garantindo assim condições justas de negociação. Resta assim à academia e à sociedade acompanhar o desfecho desses processos, para poder responder a uma das perguntas aqui lançadas: quais serão as condições de sobrevivência e reprodução social das populações locais afetadas pelos novos empreendimentos do setor elétrico? A Licença de Operação é concedida pelo órgão ambiental competente, e é requisito necessário à colocação da UHE em operação. 100 87 Referências 88 Referências ABRAMOVAY, Ricardo et al. Juventude e Agricultura Familiar: Desafios dos Novos Padrões Sucessórios. Chapecó/Brasília: FAO/INCRA/EPAGRI, 1997. 48 p. ALMEIDA, Mauro W. B. de. Redescobrindo a Família Rural. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. N.º 1, vol. 1, jun., 1986. p. 66-83. ANTONAZ, Diana. Perturbações Laterais nos Grandes Projetos. 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O Processo Migratório no Extremo Oeste do Estado do Paraná/Brasil com a Construção da Hidrelétrica Binacional Itaipu. In: Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona. Nº 69 (47), 1 de agosto de 2000. Actas del II Coloquio Internacional de Geocrítica: INNOVACIÓN, DESARROLLO Y MEDIO LOCAL. DIMENSIONES SOCIALES Y ESPACIALES DE LA INNOVACIÓN.. http://www.ub.es/geocrit/sn-69-47.htm, capturado em 10/10/2000. 101 Lista de Siglas ABRABE – Associação Brasileira dos Atingidos por Barragens AHE – Aproveitamento Hidrelétrico ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica Associação – Associação dos Atingidos pela Barragem do Quebra Queixo nos Municípios de São Domingos e Ipuaçu – Estado de Santa Catarina CRAB – Comissão Regional dos Atingidos por Barragens DNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S. A. ELETROSUL - Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A. ETS – Energia, Transporte e Saneamento S/C Ltda. FUNAI – Fundação Nacional do Índio GD – grupo doméstico GERASUL – Centrais Geradoras do Sul do Brasil S.A. GP – Grande Projeto ha – Hectare ICOLD – Comissão Internacional de Grandes Barragens ISS – Imposto Sobre Serviço MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens mi – Milhões MME – Ministério de Minas e Energia NEPI – Núcleo de Estudos de Povos Indígenas PNE – Plano Nacional de Eletrificação PPGAS – Programa de Pós Graduação em Antropologia Social PR – Paraná RS – Rio Grande do Sul SC – Santa Catarina TI – Terra Indígena UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UHE – Usina Hidrelétrica UHE QQ – Usina Hidrelétrica Quebra Queixo UTE – Usina Termelétrica 102 Legendas dos Gráficos de Parentesco∗ Homem Mulher Ego + Falecido Casamento 1 2 ? Número de filhos desconheci 3 Descendência Tradicionalmente, a antropologia utiliza sinais diferentes dos aqui utilizados, nos diagramas de parentesco. A principal diferença é que aqui os homens são representados por quadrados, ao invés de triângulos, e o casamento por uma linha abaixo dos símbolos, ao invés de duas linhas horizontais paralelas. Entretanto, o software por mim utilizado não apresenta tais opções, o que não traz prejuízo à compreensão dos diagramas. ∗ 103 Anexos 104 I Ao Pai: 1 – Quem foi o sucessor na sua família? (qual o critério) 2 – Quem recebeu terra? (um, todos, alguns, pagaram) 3 – Como foi feita compensação para os demais filhos, caso só um ou parte dos filhos tenha herdado a propriedade. A. Ñ compens.; herdeiro cuida pais B. Capitais não agrícolas (lotes, casas, poupança) C. “dote agrícola” (máq, anim, prod, din) D. estudo e din. E. Homens terra, mulheres enxoval F. Todos ganharam terra 4 – Seu pai ou sua mãe: A. Estimulou todos os filhos a serem agricultores B. Estimulou só um filho a ser agricultor C. Desestimulou os filhos a serem agricultores D. Não influenciou nem a favor nem contra 5 – Qual a origem da propriedade que o senhor ocupava, e da que ocupa hoje? Aos Rapazes e Às Moças 6 – Qual o seu futuro desejado, e futuro provável, antes da barragem? 7 – E depois da barragem? II A. B. C. D. E. F. G. Permanecer na agricultura como proprietário Permanecer na agricultura como arrendatário Permanecer na agricultura como operário rural Permanecer na agricultura com tempo parcial Trab. Na cidade (operário, comerciário ou negócio próprio) Trab em ocup não agrícola que exija estudos Ficar no meio rural, mas trab em atividades não agrícolas 8 – O que pensa sobre o seu futuro como agricultor? A. Gosta de ser agricultor, e é certo que será agricultor B. Gostaria de ter outra prof, mas prov será agricult. C. Desejaria ser agric, mas vê dificuldades. D. Não sabe (ainda não pensou nisso). 105 E. Não deseja ser agricultor. 9 – O que a barragem mudou nisso? 10 – Na situação atual e com sua instrução e treinamento onde vc acha que tem as melhores oportunidades? A. No meio rural na agricultura. B. No meio rural com ativs agric e não agric. C. Morando na cidade, com renda princ. De atividades agric. D. Morando na cidade, com atividades urbanas. III 11 – Cursos profissionais que já freqüentou: A. cursos/palestras de cooperativismo B. cursos de sindicalismo C. eventos técnicos de curta duração D. cursos de profissionalização da EPAGRI E. colégio/ginásio agrícola F. outros Aos Rapazes: 12 – O seu pai: A. Estimulou todos os filhos a serem agricultores B. Estimulou só um filho C. Desestimulou seus filhos D. Não influenciou nem a favor nem contra 13 – Para ser agricultor hoje, basta: A. B. C. D. E. F. Saber ler e escrever Até 4ª série Até 8a série 2o grau curso técnico agrícola faculdade 14 – O que fará qdo assumir a propriedade?