UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA RUDY ALBINO DE ASSUNÇÃO O “REENCANTAMENTO DO MUNDO”: Interpelando os intérpretes do desencantamento do mundo Florianópolis/SC 2010 RUDY ALBINO DE ASSUNÇÃO O “REENCANTAMENTO DO MUNDO”: Interpelando os intérpretes do desencantamento do mundo Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, como pré-requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Sell Florianópolis / SC 2010 Folha de aprovação Para Renata da Silva, meu mais feliz desatino. Ah! Ah! Ah!, meu camarada, fizeste uma embrulhada e acabaste sem dizer nada. (...) Oh, coração de fé imensa, vejo tua luta intensa, com tua tinta de imprensa; uma vela eu te daria só por pura zombaria! Burlado, escarnecido, vai avante, com teu rabo bamboleante. Deus ordena que o diabo te carregue, que em boa sova te pegue, e te moa o bom finório por todos os teus escritos e teu oco palavrório. Herman Hesse Cada qual considera claras as idéias que estão no mesmo grau de confusão que as suas. Marcel Proust Deus faça com que não seja só papel para apodrecer, mas que ao menos um grão de trigo obtenha a graça da ressurreição. Hans Urs Von Balthasar RESUMO Este trabalho reflete sobre a noção de “reencantamento do mundo”, nascida a partir do conceito de “desencantamento do mundo”, de Max Weber. Ele oferece um ordenamento dos debates sobre o tema, apresentando, em primeiro lugar, os conceitos weberianos de “racionalização”, “desencantamento do mundo” e “secularização”, ponto de partida para a análise de autores que buscam pistas de “reencantamento do mundo” na própria obra weberiana. Em seguida, contempla-se um conjunto ilustrativo de pesquisadores que concentraram sua análise sobre dois supostos vetores de “desencantamento do mundo” na contemporaneidade: a religião e a ciência. O trabalho indaga sobre as estratégias teóricas pelas quais estes trabalhos identificam ou diagnosticam as possíveis formas e processos de “reencantamento do mundo”. Palavras-chave: Desencantamento do “reencantamento do mundo”; Max Weber. mundo; Secularização. ABSTRACT This work reflects on the notion of “reenchantment of the world”, born from the concept of “disenchantment of the world” by Max Weber. It offers a ordainment of discussions on the theme, presenting, in the first place, Weber's concepts of "rationalization", "disenchantment of the world" and "secularization", departure points for the analysis of authors who focused their analysis to "re-enchantment of the world "Weber's own work. Then, we contemplate an illustrative set of researchers who focused their analysis on two suspected vectors of "disenchantment of the world" today: religion and science. The work asks about theorectical strategies which these studies are aimed at identifying or diagnosing the possible forms and processes of "reenchantment of the world. Keywords: Disenchantment of the “reenchantment of the world”; Max Weber. world; Secularization. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................... 15 1 MAX WEBER: O DESENCANTAMENTO DO MUNDO COMO PONTO DE PARTIDA .................................................................... 19 1.1 RACIONALISMO, RACIONALIDADE E RACIONALIZAÇÃO .................... 20 1.2 O DESENCANTAMENTO DO MUNDO ................................................. 31 1.2.1 O desencantamento religioso do mundo.......................................32 1.2.2 O desencantamento científico do mundo .....................................34 1.3 SECULARIZAÇÃO .............................................................................. 36 2 PISTAS DE “REENCANTAMENTO DO MUNDO” EM MAX WEBER?........................................................................................... 39 2.1 AS PISTAS EM WEBER ..................................................................... 39 2.2 PISTAS PARA ALÉM DE WEBER ....................................................... 55 3 O “REENCANTAMENTO RELIGIOSO DO MUNDO” ............ 69 3.1 O “REENCANTAMENTO RELIGIOSO DO MUNDO” NA ESFERA RELIGIOSA ...................................................................................... 70 3.2 O “REENCANTAMENTO” RELIGIOSO ALÉM DA ESFERA RELIGIOSA 92 4 O “REENCANTAMENTO CIENTÍFICO DO MUNDO”......... 123 4.1 A IDEIA DE NATUREZA DO SÉCULO XVII..................................... 123 4.2 CIÊNCIA E “REENCANTAMENTO DO MUNDO”................................ 126 4.3 ECOLOGIA E “REENCANTAMENTO DO MUNDO” ............................ 148 4.4 ANÁLISE DA LITERATURA CRÍTICA ACERCA DO “REENCANTAMENTO” CIENTÍFICO DO MUNDO............................. 160 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................... 173 REFERÊNCIAS ................................................................................ 181 ANEXOS ............................................................................................ 191 INTRODUÇÃO Nas linhas que se seguem falar-se-á, antes de tudo, do sucesso de uma fórmula. Uma fórmula, uma expressão de livre trânsito, que passou a se acomodar confortavelmente na produção sociológica (e em outros campos) há, pelo menos, três décadas. Mas essa expressão nasce devendo sua existência a um conceito ascendente, um conceito-genitor, se assim se pode chamá-lo. Esse conceito ao qual se imputa uma paternidade tão cheia de responsabilidades é o desencantamento do mundo. Tal conceito, de Max Weber, ganhou tamanha notoriedade que entrou no fluxo de assimilação de conceitos sociológicos por uma multiplicidade de campos do conhecimento que possuem um mínimo de preocupações filosóficosociológicas. Sua popularização, além de gerar uma preocupação de natureza exegética (identificar o seu significado a partir de sua origem) trouxe à tona novos diagnósticos, novas apreciações sobre as formas como o indivíduo contemporâneo vê o mundo; afinal, aqui se fala de desencantamento do mundo. Tão fecundo se tornou o conceito de desencantamento do mundo que, por sua causa, veio à luz uma nova expressão – e uma pesquisa de sobrevoo na web o demonstra – igualmente popularizada, insistente e versátil – nascida antonímica na grafia, mas sem perder em potência metafórica, posto que já nasce com uma notável herança: o “reencantamento do mundo”. Um verdadeiro fashionable term1 (SHERRY, 2009, p. 374). A melhor maneira de ilustrar o objeto desta pesquisa é prestar atenção na incisividade, na tranquilidade avaliativa da citação que se segue, que tem similares em ampla gama de textos e que já coloca em tela a apreensão dos conceitos de Max Weber na sua caracterização da modernidade: Não chega a ser uma novidade que estamos assistindo, desde algum tempo, a um certo "reencantamento do mundo", isto é, a uma inversão daquele processo que Max Weber considerava típico da modernidade e que tínhamos 1 Tradução do original em inglês: Termo da moda. 16 nos habituado a ver como secularização2. [grifo nosso]. definitivo: a Diante de tamanhas convicção e disseminação da ideia, cabe interrogar: afinal, o que se pode ou se deve entender por “reencantamento do mundo”? Que sentidos e significados se escondem por trás desta expressão? O que ela tem a dizer sobre o estado do mundo (da modernidade), tarefa da sociologia? É destas perguntas e inquietações que nasceu este trabalho e é neste sentido que se interpela os intérpretes do “reencantamento do mundo”. É importante colocar uma advertência clara no início deste caminho: há uma evidente desproporção de volume de material entre os diversos autores que tratam do tema. Uns falam no “reencantamento do mundo” num artigo apenas, às vezes curto; outros lhe dedicam um capítulo; e outros, por fim, oferecem-lhe o protagonismo, colocando-o no centro do palco, dedicando-lhe um livro inteiro. Outras vezes, sua aparição se reserva aos títulos, deixando ao leitor a tarefa de ler os textos na sua integralidade para descobrir de que se trataria tal “reencantamento”. Consequentemente, não há como desviar da pergunta acerca do critério de demarcação do objeto. Ou melhor, como se procedeu na seleção dos textos, já que dentre as afirmações iniciais figura a convicção de que a expressão “reencantamento do mundo” se disseminou de tal maneira que não conhece fronteiras disciplinares3. O método seguido para a seleção de material se constituiu da seguinte maneira: 1) na leitura e fichamento de todo o material disponível sobre o “reencantamento do mundo”. Muitas vezes só se encontrava a palavra “reencantamento”. O trabalho foi realizado à semelhança do garimpo: perseguiu-se sempre achados maiores (aparições no título, no resumo e nas palavras-chaves de livros ou artigos), mas sem desprezar os pequenos fragmentos encontrados, que em grande número representam um valor nada desprezível, ainda mais quando prevalece o tom, a incisividade, que expressam o quanto a ideia está arraigada. A fim de que o número de autores não se estendesse ad infinitum foram incluídos só aqueles que faziam referência direta a Weber. Mas, de modo geral, este trabalho abarca os textos que, ao discorrem sobre o “reencantamento do mundo”, opuseram-no ao 2 UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS. Instituto Humanitas, IHU on-line. ano 2. São Leopoldo, 09.09.02, n. 34, p. 02. 3 No Brasil Jung Mo Sung (2005) foi o primeiro a oferecer uma resenha de alguns autores que tratavam do reencantamento do mundo em diversas áreas, não só na sociologia. 17 “desencantamento do mundo”, seja lá o for que entendem por um ou por outro. Por isso, a aparição deste último conceito determinou a atribuição de valor a cada texto encontrado e sua assimilação. Depois de recolhido o material, este foi 2) divido em torno dos eixos principais: a religião e da ciência. Em cada eixo se quis estabelecer subgrupos de autores em torno de abordagens similares. Esse trabalho se propõe, justamente, a fornecer um ordenamento dos debates, já insinuado nestas primeiras linhas: suprindo a carência de uma sistematização mais ampla dos “teóricos do reencantamento do mundo”, identificando conexões e disparidades entre eles; indagando sobre as correspondências entre a expressão e o conceito weberiano. E, por fim, 3) no espaço próprio à conclusão, procedeu-se a uma análise global visando oferecer um quadro mais completo de significados (ou temas) comuns aos dois eixos e a uma crítica particularizada de cada um destes. Respeitou-se tal critério, que é, obviamente, também um critério de exclusão. Tantos autores, que expressam ideias semelhantes ou mesmo mais elaboradas do que os que aparecem neste trabalho poderiam ser acrescentados. Mas fugiria ao seu escopo. Tentou-se estabelecer comparações exclusivamente entre os autores que empregam a expressão “reencantamento do mundo”. Seguindo este caminho, o trabalho ficou estruturado da seguinte maneira: o primeiro capítulo traz uma exposição dos conceitos weberianos mais intimamente ligados ao debate acerca do “reencantamento do mundo”. O segundo capítulo investiga quais as pesquisas que apontam para pistas de “reencantamento” no próprio texto de Weber. O terceiro e o quarto capítulos tratam do “reencantamento religioso” e do “reencantamento científico”, respectivamente. Espera-se que o texto tenha dado ao menos inteligibilidade à problemática. Sendo assim, ele exige do leitor que tome as repetições vocabulares como recurso indispensável, mas que foram reduzidas ao mínimo necessário num esforço de revisão, que o tempo todo quis dar cadência ao texto. Que o rigor e a clareza de análise tenham superado em grande medida todas as (necessárias) preocupações de estilo. 1 MAX WEBER: O DESENCANTAMENTO DO MUNDO COMO PONTO DE PARTIDA Antes de começar com o objeto específico deste trabalho vale recordar – ou melhor, deve-se! – a advertência de Weber: “Tudo depende do que se entenda pelas palavras empregadas” (WEBER, 1993, p. 36). Por isso, para que a pesquisa seja responsável, deve-se ir ad fontes, às palavras e expressões básicas, que são tomadas hoje como geradoras de novos ou repaginados conceitos. A distinção conceitual é indispensável para saber exatamente do que se está falando. Ainda mais quando se tratam de conceitos filosóficos e sociológicos, continuamente apropriados e, por isso, tantas vezes distanciados do berço em que nasceram. Dentre esses conceitos históricos (que possuem eles mesmo uma história, uma recepção), está o “desencantamento do mundo”, como fora dito na introdução. Ele figura na obra de Weber com uma gigante força explicativa, não se deixando obnubilar mesmo por sua presença numérica discreta, parcimoniosa, poder-se-ia dizer, se considerado o avolumado conjunto total dos textos do autor. Mas o conceito de “desencantamento do mundo” não está só nesta história: também os seus aparentados (e justamente por serem aparentados), “racionalização” e “secularização”, tomam a cena e exigem da pesquisa um espaço que é só deles, pois se referem a outros processos. E essa afirmação já adianta o primeiro passo da pesquisa: eles, os três conceitos, geralmente aparecem interligados, chegando mesmo a serem tomados por sinônimos: e isso constitui um equívoco (PIERUCCI, 1998). Por isso, neste capítulo há uma apresentação destes três conceitos, a fim de que sirvam como um marco teórico, um quadro que se tenha diante dos olhos e que mantenha ao longo da pesquisa um valor instrumental e comparativo. Como a pesquisa trata do “reencantamento do mundo” se exige a clarificação do conceito de “desencantamento do mundo”, pois o que se imagina neste caso é que a cunhagem do primeiro se deva a uma forma de oposição ao outro. Essa clarificação inicial possibilitará comparar o conceito weberiano de desencantamento do mundo com as concepções particulares dos autores explorados acerca deste mesmo conceito e, consequentemente, verificar o que cada um entende por “reencantamento do mundo”. Por isso, aos conceitos! 20 1.1 RACIONALISMO, RACIONALIDADE E RACIONALIZAÇÃO Sell (2009), em trabalho no qual discorre sobre os debates acerca do fio condutor da produção intelectual de Weber, agrupou as principais vias de interpretação (“programas de pesquisa”) deste pensador da seguinte maneira: a primeira é a sociologia da racionalização, que tem como representantes Friedrich Tenbruck, Wolfgang Schluchter e Jürgen Habermas e privilegia a tese da racionalização como a questão central de Weber, caracterizando-se ainda pela adoção de uma abordagem (neo)evolucionista como esquema teórico-analítico auxiliar na interpretação dos estudos weberianos; a segunda é a sociologia histórico-existencialista (Wilhelm Hennis), pois afirma que os trabalhos de Weber não são propriamente sociológicos, pois tratam de um problema filosófico, de ordem antropológica: o desenvolvimento da humanidade (Menchestum); a terceira é sociologia histórico-comparada (Guenther Roth, Stephen Kalberg) que trabalha a partir de uma questão ainda aberta: Weber investigaria a especificidade das civilizações mundiais ou estas lhe servem como material empírico para generalizações sociológicas?; a quarta é a sociologia econômica (Zenona Norkus, Randall Collins, Richard Swedberg) e possui duas variantes: a de ordem metodológica, que vê em Weber o precursor da teoria da escolha racional, e a de caráter substantivo, pois desloca a atenção dos estudos weberianos metodológicos e histórico-religiosos para os econômicos. Estas abordagens possuem, naturalmente, pesos desiguais, e algumas (como a abordagem econômica) reconhecem o caráter parcial de sua leitura. Os conceitos de racionalidade e racionalização, especificamente, possuem uma complexa história de recepção. Sell (2009) sistematiza três momentos: a primeira geração, que via na racionalização o eixo temático de Weber; um segundo grupo, impulsionado pela interpretação de Talcott Parsons, nos Estados Unidos desloca seu acento para a teoria da ação de Weber; no entanto, desde os anos 70, com a Weber Renascence, devida a re-publicação das obras weberianas, a temática da racionalização volta a ocupar o centro da cena. Quem lê a obra weberiana logo percebe que os conceitos de racionalismo, racionalidade e racionalização nela superabundam, ao contrário dos usos mais comedidos dos conceitos de desencantamento do mundo e secularização. É o próprio Weber que adverte para esse gama de significados: Temos de lembrar-nos, antes de mais nada, que “racionalismo” pode significar coisas bem 21 diferentes. Significa uma coisa se pensarmos no tipo de racionalização que o pensador sistemático realiza sobre a imagem do mundo: um domínio cada vez mais teórico da realidade, por meio de conceitos cada vez mais precisos e abstratos. O racionalismo significa outra coisa se pensarmos na realização metódica de um fim, precisamente dado e prático, por meio de um cálculo cada vez mais preciso dos meios adequados. Esses tipos de racionalismo são muito diferentes, apesar do fato que, em última análise, estão inseparavelmente juntos [...] ‘Racional’ também pode significar uma ‘disposição sistemática’. (WEBER, 1982a, pp. 337-338). A partir dessa recordação fundamental de uma pluralidade de significados de racionalismo, os intérpretes da obra weberiana divergem na sua leitura.4 Aqui se optou por três estudiosos, que embora divergindo em alguns aspectos na interpretação do corpus textual weberiano, oferecem de forma esquemática tipologias acerca dos usos de racionalismo, racionalidade e racionalização. Em primeiro lugar, os termos Rationalismus (Racionalismo) e Rationalität (Racionalidade) são usados como sinônimos distinguindose, portanto, de Rationalisierung (Racionalização). (KALBERG, 2005). Quanto ao conceito de racionalismo, eis a sistematização de Wolfgang Schluchter, que identifica três conotações: [...] no primeiro caso racionalismo indica a capacidade de dominar as coisas mediante o cálculo. É o resultado do saber e do poder empírico, do racionalismo técnico-científico no sentido mais amplo. No segundo caso, racionalismo significa sistematização de conexões de sentido, elaboração intelectual e sublimação científica dos “escopos de sentido”. É o resultado de uma íntima necessidade do homem de cultura: não só compreender o mundo como cosmo dotado de sentido, mas também tomar posição nos seus confrontos: trata-se, portanto, de um racionalismo ético-metafísico no sentido mais amplo. Racionalismo significa, enfim, a formação de uma conduta de vida metódica. É o resultado da institucionalização das conexões de sentido e de 4 Para uma exposição pormenorizada do debate, ver Sell (2010). 22 interesse: é um racionalismo prático no sentido mais amplo5. (SCHLUCHTER, 1987, p. 154-155). Os usos que Weber faz do conceito de racionalismo podem ser agrupados portanto, para Schluchter, da seguinte maneira: o racionalismo científico-tecnológico, que indica a capacidade de controle mediante o cálculo; o racionalismo ético-metafísico, que significa uma sistematização de complexos de significados e envolve a elaboração e sistematização dos fins últimos; e, por fim, o terceiro tipo, o racionalismo prático, relacionado à aplicação do modo metódico de vida e tem como resultado a institucionalização de quadros de significados e interesses. Outra sistematização importante é a de Stephen Kalberg. Este explora, antes de tudo, como os caminhos de racionalidade se combinam, quais as suas características distintivas e as suas interrelações. Ele se propõe a fazer um inventário dos principais usos de “racionalidade” e de “processo de racionalização” nos Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião e Economia e Sociedade. Kalberg delimita quatro tipos de racionalidade de Weber, baseando-se em Economia e Sociedade e nos Ensaios reunidos de Sociologia da Religião: teórica, prática, substantiva e formal. Para ele, os tipos de racionalidade representam capacidades universais do Homo sapiens, enquanto o interesse de Weber está nas regularidades e padrões de ação. Os tipos de racionalidade são esquemas conceituais para analisar estas regularidades e estes padrões. A característica do Ocidente é que tipos particulares de racionalidade e processos de racionalização tomam forma universal. Por isso, esses tipos não são usados para referir-se a um desenvolvimento geral das civilizações, nem a um processo de evolução linear que ocorreria de modo igual em todas as esferas. Isso justifica sua investigação de como a ação se racionalizava em campos particulares: “Weber designa como racional-prática a toda forma de vida que 5 Tradução do original em italiano: [...] nel primo caso razionalismo sta ad indicare la capacità di dominare le cose mediante il calcolo. È il risultato del sapere e del potere empirico, del racionalismo técnico-scientifico nel senso più ampio. Nel secondo caso, racionalismo significa sistematizzazione di connessioni di senso, elaborazione intellettuale e sublimazione scientifica di “scopi del senso”. È il risultatodi un “intima necessità dell’uomo di cultura: non solo capire il mondo come cosmo dotado di senso, ma anche prendere posizione nei suoi confronti: si trata, quindi, di un racionalismo etico-metafisico nel senso più ampio. Razionalismo significa, infine, formazione di una condotta di vita metodica. È Il risultato della istituzionalizzazione delle conessioni di senso e di interesse: è un racionalismo pratico nel senso più ampio. 23 considera e julga a atividade mundana em relação aos interesses puramente pragmático e egoístas do indivíduo” 6. (2005, p. 81). A racionalidade prática aceita as realidades dadas e realiza o cálculo do modo mais conveniente de lidar com as dificuldades. Ele é puramente adaptativa, ou seja, manifesta a capacidade humana de atuar em relação a meios-fins. A racionalidade teórica “[…] implica um domínio consciente da realidade por meio da construção de conceitos abstratos de crescente precisão, mais que através da ação”.7 (2005, p. 82). Ela é operada por uma pluralidade de pensadores sistemáticos, tanto feiticeiros, sacerdotes, monges, teólogos, como por juízes, adeptos de teorias revolucionárias e cientistas. Seu objetivo é transcender a rotina, conferindo sentido coerente ao sofrimento, fazendo do mundo um “cosmos de sentido”. Já a racionalidade substantiva: [...] ordena diretamente a ação em padrões. Ela o faz, no entanto, não com base puramente num cálculo de meios-fins acerca das soluções ante problemas rotineiros, se não em relação a um ‘postulado de valor’ passado, presente ou potencial. Não simplesmente um valor singular [...], senão um postulado de valor que implica conjuntos inteiros de valores que variam no que abarcam, em sua coerência interna e em seu conteúdo8. (2005, p. 85-86). Segundo Kalberg, assim se revela mais claramente o perspectivismo radical de Weber: a racionalidade substantiva e os processos de racionalização baseados nela estão determinados por pontos de vista, isso porque não existe um compêndio de valores absolutos, mas sim a preferência do indivíduo por certos valores, que sistematiza a sua ação em relação a eles. O perspectivismo radical e a noção de racionalidade substantiva evidenciam a convicção de Weber, 6 Tradução do original em espanhol: Weber designa como racional-práctica a toda forma de vida que considera y juzga la actividad mundana en relación a los intereses puramente pragmático y egoístas del individuo”. 7 Tradução do original em espanhol: […] implica un dominio consciente de la realidad por medio de la construcción de conceptos abstractos de creciente precisión, más que a través de la acción”. 8 Tradução do original em espanhol:... ordena directamente la acción en padrones. Lo hace, sin embargo, no puramente en base a un cálculo de medios-fines acerca de las soluciones ante problemas rutinarios, sino en relación a un “postulado de valor” pasado, presente o potencial. No simplemente un valor singular (...), sino un postulado de valor que implica conjuntos enteros de valores que varían en lo que abarcan, en su coherencia interna y en su contenido. 24 que perpassa toda a sua sociologia compreensiva: os valores não são demonstráveis cientificamente. As esferas apresentam seus valores como racionais, enquanto os valores de outras são tidos como irracionais. Mas não se pode esquecer que essa disputa não se dá apenas entre as esferas, dado que os valores podem diferir dentro de uma mesma esfera (por exemplo: hinduísmo versus budismo; ética de convicção versus ética de responsabilidade). Na racionalidade formal, na medida em que reina o puro cálculo, ela se faz sem consideração das pessoas: como na dominação burocrática (busca de meios mais eficazes baseando-se em regras gerais e estatutos), no direito (promulgação de leis gerais para todos os cidadãos), na economia (cálculo a partir das leis de mercado), na ciência (o cálculo procede de regras comuns de experimentação) e mesmo em alguns casos na religião (quando organizada segundo procedimentos fixos, como técnicas metódicas, contemplação, yoga). Por isso, a racionalidade formal: […] sempre indica uma tendência difusa ao cálculo e a solucionar problemas rotineiros por padrões de ação racional com relação a meios-fins em relação aos próprios interesses pragmáticos, a racionalidade formal legitima fundamentalmente um cálculo racional com relação a meios-fins similar, por referenciando-se em regras, leis ou regulações já existentes e aplicadas universalmente9. (2005, p. 89-90). O objetivo analítico dos quatro tipos de racionalidade é “... ajuntar as percepções particularizadas ordenando-as em regularidades compreensíveis e ‘significativas’ ”10 (2005, p. 92). Kalberg busca as afinidades eletivas entre certas “ordens legítimas” e “tipos particulares de ação”, ou seja, como determinada ordem institucionaliza certos tipos de orientações para a ação. Ele tenta identificar nos textos de Max Weber a compreensão deste sobre a capacidade dos diferentes tipos de ação para introduzir formas metódicas de vida. Assim, ele afirma taxativamente: 9 Tradução do original em espanhol: […] siempre indica una tendencia difusa al cálculo y a solucionar problemas rutinarios por patrones de acción racional con arreglo a medios-fines en relación a los propios intereses pragmáticos, la racionalidad formal legitima fundamentalmente un cálculo racional con arreglo a medios-fines similar, per referenciándose en reglas, leyes o regulaciones ya existentes y aplicadas universalmente. 10 Tradução do original em espanhol: […] ahuyentar las percepciones particularizadas ordenándolas en regularidades comprensibles y ‘significativas’. 25 Só os tipos de racionalidade prática e substantiva geram modos de vida. Estes diferem amplamente o um do outro no concernente a metodicidade e continuidade: para Weber só os valores, e particularmente uma configuração unificada de valores, são analiticamente capazes de introduzir modos de vida racionais e metódicos11. (2005, p. 97). Uma explicação de cunho analítico como esta nada tem a ver se esse potencial se realizou nas sociedades. A proeminência conceitual não implica seu papel na história. Por isso, cabe ainda investigar quais estratos sociais puseram em movimento (forma portadores) de processos de racionalização exaustiva e contínua das realidades dadas: Um desenvolvimento tal pode emergir depois que os processos de racionalização com relação a valores enraizados numa racionalidade ética tiveram conduzido à formação de uma visão de mundo ao menos incipiente, com relação a qual, sem ter em conta seu particular conteúdo de valor, as rotinas cotidianas puderam valorar-se continuamente, declarar-se deficientes ou rejeitarse12. (2005, p. 106). Isso se explica ainda porque no choque de interesses alguns sempre são suprimidos e, sendo assim, não levam à regularidade. Mas quando estes interesses, por uma justaposição acidental de fatores, acabaram se cristalizando num estrato coeso, este estrato podia ser portador de um processo específico de racionalização. Mas como a maioria destes processos é de curto prazo: [...] sua perpetuação está garantida, segundo Weber, só quando são institucionalizadas dentro de ordens legítimas e são portadas por estratos sociais estabelecidos. A vasta maioria dos processos de racionalização estão enraizados em 11 Tradução do original em espanhol: Sólo los tipos de racionalidad práctica y substantiva generan modos de vida. Estos difieren ampliamente el uno del otro en lo concerniente a metodicidad y continuidad: para Weber sólo los valores, y particularmente una configuración unificada de valores, son analíticamente capaces de introducir modos de vida racionales y metódicos”. 12 Tradução do original em espanhol: Un desarrollo tal pudo emerger después que los procesos de racionalización con arreglo a valores enraizados en una racionalidad ética hubieron conducido a la formación de una visión de mundo al menos incipiente, con relación a la cual, sin tener en cuenta su particular contenido de valor, las rutinas cotidianas pudieron valorar-se continuamente, declararse deficientes o rechazarse. 