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A cultura, um sistema de significações mediante o qual determinada ordem social é comunicada, reproduzida, vivenciada e estudada, se cria e se transforma de acordo com as condições objetivas que se alteram com o tempo e o lugar. Para Raymond Williams a cultura da escrita está ligada não somente ao desenvolvimento da técnica do alfabeto, mas também a fatores sociais que permitem ou não o acesso a esta técnica. Grande parte da população ao longo da história foi excluída desta cultura, que tem ditado o saber histórico, e marginalizado a oralidade. De acordo com Paul Zumthor, a oralidade não é apenas voz, é também o gesto mudo, o olhar, tudo o que em nós é destinado ao outro. Desta forma, ela é um evento, uma performance, em que as pessoas experimentam as suas relações. Neste sentido, estudá-la é fundamental para compreendermos as diferentes formas de comunicação que estabelecemos entre si e em comunidade. Contudo, esta preocupação é recente no campo das ciências humanas, que já deixou de registrar e analisar inúmeras práticas culturais orais que se perderam ao longo do tempo. Muitas delas fazem parte do passado, mas continuam vivas na memória de alguns. Como o passado, de acordo com Walter Benjamin, é aberto porque nem tudo nele foi realizado, está configurado não somente pelo que foi feito, mas pelo que ficou por ser realizado, por sementes dispersas que em sua época não encontraram terreno adequado, cabe pesquisar sobre estas práticas culturais neste sentido. Este trabalho se justifica nesta compreensão e teve que combinar um método interdisciplinar que vê a oralidade como campo da literatura, buscando ferramentas antropológicas como o diário de campo e as discussões da história oral, para encontrar, registrar e analisar um sujeito e um objeto da cultura popular de Florianópolis. Dona Valdete de Jesus Lima, do Bairro Sambaqui, recorda pelo menos 178 trovas da Ratoeira, uma performance popular elaborada e praticada pelas jovens que através da cantiga em roda, buscavam conquistar futuros namorados e maridos; e aliviar a dureza da labuta. A capacidade de memorização desta anciã é resultado de seu histórico protagonismo na cultura e na história local. Sua vida é marcada pelas diferentes etapas do processo de transformação que sofrera Florianópolis. Foi performer nas Ratoeiras. Basicamente não estudou. Trabalhou nas lavouras, nos engenhos de farinha. Fez renda. Pescou. Foi empregada doméstica. Margarida. Mãe. Esposa. Avó. E hoje, aposentada, viúva, com setenta e um anos, ainda trabalha numa peixaria. Não deseja a vida sacrificada do seu passado, mas gostaria de ter terra para cultivar. Sente falta da Ratoeira e lamenta que as jovens hoje não queiram aprendê-la. Seus relatos, sobre sua vida pessoal e comunitária, são testemunhos da visão daqueles que não estão totalmente satisfeitos com as mudanças. Seu conhecimento - fruto de suas experiências - contribui para preencher espaços em branco da história que, muitas vezes, marginaliza as vozes de oprimidos. As elaborações da pesquisa estão organizadas em três capítulos: 1. Uma performer, muitos poemas; 2. Ratoeira bem cantada; 3. Oralidade e memória; e em anexos: diário de campo; entrevista; trovas escritas por Dona Valdete. |
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