(técnicas, métodos produtivos, gerenciamento) 15 – Principais obstáculos ao exercício da profissão agrícola (saúde, trabalho é pesado, rel. com a família, falta de capacitação etc.) 106 IV 16 – Se para ser agricultor, vc tivesse que sair do Oeste (da região?), vc aceitaria: A. somente c/crédito fundiário B. somente c/crédito de instalação C. somente c/crédito fundiário e de instalação D. somente na reforma agrária E. em qqer das condições anteriores F. não aceitaria Ao Pai: 17 – Quem ficará na propriedade A. já foi definido B. não sabe quem, mas um ficará C. não sabe se alguém ficará D. ninguém ficará e não sabem o que fazer com a propriedade E. a propr será vendida F. a propr será arrendada 18 – Em rel à terra para os filhos A. mais de um sucessor ficará com a terra, que será dividida mas é suficiente B. mais de um sucessor ficará com a terra, que será dividida mas não é suficiente C. só existe um sucessor e a terra é suficiente D. só existe um sucessor mas a terra não é suficiente E. só ficará um sucessor e os outros precisarão de terra F. só ficará um sucessor e os outros não querem terra G. nenhum filho quer ficar V 19 – Quem foi ou será o escolhido como sucessor? A. B. C. D. E. F. G. H. I. J. K. O mais velho O mais novo O mais estudado O menos estudado O de melhor saúde Ainda não foi escolhido O que gosta da agricultura O que tem maior afinidade com os pais O que sobrar Não tem um critério definido Filho único 20 – Como é a relação da família com os filhos que saíram? 107 A. Já recebeu sua parte do patrimônio B. Ainda não recebeu sua parte do patrimônio a) Os filhos mandam mais dinheiro para casa b) A família manda mais dinheiro para os filhos c) Há fluxo de bens e/ou dinheiro, em momentos diferentes, mas com saldo zero 21 – Como será feita a sucessão patrimonial? A. B. C. D. E. Todos os filhos = terra e capital igual Todos os filhos = terra igual e capital diferente Todos os filhos = terra diferente e capital igual Homens = terra e capital agrícola; mulheres = dote Só um receberá terra; outro dote VI 22 – em que momento será a feita a transferência do controle da propriedade? A. B. C. D. E. F. G. H. I. J. Qdo pais tiverem renda garantida Qdo sucessor estiver preparado Não será feita enquanto o pai puder dirigir a propr. Não pensou ainda Depois do casamento consolidado 18 a 25 anos 25 a 30 anos depois dos 30 anos qdo o filho demonstr capacidade de gestão autônoma depois que o pai não puder mais trabalhar 23 – Diante de uma idéia nova sua para a org da propr, e que possa ser implantada, a reação de seu pai costuma ser: A. B. C. D. E. VII Ao Pai: não aceita nem discutir rejeita quase sempre aceita quase sempre vc não costuma fazer propostas novas discute em famílias e aceita algumas propostas 108 24 – Como é a divisão e gerenciamento do trabalho na unidade familiar? A. O pai controla todas as atividades e todos trabalham em todas as atividades B. Todos participam do gerenciamento e do trabalho C. O pai controla todas as atividades e o trabalho é dividido D. Cada filho gerencia uma atividade e trabalha em todas E. Cada filho gerencia e trabalha em uma atividade 25 – Recompensa dos filhos pelo trabalho na propriedade A. Tem que pedir dinheiro a cada vez que precisa B. Conta única, com divisão das sobras C. O pai decide e toma a iniciativa de dar dinheiro a seu critério Aos rapazes: 26 – Vc desenvolve atividade de cunho individual? A. Trabalha fora B. Plantio ou criação na propriedade C. Trabalho agrícola fora da sociedade D. Trabalho não agrícola fora da sociedade E. Não desenvolve VIII Às moças: 27 – quais os dois problemas, em ordem de imp, que dificultam ser uma agricultora bem sucedida: A. Probls graves saúde B. Trab na agric muito sofrido C. Probls graves rels pais e fam D. Falta de energia el. E. Falta de agua na propr F. Falta capital p/compra terra G. Falta capital p/compra máq, equip, benfeitorias e insumos H. Falta de capacitação, orientação técnica, gerenciamento I. Falta de estradas, escolas e postos de saúde J. Falta de mão de obra 28 – quais suas atribuições atuais A. Só ativs domésticas B. Domésticas e esporadicamente na lavoura C. Doméstica e lavoura sempre D. Só na lavoura 29 – qual sua opinião sobre o trab e sua permanência na agricultura? 109 30 – qdo tem chance de herdar/ser a sucessora? IX Aos rapazes e moças: 30 – qual sua relação com os agentes externos à propriedade? A. É sócio da cooperativa B. Grupo de jovens da cooperativa C. Associação de agricultores D. Tem conta corrente individual E. Bloco de produtora rural F. Grupo de jovens da igreja G. nenhuma Aos rapazes e às moças: 31 – quais as duas principais razões para optar pela agricultura? A. B. C. D. E. F. G. H. I. Gosta Se sente valorizado como agricultor Permanece na agricultura por tradição ou costume Permanece pq vai ser o sucessor e herdar o capital Pq os pais querem que eu permaneça Pq não tem oportunidade fora da agric Pq não tem/teve oportunidade de estudar Outras razões Não pretende ficar na agric 110