26 interesses e não são capazes de legitimar-se adequadamente a si mesmos no nível dos valores. Assim, quando aparece no horizonte uma constelação de interesses antagônicos mais poderosa, são suprimidos13. (2005, p. 109). Nas sociedades modernas do Ocidente os processos de racionalização teórica, formal e prática dominam o processo de racionalização substantiva: E isto apesar de que a visão científica de mundo é em si mesma uma racionalidade substantiva. Ao mesmo tempo, os processos de racionalização formal na arena científica, assim como nas esferas econômica e legal, e na forma burocrática de dominação, combinaram-se para dar nascimento a uma rede de padrões de ação, os quais apontam na mesma direção: a supressão da ação com relação a valores”14. (2005, p. 109-110). Para Weber, a ascensão da ciência como modo prevalecente de conhecer, de experimentar, levou a consequências decisivas, expulsando os valores para o campo da crença: [...] com o advento da visão científica de mundo, inclusive os valores puderam ser submetidos à observação empírica, à medição matemática e à prova. Enfatizou com este desenvolvimento a ciência se colocou como a oposição mais fundada a todas as visões religiosas do mundo, as quais, como postulados éticos, afirmavam a “falta de sentido” da vida mundana e de certas ações, como 13 Tradução do original em espanhol:... su perpetuación está garantizada, según Weber, solo cuando solo cuando son institucionalizadas dentro de órdenes legítimos y son portadas por extractos sociales establecidos. La vasta mayoría de los procesos de racionalización están enraizados en intereses y no son capaces de legitimarse adecuadamente a sí mismos en el nivel de los valores. Así, cuando aparece en el horizonte una constelación de intereses antagónicos más poderosa, son suprimidos. 14 Tradução do original em espanhol: Y esto a pesar de que la visión científica del mundo es en sí misma una racionalidad sustantiva. Al mismo tiempo, los procesos, los procesos de racionalización formal en la arena científica, así como en las esferas económica y legal, y en la forma burocrática de dominación, se combinaron para dar nacimiento a una red de patrones de acción, los cuales apuntan en la misma dirección” la supresión de la acción con arreglo a valores. 27 resultado de sua valoração dos caminhos particulares de salvação15. (2005, p. 110). Como resultado, não há estrato capaz de substituir as religiões de salvação ética e processos de racionalização com relação a valores. Isso condenou as personalidades unificadas em pequenos e íntimos agrupamentos. Já é hora para falar especificamente do processo de racionalização. Em primeiro lugar, os estudos weberianos, especialmente de sociologia da religião, convergiam para a compreensão de como se deu o macroprocesso de racionalização (posição básica da sociologia da racionalização). Tanto que ele mesmo afirma sobre um de seus trabalhos: “Acima de tudo, um ensaio assim sobre sociologia da religião visa, necessariamente, a contribuir para a tipologia e sociologia do racionalismo.” (WEBER, 1982c, p. 372). Assim, Weber opera com a seguinte certeza: Racionalizações têm existido em todas as culturas, nos mais diversos setores e dos tipos mais diferentes. Para caracterizar sua diferença do ponto de vista da história da cultura, deve-se ver primeiro em que esfera e direção ocorreram. (WEBER, 1996, p.11). A racionalização está presente em todas as grandes culturas, mas de formas diferentes. Todavia, a busca de Weber é mais restrita: ele queria “... reconhecer a peculiaridade específica do racionalismo ocidental, e, dentro deste moderno racionalismo ocidental, o de esclarecer a sua origem.” (WEBER, 1996, p.11). Mas, então, que racionalização é essa pela qual passou o Ocidente? A primeira exigência para responder a esta pergunta é a de agrupar as concepções distintas de racionalização de Weber. O que será apresentado a partir de agora segundo a reconstrução feita por Jürgen Habermas. Para ele, pode-se entender o processo de racionalização em três dimensões. Em primeiro lugar, a sistematização dos complexos de sentido: “Weber chama racionalização a organização dos sistemas de símbolos, em particular as interpretações religiosas e as idéias morais e 15 Tradução do original em espanhol: […] con el advenimiento de la visión científica del mundo, incluso los valores pudieron ser sometidos a la observación empírica, a la medición matemática y a la prueba. Enfatizó que con este desarrollo la ciencia se ubicó como la oposición más fundada a todas la visiones religiosas del mundo, las cuales, en tanto postulados éticos, afirmaban la “falta de sentido” de la vida mundana y de ciertas acciones, como resultado de su valoración de los caminos particulares de salvación. 28 jurídicas16.” (HABERMAS, 2001, p. 373). Ou seja, à medida que as imagens de mundo são sistematizadas, estruturadas e fixadas do ponto de vista formal por uma camada de intelectuais elas satisfazem melhor as exigências de uma compreensão moderna de mundo. “Assim, por exemplo, Weber julga a racionalidade das imagens de mundo por seu grau de unidade sistemática e estruturação argumentativa. São tanto mais racionais quanto mais purificadas ficam de conteúdos míticos e mágicos. ”17 (HABERMAS, 2001, p. 373). (HABERMAS, 2001, p. 373). Em segundo lugar, a ciência moderna e técnica:. “Weber chama também racionalização toda ampliação do saber empírico, da capacidade de predição, da capacidade de dominação instrumental e organizativa dos processos naturais.”18 (HABERMAS, 2001, p. 373). A ciência aparece como um conhecimento reflexivo através da objetivação da natureza, tornando-a, portanto, suscetível de inúmeras experimentações. (HABERMAS, 2001). O predomínio da técnica - enquanto emprego regulado de meios, guiado conscientemente pelas experiências e pela reflexão sobre elas; indica que há regularidade no comportamento, baseado na previsão e no cálculo. À medida que a técnica vai progredindo também a ciência progride, criando uma “simbiose” entre ambas. Ou seja, o desenvolvimento de uma está ligado ao desenvolvimento de outra. (HABERMAS, 2001). Em terceiro lugar, a ética regida por princípios e o modo metódico de vida: “Racionalização chama Weber, finalmente, também a autonomização cognitiva da moral, ou seja, a separação das idéias prático-morais e princípios e doutrinas éticas em respeito das imagens de mundo míticas, cosmológicas e religiosas...”19 (HABERMAS, 2001, p. 374). Impõem-se éticas formalistas, como as de “intenção” e de “responsabilidade”, alimentadas por uma consciência moral póstradicional, independente dos valores decorrentes da tradição religiosa. Isso corresponde também ao modo metódico de vida, prático-racional, 16 Tradução do original em espanhol: Racionalización llama Weber a la organización racional de los sistemas de símbolos, en particular las interpretaciones religiosas y de las ideas morales y jurídicas. 17 Tradução do original em espanhol: Así, por ejemplo, Weber enjuicia la racionalidad de las imágenes del mundo por su grado de unidad sistemática y estructuración argumentativa. Son tanto más racionales cuanto más purificadas quedan de contenidos míticos e mágicos. 18 Tradução do original em espanhol: Weber llama también racionalización a toda ampliación del saber empírico, de la capacidad predictiva, de la capacidad de dominación instrumental y organizativa de los procesos naturales. 19 Tradução do original em espanhol: Racionalización llama Weber, finalmente, también a la autonomización cognitiva de la moral, es decir, a la separación de las ideas práctico-morales y principios y doctrinas éticas respecto de las imágenes del mundo míticas, cosmológicas y religiosas(…). 29 autocontrolado, centrado no “eu”. (HABERMAS, 2001). Aqui entra ascese intramundana, uma forma de racionalização ética, que ele identificou de modo mais evidente no calvinismo e nas seitas puritanas: “Para o asceta, a certeza da salvação comprova-se na ação racional unívoca em sentido, meios e fim, de acordo com princípios e regras”. (WEBER, 1994, p. 369). Esta ação, cumprimento de um dever, está atrelada a vontade de um Deus supramundano. Desta forma, este agir estimula o êxito, pois nele vê o sinal da bênção divina. Essas são as três dimensões básicas da racionalização em Weber. Elas condensam as características gerais da racionalização. Diante delas Habermas pode identificar, em Weber, uma “dupla jornada”, “dois percursos” de racionalização: a racionalização cultural e a racionalização social. Estas constituem a peculiaridade do racionalismo ocidental. Com o progresso da racionalização (e do desencantamento do mundo, que nasce no judaísmo antigo e vai até o protestantismo ascético de dominação do mundo, o calvinismo), está preparado o terreno para o surgimento da consciência moderna caracterizado pela diferenciação das esferas de valor. Esse processo pode ser sintetizado em duas etapas: “... ocorre, historicamente, primeiramente uma diferenciação em três esferas: a científica, a ética e a estética, e depois a autonomização de cada uma delas; isto é, cada uma passa a funcionar segundo princípios próprios, de verdade, de moralidade, expressividade.” (FREITAG, 2005, p. 166). Essas três esferas são “esferas de valor” pois, estando uma desvinculada das outras, pode reger-se livremente segundo sua “lógica interna”, sua “legalidade própria” (eigengesetzlichkeit). Tudo isso gerou uma constante tensão, um choque entre elas, pois seus valores são diferentes. (WEBER, 1982c). Ao falar de racionalização cultural Weber “... se interessa pela racionalização das imagens de mundo.”20 (HABERMAS, 1987, p. 227), pela qual surgem as “estruturas de consciência modernas”. Estas estruturas são os componentes cognitivos, estético-expressivos e morais, que se desvencilharam das imagens de mundo religiosas e metafísicas. Como se vê, a religião é profundamente afetada pelo processo de racionalização. Por isso vale citar Weber para demonstrar que na modernidae, a religião, tendo em vista a racionalização, não pode mais ter a pretensão de oferecer o monopólio do racional: 20 Tradução do original em espanhol:... se interesa por la racionalización de las imágenes del mundo. 30 O resultado geral da forma moderna de racionalizar totalmente a concepção do mundo e do modo de vida, teórica e praticamente, de forma intencional, foi desviar a religião para o mundo do irracional. Isso se observou na medida em que mais progredia o tipo intencional de racionalização, se tomarmos o ponto de observação de uma articulação intelectual de uma imagem do mundo. (WEBER, 1982a, p. 324). Já a racionalização social corresponde à “... materialização institucional das estruturas de consciência modernas, que se formaram no processo de racionalização religiosa, isto é, pela transformação da racionalização cultural em racionalização social.”21 (HABERMAS, 1987, p. 227). Pode ser entendida como uma racionalização de tipo estrutural, referida “... a disciplina e o método na forma de conduzir-se na vida convertem-se no único fim...”22 (HABERMAS, 1987, p. 214). Esta tem o seu correlato no plano da personalidade: foi isto que aconteceu com o puritano, o “homem de profissão” por excelência. Ao vislumbrar essa dupla jornada de racionalização23 percebe-se que o que realmente interessa para Weber “... é a racionalidade prática no sentido de critérios conforme os sujeitos aprendem a controlar o seu meio...”. (HABERMAS, 1987, p. 228). Aqui está o foco: “O conceito de ação racional com relação a fins é a chave do complexo conceito de racionalidade que Weber tem em vista...24”. (HABERMAS, 1987, p. 228). 21 Tradução do original em espanhol:... materialización institucional de las estructuras de consciencia modernas, que se formaron en el proceso de racionalización religiosa, es decir, por la transformación de la racionalización cultural en racionalización social. 22 Tradução do original em espanhol:... proceso por el qual emergen la empresa capitalista y el Estado moderno. 23 Nesse sentido, Cohn está bem próximo do que Habermas assim formulou. Em Weber podese identificar uma dupla jornada de racionalização: “A racionalização (ou seja, o processo que enseja a prevalência crescente da condução racional da ação) apresenta-se, portanto, em dois níveis. O primeiro é o de caráter histórico estrutural e diz respeito à diferenciação entre linhas de ação, que caracteriza a modernidade. Esse primeiro nível oferece a condição para o segundo, que remete ao interior de cada linha de ação, no plano da constituição da sua lógica intrínseca, da “legalidade própria” a cada qual. No primeiro nível o problema diz respeito às relações entre significados de ações sociais que ocorrem em linhas distintas. No segundo, concerne à modalidade de encadeamento dos significados no interior da mesma linha de ação”. (1995, p.13). 24 Tradução do original em espanhol:... El concepto de acción racional con arreglo a fines es la clave del complejo concepto de racionalidad que Weber tiene a la vista (...). 31 1.2 O DESENCANTAMENTO DO MUNDO As pesquisas acerca do desencantamento do mundo na obra de Weber continuam se desenvolvendo. Prova disso são as recentes publicações de Wofgang Schluchter (2010) e Hartmut Lehmann (2010). Mas, no Brasil, a pesquisa avançou por conta do minucioso trabalho de Antônio Flávio Pierucci (2003) que seguiu todos os passos do conceito, situando-os sempre no contexto mais geral do escrito de Weber em que aparece. O texto de Pierucci, com todo cuidado exegético, delimita seu núcleo-duro com precisão, afastando uma pretensa fluidificação do conceito. Portanto, o conceito de desencantamento do mundo de Weber como fora apresentado por Pierucci será o indispensável instrumento heurístico e interpretativo deste trabalho, sua pedra angular, mesmo porque determinou também a estruturação dos capítulos. Primeiramente se destaca a origem deste sintagma. A posição aqui adotada é de que Weber, dado a empréstimos vocabulares, adaptou a expressão “desdivinização” (com o equivalente em português “desendeusamento da natureza”), do filósofo alemão Friedrich Schiller (1759- 1805) – expoente do romantismo alemão – correspondendo ao “mecanismo desdivinizado do mundo”. Portanto, não houve uma adoção literal nem uma original criação por parte de Weber, mas uma adaptação criativa: nasce, assim, o desencantamento do mundo.25 Também se seguir a tese de Pierucci, que discorda de que haja uma polissemização despreocupada dos usos por parte de Weber e que, na sua obra, de acordo com a questão de fundo, o conceito pode adquirir inúmeros significados e, às vezes, até mesmo contraditórios. Ao contrário das palavras racionalização, racionalismo, racionalizar, que superabundam na obra de Weber – que ele mesmo confessa que podem significar coisas diversas - o sintagma “desencantamento do mundo” é semanticamente mais específico e empregado de modo mais comedido: em toda a obra weberiana aparece apenas dezessete vezes. Ele possui apenas dois significados, referidos a um “... mundo duplamente desencantado... ”. (PIERUCCI, 2003, p. 139). Um processo com duas faces, pois foi operado por duas forças: a religião e a ciência. Há, 25 Ainda quanto à origem do termo, se ele é um empréstimo ou uma metáfora original, Hartmut Lehmann concorda que é uma adaptação weberiana, mas não de Schiller, mas do teólogo e filósofo holandês Balthasar Bekker, que escreveu um livro que em alemão tem como título Die bezauberte Welt. Em seu texto deixa claro que esta é apenas uma aposta, sem provas. (LEHMANN, 2009). 32 portanto, o desencantamento religioso (sentido “a”) e o desencantamento científico (sentido “b”), mesmo que como núcleo duro do conceito prevaleça a semântica religiosa. Estes dois sentidos aparecem ora separados, ora juntos. Pierucci defende, baseado na análise cronológica dos usos, que os significados são simultâneos, mas não sucessivos26. Se fossem sucessivos, haveria um primeiro desencantamento do mundo, operado pela religiosidade ética e, depois, outro preconizado pela moderna ciência empírica. Mas n’A ética protestante e o espírito do capitalismo, na segunda edição, de 1920 – ano de sua morte – Weber ainda utiliza o sentido “a”. Sendo assim, ele não descartou a importância do primeiro significado. Por isso, cabe agora analisar os dois empregos associados à expressão. 1.2.1 O desencantamento religioso do mundo A profecia emissária do judaísmo desprezava tanto o poder coercitivo da prática mágica quanto o ritualismo do serviço religioso, substituindo-o pelas exigências éticas de um Deus supramundano. A doutrina puritana radicalizou estes princípios, relegando até mesmo os sacramentos e as boas obras (tão caros à piedade católica) à mera condição de auxílios externos para a glorificação divina, sem eficácia alguma sobre o desígnio eterno e onipotente do Criador. Assim: [...] essa religião deve, na medida do possível, ter desistido do caráter puramente mágico ou sacramental dos meios da graça, que sempre desvalorizam a ação neste mundo como sendo, na melhor das hipóteses, apenas relativa, em sua significação religiosa, e condicionar a decisão da salvação sobre o êxito de processos que não são de uma natureza cotidiana racional [...] Quando os virtuosos religiosos combinaram-se numa seita 26 Confusão em que recai Renarde Freire Nobre (2004), que, em trabalho em que aprecia a pesquisa de Pierucci, afirma que no pensamento weberiano se vê “... um ‘mundo duplamente desencantado’ na forma de duas etapas históricas...” (p. 162). Disto conclui, ainda, uma mudança no núcleo duro do conceito: “Talvez fosse mais coerente e convincente pensarmos em ‘dois núcleos duros’ referidos às duas etapas: uma, cujo núcleo e a desmagificação religiosa do mundo, e outra, cujo núcleo é a desdogmatização técnica e intelectual do mundo” (2004, p. 163). 33 ascética ativa, dois objetivos foram totalmente alcançados: o desencantamento do mundo e o caminho da salvação através da fuga do mundo. O caminho é desviado da “fuga contemplativa do mundo”, dirigindo-se ao invés disso para um ‘trabalho neste mundo’, ativo e ascético. (WEBER, 1982a, p. 334). Aí o sintagma se apresenta de forma clara, mostrando para o atento leitor o seu sentido estrito, de: [...] uma operação religiosa (eu diria mesmo intrareligiosa) pela qual uma determinada religiosidade é retrabalhada por seus intelectuais no sentido de ‘se despojar ao máximo do caráter puramente mágico ou sacramental dos meios da graça’, meios esses que, segundo Weber, sempre desvalorizam (Entwerten) o agir no mundo, impedindo com isso que se chegue a noção de que o trabalho cotidiano, com sua racionalidade técnico-econômica, pode ser lugar por excelência da bênção divina, essa idéia puritana. (PIERUCCI, 2003, p. 91). Em suma, desmagificação, ou nas palavras do próprio Weber o “... desencantamento do mundo: a eliminação da magia como meio de salvação” (WEBER, 2004, p. 106) E não só. Falta ressaltar o segundo aspecto evocado pela acepção religiosa do conceito desencantamento do mundo: a desmagificação é seguida de uma forte eticização (moralização) da conduta prática: Quando a religião moraliza ‘para valer’, ela desencanta o mundo; e vice-versa, quando uma religião se desmagifica até o fim, não resta outro caminho àqueles que a seguem a não ser o ativismo ético-ascético no trabalho profissional cotidiano. (PIERUCCI, 2003, p.126). Desvenda-se, então, o fator decisivo para que uma religião racionalizada desencante o mundo: carregar consigo um senso de dever que moralize o cotidiano, regendo a vida de forma duradoura, e não eventualmente. O que criou uma nova imagem de mundo, uma nova “idéia” sobre este mundo, um novo ponto de vista suprapessoal, que organiza a relação do homem com o mundo. 34 Como resultado vê-se o mundo desdivinizado. Os espíritos, que antes povoavam a natureza e também os santos que antes asseguravam o auxílio junto à divindade foram exilados para o reino da superstição. O mundo está nu, totalmente naturalizado. (PIERUCCI, 2003; WEBER, 1982a). Este mundo (não o do divino) possui agora um sentido único, total, que engloba toda a existência humana. Não existem mais interesses humanos, desconexos em conflito com a instabilidade volitiva dos espíritos. Há apenas um sentido: a obediência aos mandamentos de Deus. Transgredi-los leva ao pecado e ao senso de culpa. Portanto, toda a existência deve ser orientada por esta verdade suprema. E este sentido único é o alvo do desencantamento científico do mundo. 1.2.2 O desencantamento científico do mundo O segundo significado é mais moderno historicamente. Revela que a imagem de mundo metafísico-religiosa é corroída pela moderna ciência empírica. Deste modo, a religião – que não pode oferecer o racional - oferece apenas uma visão de mundo subjetiva. E a ciência? Ela não pode sequer produzir visões de mundo. Por isso a ciência se apresenta como um poder irreligioso, alheio a tudo aquilo que se refere ao transcendente: A tensão entre religião e conhecimento intelectual destaca-se com clareza sempre que o conhecimento racional, empírico, funcionou coerentemente através do desencantamento do mundo e sua transformação num mecanismo causal. A ciência encontra, então, pretensões de postulado ético de que o mundo é um cosmos ordenado por Deus e, portanto, significativo e eticamente orientado. Em princípio, a visão do mundo, tanto empírica quanto matematicamente orientada, apresenta refutações a qualquer abordagem intelectual que, de alguma forma, exija um “significado” para as ocorrências do mundo interior. (WEBER, 1982c, p. 401). A ciência proclama que o mundo não possui esta unidade de sentido que lhe foi conferida pelas imagens religioso-metafísicas: “Mas é justamente essa capacidade integradora que fica colocada em questão nas sociedades modernas com a diferenciação das esferas culturais de 35 valor.27” (HABERMAS, 1987, p. 319). “Por isso, não há uma orientação axiológica que englobe toda a existência humana e, muito menos, que encontre no conhecimento científico sua base. Surge o pior dos conflitos axiológicos: [...] a luta entre a ética religiosa da fraternidade e a esfera do conhecimento racional-intelectual, cuja expressão máxima é a ciência empírica moderna. (...) Weber expõe a lógica própria do moderno conhecimento científico que, numa atitude experimentalista-instrumental, potencializada pelo emprego do cálculo matemático, reduz o mundo natural a mero ‘mecanismo causal’, desembaraçando-o com isso daquele sentido metafísico objetivo de ‘cosmos ordenado por Deus’”. (PIERUCCI, 2003, pp. 141142). O mundo é, pois, analisável, explicável, calculável, “... um mundo sem deuses.” (WEBER, 1982a, p. 325). Ele possui leis próprias (como as da natureza) e cabe à ciência desvendá-las. E é só isto. Pode-se procurar, mas o mundo oferecerá somente a relação causal empiricamente observável e nada mais: Este fenômeno surge em certa forma, com o racionalismo intelectualista progressivo, sempre que os homens se arriscaram a racionalizar a imagem do mundo como um cosmo governado pelas regras impessoais. Quando se chegou a essa conclusão sem nenhum resíduo, o indivíduo pode continuar a sua busca de salvação apenas como indivíduo. (WEBER, 1982a, p. 325). Ei-lo, o desencantamento científico do mundo, primeiramente como uma inevitável perda de sentido, perda de significado. Até mesmo a razão não pode conferir sentido à vida. Ela mesma se dividiu em inúmeras esferas de valor, destruindo sua pretensão de universalidade. (HABERMAS, 1987). Já definidos os dois significados do processo histórico-religioso do desencantamento do mundo, pode-se passar para a apresentação de 27 Tradução do original em espanhol: Pero es justamente esa capacidad integradora la que queda puesta en cuestión en las sociedades modernas con la diferenciación de las esferas culturales de valor. 36 um processo ainda mais específico, que é o da secularização. 1.3 SECULARIZAÇÃO Quanto ao terceiro conceito, secularização, Weber o empregou quinze vezes. A maioria dos empregos que Weber faz - oito deles - é na sua Sociologia do Direito, em Economia e Sociedade28. Mais duas vezes no mesmo texto29, três vezes na Ética Protestante e duas vezes no texto as Seitas protestantes e o espírito do capitalismo. (PIERUCCI, 1998). Um número tão reduzido de aparições só reafirma o costume weberiano de falar de algo sem citar-lhe o nome. É no capítulo VII de Economia e Sociedade referente à Sociologia do Direito onde Weber sistematiza o processo de racionalização jurídica. A presença de oito aparições de conceito nesta parte de sua extensa obra é muito significativa. Assim se pode formular a seguinte pergunta: qual a direção do processo pelo qual passou direito e no qual aparece a secularização? Este processo se dá “... no rumo de uma autonomização do direito em relação à irracionalidade do antigo direito religiosamente revelado”. (PIERUCCI, 1998, p. 54). O processo, então, desdobrar-se-ia da seguinte forma: os enunciados normativos são sistematizados internamente; a prática jurídica, antes incerta, é estruturada de modo coerente; o corpo de normas passa por uma forte e progressiva racionalização formal; e, por fim - o que caracteriza a modernidade cultural - torna-se uma esfera de valor autônoma. (PIERUCCI, 1998). Portanto, “a legitimidade da autoridade se torna a legalidade da regra geral, que é conscientemente desenvolvida, promulgada e anunciada com uma correção formal” (WEBER, 1982a, p. 344), sem a necessidade de recorrer a qualquer outra esfera, principalmente à esfera religiosa. A esfera do direito é conduzida segundo a sua lógica interna. Um dos resultados deste processo é expresso no conceito de secularização, de antemão tido como um conceito jurídico-político. A primeira aparição é eminentemente técnica: “O conceito de instituto era completamente estranho ao direito antigo, no qual os bens dos templos, a partir da secularização do culto pela pólis, eram considerados como propriedades desta”. (WEBER, 1994, p. 573). Secularizar o culto significa que os bens pertencentes ao templo passam para as mãos da pólis. Em outras palavras, expropriação dos bens eclesiásticos. “Conteúdo, aliás, circunscrito ao plano das sempre tensas 28 29 Corresponde ao capítulo VII da edição brasileira. Corresponde ao capítulo V da edição brasileira. 37 relações entre comunidade religiosa e comunidade política...”