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Este projeto se insere numa pesquisa maior sobre “Redes Matrimoniais” em povos indígenas da América do Sul. Em termos etnográficos, a pesquisa foca particularmente no povo indígena Arara – da família linguística Karibe, habitante da Amazônia Centro Meridional, com aldeias à margem esquerda do Rio Iriri, afluente esquerdo do Rio Xingu, no Estado do Pará.
Os Arara são um povo de contato com relativamente recente, entre os anos de 1979 e 1987, e com um crescimento populacional vertiginoso. De pouco mais de uma centena de indivíduos ao fim do século XX, são hoje mais de 350 pessoas. No panorama dos povos indígenas do continente, os Arara se diferenciam por vários aspectos, mas o que interessa a esse projeto é o caráter particular de seu sistema de parentesco e, sobretudo, suas práticas de casamento que formam uma rede matrimonial extremamente densa e que inclui casamentos concebidos também pelos próprios indígenas como “incestuosos” – casamento com meias-irmãs, por exemplo. Dada a enorme complexidade de sua rede de casamentos – na qual os indivíduos envolvidos podem estar relacionados por múltiplos caminhos de relações genealógicas e de casamentos anteriores – o sistema de parentesco Arara é impossível de ser estudado sem o auxílio fundamental de ferramentas computacionais. É este o centro de preocupações do projeto de pesquisa no qual a Bolsa de IC se inseriu: análises de propriedades da rede matrimonial, em termos dos seus “anéis matrimoniais” e das relações entre os casamentos incestuosos e o conjunto geral de suas práticas matrimoniais.
O trabalho da bolsa se iniciou com uma contextualização dos conceitos e termos utilizados pela área da antropologia, assim como um aprendizado sobre a utilização inicial da estrutura de um grafo em computadores, estrutura utilizada para representar uma rede matrimonial. Sendo vértice um indivíduo, arestas e arcos suas relações de consanguinidade e de casamento.
Após esta contextualização, o trabalho tomou a direção de encontrar anéis matrimoniais, um conceito que do ponto de vista matemático, significa um caminho em um grafo que possui pelo menos uma aresta, forma um ciclo começando e terminando em um ego, não possui repetições de vértices, salvo Ego e não possui vértices com grau de entrada maior que 1. Do ponto de vista antropológico, corresponde a um matrimônio entre pessoas previamente relacionadas por vínculos de consanguinidade.
Após encontrados os anéis, se desejou adicionar propriedades a eles, adicionando cores para os vértices. Como na rede arara a filiação segue uma regra bilateral (pode seguir ora pelo lado da mãe hora pelo lado do pai), foram propostos modos de coloração que se adequassem a esta regra, colorindo os vértices a partir das fontes utilizando coloração materna, paterna e ambas em conjunto. Com os vértices coloridos, foram propostos e implementados modos de encontrar os anéis utilizando estas cores.
Com os anéis encontrados, surgiu o problema relacionado ao corte dos anéis: Um anel deve ser retificado para ser analisado. Esta retificação acontece em um dado ego, que é definido a partir de um casamento presente num dado anel.
O primeiro modo proposto foi o método da “soma” do número de ancestrais, que procura no próprio anel o número de ancestrais que um casamento possui e compara os números, realizando o corte no casamento com maior número. O modo seguinte foi a procura dos “dominadores” do grafo, utilizando a informação de dominação (um vértice A domina outro vértice B quando todos os caminhos de um vértice inicial passam obrigatoriamente por A antes de chegarem em B) para realizar o corte. Como a rede Arara não possui uma árvore de dominadores alta, esta técnica não apresentou muitos resultados. O terceiro método foi a implementação de “p-grafos” para gerar uma comparação entre os casamentos e cortar naqueles que estão acima dos outros. Estes métodos foram então testados sobre uma rede que, particularmente, possui datas em seus casamentos, e aquele que apresentou melhores resultados foi o método da soma, que realizou o corte em 58% dos anéis, acertando em 89% dos casos. A implementação de dominadores e p-grafos foi utilizada também para possibilitar análises sobre a rede Arara.
Por fim, foram realizadas buscas aos anéis encontrados, para filtrar aqueles denominados como “incestuosos” e possibilitar análises sobre eles. Todos os algoritmos desenvolvidos tiveram sua importância e possibilitaram o avanço das análises sobre o sistema de parentesco Arara e contribuíram para o projeto comparativo no qual esta pesquisa se insere. Um artigo sobre um dos algoritmos desenvolvidos neste trabalho foi apresentado no Encontro de Teoria da Computação (ETC) 2021, enquanto um resumo contendo a análise numérica sobre os anéis coloridos encontrados na rede Arara foi enviado como proposta para o evento Rede de Antropologia da Ciência e da Tecnologia (ReACT) 2021. |
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