Abstract:
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As questões de gênero constituem um aspecto importante no estudo da experiência da deficiência. A imbricação dos discursos relacionados à deficiência e à feminilidade é geradora de opressão e de vulnerabilidade. O presente estudo teve como objetivo compreender o processo de constituição de mulheres com deficiência física nas dimensões de gênero, corpo e sexualidade, buscando-se identificar as mediações que foram importantes para a configuração de tais dimensões, bem como as transformações ocorridas a partir da participação das mulheres em um grupo voltado à discussão e reflexão acerca das dimensões acima explicitadas. Os sujeitos participantes da pesquisa foram oito mulheres com deficiência física, com idades entre 24 e 68 anos, integrantes de um grupo mulheres coordenado pela pesquisadora que, no período da realização da pesquisa, já ocorria a mais de quatro anos em uma associação de pessoas com deficiência física. As informações foram coletadas por meio de entrevistas individuais em profundidade e observação participante e posteriormente analisadas com base na metodologia de análise do discurso. O referencial teórico norteador da pesquisa foi baseado na Psicologia Histórico-Cultural de Vygotski e no seu diálogo com as teorias de gênero e com o modelo social da deficiência. Ancorado nestes referenciais, o estudo enfatizou a experiência da deficiência e sua articulação com as dimensões de gênero, raça, geração e classe social. Constatou-se que o processo de constituição das mulheres entrevistadas foi mediado principalmente por significações relacionadas à infantilização, à atribuição do lugar social de assexuadas, à negação da possibilidade de tomar decisões em todas as dimensões da vida, à discriminação do corpo dissonante dos padrões atuais difundidos pelos discursos médicos e midiáticos, à caracterização delas como incapazes de reproduzir as atribuições de gênero instituídas socialmente, à limitação do acesso de ir e vir e consequente isolamento social. Os discursos baseados no modelo médico da deficiência e na sexologia tradicional, presentes nos variados âmbitos sociais, também foram mediadores desse processo por considerarem a deficiência como um desvio a ser corrigido e a sexualidade como uma questão sem importância no processo de reabilitação. Embora esses discursos e significações acerca da deficiência estivessem disponíveis para todas as mulheres, elas deles se apropriaram de formas diversas, ora aceitando-os, ora resistindo a eles e criando formas distintas de pensar, sentir e agir. A participação das mulheres nas atividades da associação de pessoas com deficiência, incluindo os grupos lá realizados, contribuiu para que se reconhecessem como pessoas com deficiência, construíssem uma identidade coletiva positiva, desenvolvessem estratégias de enfrentamento do preconceito e dos demais processos de exclusão/inclusão social perversa vivenciados cotidianamente e se mobilizassem a participar dos espaços legitimados de controle social. Portanto, o estudo mostrou que a deficiência é uma categoria transversal à constituição dos sujeitos, corroborando para o aumento da vulnerabilidade e opressão social. Por outro lado, a participação em grupos de reflexão configura-se como uma estratégia de resistência a essa opressão, permitindo espaços de emancipação por meio de práticas coletivas de identificação e reciprocidade social. |