. (PIERUCCI, 1998, p. 54). Já na terceira aparição o significado é diferente: “Dos diversos poderes que fomentam a secularização do pensamento acerca da vigência de determinados princípios, especialmente sua emancipação da tradição magicamente garantida, um dos mais fortes é a ação guerreira”. (WEBER, 1994, p. 381). O pensamento jurídico é secularizado por meio de uma ação armada, politicamente radical. São deixados de lado os oráculos, os sonhos, as adivinhações, que antes eram vistos como revelações de poderes supra-sensíveis e que regiam o direito. “As leis, não sendo mais consideradas sagradas nem dadas, podem a partir de agora ser legitimamente modificadas, reformuladas e até trocadas. Elas são, com tudo o que isto implica de maturidade e emancipação genericamente humanas, revisáveis”. (PIERUCCI, 1998, p. 60). A tradição não garante mais a vigência delas. Ou seja, “... a racionalização jurídica [...] põe de pé o estado laico como domínio da lei”. (PIERUCCI, 1998, p. 49). Percebe-se, então, que o significado jurídico-político se impôs na Sociologia do Direito de Weber, como aquele núcleo-duro do qual não se pode prescindir, como “... o declínio do poder hierocrático”. (WEBER, 1994, p. 379). O que não será diferente em outras partes de sua vasta obra. Fora da sociologia do direito, na Ética protestante e o “espírito” do capitalismo, as duas aparições do conceito não estão no momento mais forte do texto. Já no ensaio as Seitas protestantes e o espírito do capitalismo o significado é fortíssimo, pois o conceito é acompanhado da palavra “processo”. Eis a aparição: “Um exame mais detalhado revela o constante progresso do processo característico de ‘secularização’, a que, nos tempos modernos sucumbem todos os fenômenos que se originam em concepções religiosas”. (WEBER, 1982b, p. 353). O que pode ocorrer em qualquer lugar, em qualquer época, mas que, de fato, tornou-se uma característica da modernidade. Em meio a tantos eventos e processos, tão diversos entre si, designados pelo mesmo conceito de secularização, seu uso esporádico fora da sociologia do direito mostra que: há um núcleo-duro que é, de fato, jurídico-político, e por isso muito mais restrito de o significado dos dois conceitos trabalhados anteriormente. Este pode ser assim resumido: A secularização, por sua vez, nos remete à luta da modernidade cultural contra a religião, tendo como manifestação empírica no mundo moderno 38 o declínio da religião como potência in temporalibus, seu disestablishment (vale dizer, sua separação do Estado), a depressão do seu valor cultural e sua demissão /liberação da função de integração social. (PIERUCCI, 1998, p. 51). Em suma, separação da esfera política da esfera religiosa, com a perda para religião hegemônica de seu valor cultural e de sua influência na esfera normativa do Estado. No mundo moderno, as organizações políticas e sociais não retiram mais a sua legitimidade da esfera religiosa. Mesmo a apresentação se apresente com fronteiras bem demarcadas é importante salientar desde o início de que os três processos (racionalização, desencantamento do mundo e secularização) não são estanques: Em Weber, o processo de racionalização é mais amplo e mais abrangente que o desencantamento do mundo e, neste sentido, o abarca; o desencantamento do mundo, por sua vez, tem a duração histórica mais longa, mais extensa que a secularização e, neste sentido, a compreende. O importante a reter é que Weber realmente distingue os diferentes processos. (PIERUCCI, 1998, p. 51). O segundo capítulo consistirá numa apresentação dos autores que se debruçam sobre a obra weberiana para nela identificar vias, pistas de “reencantamento do mundo”. Em outras palavras: ao contrário dos autores dos dois capítulos seguintes, esses autores empreendem uma atividade exegética, lançando-se na busca por textos ou mesmo frases que apontem alguma forma de suposta abertura vislumbrada por Weber para o “reencantamento do mundo”. Será este o caso? 2 PISTAS DE “REENCANTAMENTO DO MUNDO” EM MAX WEBER? Delimitados os conceitos, pode-se dar o segundo passo. Neste capítulo, aparecerão autores que possuem um interesse mais detido no próprio Weber, dialogando diretamente sobre o tema do “reencantamento” com os escritos weberianos. A análise de tais textos é particularmente interessante e foi destacada aqui como um capítulo à parte, pois seu mérito consiste em que, longe de passar ao largo ou apenas supor longinquamente a análise weberiana (considerada, por vezes, ultrapassada ou obsoleta), existe aqui um esforço de cotejo e reflexão em conexão com Weber. Diferentemente de outros pesquisadores, que se baseiam em dados atuais, como os resultados das pesquisas científicas ou mesmo sobre os novos movimentos religiosos, aqui são colocados autores que efetuam um 1) trabalho de natureza exegética sobre a obra de Weber e, ainda, outros que estabelecem um 2) quadro comparativo entre Weber e outros teóricos, mas sempre na busca de pistas de “reencantamento”. Em outros termos, Weber é o foco, seu texto é o material de trabalho. De que forma este exercício é realizado e qual sua economia discursiva, seu sentido teórico? O primeiro grupo faz uma busca direta, exclusiva: há, vocábulos específicos, fragmentos textuais, saídos da pena de Weber e que abre lacunas para um vislumbre do “reencantamento do mundo”? O segundo grupo aborda possibilidades de “reencantamento” em Weber de forma indireta, comparativa, pois coloca o pensamento weberiano à contraluz do pensamento de outros teóricos, geralmente posteriores a ele. Por isso, é preciso dizer que estabelecem um debate no seu princípio desigual: afinal, é um colóquio entre extemporâneos e, consequentemente, uma das partes do debate está numa posição diferenciada, tendo diante de si um horizonte temporal mais amplo. O que não quer dizer, é claro, que um pensador posterior seja superior, mas está em vantagem apenas no ponto de partida. 2.1 AS PISTAS EM WEBER Antônio Flávio Pierucci, ao mesmo em que se concentrou sobre 40 os conceitos weberianos (PIERUCCI 1998, 2003), interrogou-se também: há a possibilidade de “... pensar weberianamente, com tudo o que isso implica de intelectualmente honesto e musicalmente irreligioso, um novo encantamento da vida?” (2003, p. 221). Em seus textos ele insiste na ideia de que se pode calcar a reflexão acerca do “reencantamento” na esfera erótica, na “... valorização da sensação erótica, do cultivo consciente do gozo sexual, essa outra força produtora de sentido e de salvação intramundana. (1997, p. 116). Antes de tudo é importante apresentar telegraficamente a abordagem weberiana da relação entre religião e sexo para compreender a exposição de Pierucci. O texto em questão é o das Rejeições religiosas do mundo e suas direções [Zwischenbetrachtung]. Nele o erotismo é apresentado por Weber como “... uma abertura para a essência mais irracional e portanto mais real da vida...” (1982c, p. 394), uma fuga dos mecanismos da racionalização, um afastamento do ciclo de vida camponês, da rotina das coisas cotidianas, de toda generalidade e funcionalidade: Uma tremenda ênfase de valor sobre a sensação específica de uma salvação interior em relação à racionalização foi o resultado de tudo isso. Uma alegre vitória sobre a racionalidade correspondeu, em seu radicalismo, à rejeição inevitável, e igualmente radical, por uma ética de qualquer tipo de salvação no outro mundo, ou supramundana. (WEBER, 1982c, p. 396). Tem-se, então, no erotismo uma fuga da racionalização como oponente da ética fraternal de salvação. E essa oposição se dá justamente por que estão religião e erotismo a oferecer o mesmo bem: a salvação; uma supramundana e, a outra, intramundana. E não só. Ainda por que as: [...] inter-relações psicológicas das duas esferas aumentam a tensão entre religião e sexo. O erotismo mais elevado coloca-se psicológica e fisiologicamente numa relação mutuamente substitutiva com determinadas formas sublimadas de piedade heróica. Em oposição ao ascetismo racional, ativo, que rejeito o sexo como irracional, que é considerado pelo erotismo como um inimigo poderoso e irracional, essa relação sucedânea é orientada especialmente para a união mística com Deus. [...] Essa afinidade psicológica aumenta naturalmente o antagonismo dos 41 significados interiores entre o erotismo e a religião. (1982c, p. 398). Aqui está o ponto-chave: as afinidades psicológicas entre religião e erotismo é que aumentam sua oposição. O erotismo produz sensações que podem substituir as sensações de salvação oferecidas pela religião. Não é à toa que a fusão sexual das almas, para Weber, “... equivale à posse do místico” (1982c, p. 397). O próprio Pierucci assume a ideia: Giram os dois tipos de êxtase em esferas de valor que se encontram separadas por lógicas diferentes. [...] São divergentes, mais que isto, antagônicos, e ainda assim afins. Para Weber, é fora de dúvida que condividem uma incontornável afinidade: essa vontade de irrazão, uma das muitas faces da vontade de potência. (1999, p. 15). Tendo em conta essas afinidades e tensões entre ambas as esferas, é justamente no erotismo que Pierucci encontra o potencial para um “reencantamento” não-religioso: Quando o prazer sexual passa a ser gozado por “corpos seculares” autonomizados do dever de procriar, estamos diante de uma secularização radical, altro che des-secularização. Podemos até enxergar aí um modo bem interessante de reencantar o mundo, desde que não percamos de vista que se trata de um reencantamento bem diferente: não por energias sobrenaturais, não por revitalização ou fermentação religiosa, nem muito menos por qualquer retomada da norma éticoreligiosa. Um reencantamento inteiramente outro, para além do bem e do mal. (1997, p. 117). [grifo nosso] Suas pesquisas posteriores sobre o desencantamento do mundo fizeram-no encontrar uma passagem que se aproxima da ideia de “reencantamento” nessa direção: Quem lê em português a tradução brasileira da Zwischenbetrachtung [...] pode, se desavisado, deixar passar despercebido um primeiro vestígio de confirmação da expectativa hoje em dia bastante generalizada de encontrar aberta em 42 Weber, ou pelo menos entreaberta, uma pista de onde se possa advir, na modernidade tardia, algum “reencantamento do mundo” que não signifique apenas retrocesso ou que não passe de autoengano. Ali, no meio de uma seção dedicada justamente à esfera erótica, eis senão quando meus olhos atentos captam de improviso, estampado sem destaques nem preâmbulos no texto em português, nada mais nada menos que o verbo “encantar”. Como para aumentar a felicidade do achado, ei-lo que assoma compondo um sintagma – “encantar todo o mundo” [...] – o qual, virado do avesso mas sem forçar a mão, tem tudo a ver com o desencantamento que eu vinha pesquisando. (2003, p. 219-220). [grifo nosso] O texto ao qual Pierucci se refere é o seguinte: A euforia do amante feliz é considerada como ‘boa’; tem a necessidade cordial de poetizar o mundo com características felizes, ou encantar todo o mundo num entusiasmo ingênuo para a difusão da felicidade. (WEBER, 1982 c, p. 398-399). Para confirmar seu achado, Pierucci busca a consonância entre o verbo em inglês ( “to bewitch all the world”) (a partir do qual foi realizada a tradução para a língua portuguesa), e o verbo alemão (“aller Welt anzaubern”). Ambos possuem “... o mesmo núcleo léxico, a mesma raiz: -zauber. E tudo isso para aludir a esta via modernamente disponibilizada de encantamento do mundo, da vida e do mundo da vida, que é o erotismo”. (2003, p. 220). Por isso, Pierucci deixa claro que é na esfera erótica que se pode encontrar a pista de “reencantamento do mundo”: Aos olhos de Weber, a possibilidade de reencantar parece pois que não está no alardeado “retorno do sagrado”, como andam dizendo, querendo e torcendo, quando não comemorando, tantos sociólogos religiosos da religião que conhecemos. Tenho criticado essa posição desde 1997 [...], mas só agora conto com bases weberianas textuais para mostrar que a saída de Weber para o reencantamento do mundo não é por aí. A crer em sua Consideração intermediária, o locus da existência humana em que se esgueira uma 43 possibilidade efetiva de encantar novamente o mundo não é a esfera religiosa, mas uma outra esfera cultural, ao mesmo tempo não-religiosa e não-racional: a esfera erótica, onde reina, segundo Weber, “a potência mais irracional de vida”- o amor sexual. (2003, p. 221). [grifo nosso] Aí Pierucci vê a “... possibilidade efetiva, e isto num nível que realmente importa, de reversão subjetiva...” (2003, p. 220) do desencantamento do mundo. Para Pierucci o erotismo é a via póstradicional, secularizada, subjetiva e única, produtora de sentido para a vida e para o mundo fiel ao pensamento weberiano. Também Hartmut Lehmann se deteve sobre o conceito de desencantamento. Ele apresenta o conceito também com um duplo significado: O que Weber quer dizer quando fala de “Entzauberung der Welt”? A resposta para esta questão consiste em duas partes. Primeiro, para Weber, “Entzauberung der Welt” é um processo de dimensões globais durante o qual todos os meios mágicos de concessão de salvação são rejeitados e expelidos. De acordo com Weber este processo iniciou dentro do antigo Judaísmo, foi sustentado pela ciência grega e culminou entre os Puritanos, que colocaram as fundações para o mundo moderno. Segundo, por conseguinte, “Entzauberung der Welt”, chega a uma decisão fundamental tratando da eliminação da magia de dentro do mundo, e desta maneira a racionalização de todos os assuntos mundanos. Para Weber, o resultado do desencantamento é a exclusão de todas as explicações mágicas do mundo e de uma concentração num asceticismo intramundano. Pode-se mesmo ir a mais uma etapa e discutir que “Entzauberung der Welt” é o verdadeiro processo que conduziu para a vitória do racionalismo ocidental e, no fim, para existência claustrofóbica do homem moderno numa gaiola de ferro.30 (LEHMANN, 2009, p. 10-11). 30 Tradução do original em inglês: What does Weber mean when he speaks of “Entzauberung der Welt”? The answer to this question consists of two parts. First, for Weber “Entzauberung der Welt” is a process of global dimensions during which all magical means granting salvation are being discarded and expelled. According to Weber this process began within ancient Judaism, it was supported by Greek science, and it culminated among the Puritans 44 Como se pode perceber, o sentido de desencantamento de Lehmann é diferente, distinto do processo histórico-religioso e históricocientífico como apresentado no primeiro capítulo. Ele se atém, além disso, em questões relativas à tradução inglesa do conceito e que são o ponto de partida de uma série de interpretações díspares. Afinal, traduzir Entzauberung por Disenchantment traz algum problema? Essa pergunta é importante? Penso que sim, como os termos “Entzauberung” e “desencantamento” carregam de certa forma uma bagagem linguística diferente. Central para o termo “Entzauberung” é que alguém lançou um feitiço com a ajuda da magia. Em contrapartida, “desencantamento” implica que alguém foi enfeitiçado com a ajuda da música - canção, para ser preciso. Também, o desencantamento” está mais pre aproxima da desilusão e do desapontamento que o “Entzauberung”, o qual está relacionado à Entmythologisienrung e à Entsakralisierung.31 (LEHMANN, 2009, p. 12). É justamente a conexão entre o conceito de Disenchantment e a ideia de desilusão que explicaria sua popularização, pois carrega consigo maior força poética: Talcott Parsons e Stephen Kalberg parecem ter compreendido essas nuanças porque não traduziram “Entzauberung” por “desencantamento”. Sem dúvida, entretanto, isso não representa a opinião majoritária dos cientistas sociais de hoje. Dentro da sociologia moderna o termo “desencantamento” tem recebido um papel Who laid the foundations for the modern world. Second, therefore, “Entzauberung der Welt” amounts to a fundamental decision concerning the elimination of magic within the world, and thus the rationalization of all worldly matters. For Weber, the result of disenchantment is the exclusion of all magical explanations of the world and a concentration on innerworldly asceticism. One can even go a step further and argue that “Entzauberung der Welt” is the very process that led to the victory of occidental rationalism and, in the end, to the claustrophobic existence of modern man in an iron cage. Tradução do original em inglês: Is this question important? I think so, as the terms “Entzauberung” and “disenchantment” carry somewhat different linguistic baggage. Central for the term “Entzauberung” is that someone has cast a spell with the help of magic. By contrast, “disenchantment” implies that someone has been bewitched, or beguiled, with the help of music – song, to be precise. Also, “disenchantment” is closer to disillusionment and disappointment than “Entzauberung” which is related to “Entmythologisierung” and “Entsakralisierung”. 31 45 mais notável e serve como passe-partout para todos os aspectos dos processos de modernização e de racionalização. Em anos recentes, todos os cientistas sociais que se referiram à noção “Entzauberung” de Weber, falam de “desencantamento” e não da “eliminação da magia”. Além disso, dentro das ciências sociais o termo “reencantamento” encontrou muito interesse como um equivalente ao termo “desencantamento”, enquanto, ninguém fala da reintrodução ou do retorno da magia como meio para salvação. Em suma: mesmo que o termo “desencantamento” não expresse inteiramente as ideias de Weber, este termo tem sido usado se alguém quer atrair a atenção dos estudiosos de Weber dentro das ciências sociais de hoje.32. (LEHMANN, 2009, p. 12). Depois dessa primeira avaliação, Lehmann afirma que não há equivalente algum exato para o termo “reencantamento” ("Wiederverzauberung") em qualquer de textos de Weber ou outro semelhante (o que já foi adiantado nas palavras introdutórias deste capítulo): Em seus estudos sobre as comunidades religiosas, Weber usou o termo “Wiedergeburt”, que é o renascimento, frequentemente. Mas é preciso ter em mente que para Weber a noção do renascimento não é um equivalente nem um sinônimo para o termo reencantamento. Um pouco, dentro do pensamento de Weber “Wiedergeburt”, significa reencarnação e mais 32 Tradução do original em inglês: Talcott Parsons and Stephen Kalberg both seem to have understood these nuances as they did not translate “Entzauberung” with “disenchantment”. No doubt, however, this does not represent the majority opinion among today’s social scientists. Rather, within modern sociology the term “disenchantment” has had a most remarkable career and serves as a passe-partout for all aspects of the processes of modernization and rationalization. All social scientists who have referred to Weber’s notion of “Entzauberung” in recent years speak of “disenchantment” and not of “the elimination of magic”. In addition, in the social sciences the term “re-enchantment” has found much interest as an equivalent to the term “disenchantment”, while no one speaks of the re-introduction or the return of magic as a means to salvation. In short: Even though the term “disenchantment” does not fully express Weber’s ideas, this term has to be used if one wants to attract the attention of today’s Weber scholars in the social sciences. 46 precisamente um renascimento produzido pelos mágicos carismáticos que ajudam indivíduos que esperam e buscam a salvação. Mas seja como for: em nosso contexto é crucial perceber que a noção do desencantamento e a noção do reencantamento não possuem o mesmo peso no pensamento de Weber. 33 (2009, p. 15). Há, no entanto, para Lehmann, duas passagens que ele destaca como próximas da ideia de “reencantamento”. A primeira delas está n’A ciência como vocação: Os deuses antigos abandonam suas tumbas e, sob a forma de poderes impessoais, porque desencantados esforçam-se por ganhar poder sobre nossas vidas, reiniciando suas lutas eternas. (WEBER, 1993, p. 42-43). Outra pode ser encontrada no final d’A ética protestante e o “espírito” do capitalismo: Ninguém sabe ainda quem no futuro vai viver sob essa crosta e, se ao cabo desse desenvolvimento monstro hão de surgir profetas inteiramente novos, ou vigoroso renascer de velhas ideias e antigos ideais, ou – se nem uma coisa nem outra – o que vai restar não será uma petrificação chinesa [ou melhor: mecanizada], arrematada com uma espécie convulsiva de auto-suficiência34. (WEBER, 2004, p. 166). Lehmann, mirando neste horizonte dos deuses ressurgidos de seus túmulos e os novos profetas e as novas ideias, aponta os limites, as fronteiras do desencantamento. Isso mesmo: para ele, no seio da atividade científica, há aspectos não-racionais: 33 Tradução do original em inglês: In his studies on religious communities Weber used the term.”Wiedergeburt”, that is rebirth, quite often. But one has to keep in mind that for Weber the notion of rebirth is neither an equivalent nor a synonym for the term re-enchantment. Rather, in Weber’s thinking “Wiedergeburt” means reincarnation, and even more precisely, it means rebirth produced by charismatic magicians who assist individuals longing and striving for salvation. […] But be this as it may: In our context it is crucial to note that the notion of disenchantment and the notion of re-enchantment do not possess the same kind of weight in Weber’s thinking. 34 Essa mesma citação fundamenta os argumentos de Alkis Kontos, o autor que virá a seguir. 47 Distinguimos as diferenças, assim me parece, quando lemos A Ciência como Vocação, relacionando a preocupação dos Puritanos com a salvação da alma e seu modo metódico de vida com o julgamento que Weber fez da ciência do seu tempo: o significado do “destino” no campo da carreira acadêmica; além disso o papel do “acaso” relacionado com a “inspiração” na especificidade do trabalho científico e finalmente um determinado “destino”, do qual Weber sempre falou e todos os esforços que coloca para os prêmios sagrados, quando não se tornam sem valor35. (2009, p. 99). Lehmann se dedica a investigar o retorno dos deuses. Por isso, a pergunta: Weber foi um bom historiador, quero perguntar, e quão bom ele era como um profeta?36 (2010, p. 16). Ele investiga sinais de um suposto retorno da religião (tendo por base a Alemanha), tratando, por exemplo, de expressões religiosas no futebol, a demanda pelo ensino religioso como forma de educação moral, a religião como forma de preservação da identidade cultural. Mas há outro lado deste “retorno”: a crise das instituições eclesiásticas, a perda do valor religioso do domingo, crescimento do esoterismo. Mas na visão de Lehmann “... isso não significa uma reversão do processo de secularização, pois este se define exatamente pela privatização e individualização do religioso”. (SELL, 2010, p. 213). Lehmann, levando em conta sua dupla concepção do desencantamento do mundo, aventa a possibilidade de pensar os processos de desencantamento e secularização da seguinte maneira: Com base em um conceito amplo de religião, pode-se afirmar que o processo de secularização da sociedade e encolhimento das grandes religiões continua, no entanto, o interesse na religião de 35 36 Tradução do original em alemão: Verschiedenes unterscheider, so scheint mir, wenn rnan Wissenschaft as Beruf liest, die um ihr Seelenheil bernühren Puritaner und deren methodische Lebensführung von Webers eigener Beurteilung der Wissenschaftler seiner Zeit und deren Arbeitswelt : Die Bedeutung des “Hazard” im Rahmen der akademischen Karriere; ferner die Rolle des “Einfalls” beziehungsweise der “Eingebung” bei der eigentlichen wissenschaftlichen Arbeit und schliesslich ein übergeordnetes “Schicksal”, von dem Weber immer wieder spricht und das alle Bemühungen um wissenschaftliche Heilsprämien in Frage stellt, wenn nicht gar wertlos macht. Tradução do original em inglês: Was Weber a good historian, I want to ask, and how good was he as a prophet? 48 nenhum modo retrocedeu. Com a ajuda do conceito weberiano de ‘desencantamento do mundo’ as diferentes formas do atual interesse religioso não se deixam exprimir. O que atualmente podemos observar não é uma secularização no sentido do ‘desencantamento do mundo’, mas uma “secularização sem desencantamento”37. (2009, p. 142). Seus estudos ainda se concentram sobre a esfera religiosa. Mas Lehmann apresenta um problema: sua interpretação do conceito de desencantamento do mundo prejudica sua análise do “reencantamento”. Por mais que sua pesquisa por algum equivalente da expressão “reencantamento do mundo” na obra weberiana seja extremamente cuidadosa, seu conceito de desencantamento do mundo é por demais largo: a ideia de uma racionalização de todos os negócios mundanos está a longos e numerosos passos de distância da ideia de perda de sentido. Por isso, sua análise de uma secularização sem desencantamento. Ora, se o desencantamento além de significar a exclusão da magia como meio de salvação, pode ser algo como assuntos mundanos continuamente racionalizados, sem recorrer à explicações religiosas, sua análise faz sentido. Afinal, o número de expressões religiosas cresce e se diversifica. A religião privatizada, individualizada (para ele isso é secularização), está espalhada, dispersa por muitos lados. Está à disposição do indivíduo que estende sua mão para usá-la a seu belprazer. Mas isso não corresponde ao sentido autenticamente weberiano do termo. Com esta limitação conceitual, Lehmann não oferece um diagnóstico novo nem mais preciso do que muitos há bastante tempo vem chamando de “reencantamento do mundo”, entendido pura e simplesmente como efervescência religiosa. O terceiro autor, Alkis Kontos, também busca explicitamente formas de “reencantamento” em Weber, tomando por base as mesmas passagens que Lehmann identificou. Mas, em primeiro lugar, ele delimita o que Weber entendia por um mundo desencantado: 37 Tradução do original em alemão: Legt man einen erweiterten Religionsbegriff zugrunde, dann spricht vieles dafür, dass zwar die Entkirchlichung der Gesellschaft weitergeht und die großen Kirchen nach wie vor schrumpfen, dass aber das Interesse an Religion keinesfalls rücklaufig ist, vielleicht im Gegenteil sogar seit einiger Zeit wieder zunimmt. Mit Hilfe des Weber'schen Begriffs Entzauberung der Welt lassen sich die verschiedenen Formen des heutigen Interesses an Religion nicht fassen. Was wir derzeit beobachten konnen, ist nicht eine Sakularisierung im Sinne einer Entzauberung der Welt, sondern eine Sakularisierung ohne Entzauberung. 49 No sentido de Weber, o mundo era concebido como habitado e governado por espíritos divinos, cujos poderes foram mediados e negociados através de rituais e sacrifícios. O mundo era um lugar de mistério e admiração; a atividade humana e o cálculo, a criatividade e a energia, o conhecimento e a prática não poderiam, nem foram capazes para, também prevalecer sobre o mundo ou esgotar seu mistério.38 (1994, p. 224). O encantamento é caracterizado, na interpretação de Kontos, pelo mistério, pela admiração, pelo politeísmo (real ou metafórico). O desencantamento aparece como a emergência da ausência de significado: O mundo encantado é, então, tratado por Weber como aquele em que uma simbiose, uma unidade orgânica, é atingida entre seres humanos e natureza. Em um mundo encantado, a natureza proporciona uma fundação significativa, estabilizando a existência; modera e dá a orientação à atividade vital que fixa a satisfação existencial. A ansiedade mental e psicológica não prevalece. Saciedade e, sobretudo, o que significa reinado supremo. A existência humana tão entranhada no seio da natureza só é possível quando e onde a natureza está impregnada com a vida dos espíritos divinos. As observações de Weber sobre natureza neste contexto revelam uma análise mais aprofundada do significado substantivo do encantamento. É este aspecto do encantamento, estado natural, que é crucial para a crítica de Weber sobre a força da ciência desencantadora39. (1994, p. 228). [grifo nosso] 38 Tradução do original em inglês: In Weber's sense, the world was conceived as inhabited and guided by divine spirits whose powers were mediated and negotiated through rituals and sacrifices. The world was a place of mystery and wonderment; human activity and calculation, creativity and energy, knowledge and practice could not, nor were they presumed able to, either prevail over the world or exhaust its mystery. 39 Tradução do original em inglês: The enchanted world then is treated by Weber as one in which a symbiosis, an organic unity, is struck between humans and Nature. In an enchanted world, Nature provides a meaningful, stabilizing foundation to existence; it moderates and gives orientation to life activity; it secures existential satisfaction. Mental and psychological anxiety does not prevail. Satiation and, above all, meaning reign supreme. Human existence so embedded in the bosom of Nature is possible only when and where Nature is imbued with the life of divine spirits. Weber's remarks on Nature in this context reveal a further 50 Kontos identifica em Weber três momentos ou três mundos encantados: o mundo primitivo, o mundo dos camponeses (como Abraão) e o mundo da Grécia Antiga. Weber não os trata como distintos estágios de desenvolvimento. É justamente com este último que Kontos faz relação entre Weber e o “reencantamento”: É precisamente este momento ou época que Weber vai usar como modelo a fim de falar do reencantamento do mundo. Weber clara e inequivocamente trata este momento de encantamento como o modo supremo de encantamento, como encantamento par excellence. No contexto da modernidade, porém, a cultura grega do politeísmo e da filosofia não pode ser revivida in toto.40. (1994, p. 229) [grifo nosso]. Mas, antes, é sobre estes mundos encantados que age o desencantamento do mundo. Kontos está preocupado em afirmar que a força por trás do desencantamento é a racionalização. Assim ele se concentra sobre os dois principais fatores que contribuem para a racionalização do mundo e, consequentemente, para o desencantamento: a religião e a ciência. A religião desencantaria pelo seu movimento progressivo para o monoteísmo, pois a característica de um mundo encantado é estar povoado por espíritos (politeísmo, portanto): “O monoteísmo é um dogma único, um mandamento, portanto, anti-encantamento, na perspectiva de Weber.” 41 (1994, p. 231). A ciência, a contrapartida secular da religião, desencanta pois faz do mundo uma paisagem favorável ao conhecimento exaustivo e, portanto, para o controle; a ciência não contempla questões de significado: elaboration of the substantive meaningfulness of enchantment. It is this aspect of enchantrnent, naturalness, that is crucial to Weber's critique of the disenchanting force of science. 40 Tradução do original em inglês: It is precisely this moment or 'epoch that Weber will use as a model in order to speak of the re-enchantment of the world. Weber clearly and unequivocally treats this moment of enchantment as the supreme mode of enchantment, as enchantment par excellence. In the context of modernity, however, the Greek culture of polytheism and philosophy cannot be revived in toto. 41 Tradução do original em inglês: Monotheisrn is a single dogma, a commandment, hence anti-enchantment, in Weber's perspective. 