Conflitos no ex-contestado: coronelismo e bandoleirismo numa região de fronteira

Abstract

Esta tese tem como objetivo a análise dos conflitos sociais e políticos que caracterizam o processo histórico da ocupação da fronteira agrícola de Santa Catarina, após o Acordo de Limites de 1916, que estabeleceu as fronteiras desse estado com o Paraná. O enfoque espacial abrange parte da região onde se desenrolou a Guerra do Contestado (1912-1916), principalmente o atual Meio Oeste catarinense, que foi atravessado pelo Ramal Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. A incorporação do território do ex-Contestado por Santa Catarina e a criação de novos municípios implicaram o processo de interiorização das instituições administrativas do estado e a intensificação da colonização. Muitas das funções oficiais do estado estavam anteriormente nas mãos de antigos chefes locais reconhecidos como coronéis. A presença da ferrovia era usada como atrativo para a colonização do território, que estava sob disputa entre caboclos, fazendeiros, empresas estrangeiras e nacionais. O fim da Guerra e o Acordo de Limites de 1916, período denominado pós- Contestado, não pôs fim ao movimento social do Contestado, que se diluiu em inúmeros outros conflitos, aos quais tivemos acesso principalmente pelas fontes judiciais. Essas fontes evidenciam a participação dos chefes locais, que anteriormente integraram o movimento sertanejo. Dessa forma, a tese focou na atuação das chefias civis, políticas e militares locais no ex-Contestado durante a década de 1920. A micro-história foi um importante aporte teórico-metodológico, considerando a microanálise social e as variações de escala entre os acontecimentos locais, regionais e nacionais. Seguindo as trajetórias de alguns chefes, observou-se que a supremacia dos coronéis, com suas milícias financiadas pelo Exército durante a Guerra do Contestado, transformou-se, posteriormente, em alianças oportunistas. Antigas lideranças rebeldes, como Fabrício das Neves e Antônio Palhano, e antigos chefes civis auxiliares do Exército, como Fabrício Vieira e Marcelino Ruas, ora foram considerados bandidos, ora foram incorporados aos batalhões patrióticos para conter os tenentes insurgentes. O Exército Brasileiro e o estado catarinense alimentavam a ação de bandos armados de civis na região, que não se subordinavam completamente aos seus controles. O Levante de Abril de 1922, deflagrado no ex-Contestado, antecede o levante conhecido como os 18 do Forte no Rio de Janeiro, sendo um marco do tenentismo, ao mesmo tempo que era favorável à criação do Estado das Missões. Os levantes dos posseiros e a busca na Justiça pela legitimação da propriedade mostram que a política de terras do estado não condizia com a expectativa de muitos indivíduos e grupos sociais daquele território. Os conflitos estudados revelam os limites e as dificuldades de operação do aparelho de estado federal e estadual numa região de fronteira durante a década de 1920.

Abstract: doctoral dissertation analyzes the social and political conflicts that characterized the occupation of the Santa Catarina agricultural frontier after the Limits Agreement of 1916, which established the borders of this state with Paraná. The region corresponds to where the Contestado War took place (1912-1916), especially present-day Santa Catarina Midwest, which was crossed by the Southern Branch of the São Paulo-Rio Grande Railway. The incorporation of the territory which was contested (hence ?Contestado?) by Santa Catarina and the creation of new municipalities implied the creation of state administrative institutions at the state level and the intensification of colonization in the region. Many of the state's official functions were previously in the hands of local chiefs recognized as colonels. The presence of the railroad was used as a means of an attraction for the colonization of the territory that was under dispute among caboclos (mixed-race peasants), landowners, foreign and national companies. The end of the war and the Limit Agreement of 1916, did not put an end to the social movement of the Contestado, which was diluted in countless other conflicts that were identified and studied through judicial cases. These sources highlight the participation of the local chiefs who were formerly part of the ?movimento sertanejo?. Thus, the dissertation focuses on the role of local civil, political and military leaders in the former contested region during the 1920s. A microhistorical approach was adopted to allow for the analysis at the local, regional and national scales. By following the trajectories of some political/military chiefs, it was noted that the supremacy of the colonels with their militias funded by the national Army during the Contestado War later gave way to opportunistic alliances. Former rebel leaders such as Fabrício das Neves and Antonio Palhano and former auxiliary civilian chiefs of the Army such as Fabrício Vieira and Marcelino Ruas were sometimes considered bandits, or sometimes incorporated into patriotic battalions to contain the insurgent lieutenants. The Brazilian Army and the state of Santa Catarina fueled the activities of armed bands of civilians in the region that were not completely subordinated to their controls. The Levante de Abril of 1922, triggered in the formerly contested region, precedes the uprising known as the 18 do Forte in Rio de Janeiro, being a landmark of ?Tenentismo?, while favoring the creation of a new state ?Estado das Missões.? The squatters? uprisings and the search in court for the legitimation of property show that the state's land policy did not match the expectations of many individuals and social groups in that territory. The conflicts studied reveal the limits and difficulties of operation of the federal and state apparatus in a border region during the 1920s.