51 O mundo é matéria a ser moldada e dominada. A ciência domina os mecanismos do mundo, as realidades empíricas da vida. A ciência, pela verdadeira natureza da sua atividade e finalidade, entra num processo de progressiva descoberta e invenção que devem e serão substituídas, superadas. Esta situação dá origem a um sentimento de obsolescência, de futilidade42. (1994, p. 232). Para ele, a ideia de desencantamento recebe tratamento nos dois ensaios A política como vocação e a Ciência como vocação, mas sabe que apesar dos usos delimitados, o tema do desencantamento permeia grande parte de seus escritos. O desencantamento do mundo, segundo Alkis Kontos, é a perda de uma imagem normativa do homem, de sua ontologia. Mas, o próprio Weber, segundo ele, vislumbra o “reencantamento”: Weber não vê um retorno a um passado menos angustiado como possível ou como desejável. Ele parece estar ao mesmo tempo exaltando a racionalidade e condenando seus efeitos monstruosos. Ele denuncia a perda do encantamento do mundo, contudo fala do passado sem a insuportável, dolorosa nostalgia. Nenhuma época dourada passada ou futura é mencionada; nenhuma condição ante lapsum seduz Weber. Sua preferência parece estar para o futuro, um futuro que está além dos imediatos, iminentes tempos sombrios. Esse futuro não é desprovido de racionalidade, nem faz uma promessa de transição mágica a uma condição social feliz. Weber fala de reencantamento, mas ele não sugere um retorno a um mundo encantado passado, nem alude a um tempo para chegará no futuro próximo, quando as estruturas de um mundo desencantado poderiam desaparecer.43 (1994, p. 235). [grifo nosso] 42 Tradução do original em inglês: The world is matter to be moulded and mastered. Science masters the mechanisms of the world, the empirical realities of life. Science, by the very nature of its activity and scope, enters into a process of progressive discovery and invention which must and will be superseded, surpassed. This situation gives rise to a sense of obsolescence, of futility. 43 Tradução do original inglês: Weber does not.see a return to a less anguished past either as possible or as desirable. He seems to be simultaneously extolling rationality and 52 Todas as suas “... metáforas melancólicas...”44 (1994, p. 233) falam de um “... sentimento de perda, dissolução e extinção. No entanto, ele também anuncia novos modos de ser, novas trajetórias existenciais e visões.” 45 (1994, p. 234). Mas a visão que ele oferece de Weber é prenhe de analogias; longe de vê-lo como simples resignado, há o Weber consciente dos resultados da racionalização e do desencantamento e à procura de novas forças de “reencantamento”: Weber lança suas declarações como um profeta bíblico, uma criatura do deserto chamejante. Ele declara: “Não a exuberância do verão está à nossa frente, mas antes uma noite polar de escuridão gélida e cruel...”. Nós devemos viver, ele nos diz, em uma "gaiola de ferro”, uma "petrificação mecanizada" vai nos dominar, deveríamos habitar um mundo desencantado. Mas Weber não faz uma previsão simplesmente brutal de nosso destino iminente, horroroso, um destino a que, dentro de toda a probabilidade, o mundo como um todo irá sucumbir. A profecia é misturada com análise e prescrição; novas forças são reveladas.46 (1994, p. 234). Kontos vê em Weber uma triste despedida dos líderes carismáticos e profetas do mundo encantado. Mas, para ele, em Weber o cenário moderno não está paralisado no seu estado desencantado; a jaula de ferro não está hermeticamente fechada: condemning its monstrous effects. He decries the loss of enchantment in the world, yet he speaks of the past without unbearable, painful nostalgia. No golden age past or future is mentioned; no ante lapsum condition Jures Weber. This preference seems to be for the future, a future which lies beyond the immediate, impending dark times. This future is not devoid of rationality nor does it promise a magical transition to a blissful social condition. Weber speaks of re-enchantment, yet he does not suggest a return to a past enchanted world, nor does he, allude to a time to come in the near future when the structures of a disenchanted world would disappear. 44 Tradução do original em inglês: … melancholy metaphors. 45 Tradução do original em inglês: … a sense of loss, dissolution, and extinction. Yet, he also heralds new modes of being, new existential trajectories and visions. 46 Tradução do original em inglês: Weber hurls his utterances like a biblical prophet, a creature of the blazing desert. He declares: 'Not summer's bloom lies ahead of us, but rather a polar night of icy darkness and hardness...' We shall live, he tells us, in an 'iron cage, a 'mechanized petrification' will overcome us; we shall inhabit a disenchanted world? But Weber does not simply and brutally foretell our imminent, horrendous fate, a fate to which, in alI probability, the world as a whole will succumb. Prophecy is mixed with analysis and prescription; new vistas are unveiled. 53 Weber vê no contexto moderno a passagem de maneiras antigas da vida e a cristalização de novas. Mas ele declara que o ressurgimento de uma força única, primordial, e indestrutível; uma força que poderia ser governada, uma força que como a mitológica Fênix ascende de suas cinzas; esta força não é outra coisa do que a essência humana. Mesmo assim, quando ela desperta novamente ele deve agir em um mundo transformado, em um mundo de novas idéias, novos padrões culturais, que tornam a vida da mente e do coração mais complexa, difícil, e desafiadora. O mundo reencantado é um mundo novo, austero, árido, um deserto, onde os seres humanos devem agir e expressar a sua vez novamente a sua existência encantada. É a diferença entre o mundo passado encantado, por um lado, e da moderna alma individual encantada novamente, sob cerco de estruturas racionalizadas do mundo desnaturado que torna a modernidade simultaneamente lamentável e desafiadora47. (1994, p. 237). Para Kontos, Weber vê na política o heroísmo e a coragem necessários, onde possam surgir líderes e heróis com firmeza de coração para buscar o impossível e, assim, alcançar o possível: Reencantamento é o despertar do Homem, a recuperação de nosso ser verdadeiro, genuíno; mas esta recuperação de nossa plasticidade essencial não ocorre no seio da natureza; toma lugar na jaula de ferro da cultura moderna. Não podemos fugir da gaiola de ferro, que é o nosso contexto, o nosso destino. Os espíritos e deuses do 47 Tradução do original em inglês: Weber sees in the modern context of externality the passing of ancient ways of life and the crystallization of new ones. But he declares the re-emergence of a single, primordial, and indestructible force; a force which could be rechanneled, a force which like the mythological Phoenix rises from its ashes; this force is none other than the human essence. Yet, when it awakens anew it must act in a transformed world, in a world of new ideas, new cultural patterns, which render the life of the mind and heart more complex, difficult, and challenging. The re-enchanted world is a new, austere, arid world, a desert where humans must act out and express their once again enchanted being. It is the difference between the past-enchanted world on the one hand and the modern once-again enchanted individual soul under siege by the rationalized structures of a denatured world on the other that renders modernity simultaneously lamentable and challenging. 54 mundo encantado do passado, o mundo da Natureza, agora emergem como forças impessoais, abstrações, idéias e ideais; valores finais. Weber sugestivamente indica que o processo de desencantamento produz a reencantadora recuperação do eu, uma recuperação radical da nossa espiritualidade essencial, mas no contexto de um mundo desencantado, racionalizado. Reencantamento não é então, uma mera aspiração romântica por parte de Weber. Ela está enraizada na própria dialética de sua noção de encantamento e desencantamento; de seu entendimento da essência humana e do tempo histórico. A dinâmica do reencantamento como uma recuperação profunda de nossas faculdades interiores corroídas contra a presença maciça de um mundo desencantado externo é claramente presente no pensamento de Weber; é uma característica intrínseca de sua visão de mundo, embora ele não conceda um tratamento extensivo a ela. Esta divisão qualitativa entre o ser humano reencantado e o mundo sócio-cultural externo desencantado, constitui o abrigo e exílio do eu moderno. A alma humana agora reencantada enfrenta a exterioridade desencantada. Não se pode destruir a jaula de ferro. Mas nem pode a gaiola de ferro da racionalidade e da cultura extinguir a existência interior agora reencantada.48 (1994, p. 240). [grifo nosso]. 48 Tradução do original inglês: Re-enchantment is the human awakening, the recovery of our true, genuine being; but this recovery of our essential plasticity does not occur in the bosom of Nature; it takes place in the iron cage of modern culture.56 We cannot flee the iron cage; it is our context, our fate. The spirits and gods of the enchanted world of the past, the world of Nature, now surface as impersonal forces, abstractions, ideas and ideaIs; ultimate values. Weber suggestively indicates that the process of disenchantment yields to are-enchanting recovery of the self, a radical recovery of our essential spirituality, but in the context of a disenchanted, rationalized world. Re-enchantment is then not a mere romantic yearning on Weber's part. It is rooted in the very dialectics of his notion of enchantment and disenchantment; of his understanding of human essence and historical time. The dynamics of re-enchantment as a profound recovery of our inner resources pitted against the massive presence of a disenchanted external world is clearly present in Weber's thought; it is an intrinsic feature of his world-view even though he does not accord an extensive treatment to it. This qualitative split between the re-enchanted human and the external socio-cultural disenchanted world constitutes the homelessness and exile of the modern self. The now reenchanted human soul confronts the disenchanted externality. It cannot demolish the iron cage. But neither can the iron cage of rationality and Culture extinguish the now re-enchanted inner being. 55 Alkis Kontos, em relação a outros autores, além de um acento naquilo que ele qualifica de “metáforas melancólicas”, oferece a analogia de Weber com um profeta bíblico. Aqui, o Weber-profeta de Kontos é aquele que, consciente de que seu olhar é limitado pelas barras de uma jaula de ferro moderna, vê na “essência humana” o potencial reencantador, a recuperação de algo que ele qualifica de “espiritualidade essencial”, das faculdades humanas mais interiores. O espaço do “reencantamento” é a subjetividade, plenamente consciente de que o mundo no qual está inserida é desencantado. Prevalece na concepção de Kontos uma concepção dialética de encantamento-desencantamento: o mundo pode ser desencantado, mas a subjetividade pode sempre lhe conferir encantamento. É interessante retomar a comparação de Kontos com um profeta bíblico e, como tal, ver no ser humano a capacidade “reencantadora”. Mas no contexto da sociologia weberiana o profeta bíblico é o desencantador por excelência. Aqui, o Weber-profeta portaria uma mensagem distinta, uma mensagem de esperança. 2.2 PISTAS PARA ALÉM DE WEBER Os autores até aqui se concentraram em Weber, exclusivamente. Outro caminho trilhado pelos defensores de um possível processo de “reencantamento do mundo” não dispensa o autor, mas vai além dele. Neste caso, a estratégia consiste em colocar Weber em diálogo ou confronto com outros pensadores. Emergiriam daí também outras tantas vias (ou, pelo menos, pistas) para o “reencantamento do mundo”. O primeiro autor deste segundo grupo é Nicholas Gane. Ele representa uma ponte entre ambos os grupos, mas é adequado agregá-lo ao segundo. Seu trabalho se divide em três partes, basicamente: uma exposição de sua leitura dos processos de racionalização e desencantamento do mundo; uma análise de vias de “reencantamento” em Weber, baseando-se nos textos sobre as vocações científica e política; e, por fim, um confronto entre a abordagem weberiana da racionalização com as abordagens de três autores da teoria da pósmodernidade, que são: Jean-François Lyotard, Michel Foucault e Jean Baudrillard, buscando saber como estes desenvolvem e respondem às questões colocadas por Weber. Gane, adotando a ideia de que a racionalidade e, consequentemente o processo de racionalização são a idée-maîtrisse da obra de Weber, trabalha com o seguinte conceito de desencantamento: 56 Mais precisamente, trata a cultura ocidental como produto de duas importantes transições desenvolvimentais...: a eliminação das formas préhistóricas de religiosidade mágica, com a ascensão da religião universal, e o desencantamento subsequente da religião universal com o surgimento da ciência moderna "racional" e da ordem capitalista avançada. [...] Esse processo de desvalorização ou desencantamento, dá origem a uma condição de niilismo cultural em que o valor intrínseco ou o significado dos valores ou ações são cada vez mais subordinados a uma "busca racional" para eficiência e controle.49 (2002, p. 15). Para o autor, Weber equivale o desencantamento do mundo à tese de Nietzsche da desvalorização dos valores superiores, supremos50. Por isso, fala insistentemente em niilismo cultural; a cultura é progressivamente diferenciada, emancipada da vinculação a uma narrativa religiosa. Nasce, assim, uma forma absoluta de politeísmo, na qual a própria religião é uma ordem de vida entre as outras. Neste estado de coisas: 49 Tradução do original em inglês: More precisely, it treats Western culture as the product of two key developmental transitions [,,,]: the elimination of prehistoric forms of magical religiosity with the rise of universal religion, and the subsequent disenchantment of universal religion with the emergence of modern ‘rational’ science and the advanced capitalist order. […] This process of devaluation or disenchantment, gives rise to a condition of cultural nihilism in which the intrinsic value or meaning of values or actions are subordinated increasingly to a ‘rational’ quest for efficiency and control. 50 A relação entre a tese weberiana do desencantamento e a ideia da desvalorização dos valores supremos (“morte de Deus”) de Nietzsche foi explorada extensamente por Renarde Freire Nobre. Para ele, o puritanismo representa “... a efetiva transição entre o sentido do desencantamento como desmagicização e o desencantamento enquanto deseticização do mundo, tarefa que, todavia, só será plenamente completada com a consolidação de ordens mundanas seculares e autônomas em relação a quaisquer imagens religiosas do mundo, inclusive a puritana. É justamente o processo de deseticização, para além da desmagicização, a que se refere a ideia da morte de Deus. [...] Talvez a interpretação weberiana não nos autorize dizer que o puritano assassinou Deus, pelo menos não de modo consciente, mas, em certo sentido, ele preparou o terreno para que isso se desse de forma sistemática, rotineira a sem culpa, e o fez, de maneira mais conseqüente, ao lançar a ‘vontade divina’ para o reino do imperscrutável e ao lançar a sua própria vontade para o domínio da razão desperta e eficaz”. (2006, p. 516-517). Em outras palavras, a morte de Deus, a desvalorização dos valores supremos corresponde ao “...‘desencanto’ da ética” (2006, p. 516), um desencantamento tardio, correspondendo à consolidação de esferas culturais orientadas por regras impessoais., constituindo a versão weberiana de um mundo sem Deus. 57 A possibilidade de tal retorno, de reunificar a ordens de vida diferenciadas, através da referência para uma narrativa religiosa (com isso invertendo o processo de Eigengeseztlichkeit), repousa sobre o reencantamento do mundo e com isto um “sacrifício do intelecto”, uma possibilidade que continua aberta, mas que Weber rejeita como nada mais do que uma forma fantástica de fuga do . mundo (Weltflucht) 51 (2002, p. 40) [grifo nosso] Gane não deixa dúvidas quanto à sua leitura: a ideia de “reencantamento do mundo” é rejeitada por Weber, embora esteja aberta a possibilidade que vem acompanhada do sacrifício do intelecto. Aqui o “reencantamento” implica, sim, a ideia de um retorno da narrativa religiosa para o papel axial de estruturação social. No entanto, para Gane, no pensamento weberiano isso não passaria de uma fuga. Então, se uma das características centrais da cultura moderna é uma pluralidade de esferas racionalizadas guiadas por sua lógica interna (legalidade própria), é nestas esferas que Gane vai buscar formas de resistência. Por isso, antes de confrontar Weber com os autores da teoria pós-moderna, Gane investiga o que Weber veria como formas de resistência à racionalização e ao desencantamento do mundo. É dessa maneira que se pode entender o “reencantamento” que Gane procura: formas de resistência. Ou, em outros termos: “... estratégias de afirmação e reencantamento...”52. (2002, p. 87). Ele as encontra primeiramente nas duas conferências A ciência como vocação e A política como vocação, respectivamente. Analisando o primeiro texto, ele afirma que por meio da ciência não pode haver redenção do racionalismo moderno, pois a ciência pode, no máximo, oferecer soluções técnicas, contribuindo para a seleção dos meios através dos quais os valores possam ser perseguidos, mas não pode legitimá-los. Ela pode estabelecer apenas o reino do possível: Esta posição é parte de um projeto prático que visa estabelecer os limites e o uso da razão científica, um projeto que procura proteger 51 Tradução do original em inglês: The possibility of such a return, of reunifying the differentiated life-orders through reference to a religious narrative (thereby reversing the process of Eigengeseztlichkeit), rests on the re-enchantment of the world and with this a ‘sacrifice of the intellect’, a possibility which remains open but which Weber rejects as nothing more than a fantastical form of worldflight (Weltflucht). 52 Tradução do original em inglês:...strategies of affirmation and re-enchantment... 58 valores e crenças da usurpação da racionalidade instrumental e que ofereça, desse modo, uma possível, embora, limitada, forma de resistência para a racionalização e desencantamento do mundo53. (2002, p. 63). Já no segundo texto a forma de resistência ao predomínio da racionalidade instrumental (este é o termo empregado por Gane) é a busca de conciliação entre a ética de responsabilidade e a ética de convicção. Ou seja, o político deve ter uma convicção apaixonada e responsabilidade individual. A dificuldade não está, portanto, em escolher entre uma e outra, mas em conciliá-las: É precisamente este realismo que leva Weber a requerer para o líder político integrar a Gesinnungsethik e Verantwortungsethik, e para enfrentar o desencantamento do mundo e não ser desencantado. [...] Esta ligação dupla talvez constitua a base de uma forma possível da resistência à racionalização do mundo, porque os valores finais devem ser reconhecidos e confirmados enquanto que no mesmo tempo a ação seja guiada por um sentido de responsabilidade.54 (2002, p. 78) Em seguida, Gane recorre aos três autores já mencionados para ver em quais esferas estes veem formas de resistência à racionalização e ao desencantamento, contrastando-as com respostas weberianas a estes soluções. Ele principia comparando a obra de Weber e a de Jean-François Lyotard, tendo como foco a esfera estética. Em Weber, a arte, enquanto pertencente ao domínio do não-racional pode aparecer como uma forma de redenção intramundana (GANE, 2002, p. 104), já que não está 53 54 Tradução do original em inglês: This position is part of a practical project that seeks to establish the limits and uses of scientific reason, a project which seeks to protect values and beliefs from the encroachment of instrumental rationality, and which thereby offers a possible, although limited, form of resistance to the further rationalization and disenchantment of the world. Tradução do original em inglês: It is precisely this realism that leads Weber to call for the political leader to integrate the Gesinnungsethik and Verantwortungsethik, and to face the disenchantment of the world and not be disenchanted. […] This double bind perhaps constitutes the basis of a possible form of resistance to the rationalization of the world, for ultimate values are to be recognized and upheld while at the same time action is to be guided by an acute sense of responsibility. 59 submetida à lógica do progresso que caracteriza a ciência. Mas, em Lyotard, os destinos da arte e da ciência pós-moderna não são diferentes, pois ambos compartilham “... um ethos de experimentação semelhante.”55 (2002, p. 106) Para Lyotard, na esfera estética há uma potencialidade radical da figura, da imaginação, por que ela não “... pertence nem para o domínio da linguagem nem para o de "transformação prática" mas a uma ordem de sentido, e como tal está fora da sistemática ordem do pensamento representacional”. (2002, p. 108). Há ainda a relação entre arte e política, pois a arte possui um papel desconstrutivo próprio, não sendo subordinada ao discurso político. A arte é livre para desconstruir em seus próprios termos: Este argumento contra a potencialidade prática da esfera da estética concorda com a teoria de Weber sobre a racionalização da cultura em geral, mas, ao mesmo tempo, coloca Weber em oposição fundamental a Lyotard. Pois enquanto Weber vê um movimento inevitável para racionalização em todas as esferas da vida, inclusive na esfera estética, Lyotard, ao contrário, vê um espaço em que cada sistema é diferente da regra da razão instrumental, e que está aberto, sobretudo, pelo jogo de formas figurativas ou estéticas.56 (2002, p. 112). Como este trabalho está a seguir os caminhos da expressão “reencantamento” é justamente na relação entre Weber e Baudrillard que Gane a adota claramente (além do título de seu livro). Para ele, Baudrillard vê a possibilidade de “... desenvolver uma estratégia de reencantamento desde o jogo de formas simbólicas.”57 (2002, p. 131). A análise de Baudrillard da modernidade se baseia numa crítica radical da produção capitalista, contra o conceito de valor de uso. Ele opõe a ordem (da troca) simbólica com a ordem do valor. Na troca simbólica, o objeto é mais do que um objeto; não está separada da relação de troca e, 55 56 Tradução do original em inglês: … a similar ethos of experimentation. Tradução do original em inglês: This argument against the practical potentiality of the aesthetic sphere concurs with Weber’s theory of the rationalization of culture more generally, but at the same time places Weber in fundamental opposition to Lyotard. For whereas Weber sees an inevitable movement towards rationalization in all spheres of life, including the aesthetic sphere, Lyotard, by contrast, sees a space in every system that is other to the rule of instrumental reason, and which is opened up, above all, by the play of figural or aesthetic forms. 57 Tradução do original inglês: …. the possibility of developing a strategy of re-enchantment from the play of symbolic forms. 60 por isso, não está subordinado nem ao valor de uso nem ao valor econômico de troca. Em vista disso, a troca simbólica, que é encantada, está em radical oposição à ordem racional e desencantada da mercadoria. O processo de modernização é manifestação dessa luta: Isto significa que a modernidade não é, para Baudrillard, estritamente um processo unilinear de regressão de um mundo encantado (caracterizado pela troca simbólica) para uma quarta-ordem de valor desencantada, mas um processo pelo qual as formas simbólicas, embora reduzidas para uma posição subordinada dentro da cultura contemporânea, continuam a assombrar o mundo sob a forma de seu outro (um exemplo é a sedução...). Este fato é crucial, já que na prática significa que as formas de encantamento e reencantamento, para Baudrillard, nunca foram completamente excluídas da cultura ocidental, e podem até ser reativadas para desestabilizar a modernidade capitalista58. (GANE, 2002, p. 139). [grifo nosso]. A ordem simbólica e a ordem do valor estão, portanto, sempre em uma desconfortável coexistência, porque a segunda nunca conseguiu excluir completamente a primeira. Mesmo com a ascensão da ciência tanto Weber como Baudrillard “... concordam que a ciência é incapaz, em última instância, para erradicar a presença do 'não-racionalismo' ou irracionalismo do mundo simbólico ou mágico”.59 (GANE, 2002, p. 141). Gane continua a desenvolver essa comparação entre Weber e Baudrillard colocando seu olhar sobre a esfera erótica, tendo por base o princípio da sedução de Baudrillard. Segundo Gane, para Weber o naturalismo ingênuo do sexo foi transcendido pelo sexo como esfera de atividade consciente, via de fuga tanto da ética religiosa de fraternidade quanto da ordem moderna do racionalismo instrumental. Por isso, a 58 Tradução do original em inglês: This means that modernity is not, for Baudrillard, strictly a unilinear process of regression from an enchanted world (characterized by symbolic exchange) to a disenchanted fourth-order of value, but a process whereby symbolic forms, though reduced to a subordinate position within contemporary culture, continue to haunt this world in the form of its other (an example is seduction, see below). This fact is crucial as it effectively means that forms of enchantment and re-enchantment are, for Baudrillard, never completely excluded from Western culture, and may even be reactivated to destabilize capitalist modernity. 59 Tradução do original em inglês: … concur that science is unable ultimately to eradicate the presence of the ‘arationalism’ or irrationalism of the symbolic or magical world. 61 teoria da sedução de Baudrillard pode ser lida como um desenvolvimento da análise weberiana. Mas, a sedução não pode ser confundida com o sexo, também ele desencantado, definido por sua função natural. “A lei da sedução toma a forma de uma troca ritual ininterrupta... Sexo, por outro lado, tem um fim rápido, banal: o orgasmo, a forma imediata de realização do desejo.”60 (2002, p. 144). A lei da sedução não nasce a partir de uma atração natural, mas de ritual e artifício, o que é comparável ao que Weber chama de “imenso dom de si”, oposto a toda funcionalidade, racionalidade e generalidade. Por isso, a possibilidade de troca simbólica que persiste ao menos sob forma da sedução: A força da sedução não está no desmascaramento da verdade do mundo, um exercício que visa distinguir a aparência da realidade, mas num retorno a um mundo de pura aparência. E é através desta estratégia comparativa de "fraqueza" que a sedução permanece fora das forças de racionalização61. (2002, p. 145). O “reencantamento” que Gane vê em Baudrillard não é desencantar o mito para descobrir o significado do mundo, mas aquele que busca ressuscitar o encantamento das aparências em oposição ao princípio da produção, que tudo deixa à vista, que busca mostrar a falsa transparência do mundo: Esta estratégia de (re-)encantamento visa restabelecer a possibilidade de troca simbólica através de um projeto teórico de re-mistificação. Ela, como sedução, abraça aparências imediatas em vez da razão, com o objetivo de restaurar o mundo para um infinitamente complexo, mas inteligente enigma. Esta estratégia radical vai contra todas as formas de pensamento iluminista, pois pretende reencantar o segredo da forma simbólica através da diversão, em vez da 60 61 Tradução do original em inglês: The law of seduction takes the form of an uninterrupted ritual exchange where seducer and seduced … Sex, on the other hand, has a quick, banal end: the orgasm, the immediate form of desire’s realization. Tradução do original em inglês: The strength of seduction lies not in the unmasking of the truth of the world, an exercise that would seek to distinguish appearance from reality, but in a return to a world of pure appearance. And it is through this strategy of comparative ‘weakness’ that seduction remains outside of the forces of rationalization. 62 produção de conhecimento62. (2002, p. 147). [grifo nosso] Gane conclui que Weber é fundamentalmente oposto a essa estratégia de racionalização, pois mesmo as esferas irracionais tendem à racionalização e o erótico é ainda uma fuga temporária: Weber rejeita, primeiramente, a possibilidade de resistir à racionalização do mundo, quer através da sedução ou da atividade erótica, e, segundo, a possibilidade mais geral de reencantamento. A noção de redenção do racionalismo moderno através da manipulação de formas “nãoracionais”' ou irracionais é, para Weber, em última instância nada mais do que uma forma de idealismo baseado em um desejo nostálgico de um mundo pré-moderno. [...] A noção idealizada de Baudrillard da troca simbólica parece superestimar o poder de formas pré-modernas de romper a racionalização e o desencantamento do mundo, e com isso subestimar a força do mundo racional para resistir ao reencantamento. Weber, ao compartilhar de um interesse no destino da ordem simbólica e na potencialidade da esfera erótica, é pelo contrário, menos otimista do que Baudrillard. Ele continua profundamente pessimista para o resultado da racionalização e a possibilidade de reencantamento...63 (2002, p. 149). O terceiro e último autor colocado por Gane em contraste com 62 63 Tradução do original em inglês: This strategy of (re-)enchantment seeks to restore the possibility of symbolic exchange through a theoretical project of re-mystification. It, like seduction, embraces immediate appearances rather than reason, with the aim of restoring the world to an infinitely complex but intelligent puzzle. This radical strategy runs against all forms of Enlightenment thought, for it seeks to re-enchant the secret of the symbolic form through the diversion rather than production of knowledge. Tradução do original em inglês: Weber rejects, first, the possibility of resisting the rationalization of the world through either seduction or erotic activity, and, second, the more general possibility of re-enchantment. The notion of redemption from modern rationalism through the manipulation of ‘arational’ or irrational forms is, for Weber, ultimately nothing more than a form of idealism based upon a nostalgic lust for a pre-modern world. [...] Baudrillard’s idealized notion of symbolic exchange would appear to overestimate the power of pre-modern forms to disrupt the rationalization and disenchantment of the world, and with this underestimate the strength of the rational world to resist re-enchantment. Weber, while sharing an interest in the fate of the symbolic order and in the potentiality of the erotic sphere, is by contrast, less optimistic than Baudrillard. He remains deeply pessimistic as to both the outcome of rationalization and the possibility of reenchantment… 63 Weber é Foucault. A relação entre Weber e Foucault está centrada, para Gane, na esfera política: “As práticas históricas de Weber e Foucault, portanto, são bastante diferentes um do outro, e são, além disso, ligadas a duas formas opostas de prática política”64. (2002, p. 123). Tanto Weber quanto Foucault são críticos do trabalho intelectual que tenta conferir a legitimidade de um dever e que buscam prescrever orientações para a prática política: A atividade legislativa moderna de Weber e a prática pós-moderna de interpretação de Foucault também são vinculadas à oposição ética política. De um lado a obra de Weber é fundamentada por uma ética prática de conduta, uma ética que afirma, por exemplo, que é dever do político vocacional para prosseguir e proteger os seus valores máximos, enquanto ao mesmo tempo tendo a responsabilidade pelas consequências de suas ações. Este tipo de atividade política é para proceder através da avaliação racional dos propósitos, meios e fins das ações, e repousa sobre um senso de responsabilidade no trabalho intelectual e político.... Em outro, a prática genealógica de Foucault repousa sobre uma ética pós-moderna da diferença, uma ética antihumanista comprometida com a exposição de alteridade dentro da história e não a afirmação da responsabilidade legislativa.65. (2002, p. 124). Para Gane, ambos, mesmo diferenciando-se por possuírem uma ética política diferente, ao mesmo tempo reivindicam a liberdade de valor no trabalho intelectual. Mas há outro problema: como os dois autores abordam a relação entre política e violência. Weber, por 64 65 Tradução do original em inglês: The historical practices of Weber and Foucault are hence quite different from each other, and are, moreover, connected to two opposing forms of political practice. Tradução do original em inglês: Weber’s modern legislative activity and Foucault’s postmodern practice of interpretation are also tied to opposing political ethics. On the one hand, Weber’s work is grounded upon a practical ethic of conduct, an ethic that claims, for example, that it is the duty of the vocational politician to pursue and protect ultimate values while at the same time bearing responsibility for the consequences of their actions. This type of political activity is to proceed through the rational evaluation of the purpose, means and ends of actions, and rests upon a sense of responsibility in intellectual and political work (see Chapters 4 and 5). On the other, Foucault’s genealogical practice rests upon a postmodern ethics of difference, an anti-humanist ethics committed to the exposition of otherness within history rather than the affirmation of legislative responsibility. 64 exemplo, caracteriza o estado como monopólio do uso legítimo da força, enquanto Foucault afirma que o poder é uma guerra continuada por outros meios Por isso, o líder político deve assumir responsavelmente as consequências de sua ação. Weber, segundo Gane: “... não coloca fé no resultado eudemonista da prática política, na verdade, argumenta que, dada irracionalidade ética do mundo, o líder político deve ter responsabilidade pessoal pelas consequências políticas...66” (2002, p. 126). Com isso, definindo o valor da liberdade para Weber, sem comprometer os pressupostos de sua metodologia, “...procura estabelecer fatos objetivos ao invés de motivar as formas políticas da transgressão.67” (2002, p. 128). Foucault, diferentemente de Weber, critica toda autoridade e todo ato de legislação, pois a finalidade de toda obra intelectual não é educativa nem legislativa, mas a abertura da história para a livre interpretação: A obra de Foucault está ao mesmo tempo perto e longe de Weber. Foucault, como Weber, oferece uma avaliação da ascensão da ordem moderna, e está claramente preocupado com questões de racionalização. Isso à parte, ele se envolve no trabalho histórico com diferentes intenções daquelas de Weber, e aspira a uma ética política diferente. Realmente, o moderno (asceta) de Weber e pós-moderno (transgressivo) de Foucault respondem para a racionalização repousa em mundos separados68. (2002, p. 129-130). Em suma, para Gane é na esfera política que Weber, vendo no líder carismático aquele capaz de conciliar a ética de convicção com a ética de responsabilidade, aposta como forma de resistir à racionalização. Nicholas Gane talvez apresente a visão mais rígida de Weber. 66 67 68 Tradução do original em inglês: … places no faith in the eudemonistic outcome of political practice, and indeed argues that, given the ethical irrationality of the world, the political leader must take personal responsibility for political consequences … Tradução do original em inglês:... seeks to establish objective facts rather than to motivate political forms of transgression. Tradução do original em inglês: The work of Foucault is at once close to and far removed from that of Weber. Foucault, like Weber, offers an account of the rise of the modern order, and is clearly concerned with questions of rationalization. This aside, he engages in historical work with different intentions from those of Weber, and aspires to a different political ethics. Indeed, Weber’s modern (ascetic) and Foucault’s postmodern (transgressive) responses to rationalization lie worlds apart. 65 Para ele, Weber não vê, segundo ele, “reencantamento do mundo” nem por meio da esfera intelectual (ciência), nem na esfera erótica, nem na esfera estética. Na esfera política o máximo a que se chega (e essa é uma exigência dura para o líder político) é uma conciliação de duas éticas, a de responsabilidade e de convicção. Esse é o meio possível de resistência à racionalização e ao desencantamento. O segundo e último autor deste grupo é Gilbert Germain, que explora a relação entre Max Weber e Jacques Ellul no que concerne ao tema da técnica. Para Germain, Weber busca a salvação da jaula de ferro e esta se dá pela interrupção do domínio das forças instrumentais sobre todas as práticas, tanto individuais quanto políticas: De modo importante, Weber considera que qualquer perspectiva para a revitalização do reino dos fins deve ser proveniente do interior de atores individuais, uma vez que as instituições são, por definição as máquinas funcionais entregues à mentalidade meios-fins e, então, improváveis fontes de novo valor emergente. Implicada nessa linha de raciocínio está uma crença na inerradicabilidade da liberdade humana, uma crença de que os pensamentos e ações dos indivíduos não são simplesmente determinados pelo ethos que prevalece dentro de sua ordem. [...] Weber, portanto, deve cravar suas esperanças para o futuro – na verdade, para um futuro - sobre os atos de indivíduos extraordinários, sobre as pessoas de quem a visão transcende o horizonte limitado da ordem tecnológica... Weber olha para a política para encontrar essas pessoas69. (1994, p. 254). É justamente na política, “... uma potência suficientemente ampla para conter e redirecionar o imperativo tecnológico”70. (1994, p. 261), 69 70 Tradução do original em inglês: Importantly, Weber assumes that any prospect for the revitalization of the kingdom of ends must originate from within individual actors, since institutions are by definition functional machines given over to the means-ends mentality and thus not likely sources of newly emerging value. Implied in this line of reasoning is a belief in the ineradicability of human freedom, a belief that the thoughts and actions of individuals are not simply determined by the ethos that prevails within their social order. [..] Weber, therefore, must pin his hopes for the future - indeed, for a future - on the acts of extraordinary individuals, on those persons ~hose vision transcends the limited horizon of the technological order. ' As we will discuss later, Weber looks to politics to find such persons. Tradução do original em inglês:... a power sufficiently extensive to contain and redirect the technological imperative. 66 que ela pode recuperar a liberdade no mundo, com a seguinte capacidade: [...] reintroduzir sentido para o mundo. Se o mundo em si, ele parece dizer, já não sugere os fins da existência humana, então devemos olhar para nós mesmos para tal orientação.71 (1994, p. 259). Para Germain, Weber é otimista, enquanto para Ellul, a técnica tornou-se um sistema fechado, no qual a liberdade é um anátema. Para Ellul, os políticos não estão imunes ao ethos tecnológico. A técnica tornou-se o novo deus da modernidade, seu deus secular: Ellul está convencido de que os políticos não são líderes no sentido weberiano do termo em que não estão protegidos contra o ethos tecnológico. Os políticos, de acordo com essa visão, são simplesmente administradores de alto nível do sistema tecnológico. Somos todos, então, prisioneiros do sistema tecnológico, [...] Consequentemente, a partir da perspectiva do sistema, essa liberdade é periférica e serve apenas para sublinhar o nosso papel como vigias da tecnologia.72 (1994, p. 261). Gilbert Germain apresenta um Weber confiante, um Weber otimista: ele volta sua esperança para indivíduos extraordinários que pela esfera política podem resistir à técnica que tende a se tornar um sistema fechado. Mais que um ponto de partida metodológico, o indivíduo é a via pela qual se pode refrear a racionalização. Mais uma vez, é sobre o processo de racionalização que está concentrada toda a atenção e não sobre o desencantamento. O prosseguimento deste trabalho exige que se faça, neste momento, ao menos, um balanço parcial das abordagens desenvolvidas 71 Tradução do original em inglês: … reintroducing meaning to the world. If the world itself, he seems to say, no longer suggests the ends of human existence, then we must look to ourselves for such guidance. 72 Tradução do original em inglês: Ellul is convinced that politicians are not leaders in the Weberian sense of the term in that they are not shielded from the technological ethos. Politicians, according to this view, are simply high-level rnanagers of the technological system. We are all, then, captives of the technological system, according to Ellul. […] Consequently, from the perspective of the system, such freedom is peripheral and serves only to underscore our role as the technology's caretaker. 67 acima. A intenção é apontar as contribuições de cada leitura e, se foi possível, identificar espaços deixados abertos por essas abordagens. Olhando-os comparativamente, Pierucci oferece a possibilidade de se pensar o “reencantamento” de forma imanente à obra weberiana. Seu foco é a obra de Weber e exclui intencionalmente dados e pesquisas empíricas sobre mobilização religiosa ou demais leituras externas à Weber. Ele é o único que busca ouvir a voz de Weber, prestando atenção nos seus termos. Ainda que próximo dessa posição, Lehmann, apesar de caracterizar seu estudo como weberiano, tem alicerces conceituais mais movediços. O mérito de Lehmann, para compará-lo ao trabalho de Pierucci, é ter buscado pistas “weberianas” sobre o “reencantamento” no próprio texto de Weber, sem violar, contudo, seu conteúdo semântico. O resultado a que chega é, no máximo, encontrar tais pressupostos subjacentes no próprio espaço da atividade científica. Talvez desde já esteja se tornando uma litania insistente (e não ela termina aqui), mas tanto Gane, quanto Kontos e Germain estão muitíssimo distantes das preocupações conceituais de Pierucci (e, em certa medida, de Lehmann, como foi visto). Seus deslizamentos semânticos pouco acrescentam à compreensão do “reencantamento” e, oferecem, na verdade, uma imagem contraditória do próprio Weber: de um lado, um otimista (Kontos e Germain) e, de outro, de alguma forma um reticente, um resignado (Gane). Agora que o quadro de referências está estruturado, pode-se partir para o terceiro capítulo. Na verdade, o primeiro capítulo determinou a estruturação dos dois que se seguem, pois se o desencantamento do mundo é um processo histórico-religioso e histórico-científico, a pesquisa deve estar estruturada a partir destes dois eixos: o “reencantamento religioso” e o “reencantamento científico”. Essa estrutura já era um esquema mental no início da pesquisa e se confirmou com a conclusão dela, vendo que também o discurso do “reencantamento” se refere, basicamente, aos papéis da religião e da ciência no mundo contemporâneo. Como recurso de exposição o texto do segundo e terceiro capítulos obedecerá sempre ao seguinte critério: 1) identificar nos autores o conceito de desencantamento do mundo, se for oferecido claramente no texto em questão, 2) se há ou não alguma referência a Max Weber, 3) a delimitação da noção de “reencantamento do mundo” e, por fim, 4) uma análise comparativa entre os autores. 3 O “REENCANTAMENTO RELIGIOSO DO MUNDO” Depois de um esforço de clarificação dos conceitos weberianos ligados à temática desta pesquisa e de uma exposição das pistas de “reencantamento” que alguns autores identificam em (ou a partir de) Weber, empreende-se, a partir de agora, uma tentativa de sistematização dos textos que colocam a religião como via de “reencantamento do mundo”. Uma primeira leitura dos textos em que a expressão aparece dá a possibilidade de recolher significados diversos, livremente e porque não dizer tranquilamente atribuídos a ela, pois não há qualquer preocupação de associá-la ao desencantamento do mundo em termos autenticamente weberianos, alicerçando-se o argumento só pela força poética da expressão (JURKEVICS, 2004). Para um panorama inicial, eis alguns significados: o “reencantamento do mundo” pode ser uma visão otimista do lugar futuro do cristianismo (MOINGT, 1999); uma necessidade de ressignificar a vida, repensando-a a partir de valores relacionados ao sagrado e tomando desencantamento por desencanto e “reencantamento” por reencanto (DI OLIVEIRA, 2003); uma forma de (re)estabelecer a soberania de Deus, (re)afirmando o mundo como criação divina (ZAKAI, 2002); sinônimo de ressacralização (WALLIS, 1987; CSORDAS, 2007); estar associado ao crescimento das conversões (RICHARDSON, 1985), das manifestações religiosas contemporâneas (MACHADO, 2003; RODRIGUES, 2004); inclusive de suas formas mais globalizadas/mundializadas (CHELINI-PONT, 2007); um processo que diz respeito a uma demanda crescente por explicações místicas conferentes de sentido à vida ou simplesmente o surgimento de elementos místicos num mundo moderno fragmentado (MARTINS, 2001); MURDOCK, 2000); ou ainda uma forma de vigência crescente de imagens religiosas e mágicas (ALGRANTI, 2007); a concepção de que o mundo volta a ser povoado de seres espirituais (MARDONES, 2005). Ou, enfim, qualquer necessidade (vaga) de resistência diante do processo de racionalização (GOUDELI, 2001) Claro que, colocado assim o problema, uma dispersão um tanto babélica da expressão, pode dar a impressão de uma impossibilidade de ordenamento do debate. No entanto, tomando por base os autores que contrastam o desencantamento do mundo (ou melhor: expõem sua 70 leitura de Weber do que seria o desencantamento do mundo) e o “reencantamento do mundo”, um mundo desencantado e um “mundo reencantado”, pode-se, sim, oferecer um panorama mais amplo e, por isso, mesmo, passível de crítica e oferecendo possibilidades de reflexão. Assim sendo, a estruturação deste capítulo já é um dos resultados da pesquisa. Ela se baseia na possibilidade de divisão dos autores em duas vertentes: a primeira vai buscar o sentido do “reencantamento” no próprio âmbito religioso, ou melhor, na esfera religiosa; o segundo identifica o “reencantamento do mundo” além da esfera religiosa, mas ainda como um “reencantamento religioso do mundo”, ou seja, de natureza religiosa. A exposição que se segue se guiará a partir desse primeiro recorte. 3.1 O “REENCANTAMENTO RELIGIOSO DO MUNDO” NA ESFERA RELIGIOSA É claro que ao falar em “reencantamento religioso” se deve dispensar atenção para os estudos sobre a esfera religiosa (preferiu-se o termos weberiano ao invés de campo religioso). Por isso, a precedência cabe aos campos especializados que tratam da dinâmica desta esfera. Seguir-se-á a polarização amplamente aceita (CAMURÇA, 2003), mesmo que se possa problematizar as fronteiras ideais. Os sociólogos da religião podem ser classificados, grosso modo, em dois extremos: de um lado, os “teóricos da secularização” e, de outro, “teóricos do retorno do sagrado”. Tomou-se como núcleo de estruturação desta parte o debate que se realizou e realiza no Brasil. Esta escolha se justifica pois o debate sobre o “reencantamento” encontrou no Brasil um campo fértil e que tomou novo fôlego com o trabalho de explicitação dos conceitos weberianos. Sempre depois de apresentados os sociólogos brasileiros serão acrescentados ao grupo autores estrangeiros, para oferecer um panorama mais amplo da discussão. Para começar, os “teóricos da secularização”. Para Reginaldo Prandi a recente multiplicação de religiões com suas conversões e reconversões - é marcada profundamente pela falta de compromisso com o racional e científico. Em outras palavras, é evidente a despreocupação com relação aos conteúdos orientadores próprios da modernidade desencantada: O que há de característico na multiplicação mais recente de religiões e na expansão da conversão 71 ou da reconversão a essas novas ou renovadas formas de crenças é a falta de compromisso com qualquer postura que releve o caráter racional, científico e historicista fundante da sociedade na sua presumida modernidade desencantada. [...] O desencantamento significa o refluxo da magia, com o que a própria religião estava bastante de acordo [...], mas hoje, o que as novas propostas religiosas fazem e professam significa voltar atrás, recuperando a magia com muito vigor”. (PRANDI, 1996, p. 95). Mas parece paradoxal falar numa remagificação quando se concebe a idéia de que esse fenômeno acontece num mundo secularizado. Isso é explicado pelo fato que “... tivemos um projeto de modernidade, um projeto de sociedade, que não incluía o povo.” (PRANDI, 1996, p. 94), que acabou legando ao Brasil uma sociedade ao mesmo tempo “pós-ética” e “pré-ética”. É nessa diferença que Prandi situa seu argumento principal. A sociedade “pós-ética” é a das classes privilegiadas, do “vale tudo”. “Assim, apropriar-se do espaço e do bem públicos pode significar salvá-los, (...) o que dá bem a medida de desordem que o enfraquecimento e mesmo a ausência das fontes éticas religiosas tradicionais, sem que outras tomassem o seu lugar, introduziram na sociedade.” (PRANDI, 1996, p. 97). A sociedade “pré-ética” é a das classes populares, do “salve-se quem puder”. O que é público não é apropriado, mas estragado ou inutilizado por ela; “Exatamente neste processo, o pobre não é apenas órfão da grande religião, mas também do mundo da política (que se acha privatizado).” (PRANDI, 1996, p. 97). Este é um nítido quadro de desigualdades sociais. Ele ajuda compreender a remagificação-cum-secularização: Por não termos completado a formação de uma sociabilidade capaz de instrumentalizar a participação na vida pública independente da construção da identidade e dos mecanismos de representação pela via religiosa de estilo tradicional, as religiões de conteúdos éticos vazios ou acanhados, mas de repertórios mágicos robustos, acabam mostrando-se bastante apta a florescer nesta sociedade problemática, atrasada e sem muitas esperanças confiáveis. (PRANDI, 1996, p. 104). 72 Esta deficiência no processo de modernização explica as práticas mágicas dos novos grupos religiosos brasileiros, que com estas tentam responder às necessidades mais prementes do indivíduo (tais como as materiais). Ou seja, o “reencantamento do mundo” é fruto (das falhas) do processo de modernização. O sucesso da religião e a crise da sociedade são, assim, faces da mesma moeda, cuja medida é a própria crise de razão. Essas religiões que trabalham o mundo buscando seu reencantamento esbarram, contudo, no fato de que a sociedade, por mais frágil que se encontre, já incorporou, por assim dizer, os elementos fundamentais da modernidade, de tal modo que é impossível pensá-la desprovida de todo aparelhamento científico e racional que a sustenta (PRANDI, 1996, p. 105). [grifo do autor] Para Prandi, o desencantamento é o refluxo da magia e a secularização é a passagem de um estado de hegemonia de uma tradição religiosa para um de estado de pluralismo mercadológico, no qual a disputa por fiéis é inteiramente livre. Então, o que é o “reencantamento”? Nada mais que a remagificação das religiões, uma vigorosa recuperação da magia no seio destas: Parece assim que, a religião no Brasil não só se reaviva, mas se reaviva reassumindo formas que pareciam estar em final de processo de esgotamento, como se o desencantamento do mundo que marcou o início da modernidade estivesse para ser completado, num momento em que a sociedade como um todo já é uma sociedade completamente desencantada, em que a presença de deus pode ser perfeitamente dispensada, mantendo a religião o papel de renovar a certeza da providência divina, como garantia ao homem de que ele não está só, mas por si mesmo deve agir. Mas, ao contrário, a presença dessas religiões dá a ideia que o desencantamento estaria posto em questão. Largos segmentos da sociedade no Brasil e mais além nunca foram desencantados. (1996, p. 104). 73 Por isso, a sociedade parece recuar, recorrendo à religião como serviço mágico ao invés da política para solucionar os problemas que afligem a população. Mas, para Prandi, ao se interrogar sobre o papel da religião no Brasil, mesmo com ideias como globalização e pós-modernidade, a melhor definição teórica ainda está na própria modernidade: A melhor definição teórica à mão está na definição da própria modernidade; é uma teoria “antiga” e ainda nos ensina que o mundo contemporâneo é um mundo desencantado. Por ela vivemos numa época em que a sociedade se descartou em grande parte da religião e a religião, da magia. No Ocidente, de que trata o texto, a Reforma foi o primeiro grande movimento de desencantamento do cristianismo, adequando-o para os tempos da modernidade. (1997, p. 63). No entanto, a pergunta a que Prandi quer responder é justamente esta: como coadunar a continuidade do desencantamento com a contemporânea efervescência religiosa? Esse processo de desencantamento da religião e da sociedade e de perda da importância da religião pode parecer contraditório com o fato de que esta é uma época de grande vigor religioso, quando crenças novas e velhas, organizadas numa miríade de igrejas e agências do sagrado, se propagam e se multiplicam com grande velocidade mundo afora. Nunca se inventaram tantas religiões como hoje, o que tem levado muitos observadores a acreditarem numa espécie de reencantamento do mundo. O fato é que a religião pode crescer no mundo desencantado, que continua desencantado. (1997, p. 63). [grifo nosso] Em primeiro lugar a sociedade brasileira é problemática e heterogênea. As mudanças políticas não chegaram a todos, graças a um processo de modernização sócio-econômica desigual. Essas mudanças carregam consigo: [...] rastros de um passado vivo, de tradições superadas que convivem com aquilo que se pode chamar de ‘progresso’, exatamente porque o 74 ‘progresso’, quer seja ele para o bem ou para o mal, não atinge a todos igualmente, nem no mesmo tempo, nem com o mesmo sentido. (1997, p. 64). Nesse sentido, cresce a religião enquanto fornecedora de soluções, mesmo onde o desenvolvimento teria tornado Deus inútil. Pois as conquistas profanas, quando falham, colocam em risco a segurança e o conforto material, o indivíduo pode buscar o socorro em Deus ou na magia: Tal procura não significa contudo nem um retorno permanente a Deus e muito menos indício de um reencantamento do mundo, ainda que se dê aos milhões de casos. O homem e a mulher que vivem a experiência do retorno interessado ao sagrado em busca de sua eficácia sobrenatural não abandonam seu pensamento profano-racional, nem mudam as orientações mais gerais de sua conduta. Valem-se do que o sagrado pode oferecer... O mundo, igualmente, segue dirigido por ideias, forças e mecanismo não-religiosos. Esse tipo de religião também cresce como serviço. (1997, p. 65). [grifo nosso] Se sua expansão é regida pelas regras do mercado de serviços, sendo consumida como meio de fruição de sentimentos e de bem-estar. Ou mesmo como uma fonte de resistência à corrente. Portanto: “Não há nenhuma descoberta religiosa significativa capaz de superar a permanente reiteração da ideia do retorno, de necessidade de voltas às origens... (1997, p. 66). Para ele, nosso destino, como humanidade continua a depender de conquistas independentes da religião. Antônio Flávio Pierucci também tratou diretamente desta temática. E para abordá-la “... reivindica sua pertença a uma linhagem do pensamento weberiano...” (CAMURÇA, 2003, p. 55). E a partir de tal filiação, ele vê, então, nas afirmações de que Weber estaria superado - pelo fato de ter decretado o fim da religião, o que Pierucci afirma que Weber nunca fez - “... uma leitura de sua obra extremamente rala e tola, teleológica, que, digamos assim, ‘não combina com Weber’...”. (PIERUCCI, 1998, p. 47). Essa seria a leitura dos críticos da teoria da secularização. É a eles que Pierucci dirige a pergunta seguinte: […] estaria a religião marcada para morrer no capítulo final da ‘grande narrativa’ weberiana do 75 macroprocesso de racionalização ocidental, uma vez secularizado o cristianismo por força de seu próprio desenvolvimento interno, do desdobramento lógico de sua própria imagem de mundo religiosa, vítima da astúcia da introversão que ele produziu e que acabou dando na razão técnico-científica e tecnocrático-funcional? Não, de modo algum. (PIERUCCI, 1998, p. 47). De fato a religião não morreu. A modernidade não conseguiu suprimi-la. É aqui que entra a questão da pluralização religiosa. Não seria esta o indicativo mais claro da presença atuante da religião na vida do indivíduo moderno? A retomada do seu papel de preponderância na sociedade moderna? Para Pierucci não. Tanto que ele afirma: Que não a tenha suprimido ou extirpado, vá lá, nem era o caso; mas... não a expulsou de onde? – pergunto eu. Havê-la banido do centro mesmo que articula arquitetonicamente a coesão do corpo social, pergunto eu, é pouco? Terem abandonado o ‘dossel sagrado’ [...], num processo altamente dinâmico e generalizado de especialização institucional, as esferas normativas do direito positivo moderno e da ética racional, as esferas expressivas da arte moderna e do entretenimento e, last but not the least, as esferas cognitivointelectuais da filosofia e da ciência, é pouco? Pois me parece que foi assim, contentando-se com o pouco que sobrou para a religião na moderna civilização ocidental – a saber, a esfera privadoíntima, e olhe lá!... (PIERUCCI, 1997, p. 103). O quadro geral mostra uma vitalidade do sagrado, um borbulhar de novas modalidades de crença (ou novos movimentos religiosos), a reciclagem de outras e assim por diante. E tudo parece indicar que continuarão a crescer. Sem contar que a magia volta a ser utilizada. Para Pierucci isso não indica um “retorno do sagrado”: “... secularização sim, mas com mobilização religiosa; efervescência religiosa sim, mas por causa do aprofundamento da secularização.” (PIERUCCI, 1999, p. 261). Sendo assim, por mais que se intensifique o fervor religioso, que cresçam o interesse e as adesões a novos grupos religiosos e a novas igrejas (aumentando ainda mais a dinâmica de combate e conquista) mais a secularização será impulsionada: 76 Do meu ponto de vista, quero crer que, quanto mais esse alardeado fortalecimento da religião em nossa sociedade depender do aumento real da oferta de religiões e de sua diversificação interna, da extensão do leque de opções religiosas ao alcance de cada indivíduo, do crescimento numérico e da difusão/dispersão de organizações religiosas diversas entre si nas promessas que fazem para disputar as mesmas almas, tanto mais essa sociedade avançará no sentido de produzir para si, não o reencantamento do mundo, mas a dessacralização da própria cultura como condição de possibilidade do trânsito religioso legítimo dos indivíduos e grupos e, por conseguinte, da apostasia religiosa como conduta socialmente aceitável e individualmente reiterável, sem culpa. (1997, p. 115). Fica claro que o debate está gravitando em torno do conceito de secularização e, por isso, parece que o desencantamento do mundo fica secundarizado. No entanto, como ficou dito na exposição conceitual do primeiro capítulo, secularização e desencantamento, por serem tantas vezes tomados como sinônimos, não são diferenciados. Pierucci critica justamente essa confusão e procura colocar os termos nos seus devidos lugares. Deste ponto de vista, para Pierucci, secularização deve ser vista como declínio da religião, enquanto a perda da posição axial que a religião já chegou a ocupar na sociedade dita tradicional. Então, se houve secularização é porque houve desencantamento do mundo. Mas diante das afirmações de que as novas formas de religiosidades estão embebidas de um forte magismo, ele afirma, fazendo uma ressalva ao processo: [...] posso até mesmo falar em reencantamento – não o retorno a um mundo encantado, cujo sentido unitário a ciência moderna dissipou de uma vez por todas, mas sim e tão só a remagificação do campo religioso, da oferta religiosa” (PIERUCCI, 2000, p. 21) [grifo nosso] Para Pierucci o “reencantamento do mundo”, enquanto a religião voltando a fornecer uma visão unitária do mundo, conferindo um sentido totalizante para ele, não é mais possível. Christopher Partridge explorou o desencantamento e o 77 “reencantamento” ocidentais. Quanto ao desencantamento, afirma que ele foi tomado emprestado de Schiller. Além disso, ele começa com uma avaliação do pensamento weberiano: O pensamento de Weber, que tem suas raízes no racionalismo iluminista, reivindica, como o faz, sem dúvida, mais a subsequente teorização da secularização - de que o desencantamento é um processo progressivo unilinear - não muito diferente da narrativa pessimista de Friedrich Nietzsche do Ocidente, que começa com o mito primitivo e termina com a "morte de Deus". [...] Dito isto, como veremos, embora alguns teóricos puderam dar boas-vidas ao resultado projetado, Weber não.73 (2005, p. 9). Ele lembra que o conteúdo de desencantamento é a transcendentalização de Deus. Este não pode ser manipulado pela magia, não sendo um Deus caprichoso e que exige obediência. A ética é, portanto, secularizada, a magia (e com ela o mistério, o milagre) é expulsa do mundo (embora o Catolicismo medieval seja considerada por ele uma reserva de poder mágico). Surge, então, uma tensão dialética entre secular e sagrado. Com o declínio da magia, a visão de mundo sobrenaturalista começa sua erosão: Para Weber, é claro, o desencantamento do mundo é o processo pelo qual a magia e o mistério espiritual são lançados para fora do mundo, a natureza é administrada antes que encantada, o espiritual perde “significância social”, e instituições e leis não dependem da religião para a sua legitimação74. (2005, p. 11). Lançando seu olhar para o presente ele explora a relação entre o 73 Tradução do original em inglês: Weber’s thought, which has its roots in Enlightenment rationalism, claims, as does, arguably, much subsequent secularization theorizing – that disenchantment is a progressive unilinear process – not unlike Friedrich Nietsche’s pessimistic narrative of the West, which begins with primal myth and ends with the “death of God”. […] That said, as we will see, whilst some theorists might welcome the projected outcome, Weber did not. 74 Tradução do original em inglês: For Weber, of course, the disenchantment of the world is the process whereby magic and spiritual mystery are driven from the world, nature is managed rather than enchanted, the spiritual loses ‘social significance’, and institutions and laws do not depend on religion for their legitimation. 78 desencantamento e a religiosidade New Age. O mundo permanece secularizado, pois é a própria secularização que possibilita o surgimento de formas alternativas de religiosidade, como da New Age: Como podemos ver, e como [Peter] Berger sugere, a situação poderá ser menos uma secularização e mais uma recolocação da religião. Em outras palavras, podemos concluir que, como a religião dominante perde autoridade, novas formas significativas de religião expandirão para compensar. Consequentemente, em última análise, qualquer desaparecimento aparente da religião é ilusório. Aceitar esta posição geral, obviamente, não exige a grosseira rejeição da secularização.75 (2005, p. 39). Isso por que, hoje, há mais modos de vida que os religiosos tradicionais. São formas destradicionalizadas de religiosidade popular. Ele fala de uma profunda transformação da religião e é assim que secularização deve ser entendida, mas não como o processo de retorno para uma forma de cultura mágica. Uma de suas teses é de que a religião volta com força por que a ciência e as visões seculares de mundo não satisfazem os desejos humanos: Em outras palavras, a compensação é uma boa maneira de entender o ponto integral para o qual eu estou procurando atrair atenção, nomeadamente que a secularização e reencantamento caminham juntos. [...]. Isto porque secularização é um “processo autolimitador”. Por isso o apetite religioso, pode parecer, seria irremovível, a secularização será sempre acompanhada pela formação de seitas ou, crescentemente, de redes de cultos individuais (talvez encontros somente em salas de bate-papo do espaço virtual) e pequenos grupos localizados os quais são, por sua vez, o princípio de novas formas de religião sobrenaturalista. O desencantamento é o precursor do reencantamento76. (2005, p. 42-43). 75 Tradução do original em inglês: As we will see, and as [Peter] Berger suggests, the situation may be less one secularization and more one of the relocation of religion. In other words, we will conclude that, as mainstream religion loses authority, new forms of significant religion will evolve to compensate. Consequently, in the final analysis, any apparent disappearance of religion is illusory. To accept this general position, of course, does not require the wholesale rejection of secularization. 76 Tradução do original em inglês: In other words, compensation is a good way of understanding the overall point I am seeking to draw attention to, namely the secularization 79 A secularização e o desenvolvimento de formas alternativas de religiosidade são dois aspectos do mesmo processo: Esta ênfase na vitalidade da religião nãotradicional dentro de um contexto secularizado é importante, no qual reencantamento está tomando lugar como “também um produto da, ou concomitante com”, secularização77. (2005, p. 47). A ideia central é mudança da religião para espiritualidade, da visão de um Deus pessoal para um deus-espírito (espírito universal, força vital). Por isso é necessário rever o “... que nós acostumamos a chamar de “religião”78. (2005, p. 44): [...] [o] reencantamento ocidental pode ser caracterizado por novas formas híbridas de religião as quais são resultado de um processo dialético de reencantamento do secular e de secularização do sagrado. Por isso, novamente, talvez a primeira característica do reencantamento contemporâneo, deve-se notar, é que ele não é um retorno para modos anteriores de ser religioso, mas antes a emergência de novos modos de ser religioso, modos os quais encontram os novos desejos e necessidades do novo povo ocidental.79 (2005, p. 44). [grifo nosso] Este interesse na religiosidade alternativa não é um fenômeno and re-enchantment run together. This is why secularization is a “self-limiting process”. Because the religious appetite, it would seem, is irremovable, secularization will always be accompanied by formation of sects or, increasingly, cultic networks of individuals (perhaps meeting only in the chat rooms of cyberspace) and small localized groups which are, in turn, the beginnings of new forms of supernaturalistic religion. Disenchantment is the precursor to re-enchantment. 77 Tradução do original em inglês: This emphasis on non-traditional religious vitality within a secularized context is important, in that re-enchantment is taking place as “either a product of, or concomitant with”, secularization. 78 Tradução do original em inglês: … what we have become used to calling “religion”. 79 Tradução do original m inglês: … Western re-enchantment may be characterized by new hybrid forms of religion which are result of a dialectical process of the re-enchantment of the secular and the secularization of the sacred. Hence, again, perhaps the first characteristic of contemporary re-enchantment to note is that it is not a return to previous ways of being religious, but rather the emergence of new ways of being religious, ways which meet the new wants and needs of new Western people. 80 novo, bem exemplificado ao recurso à ioga e ao reiki. “O reencantamento não-tradicional surgiu há muito tempo...”80 (2005, p. 47). Steven Auper e Dick Houtman, refletindo sobre os impactos da globalização, concentraram-se no interesse ocidental por práticas religiosas orientais (exemplarmente a ioga). Uma das características centrais é a aproximação da gnose (ou conhecimento divino) que se propõe como “... alternativa epistemológica entre fé (Cristianismo) e razão (ciência)”81: Este "conhecimento interior" não pode ser transmitido pela linguagem discursiva (isto seria reduzi-lo ao conhecimento racional). Também não pode ser objeto de fé. [...] Porque não há em última instância como recorrer a nenhuma outra autoridade que a experiência pessoal, interior82. (2006, p. 83). Esse recurso ocidental à gnose não é estranho ao processo de desencantamento, mas um desenvolvimento que nasce justamente de seu interior, pois entram em espaços por ele abertos: O interesse de hoje na religião oriental no mundo ocidental tem sido produzido largamente por processos endógenos de racionalização e desencantamento, então, tem que, eventualmente retirar todas as possibilidades de encontrar significado no mundo externo a si mesmo. Estamos lidando com uma dessas ironias maravilhosas da história. As verdadeiras tradições religiosas que muito tempo atrás, segundo Max Weber, obstruíram a racionalização para infundir a vida com um novo significado, agora que os antigos sistemas de crenças foram destruídos pelo processo de racionalização83. (2006, p. 101). 80 81 Tradução do original m inglês: Non-traditional re-enchantment has been a long time coming. Tradução do original em inglês:... epistemological alternative to ‘faith’ (Christianity) and reason (science).” 82 Tradução do originalem inglês: This “inner knowing” cannot be transmitted by discursive language (this would reduce it to racional knowledge). Nor can it be the subject of faith. […] Because there is in the last resort no other authority than personal, inner experience. 83 Tradução do original em inglês: Today’s interest in oriental religion in the western world has been produced by largely endogenous western processes of rationalization and disenchantment, then, that have eventually cut off all possibilities to find meaning in the world external to the self. We are dealing with one those wonderful ironies of history here. The very religious traditions that long ago, according Max Weber, obstructed the 81 Ou seja, os problemas oriundos dos processos de racionalização e desencantamento são os verdadeiros (pro)motores dos movimentos e flutuações religiosas: De uma forma bastante paradoxal, para resumir, os problemas de sentido e identidade, produzidos pelo processo de racionalização e o desencantamento do mundo que o acompanha, constituem o ponto de partida para um reencantamento do mundo ocidental. É importante sublinhar que este é na verdade um processo de reencantamento antes que uma espécie de regressão para os sistemas prémodernos de crenças. O sagrado está, depois de tudo, [...] dentro das camadas mais profundas do eu. A sacralização do eu da Nova Era nas sociedades ocidentais contemporâneas é, então, a apoteose paradoxal da preocupação moderna com o eu, produzido pelo processo de racionalização e desencantamento84. (2006, p. 99-100). [grifo nosso] Há, mais uma vez, o acento na perda de espaço das religiões institucionalizadas (e de outras instituições) por mostrarem a sua incapacidade de serem provedoras de sentido. Num outro pólo deste debate estão os teóricos do “retorno do sagrado” que também travam sua luta em torna da ideia de “reencantamento”, que aparece também como sinônimo de retorno do sagrado e de seus correlatos metaforizados (FRIJERIO, 1995). Lísias Negrão afirma que a sociologia brasileira incorporou de forma acrítica conceitos e interpretações moldadas com bases em outras realidades sociais. Entre esses conceitos estaria o weberiano conceito de desencantamento do mundo. Impropriedade conceitual: ele foi mal aplicado à realidade brasileira. Para Negrão, ao construir o conceito de rationalization to infuse life with new meaning, now that old belief systems have been destroyed by the process of rationalization. 84 Tradução do original em inglês: In quite a paradoxical way, to sum up, problems of meaning and identity, produced by the process of rationalization and the disenchantment of the world that accompanies it, constitute the starting point for a reenchantment of the western world. It is important to underline that this is indeed a process of reenchantment rather than a sort of regression to premodern belief systems. The sacred is, after all, […] within the deeper layers of the self. New Age’s sacralization of the self in the contemporary western societies is then the paradoxical apotheosis of the modern preoccupation with the self, produced by the process of rationalization and disenchantment. 82 desencantamento: [...] referia-se o autor clássico, no contexto da gestação do mundo ocidental moderno, tanto à perda de conteúdos sacrais (seus ‘encantamentos’), quanto à racionalização dos mesmos, internamente ao âmbito da religião. Além de boa parte dos sociólogos interpretaremno como o avanço e predomínio da racionalidade científica no mundo moderno... (NEGRÃO, 1997, p. 67). Ele faz algumas observações importantes que devem ser colocadas em relevo. Em primeiro lugar, como os conceitos weberianos são historicamente construídos e sua aplicação à sociedade brasileira é uma inadequação histórica. E, ainda: As análises de Weber foram válidas para um período encerrado da história do Ocidente: o apogeu da racionalidade num mundo desencantado, em que o sagrado se exilou. Mais recentemente vivemos o período dos chamados “retorno do sagrado” ou “revanche de Deus”, em que este mundo, de alguma forma se reencanta. Mesmo se considerarmos a realidade do Terceiro Mundo em geral e do Brasil em particular, em que o sagrado persistiu, é inegável que a religião aí se revitalizou, paralelamente ao reencantamento primeiro-mundista (NEGRÃO, 1997, p. 134). [grifo nosso] Seu diagnóstico do campo religioso brasileiro exige uma visão diferente desta que é oferecida pelo conceito de desencantamento. O desencantamento para ele é, então, mais que a simples eliminação da magia do seio da religião como eficaz meio salvífico, mas eliminação de muitos destes aspectos sacrais da vida dos indivíduos. E o que resta de sacral, religioso, ainda é racionalizado por força própria: Sustento que a sociedade brasileira não foi reencantada pelo simples fato de nunca ter sido desencantada. A própria religião dominante durante todo o período pré-republicano era e é altamente encantada, a ponto de o próprio Weber tê-la considerado um retrocesso no processo de secularização, comparativamente ao judaísmo. O catolicismo repovoou o mundo com seres 83 sagrados (anjos, santos), intermediários entre Deus e os homens, revelando-se através de eventos miraculosos. (1997, p. 67). [grifo nosso] O protestantismo (do tipo europeu) continuou desencantado, mas sua variante reencantada (no sentido de remagificada) – o pentecostalismo – cresce cada vez mais, espalhando curas milagrosas, exorcismos e “efusões do Espírito Santo”. As religiões afro-brasileiras, como a umbanda, adaptaram-se à moral cristã, mas sem que se desvencilhassem de todo o seu magismo original tão peculiar, com suas oferendas e terreiros cada vez mais frequentados. As religiões de origem indígena nunca abandonaram seus relatos míticos e suas práticas mágicas. (NEGRÃO, 1997). O desencantamento só teria acontecido no interior das camadas intelectuais positivistas e modernizantes. Por isso, tem-se um Brasil sem desencantamento, pois Brasil mesmo é o povo em geral e não apenas um pequeno grupo de intelectuais. Este - o povo - “... viveu a modernização da sociedade sem secularizar sua visão de mundo, compatibilizando de alguma forma sua vivência em um mundo industrial acentuadamente tecnificado com suas vivências religiosas densamente sacrais”. (NEGRÃO, 1997, p. 67). Ou seja, quando fala de desencantamento do mundo seu foco está mais dirigido para os indivíduos e “... suas experiências com o sagrado...” (NEGRÃO, 1997, p. 71) do que para as instituições sociais. O “sagrado” esta aí, vivo e vicejante. O projeto do desencantamento/secularização weberiano não foi levado a cabo. Negrão se detém no livro de Pierucci sobre o desencantamento do mundo em Weber para avaliá-lo e para ampliar suas reflexões. Para ele, no processo de racionalização na civilização ocidental se deve distinguir dois momentos cruciais: O primeiro é o célebre desencantamento do mundo. Corresponde ao fim de uma etapa da vida da humanidade em que a magia seria a forma predominante de crença, instrumentalizada para fins utilitários e econômicos [...] Seria, portanto, a atuação da religião sobre a magia, embora esta não tenha sido eliminada de todo, persistindo submissa e enfraquecida em certas simbioses com a própria religião. No fundo, seria a descomicização do sagrado que deixa de ser imanente e se transcendentaliza, abrindo caminho para a atuação racional do homem no mundo. O segundo momento seria o da secularização. A 84 racionalização avança, sendo agora a vez da ciência, mas também da tecnologia e do cálculo atuarem sobre a religião, restringindo seu campo de ação dentro da sociedade. Não mais tendo influência sobre o Estado, que se legitima pelo direito racional, resta-lhe o estreito espaço da subjetividade. Na modernidade, o novo agente racionalizador não a provê de um novo sentido, mas elimina os já existentes. A secularização seria um processo que se dá no plano estrutural da vida social. Sociedade secularizada é aquela em que a religião permanece, repetindo agora Berger, “como retórica pública e virtude privada”. (2005, p. 32) Estabelecendo essa distinção, ele aplica o seguinte raciocínio: a religião ética de salvação, ao desmagificar (ao eliminar a magia como meio de salvação) confere um sentido unitário ao mundo. Portanto, o correto é agregar desmagificação-cum-ganho de sentido e não com perda de sentido. Assim, a ciência é a promotora da perda deste sentido conferido pela religião e, com ele, Deus mesmo: É a essência da crença ético-religiosa que é contestada pela ciência emergente, a qual se torna forma de saber hegemônica, ou seja, é antes “desendeusamento” que desmagificação. E é justamente por remover a crença em deuses que afasta o sentido conferido pela religião, relegada à irracionalidade. (2005, p. 31). Desencantamento se dá pela luta entre magia e religião e a secularização se dá pela luta entre ciência (e tecnologia) e religião, sendo que é pela secularização que se dá pela privatização da religião. A partir dessa demarcação (apresentação do seu quadro conceitual), Negrão desenvolve ainda mais sua avaliação da sociedade brasileira, chegando à questão do “reencantamento”: Utilizei-me da expressão “reencantamento” por duas vezes, justamente porque a ressurgência religiosa se daria no plano das realidades culturais e das subjetividades, o que não implica em dessecularização, ou seja, retomada da influência da religião no plano socioestrutural. [...] Ao final, menciono a persistência do sagrado, no caso 85 brasileiro. Com isso quis dizer que houve, no Brasil, uma persistência do encantamento. [...]. Reafirmo a impropriedade de se entender o desencantamento estritamente como desmagificação. O desencantamento em Weber é visto como processo que implica na “desmagificação da atitude ou da mentalidade religiosa” [...]. Como processo, pode refluir (caso do catolicismo em relação ao judaísmo) ou intensificar-se e chegar ao seu ápice (caso do protestantismo ascético). Mas é um processo que transcorre na esfera da subjetividade... (2005, p. 33). [grifo nosso] É importante reter isso: para Negrão a secularização é um processo estrutural e o desencantamento se dá na esfera subjetiva. No Brasil, não houve algo que se assemelhasse à mensagem profética racionalizadora e à implantação dos grupos protestantes (batistas, presbiterianos e metodistas) que seriam os herdeiros do potencial racionalizador “... neste contexto religioso prenhe de encantamento”. (2005, p. 34). Por isso, “... não obstante a permanência do encantamento no plano das mentalidades, o Brasil é, de fato, secularizado: existe a separação entre Igreja e Estado...” (2005, p. 35): Minha hipótese para explicar tal descompasso é o de que nossa modernização racionalizante é extrareligiosa. Sem contar com a racionalização prévia da desmagificação/desencantamento, a modernidade foi introduzida com maiores esforços pelos seus agentes, em especial do Estado [...] Creio que esta interpretação de nossa permanência num estado de semi-encantamento e secularização relativa não esteja em desacordo com a teoria weberiana. Desde logo porque desencantamento e secularização são processos que, embora busquem a racionalidade, são reversíveis. (2005, p. 35). O segundo autor deste grupo é Pierre Sanchis, que procura estabelecer uma posição intermediária à discussão, mas mantém a linha dos teóricos do retorno do sagrado e já aponta para as reflexões sobre o “reencantamento” além da esfera religiosa. Depois de retomar diversos dados referentes a pesquisas que apontam a persistência da crença em 86 Deus mesmo nos meios mais “esclarecidos” e urbanizados, defende a seguinte coadunação: Uma pista para articularmos entre si duas vertentes do processo da religião neste fim de século: “secularização e reencantamento do mundo”. De modo a não cairmos no simplismo de fazer delas duas dinâmicas contrárias simplesmente justapostas no mesmo espaço social. Para Weber [...], racionalização e intelectualização da visão do mundo repercutiam em “desencantamento”. [...] Já falamos em supressão da magia no mundo e no “mistério da religião... (2001, p. 36). [grifo nosso] A multiplicação de formas contemporâneas (novas, portanto) do religioso e a persistência de crenças antigas, em meio ao movimento, ao processo ativo de desencantamento/secularização: Ora, este tipo particular de reencantamento do mundo não institucionalmente regulado, associado a outras características como cultivo da emoção, imanência do próprio transcendente, elaboração em critério supremo da experiência e do sentimento de completude individual, presença central e cosmicamente irradiante do corpo nesta experiência e nesta completude, construção perpetuamente in fieri de uma identidade compósita, desencanto do SER, mas encantamento do VIR-A-SER... etc, parece-me fazer parte de nossa vulgata sobre as “formas do religioso na contemporaneidade”.... (2001, p. 3738). [grifo nosso] Só que o “reencantamento” vai além das fronteiras da religião e dos seus correlatos. Ele já aponta algo como o “reencantamento científico”: Ora, talvez seja no domínio da ciência hard (física quântica, teoria do caos) que, na modernidade contemporânea, a apreensão racional apareceu a alguns como flexibilizando seus determinismos, o horizonte do “mistério” reintroduzindo-se racionalmente no mundo. Assim, neste preciso campo disciplinar, mais do que em outros, é prolongamento – e não negação – da empresa de 87 racionalização desencantadora que pôde abrir-se um espaço para um reencantamento do mundo (falo, como é evidente, de representações). [...] Neste sentido, a redescoberta pela ciência de um “mundo”, um cosmos poroso e aberto ao “mistério” é que permite o repovoamento do entorno do homem e a reinscrição deste homem nas relações ativas de uma totalidade holística. (2001, p. 36). Mas, o que dizer então da inserção de diversas confissões religiosas na cena pública, partidarizando-se, defendendo explicitamente seus interesses? Uma anomalia, uma invasão de espaços que a modernidade fez estranhos a ela? Não. É o “reencantamento” da política. Refere-se à luta pela identidade inegociável num contexto de pluralismo religioso, um abandono do padrão sincrético. Enfim, uma nova forma de guerra santa, a partir da qual “... estariam a se implantar [...] as relações modernas de liberdade e autonomia individual na escolha da pertença definitória de cada um” (2001, p. 39) e a procura de participação nos mecanismos tácitos de poder. Isso inclui até os arranjos formais, como as eleições. Uma coalizão que não nega necessariamente o “desencantamento” secularizador operado pela modernidade, mas que pode articular-se dialeticamente com ele, através do “desencanto” que ele próprio segredou em consciências populares. Ou seja, a nova identificação dos domínios religioso e político que caracterizaria uma forma de “reencantamento”, também, como o “reencantamento” científico, tira a sua força do processo prévio de secularização: Em todos os casos o desencantamento alterna, articula-se ou se confunde com o reencantamento. [...] Se os movimentos aparentemente contrários que levam desencanto e reencantamento às formas contemporâneas do religioso são intrinsecamente articulados, será mais proveitoso, para apetrecharnos de um instrumento analítico, reformular sem cessar o conteúdo da categoria da “secularização” em função dos fenômenos emergentes ou tentar construir outra categoria, como alguns de nós o pedem com insistência? Vã operação de maquiagem? Talvez, mas não é certo, se for verdade o que Durkheim nos ensinava sobre o caráter criador de “realidade” das categorias. (2001, p. 42). 88 Para Sanchis, deve-se ter em conta o caráter dialético da contemporaneidade. No Brasil, articulam-se “três modernidades”, que articulam entre si, a diacronia sobrepondo-se à sincronia: Nosso campo religioso se caracteriza pela permanência da pré-modernidade (magia, um universo habitado por santos, anjos, demônios e pombagiras, necessidade da mediação eclesial, mesmo que seja para obter dinheiro, e outros sacramentais, tais como sal grosso, etc.) com surtos de modernidade (como a afirmação do individualismo). Não se pode deixar de fora dessa aliança a Pós-modernidade, com suas “desarticulações e ambiguidades” e seus “cruzamentos multivariados de lógicas”, como recentramento da função simbólica sobre uma operação totalizante (“holística”) a partir das necessidades do eu inseparavelmente espiritual e corporal (1997, p. 111). Vivemos, para ele, num universo “... nunca totalmente desencantado...” (1997, p. 109), povoado de espíritos, onde se estabelecem pontes entre concepções religiosas, entre universos simbólicos diversos, que: [...] se reconhecem mutuamente sentido e força. Relativização de fronteiras, destas mesmas fronteiras teoricamente afirmadas com tanta radicalidade. Um autêntico reencantamento do Mundo, muito pouco “moderno”, pouco protestante também, mas que fieis pentecostais reassumem, junto com e a revelia de sua “modernidade”. (1997, p. 109). A essa porosidade de identidades ele dá o nome de “sincretismo” (mesmo sem excluir conflitos entre as expressões religiosas). Mas ele frisa: Talvez o exame do campo religioso brasileiro contemporâneo possa ter-nos mostrado, entre permanências de onde brotam as novidades, a teimosia de uma “tradição” (pré-modernidade?) brasileira, feita de articulação, nunca reduzida a uma unidade sistemática, de identidades plurais, porosas e relativamente fluidas. (1997, p. 113). 89 Segundo a visão de Sanchis a contemporaneidade mesma produz novas formas de religioso, adequadas à nova configuração social, persistindo e se refazendo seja na periferia e no centro, no campo ou nas cidades, seja na América Latina ou na Europa. Para entendê-las, é importante não optar por uma simples opção entre secularização ou “reencantamento”. Importante é integrá-las. Por isso, para ele, pode-se falar de um “reencantamento” religioso e, ainda, de um científico e político. John Wallis afirma que a expressão que Weber tomou “emprestada” de Schiller corresponde a sua pessimista visão da modernidade. Ele vê no Espiritualismo85: [...] uma tentativa de re-encantar o mundo – para (re)descobrir um sentido de admiração e de experimentar as ”incalculáveis forças misteriosas" do universo - e não através de um voo de volta para um suposto “passado encantado”, mas sim “encantando” através de alguns dos muitos aspectos do mundo novo, moderno.86 (2005, p. 39). Para ele, o Espiritualismo explora três lugares característicos do desencantamento como passíveis de “reencantamento”. Em primeiro lugar, a ciência: “O Espiritualismo representa a fusão da ciência e da religião, a ‘Religião da Razão’87” (2006, p. 35). Pois a presença de espíritos, por exemplo, pode ser provada, segundo eles, por vários fenômenos físicos. O segundo lugar é a tecnologia: Pelo contrário, os Espiritualistas podem ser vistos como tendo estado conscientemente buscando a ligação do encantamento gerado na imaginação popular através de tecnologia com a sua visão do cosmos espiritual, e ao fazê-lo também enfatizam que perceberam a racionalidade inerente a esse universo.88 (2006, p. 38). 85 86 Espiritualismo neste texto equivale a Espiritismo. Tradução do original em inglês:... an attempt to re-enchant the world – to (re)discover a sense of wonder and to experience the ‘mysterious incalculable forces’ of the universe – not through a flight back into an allegedly ‘enchant past’, but rather through ‘enchanting’ some of the very aspects of the new, modern world. 87 Tradução do original inglês: Spiritualism represents a fusion of science and religion, a “Religion of Reason”. 88 Tradução do original em inglês: Rather, the Spiritualists may be seen to have been selfconsciously seeking to link the enchantment engendered in the popular imagination by 90 O terceiro lugar é a morte. Tanto a vida quanto a morte eram assistidas pelos santos com suas orações. A Reforma quebrou esta comunhão. A morte na modernidade tornou-se um lugar de desencantamento pois tornou-se “...cada vez mais privatizada, medicalizada e, finalmente, secularizada...”89 (2006, p. 38). A vida pós-morte fica mais desencantada pois o igualitarismo democrático torna inaceitável a ideia de um céu e um inferno. A doutrina do pós-morte não é socialmente aceitável. Em segundo lugar, a morte era vista como um evento impessoal, pois não é mais um evento comunitário dolorosamente individual, pois o indivíduo deveria enfrentá-la apenas como indivíduo. Mas os Espiritualistas não a veem assim: o indivíduo está integrando uma comunidade de espíritos. Por isso, o Espiritualismo responde ao desencantamento desta maneira: Essa resposta, como espero que tenha ficado claro, era uma tentativa para (re) encantar o mundo, não através de uma rejeição da modernidade e um voo de volta para um passado pré-moderno idealizado, "encantado". Ao contrário, os espiritualistas procuraram (re)encantar lugares dentro da modernidade que a partir de uma perspectiva weberiana seriam vistos como portadores de desencantamento, especificamente a tecnologia90. (2006, p. 39). Estes três lugares em que os Espiritualistas “reencantamento do mundo” leva Wallis a afirmar: veem o [...] entre o desencantamento e o (re)encantamento está a visão que eles não como conceitos binários opostos, mas antes intrinsecamente ligados como um resultado da atividade humana. [...] Com efeito, as tentativas de (re)encantar o mundo technology with their view of the spiritual cosmos, and in doing so also emphasise they perceived to be inherent rationality of this cosmos. Tradução do original em inglês: … increasingly privatised, medicalised and ultimately secularized… Tradução do original m inglês: This response, as has hopefully been made clear, was an attempt to (re-) enchant the world, not through a rejection of modernity and a flight back into an idealized pre-modern, ‘enchanted’ past. Rather, the Spiritualists sought to (re)enchant sites within modernity that from a Weberian perspective would be seen as carriers of disenchantment, specifically and technology. 89 90 91 podem estar completamente ligadas com as "forças de desencantamento". [...] Do mesmo modo, por outro lado, lugares de desencantamento podem tornar-se (re)encantados através da sua falência para compreender completamente o universo com suas "mãos esqueléticas" e " abstrações artificiais " ou, talvez mais interessantemente, pode-se abrir novos “mistérios” e novos lugares de admiração91. (2006, p.40). O que há em comum entre os autores do “reencantamento” religioso na esfera religiosa é uma rejeição à ideia de retorno: de um lado a persistência da magia ou de formas mais “primevas” de religião; de outroo surgimento de crenças tipicamente modernas (ou pósmodernas). Neste segundo caso não é uma reversão,mas um processo nascido no seio mesmo do processo de desencantamento ou, para ser mais fiel às exposições, à secularização. Domina a ideia (principalmente para os “teóricos da secularização”, de que com a secularização – com a perda da hegemonia de determinada religião sustentada pelo Estado em sua pretensão de exclusividade – e com o desencantamento do mundo (enquanto perda de sentido) que deixa nas mãos do indivíduo escolher quais valores nortearão sua conduta (se serão religiosos ou não), essa liberdade solitária ou essa solidão livre pode tomar para si a religião que for, da maneira que for. Num pluralismo religioso mercadológico extremado, nascido justamente da dinâmica da secularização, o indivíduo pode recorrer à religião, pode recorrer inclusive à magia. É a secularização – que se aprofunda – a produzir remagificação e fervor religioso. Por isso, a única ideia dominante e aceitável que se aproximaria para o sentido original de desencantamento é uma remagificação da esfera religiosa. Os indivíduos acessam a meios mágicos, sim. Nesta versão, o “reencantamento do mundo” seria, portanto, um processo concomitante (paralelo) ao desencantamento, nascido como produto mesmo do desencantamento do mundo. 91 Tradução do original em inglês:... between disenchantment and (re-)enchantment is by seeing them not as binary opposed concepts, but rather intrinsically bound together as an outcome of human agency. […] Indeed, attempts to (re)enchant the world may themselves be thoroughly bound up with the “forces of disenchantment”. […] Similarly, on the other, sites of disenchantment may become (re-)enchanted trough their failure to completely grasp the universe with their “bony hands” and “artificial abstractions” or, perhaps more interestingly, may themselves open up new “mysteries” and new sites of wonder. 92 3.2 O “REENCANTAMENTO” RELIGIOSA ALÉM DA ESFERA RELIGIOSO As leituras acerca do tema do “reencantamento” conduziram ao estabelecimento destas (des)limitações, (des)fronteirizações: a religião não está confinada ao campo explicitamente religioso; não se enquadra, para usar termos weberianos, na exclusividade da esfera religiosa. Por isso, esse alargamento de horizonte leva a um sério questionamento até do que se entende por religião: Os conceitos de religião ou mesmo de campo religioso se tornaram um cobertor curto: eles não cobrem mais todas as modalidades, os espaços, a diversidade e a mutabilidade da experiência religiosa nos quadros da modernidade capitalista tardia. Está em processo um verdadeiro deslocamento ou uma transformação do religioso. Outras instituições ou instâncias sociais assumem funções das instituições religiosas no campo cultural, principalmente o complexo midiáticocultural, que envolve televisão, internet, cinema, revistas e literatura, esporte, publicidade e moda. Estas instituições, todas do e para o mercado, também produzem símbolos, sentidos, crenças, explicações sobre o real, rituais e mitos, propõem valores, estilos de vida, figuras para a imitação, a fidelidade e mesmo a devoção das pessoas. Este parece ser um traço fundamental da atual constelação. A religião não deve mais ser procurada apenas em igrejas, templos e terreiros, onde ela se tematiza explicitamente, mas também lá onde ela não se chama de religião: no culto ao dinheiro e ao corpo, na eficiência administrativa e empresarial, no encantamento pela técnica e pelo design, no êxtase sonoro ou imagético, no mundo do esporte, das compras e dos astros midiáticos. O religioso se desloca, desborda, extravasa, migra do que era tido tradicionalmente como o “próprio” do religioso (...). (MOREIRA, 2008, p. 71). É justamente a partir desse critério de deslocamento da “religião” que os autores que se seguem podem ser identificados. Esse adiantamento de conclusão mostra que é insistente, junto aos autores 93 que tratam do “reencantamento”, uma identificação de comportamentos, sentimentos e pertenças religiosas em espaços aparentemente desprovidos de qualquer identificação/religiosa institucional (RODRIGUES, 2004). A partir desta orientação serão apresentados os autores deste segundo grupo, que buscam a religião onde ela parece não se encontrar, mas que sob formas diversas – metamorfoseadas – donde ela irrigaria de alguma maneira a espera privada e até mesmo o conjunto social. Para começar se tem Jesús Martin-Barbero. Ele afirma que há uma promessa cumprida: a do desencantamento do mundo. “Deixou-o [este mundo] sem magia, sem mistério”92 (1995, p. 01) e, ainda “sem mito, sem ritos”93 (1995, p. 01). É um mundo ao qual as pessoas não se acostumam. “A gente segue necessitando reencantar o mundo, devolverlhe magia, devolver-lhe mistério”94 (1995, p. 01). Para ele o desencantamento não tem o sentido de uma decepção subjetiva, mas o sentido de uma racionalização do mundo: Para Weber um mundo secular, moderno, não tanto um mundo sem deuses, é um mundo racionalizado. Racionalizado significa um mundo governado pela racionalidade científica que vem a deixar sem chão as dimensões mágico-mistéricas da existência humana. Em segundo lugar, para Weber um mundo secular é um mundo em que a realidade ficou privada de sentido último. Não faz sentido, dado que seria feito somente. A realidade é deixada sem um sentido último e que em última análise, governa o mundo, segundo Weber, será racionalidade instrumental, de modo que em uma metáfora bem expressiva Weber chamou de "jaula de ferro"95. (1995, p. 02). 92 93 Texto original em espanhol: Lo ha dejado sin magia, sin misterio. Texto original em espanhol: Sin mito, sin ritos. 94 Texto original em espanhol: La gente sigue necesitando reencantar el mundo, devolverle magia, devolverle mistério. 95 Texto original em espanhol: Para Weber un mundo secular, moderno, no es tanto un mundo sin dioses, es un mundo racionalizado. Racionalizado significa un mundo regido por la racionalidad científica que viene a dejar sin piso las dimensiones mágico-mistéricas de la existencia humana. En segundo lugar, para Weber un mundo secular es un mundo en el cual la realidad ha quedado privada de sentido último. Ya no hay un sentido dado que habría que realizar solamente. La realidad se ha quedado sin un sentido último y lo que en últimas rige el mundo, según Weber, va a ser la racionalidad instrumental, esa que en una metáfora bien expresiva llamó Weber “la jaula de hierro”. 94 Mas, então, o que é o “reencantamento do mundo”? Os meios de comunicação o operam, pois não são mero fenômeno comercial, mas um fenômeno antropológico e cultural, por meio dos quais cada vez mais pessoas vivem “... a constituição do sentido de sua vida.”96 (1995, p. 03). Pois “... os meios de comunicação também são reencantadores do mundo, que pelos meios de comunicação passam uma forma de devolver magia à experiência cotidiana das pessoas...”97. (1995, p. 05). Devolver magia ao cotidiano: eis o “reencantamento”. Nestes meios há sinais de rito, de celebração comunitária, como novos meios de juntar as pessoas. A TV e o rádio (como o demonstra a igreja eletrônica) tornam-se uma mediação fundamental da experiência religiosa, devolvendo magia às religiões que se haviam intelectualizado (desencantado), devolvendo magia às experiências cotidianas (como shows de rock e os Jogos Olímpicos). Mas como se dá esse efeito reencantador? Pela supressão do tempo e da distância, que consiste na eliminação da distância entre sagrado e profano. O sagrado sofreu uma trivialização: A forma como a magia tecnológica reencanta o lavar, o esfregar, o limpar, o passar, tudo isso só nos mostra a zona mais opaca, mais humilhante, da vida cotidiana. E digo – atenção porque esse reencantamento é cada vez mais o efeito da magia tecnológica – da capacidade do dispositivo tecnológico de transfigurar, de poetizar, de tornar transcendente o que aparentemente é inócuo, é tolo, é repetitivo. Pensem na capacidade da publicidade para fazer mágica uma garrafa de Coca Cola e fazer brotar da garrafa energia, beleza, sabedoria, etc. [...] Diante da promessa moderna, ilustrada de desaparecimento da religião, o que encontraríamos é que a religião se modernizou, a religião tem sido capaz de apropriar-se da modernidade, tem sido capaz de fagocitar a modernidade e de alguma maneira transformá-la em alimento e em elemento de seu próprio projeto. Ao que assistiríamos então não é um enfrentamento entre religiosidade e modernidade, mas para uma definição moderna das religiões, e esse moderno estaria 96 97 Texto original em espanhol:... la constituición del sentido de su vida. Texto original em espanhol: … los medios de comunicación también son reencantadores del mundo, que por los medios de comunicación pasa una forma de devolverle magia a la experiencia cotidiana de la gente. (p. 05). 95 profundamente ligado aos meios de comunicação, às novas tecnologias comunicativas98. (1995, p. 5). [grifo nosso] Outro autor explora esta questão de forma mais direta é Raymond Lee, para o qual a ideia-chave do “reencantamento” é a do deslocamento do sagrado. Segundo Lee, a secularização corroeu o poder da autoridade religiosa e, ao mesmo tempo, abriu espaços para a elaboração de novas formas religiosas baseadas na experiência pessoal. Por isso, um recuo na participação religiosa não representa um recuo das crenças. Isso mostra que o paradigma da secularização não está obsoleto, mas deve ser visto de um ângulo diferente: Ou seja, se o desencantamento pode abrir a via aos valores paradigmáticos de um mundo cientificamente racionalizado, ele não pode por outro lado negar o apelo do irracional e de tudo o que suscita do misterioso e do esotérico. Dito isso, a questão é saber quais são as forças que se opõem ao desencantamento; ou descobrir o que, no desencantamento, abre uma possibilidade de reencantamento num mundo racionalizado99. (2008, p. 69-70). [grifo nosso] Há uma relação dialética entre desencantamento e “reencantamento”. Pois mesmo a racionalização – e Weber mesmo o 98 99 Texto original em espanhol: La manera cómo la magia tecnológica reencanta el lavar, el fregar, el limpiar, el planchar, todo aquello que justamente nos muestra la zona más opaca, más humillante, de la vida cotidiana. Y digo -atención porque ese reencantamiento es cada vez más el efecto de la magia tecnológica - de la capacidad del dispositivo tecnológico de trasfigurar, de poetizar, de volver trascendente lo que aparentemente es inocuo, es tonto, es repetitivo. Piensen en la capacidad de la publicidad para hacer mágica una botella de Coca Cola y para hacer brotar de la botella energía, belleza, sabiduría, etc”. […] Frente a la promesa moderna, ilustrada de desaparición de la religión, lo que encontraríamos es que la religión se ha modernizado, la religión ha sido capaz de apropiarse de la modernidad, ha sido capaz de fagocitar la modernidad y de alguna manera transformarla en alimento y en elemento de su propio proyecto. A lo que asistiríamos entonces no es a un enfrentamiento entre religiosidad y modernidad, sino a una puesta en moderno de las religiones, y ese moderno estaría ligado profundamente a los medios de comunicación, a las nuevas tecnologías comunicativas. (p. 05). Texto original em francês: Autrement dit, si le désenchantement peut ouvrir la voie aux valeurs paradigmatiques d’un monde scientifique et rationalisé, il ne peut par ailleurs anéantir l’appel de l’irrationnel et de tout ce que reléve du mystérieux et de l’esotérique. Cela dit, la question est savoir quelles sont les forces qui s’oposent au désenchantement ; ou découvrir ce qui, dans le désenchantement, ouvre une possibilité de réenchantement dans un monde rationalisé. (2009, p. 69-70). 96 apontou – porta um elemento de intensificação do irracional. Uma desconstrução precede a formação de novas crenças: [...] a secularização como um produto do processo de modernização não pode significar apenas uma desconstrução das crenças e práticas religiosas, dès lors que uma tal desconstrução precede uma renovação formal e um reagenciamento destas crenças e práticas. O reencantamento torna-se, por isso, um elemento concomitante ao processo de desencantamento, dado que este tanto quanto ele redinamiza os significados religiosos.100. (2008, p. 70). Antes de se submeter ao controles das instituições religiosas, os indivíduos têm acesso a um mercado de informações e conhecimentos a partir dos quais eles tomam as suas decisões fora das estruturas do desencantamento, o que acaba provocando uma desdiferenciação dos valores. Isso significa que as barreiras que antes separavam os valores desapareceram num mundo agora sem fronteiras: O espírito do sincretismo se desdobra num movimento que visa liberar-se da desilusão do desencantamento de modo a salvar o que a modernidade pode oferecer, sem substituir os símbolos e crenças das culturas pré-modernas. O sincretismo evolui numa perspectiva funcional: trata-se de considerar o reencantamento não mais como uma solução radical ao desencantamento, mas um como uma ferramenta usada para recuperar ou reinventar das crenças antigas e esotéricas, tudo em proveito das tecnologias modernas para melhorar o bem-estar. [...] O reencantamento ressalta essa busca do potencial humano em proveito das vias sincréticas desenhadas nas diferentes fontes de conhecimentos e práticas que transcendem a banalidade das crenças tradicionais. A exposição aos sistemas alternativos de cura, num quadro pluralista, estimula os adeptos a perseguir uma 100 Texto original em francês: “... la sécularisation en tant que produit du processus de modernisation ne peut simplement signifier une déconstruction précède un renouveau formel et un réagencement de ces croyances et pratiques. Le réenchantement devient donc un élement concomitant au processus de désenchantement, étant donné que celui-ci affaiblit autant qu’il redynamise les significations religieuses. 97 experimentação onde o encantamento é alimentado por uma abertura ao Oriente101. (2008, p. 72). A Internet é vista por Lee como um meio pelo qual o indivíduo pode recriar os conhecimentos existentes, reencantando quem possui estes conhecimentos: O pluralismo e o sincretismo crescentes da pósmodernidade ou do fim da modernidade têm pois criado um mosaico de conhecimentos intercambiáveis. Isto não significa que as religiões institucionalizadas tornaram-se livremente ecumênicas. Dito isto, a secularização tem aberto espaços para a exploração individual dos conhecimentos místicos inerentes a cada tradição e tem aberto a via a eventuais mestiçagens. Em resumo, a força centrípeta do desencantamento não pode resistir completamente à força centrífuga do reencantamento. É este movimento em direção ao exterior que muda a significação da religião dispersando a potência do sagrado.102 (2008, p. 72). [grifo nosso] Aqui o autor começa a discorrer sobre o que ele chama de dispersão do carisma, de “... imanência do sagrado...103”. (2008, p. 73), 101 Texto original em francês: L’esprit du syncrétisme se deplóie dans un mouvement qui vise à se dégager de la désillusion du désenchantement de manière à sauver ce que la modernité peut offrir, sans remplacer les symboles et les croyances des cultures prémodernes. Le syncrétisme évolue dans une perspective fonctionelle: Il s’agit de considérer le reenchantement non pas comme une solution radicale au désenchantement, mais comme um outil servant à récupérer ou réinventer des croyances anciennes et ésotériques, tout em profitant des technologies modernes pour améliorer le bien-être. [...] Le réenchantement souligne cette quête de potential humain en empruntant des voies syncrétiques puisant dans différentes sources de connaissances et de pratiques qui transcendent la banalité des croyances traditionelles. L’exposition à des systèmes alternatifs de guérison, dans un cadre pluraliste, stimule les adeptes à poursuivre une expérimentation où l’enchantement est nourri par une ouverture apparente à l’Orient. 102 Texto original em francês: Le pluralisme et le syncrétisme croissants de la postmodenité ou de la fin de la modernité ont donc créé une mosaïque de conaissances interchangeables. Cela ne signifie pas que les religions institutionnalisées sont devenues librement oecuméniques. Au contraire, la sécularisation les a mises davantage sur leurs gardes. Cela dit, la sécularisation a ouvert des espaces pour l’exploration individuelle des conaissances mystiques inhérentes à chaque tradition et a ouvert la voie à d’eventuels métissages. En resume, la force centripéte du désenchantement ne peut pas totalement résister à la force centrifuge du réenchantement. C’est ce mouvement vers l’exterieur qui change la signification de la religion en dispersant la puissance du sacré. 103 Texto original em francês :... l’immanence du sacré. 98 “... a sacralização da subjetividade...”104 e “... revitalização da experiência carismática individualizada...”105 (2008, p. 74). Para ele, se o carisma não pode ser distinguido de nossa experiência imediata do sagrado, ele deve ser aplicado à questão do “reencantamento”, que é a difusão dessa experiência no contexto do fim da modernidade/pósmodernidade. É preciso: Separar o sagrado do religioso, é deixar entender que a experiência do sagrado não está presente apenas na religião. Não se pode dar à profundidade das experiências sacralizadas o mesmo estatuto discursivo que este que é dado à prática religiosa formal.Isto não é provavelmente mais possível num contexto de desencantamento, onde a racionalização das crenças representa uma tentativa de vencer todas as formas de “superstição” em nome do progresso. O desencantamento tem a tendência a funcionar como uma dessacralização de todos os conhecimentos, de maneira a que a mistificação não constitua um obstáculo ao progresso.106. (2008, p. 78). É importante frisar: o “reencantamento” implica uma definição mais subjetiva do sagrado, pois é por meio de experiências carismáticas individuais que ele se realiza e não em espaços institucionais: Por contraste, o reencantamento implica um processo de renovação espiritual que aumenta s receptividade individual aos conhecimentos esotéricos ou aos conhecimentos e práticas outrora considerados como marginais [vistas ameaçadoras] aos olhos das instituições religiosas. Uma vez que este processo ocorre num contexto de concorrência aberta entre indivíduos e 104 105 Texto original em francês :... la sacralisation de la subjectivité. Texto original em francês :... revitalisation de l’expérience charismatique individualisée. 106 Texto original em francês : Séparer le sacré du religieux, c’est laisser entendre que l’expérience du sacré n’est pas exclusivement présent dans la religion. On ne donne pas à la profondeur des expériences sacrées le même statut discursif qui celui qui est donné à la pratique religieuse formelle. Ce n ést probablement pas possible dans un contexte de désenchantement, où la rationalisation des croyances représente une tentative de vaincre toutes les formes de “superstition” au nom du progrès. Le désenchantement a tendance à fonctionner comme une désacralisation de toutes les connaissances, de façon à ce que la mystificacion ne constitue pas un obstacle au progrès. 99 instituições, acelera a tendência à separação entre o sagrado e a religião, dado que o reencantamento estende o campo de expectativas individuais às experiências carismáticas, favorecendo assim uma definição mais subjetiva do sagrado. [...] No contexto do fim da modernidade e da pósmodernidade, as forças opostas do desencantamento e do reencantamento têm pois criado aberturas que têm permitido ao sagrado de se liberar das estruturas da religião estabelecida. Isso significa que nós não podemos simplesmente supor que somente as religiões podem reivindicar o sagrado, uma vez que a subjetividade do sagrado pode estender-se além das fronteiras de toda religião qualquer que seja.107. (2008, p. 79-80). As sociedades pós-modernas chegaram ao ponto de não mais definir em controlar o sagrado108: Isto significa que se pode agora repensar o problema colocado por Max Weber, há um século, a propósito das racionalizações das crenças e da rotinização do carisma. Repensar esta questão necessitará todavia um novo quadro de análise centrado sobre a oposição entre o desencantamento e o reencantamento e sobre seu impacto sobre o eu como detentor de uma nova presença carismática. Tratar-se-á então de perguntar se esta presença não tem sido criada, 107 108 Texto original em francês : Par contraste, le réenchantement implique um processus de renouveau spirituel qui accroît la réceptivité individuelle aux conaissances ésotériques ou aux conaissances et pratiques autrefois considerées comme marginales (voire menaçantes) aux yeux des institutions religieuses. Dès lors que ce processus se déroule dans um contexte de concurrence ouverte entre individus et institutions, Il accélère la tendace à la séparation entre le sacré et la religion, étant donné que le réenchantement élargit le camp des attentes individuelles vis-à-vis des experiénces charismatiques, favorisant ainsi une définition plus subjective su sacré. [...] Dans le contexte de la fin de la modernité et de la postmodernité, les forces opposées du désenchantement et du réenchantement ont donc créé des ouvertures qui ont permis au sacré de se dégager des structures de la religion établie. Cela signifie que nus ne pouvons simplesment supposer que seules lês religions peuvent revendiquer le sacré, dês lors que subjectivité du sacré peut s’etendre au-delà des frontières de toute religion quelle que’ella soit. Tudo isso está em consonância com categorias como religião implícita (Arnaldo Nesti), religião difusa (Roberto Cipriani). Ele dá o exemplo de Hervieu-Léger, que fala da natureza sagrada do esporte contemporâneo. 100 como por ironia pela modernidade mesma.109 (2008, p. 80-81). Para Lee, existem, enfim, no interior de um mundo racionalizado mesmo, forças de resistência ao desencantamento. Uma delas é o Romantismo110, por sua característica de justapor o oculto e o esotérico. Há, portanto, algo como um paradigma neo-romântico de realização de si, o único que pode vencer a herança do desencantamento, tornando-se assim vetor do “reencantamento do mundo”. Edward Tyriakian vê em Weber o denominador comum para as várias abordagens sobre a problemática da modernidade e ele classifica a visão de weber como “... pós-ou-tardo-iluminista...”111 (1992, p. 81). Ele coloca em tela dois processos comumente associados ao trabalho de Weber: a diferenciação e a racionalização, como os processos de mudança social que deram origem a ordem social moderna. Mas também o processo de desencantamento do mundo: Este processo envolve o esvaziamento do mundo da magia (Entzauberung), um processo decorrente da mudança cognitiva interrelacionada para este mundo como locus de atividades salvíficas (portanto, uma desvalorização dos sacramentos como ingresso para a salvação extramundana), e à substituição da magia pelo cálculo racional. Este processo é exemplificado pela forma que o 109 Texto original em francês : Cela signifie que l’on pourrait à présent repenser le problème pose par Max Weber, Il y a um siècle, à propôs de la rationalisation des croyances et de la routinisation du charisme. Repenser cette question nécessiterait toutefois un nouveau cadre d’analyse centre sur l’opposition entre le désenchantement et le réenchantement et sur son impact sur le moi en tant que détenteur d’une nouvelle présence charismatique. Il s agirait alors de demander également si cette présence n’a pas eté créé, comme par ironie, par la modernité elle-même. (2009, p. 80-81) 110 Para Michel Löwy: “O que é o Romantismo? Não se trata de uma escola literária e sim de um movimento cultural que nasceu no término de século XVIII como protesto contra o advento da moderna civilização capitalista, uma revolta contra a irrupção da sociedade industrial / burguesa – fundamentada na racionalidade burocrática,na reificação mercantil, na quantificação da vida social e no “desencantamento do mundo” (segundo a célebre fórmula de Max Weber). Tendo aparecido com Rousseau, William Blake e a Früromantik alemã, o Romantismo não mais desaparecerá da cultura moderna e constitui, até hoje, uma das principais componentes na estruturação da nossa presente sensibilidade. A crítica romântica da modernidade capitalista é elaborada com base a valores sociais, éticos, culturais ou religiosos pré-capitalistas, configurando, em última análise, uma tentativa desesperada de ‘reencantamento do mundo’”. [grifo nosso]. LÖWY, Michael. Mística revolucionária: José Carlos Mariátegui e a religião. Estudo Avançados 19 (55), 2005, p. 105-106. 111 Texto original em inglês: … post-or-late-Enlightenment…. 101 método científico tornou-se o modo aceito de dominar o mundo112. (1992, p. 79) Para Tyriakian, há dois momentos-chave do desencantamento: em primeiro lugar, a Reforma Protestante no século XVI, um desencantamento no domínio da autoridade, que para ele equivale ao processo de secularização, que teve início com o desencantamento da autoridade papal. O segundo momento é o século XIX, quando a ciência se confronta com as visões religiosas do mundo. O desencantamento, para o autor, tomou novos rumos, aprofundando-se. Ele se apoia na revolução da informática, que em quatro décadas trouxe mudanças tão importantes quanto da revolução industrial há duzentos anos. Essa revolução é própria do aprofundamento do processo de racionalização que visa dominar o mundo através de cálculos exatos. Isso vale inclusive para as ciências da vida e da biotecnologia, que aumentaram o desencantamento pelo maior controle sobre os processos de reprodução. No entanto, o desencantamento do mundo não se dá como processo único: Mas a verdadeira dinâmica de mudança da modernidade ocidental que continha não só os processos de diferenciação e de desencantamento, mas também os processos de desdiferenciação e reencantamento. Estes dois últimos processos devem ser vistos não como aberrações na trajetória evolutiva da grande modernidade, nem como um epifenômeno e ineficaz, mas como fundamental para a dialética da mudança. Eles podem ser chamados de "contraprocessos" da modernidade... [...] De fato, desde o Iluminismo na esfera cultural houve uma variedade de novas formas de ver o mundo como mágico e encantado. Isto é o que quero dizer com "reencantamento". Eu ainda afirmo que os avanços da modernidade no ocidente manifestam componentes de 112 Texto original em inglês: That process involves emptying the world of magic (Entzauberung), a process stemming from the interrelated cognitive shift to this world as the locus of salvific activities (hence a devaluation of the sacraments as ingress to otherworldly salvation), and the replacement of magic by rational calculation. This process is exemplified by the way that the scientific method has become the accepted mode of mastering the world. 102 reencantamento, particularmente, mas não exclusivamente na esfera cultural.113 (1992, p. 83). Ele começa a listar os sinais deste contra-processo (aspecto dialético) da modernidade ocidental que é o “reencantamento”. Pois a modernidade mesma abriu as possibilidades para novas formas de encantamento: Uma vez que a mentalidade ocidental chegou à consciência de que a ação humana foi decisiva neste mundo e livre de supervisão do outro mundo, ela também, ironicamente, tornou-se livre para ver de novo que o mundo foi diferenciado entre o que era maravilhoso, encantado, e mágico e o que não era. Nesta transformação seres de outro mundo, espaço, etc, passam a ser vistos nos termos deste mundo. Esta secularização da consciência mágica tem várias ramificações que são parte integrante de uma apreciação do processo de reencantamento como um aspecto principal da modernidade ocidental.114 (1992, p. 84). Em primeiro lugar, o Romantismo, no século XVIII, que para ele teve uma expressão mais recente na contracultura da década de 60, com seu retorno à natureza e à rejeição da sociedade industrial. Mas os sinais vão muito além. Um reflexo desse reencantamento é a infusão e profusão ao longo do século dezenove e na era atual de temas do fantástico, do imaginário, do 113 Texto original em inglês: But the very dynamics of change of Western modernity have contained not only the processes of differentiation and disenchantment but also the processes of dedifferentiation and reenchantment. These two latter processes should be seen neither as aberrations in the major evolutionary trajectory of modernity nor as nugatory and epiphenomenal but rather as fundamental to the dialectics of change. They may be termed "counterprocesses" of modernity… […] In fact, from the Enlightenment on the cultural sphere has had a variety of new ways of viewing the world as magical and enchanted. This is what I mean by "reenchantment." I further contend that advances of modernity in the West evince components of reenchantment, particularly but not exclusively in the cultural sphere. 114 Texto original em inglês: Once the Western mentality came to the awareness that human agency was decisive in this world and free of otherworldly supervision, it also, ironically, became free to see anew that this world was differentiated between what was marvelous, enchanted, and magical and what was not. In this transformation otherworldly beings, space, etc., came to be viewed in terms of this world. This secularization of magical consciousness has several ramifications that are integral to an appreciation of the process of reenchantment as a major aspect of Western modernity. 103 grotesco, do mítico, e um fascínio especial com o demoníaco e as "trevas". 115 (1992, p. 85). Esses sinais de “reencantamento” ele os vê na música clássica (A flauta mágica, de Mozart); na dança (O lago dos cisnes); na poesia (William Blake e Walter Scott); no nacionalismo cultural do século XIX que evocou períodos míticos de identidade nacional; no exotismo, entendido como o encantamento do desconhecido, expresso no fascínio romântico pela natureza e pela população indígena e seu estado de bondade, no contato com o mundo islâmico, com a África sub-saariana, com as lhas do Pacífico. Tudo isso fez crescer a indústria turística. Mas hoje há uma mudança no local do exótico: agora ele está no espaço exterior e nos seres terrestres, o que faz aumentar produção da ficção científica. Edward Tiriakian ressalta nessas experiências justamente a sua capacidade de oferecer ao ser humano experiência qualificadas de encantamento, mas são, na verdade, experiências de maravilhamento, de um certo estupor. Patrick Sherry está concentrado diretamente na possibilidade da existência, ou melhor, da persistência de alguma forma de encantamento diante do mundo. Assim o problema do ”reencantamento” se torna para ele um problema de estética teológica. Para colocar o problema, antes de tudo, ele se detém sobre o conceito de desencantamento: É necessário notar imediatamente que o termo inglês "desencantamento" é uma tradução pobre do alemão "Entzauberung": o último (que não é original de Weber, que Wieland tinha usado antes e Schiller tinha usado o verbo cognato entzaubern) significa algo como "perder a sua magia". Em inglês é principalmente as pessoas que se tornam desencantadas, um pouco como estar desiludidas, onde Weber está descrevendo o mundo como tendo perdido algo do seu fascínio e chegando a parecer sem vida em certas formas116. (2009, p. 369). 115 Texto original em inglês: A reflection of this reenchantment is the infusion and profusion throughout the nineteenth century and into the present age of themes of the fantastic, the imaginary, the grotesque, the mythic, and a particular fascination with the demonic and "darkness." 116 Texto original em inglês: It needs to be noted straightaway that the English term “disenchantment” is a poor translation of the German “Entzauberung”: the latter (which is not original to Weber, for Wieland had used it earlier and Schiller had used the cognate 104 Ele não concorda que Weber era um nostálgico do mundo antigo e a foi força poética do conceito de desencantamento lhe rendeu tão impressão. Para ele, Weber exagerara a importância que vislumbrava no mundo moderno. O que leva a pensar que se é problemático falar em encantamento por ser igualmente problemático falar em desencantamento. Para autor, o mundo sempre foi encantado, o que faz persistir o nosso “... senso de admiração”.117 (2009, p. 377). Por isso, ele propõe duas questões: como se pode definir o “reencantamento do mundo”? E, pode-se definir o mundo moderno como desencantado? Como resposta à primeira pergunta Sherry associa o “reencantamento do mundo” a uma reação diante da visão de mundo oferecida pela ciência. Ou seja, a postura que toma uma visão científica radical diante do mundo está sendo colocada de lado. É importante salientar, portanto: [...] [a] rejeição contemporânea do cientificismo. Pois se o pós-modernismo envolve, como Lyotard diz, a rejeição das "grandes narrativas", então assim como o mundo moderno rejeita a narrativa cristã da Criação, Queda e Redenção, assim o mundo pós-moderno rejeitou o cientificismo, ou seja, a visão de que as ciências empíricas são a única via para verdade, e sua acompanhante idéia de progresso118. (2009, p. 377). Para responder à segunda pergunta ele se concentrou, por exemplo, sobre a imaginação católica (a visão que o catolicismo tem do mundo) e, para isso, recorreu a uma noção central para a doutrina católica: a noção de sacramento. No catolicismo, por mais que haja um acento numa acepção estrita do que é o sacramento, aplicando-a aos sete meios eficazes de transmissão da graça atribuídas à instituição de Jesus Cristo (dos quais dois persistem nas igrejas nascidas da Reforma Protestante, o Batismo e a Eucaristia), há uma aplicação mais amplo de sacramento: toda realidade, que ele trata como realidade criada, é uma verb entzaubern) means something like “losing its magic”. In English it is primarily people who become disenchanted, somewhat like being disillusioned, whereas Weber is describing the world as having lost some of its allure and coming to seem lifeless in certain ways. 117 Texto original em inglês: …sense of wonder.... 118 Texto original em inglês: … contemporary rejection of scientism. For if postmodernism involves, as Lyotard says, the rejection of “grand narratives”, then just as the modern world rejected the Christian narrative of Creation, Fall, and Redemption, so the postmodern world has rejected that of scientism, i.e. the view that the empirical sciences are the only route to truth, and its accompanying idea of progress. 105 revelação, ou melhor, um sinal (sacramentum) da presença divina no mundo: A visão de Weber sobre a ciência, ao que parece, ignora a idéia de que Deus trabalha no mundo principalmente através de "causas secundárias", ou seja, no curso ordinário da natureza; e que se afasta da longa tradição de pensamento, exemplificada em Francis Bacon e Newton, e mais tarde em Einstein, que a tarefa do cientista é seguir os passos do Criador e para traçar os sinais de Sua sabedoria nas leis da natureza119. (2009, p. 371). No catolicismo, por exemplo, essa visão não se perdeu. Portanto, a partir de uma noção mais ampla de sacramento, indo além das restrições da aplicação do conceito de sacramento (tanto do lado católico, por estreitar o conceito aos sete sacramentos, quanto do lado protestante, por negligenciar o sentido de sacramento tanto nos seus sentidos amplo e estrito), poder-se-ia apontar Weber como portador de uma visão estreita, limitada: [...] a visão de Weber do sacramentalismo católico, que ele assimila à magia (aqui usando o termo "magia" bastante literalmente, parece), é uma espécie de caricatura. Ele não vê que o primeiro depende de um sentido mais amplo da sacramentalidade do mundo (na qual uma religião, salientando a importância da nossa interioridade pode subestimar)120. (2009, p. 372). Mesmo em pessoas não-religiosas o mundo e, também a arte, podem despertar sentimentos de admiração, reverência. O que não é afetado pela exclusão da magia, o que implica a eliminação de fatores extraordinários, de intervenções causais imprevisíveis. Por isso, Sherry, avalia do seguinte modo a compreensão weberiana: 119 Texto original em inglês: Weber’s view of science, it would seem, ignores the idea that God works in the world mainly through “secondary causes”, i.e. the ordinary course of nature; and he brushes aside the long tradition of thought, exemplified in Francis Bacon and Newton, and later in Einstein, that the scientist’s task is to follow in the Creator’s footsteps and to trace out the signs of His wisdom in the laws of nature. 120 Texto original em inglês: … Weber’s view of Catholic sacramentalism, which he assimilates to magic (here using the term “magic” fairly literally, it seems), is something of a caricature. He fails to see that the former depends on a wider sense of the sacramentality of the world (which a religion stressing the importance of our inwardness may undervalue). 106 Weber também não conta com o fato de que a crença na magia, especialmente na bruxaria, continuou até certo ponto após a Reforma, por exemplo, na Nova Inglaterra calvinista. [...] Weber esquece, também, que o calvinismo manteve dois sacramentos, embora dando a um deles um papel menor do que no culto católico e com uma teologia diferente. [...] Claramente, Weber não conseguiu ver o quanto de ensino católico tradicional sobreviveu no Calvinismo.121 (2009, p. 381) Até aqui já se falou em consumo, turismo, internet e tantos outros fenômenos que levam ao “reencantamento do mundo”. Mas outra é uma esfera em particular que é tida produtora deste fenômeno. Dois autores tratam do tema, particularmente. Por isso, quanto à arte David Morgan, afirma que Weber lamentava a situação da humanidade e, por isso, recorreu ao poema de Schiller122 (Os deuses da Grécia) no qual o poeta faz a uma elegia ao falecimento destes, de sua natureza e de sua arte encantadora. Com o Puritanismo a vida moderna torna-se como os deuses antigos, vazia e desencantada. A magia foi eliminada. Mas, para ele, é justamente na arte que se pode encontrar um potencial para reencantar o mundo: A arte nunca deve procurar simplesmente imitar a realidade, pois o resultado será uma servil falta de imaginação e um fracasso inevitável. Ao contrário do que desejam para o mundo material, os artistas devem desenvolver uma forma desinteressada de ver uma visão estética, o que Schiller chamou de "uma apreciação desinteressada e incondicional de aparência pura". A arte era um reencantamento do mundo, não com deuses, mas com o jogo da imaginação123. (2009, p. 9). [grifo nosso] 121 Texto original em inglês: Weber also fails to reckon with the fact that belief in magic, especially witchcraft, continued to some extent after the Reformation, e.g. in Calvinist New England. (...).Weber forgets, too, that Calvinism kept two sacraments, albeit giving one of them a lesser role than in Catholic worship and with a different theology. [...] Clearly, Weber failed to see how much of traditional Catholic teaching survived in Calvinism. 122 O texto de David Morgan desenvolve muito bem as concepções religiosas de Friedrich Schiller e seu debate com Friedrich Leopold. 123 Texto original em inglês: Art should never seek merely to imitate reality, for the result will be a slavish lack of imagination and an inevitable failure. Rather than craving for the material world, the artists must develop a disinterested way of seeing an aesthetic view, 107 Morgan chama esse processo de "sacralização da arte..." (2009, p. 15) reclamando para o artista o papel de um profeta de um "... movimento da iluminação espiritual..." (2009, p. 15). A arte é o exercício do poder original de sonhar, de estabelecer não uma relação de domínio, como se faz a partir da ciência moderna e o consumo: O que quer que seja, se admitirmos que o encantamento é uma forma humana de conhecer, nós não deveríamos nos surpreender com o desejo dos artistas e de um grande número do público para fazer e apreciar a arte que envolve significado espiritual. [...] É muito mais fácil ignorar ou rejeitar o ponto de vista que Kandinsky e muitos desde que abraçaram como "o espiritual na arte". Quando a arte assume significados espirituais, que exigem do intérprete profissional uma experiência que ultrapassa os limites mais estreitos e mais defensáveis da criticismo formalista, o jornalismo do mundo da arte, o conhecimento dos artistas e suas obras, e a habilidade em fazer arte e cultivar uma carreira profissional. Que instituição vai apoiar decisões sobre a valência espiritual da arte, se não a igreja ou a sociedade teosófica ou alguma comparável associação de místicos?124 (2009, p. 17). Assim ele não coloca o desencantamento e o (re)encantamento como forças opostas, mas paralelas: Muitos estudiosos desde o século XX têm apontado para crescentes sinais de que o encantamento é uma parte fundamental do what Schiller called “a disinterested and unconditional appreciation of pure semblance”. Art was a re-enchantment of the world, not with gods, but with the play of imagination. 124 Texto original em inglês: Whatever else it may be, if we grant that enchantment is a human way of knowing, we should not be surprised at the desire among artists and large numbers of the public to make and appreciate art that involves spiritual meaning. […] It is much easier to ignore or to dismiss with a roll of one’s eyes what Kandinsky and many since have embraced as “the spiritual in art”. When art takes on spiritual meanings, it requires of the professional interpreter an expertise that far exceeds the narrower and more defensible boundaries of formalist criticism, art-world journalism, knowledge of artistis and their works, and skill at making art and cultivating one’s career it. What institution will endorse judgments about the spiritual valence of art if not the church or theosophical society or some comparable guild of mystics? 108 programa de desencantamento da modernidade. O florescimento da religião é apenas um deles. [...] E assim o mundo da arte125. (2009, p 13). Outro autor que aborda na esfera estética o espaço para o “reencantamento do mundo” é Gordom Graham. Paralelamente à disputa entre ciência e religião há outra história: a relação entre religião e arte. Com a perda do interesse pela religião, com a perda de espaço desta, a arte aparece em torna a sua oportunidade de oferecer uma forma de transcendência (sem sagrado) para o indivíduo: Na medida em que se abandona todo o interesse na religião, a Arte é o melhor ou o pior? Uma resposta (mais uma vez devida a Nietzsche) é que, longe de perder a única coisa que lhe dá vida, o declínio da religião dá maior oportunidade à Arte, para se tornar o meio pelo qual a humanidade pode encantar seu próprio mundo.126 (GRAHAM, 200?, p. 143). Pode-se acrescentar aqui um comentário de Marcel Gauchet sobre o papel da arte em relação à religião, tratando que ele chama de “religioso depois da religião” (2005, p. 282): Nossa implicação nas coisas está penetrada pelo imaginário e articulado por ele. Por esta razão está consubstancialmente habitada pela virtualidade de uma experiência estética, ou seja, de uma experiência de diferença que se nos faz invencivelmente eloquente, revelando-se sob uma luz desconhecida, apresentando-se como outro, como aberto a um mistério que não conhecêramos. Experiência de diferença que durante todo o tempo da religião não aparece inteiramente como tal, inteiramente implicada como está na experiência religiosa e codificada por ela. É a experiência do sagrado, ou seja, a 125 Texto original em inglês: … many scholars since the late twentieth century have pointed to growing signs that enchantment is a fundamental part of the disenchanting program of the modernity. The flourishing of religion is only one them. […] And so does the art world. 126 Texto original em inglês: To the extent that it abandons all interest in Religion, is Art better or worse off? One answer (again owing to Nietzsche) is that, far from losing the thing that gives it life, the decline of Religion gives Art its greatest opportunity, to become the means by which humanity can enchant its own world. 109 presença do divino no mundo, da proximidade que divide o invisível em meio ao visível. Subitamente, na mesma familiaridade das coisas, a irrupção do completamente-outro, para retomar a expressão de Rudolf Otto. [..] O sagrado é especificamente a presença da ausência, podíamos dizer, a manifestação sensível e tangível do que normalmente se subtrai aos sentidos e à concepção humana. E a arte, no sentido específico no qual nós, os modernos, compreendemo-lo é a continuação do sagrado por outros meios127. (GAUCHET, 2005. p. 286-287). Na mesma direção Hans Ulrich Gumbrecht analisa a relação entre esportes, religião e “reencantamento do mundo”. Mais um autor que vê em esferas não-religiosas uma forma de experiência religiosa, agregando-lhe à expressão aqui estudada: Descrever a experiência do esporte como a de “perder-se numa intensidade focada” sugere que o esporte pode se tornar, tanto para os atletas quanto para os espectadores, uma estratégia de reencantamento secular, uma vez que “perderse” converge com a definição do sagrado como um domínio cujo fascínio reside no fato de ele estar separado do mundo cotidiano; epifanias pertencem à dimensão do reencantamento exatamente porque a tendência, própria da modernidade, à abstração sempre acarretou também a tendência de se substituir as epifanias por “representações”, isto é, modos não 127 Texto original em espanhol: Nuestra implicación en las cosas está penetrada por lo imaginario y articulado por ello. Por esta razón está consustancialmente habitada por la virtualidad de una experiencia estética, es decir, de una experiencia de diferencia que nos lo hace invenciblemente elocuente, revelándonoslo bajo una luz desconocida, presentándonoslo como otro, como abierto a un misterio que no conociéramos. Experiencia de diferencia que durante todo el tiempo de la religión no aparece como tal, enteramente implicada como está en a experiencia religiosa y codificada por ella. Es la experiencia de lo sagrado, es decir, la presencia de lo divino en el mundo, de la proximidad que fractura lo invisible en medio de lo visible. De súbito, en la misma familiaridad de las cosas, la irrupción de lo completamente-otro, por retomar la expresión de Rudolf Otto. […] Lo sagrado es específicamente la presencia de la ausencia, podríamos decir, la manifestación sensible y tangible de lo que normalmente se sustrae a los sentidos y a la concepción humana. Y el arte, en el sentido específico en el que nosotros, los modernos, lo comprendemos es la continuación de lo sagrado por otros medios. 110 substanciais de aparecimento; além disso, a intensidade caracteriza um nível da nossa relação com o mundo e com nós mesmos que normalmente está destinado a desaparecer na trajetória para o desencantamento (que se tornou estranhamente tão normativo para nós) – e que, ao mesmo tempo, se transforma numa condição para que o reencantamento aconteça. (GUMBRECHT, 2007, p. 13). É interessante notar a terminologia empregada por Gumbrecht: trata-se de um “reencantamento” secular. O esporte, passa a ser uma experiência de cunho sacral, uma forma de experiência do sagrado, uma experiência de fascínio e transcendência: Assim, torna-se inevitável – e, talvez, até mesmo irrefutável – a idéia de que a história – pelo menos quantitativamente – triunfante dos esportes de equipe aponta para uma nova e importante função de compensação: uma função de compensação e reencantamento secular – numa época em que o processo de secularização e desencantamento do mundo (no sentido weberiano) podem ter alcançado um estado de quase perfeição na nossa esfera pública globalizada. Pois existe ainda algum fenômeno hoje em dia que se dá o direito de apresentar-se publicamente como não-racional e nãopragmático? (GUMBRECHT, 2007, p. 17).. Essa seção sobre o “reencantamento” religioso além da esfera religiosa termina com Michel Maffesoli. Isso não quer significar que ele representa um resumo das posições e menos ainda o autor que trabalhou a questão do “reencantamento do mundo” enquanto deslocamento da religião de forma mais explícita. Justamente pela impressão de Maffesoli passar ao largo do tema da religião (por não se prestar a devida a atenção a poucas mas incisivas afirmações suas) é que suas reflexões tomam um lugar de relevância no conjunto do trabalho. Mas talvez suas reflexões podem servir como claro exemplo de que a religião pode ser encontrada em espaços e formas que não possuem uma aparência religiosa Não é demais afirmar que em Michel Maffesoli se encontra um autêntico arauto do “reencantamento do mundo”. A ideia é quase onipresente em sua obra. À medida que foi alargando sua produção 111 teórica foi insistindo nela, ora com citações fragmentárias, esparsas, mas nunca furtivas, sempre claras e propositalmente incisivas. Maffesoli publicou, inclusive, um livro exclusivamente sobre o tema, mesmo que neste não tenha dedicado muitas linhas a explicar a expressão, tomandoa sempre por pressuposta. Antes de tudo é importante percorrer um pouco essas afirmações, para delas extrair o que compete a este trabalho. No entanto, o caráter fragmentário das aparições da expressão leva à preocupação de definir a natureza da noção de “reencantamento do mundo” maffesoliana. É, sem dúvida, uma tentativa de classificação, sem um enquadramento que o aprisione em esquemas que são estranhos à sua orientação pós-moderna. Portanto, eis a pergunta: de que “reencantamento” Maffesoli está falando? De fato, depois do período do “desencantamento do mundo” (Entzauberung de Weber) postulo que estamos assistindo a verdadeiro reencantamento do mundo... Digamos, resumindo, que antes umas massas se dividem em tribos, ou antes tribos se dividem em massas. Este reencantamento utiliza como principal cimento uma emoção ou uma sensibilidade vivida em comum128. (1990, p. 83). Olhando para a “época pós-moderna” ele fala explicitamente de um paganismo remanescente, baseado na fruição de prazeres, no frescor do instante, na intensidade do transitório. Esse é um paganismo que se insurge como uma impiedade contemporânea contra a essência cristalizada do cristianismo: [...] na concepção econômica da existência ou na procura de segurança proposta pelas diversas instituições sociais. É contra precisamente esse "cristianismo" que se insurge a impiedade contemporânea. O aspecto juvenil de sua efervescência, o "frescor" de suas revoltas, a procura exacerbada do gozo, multiforme, no presente, tudo isso o conduz a ver o "mundo" antigo como sua pátria de origem. [...] Trata-se do regresso ao antigo, ao arcaico, que é próprio da 128 Texto original em espanhol: De hecho, tras el periodo de “desencantamiento del mundo” (Entauberung de Weber) postulo que estamos asistiendo a un verdadero reencantamiento del mundo... Digamos, resumiendo, que, antes unas massas que se fractan en tribus, o ante tribus que se difractan en masas, dicho reencantamiento utiliza como principal cimiento una emoción o una sensibilidad vivida en comum. (1990, p. 83). 112 pós-modernidade. Como se, para além de um parêntese moderno-cristão [...], para o melhor ou para o pior, no cotidiano e no paroxismo, de uma maneira suave ou, ao contrário, nos excessos destrutivos, se encontrasse o aspecto sublime e trágico da beleza do mundo. (2006, p. 275). A pista está colocada por Maffesoli. A modernidade, ou melhor, o parêntese moderno-cristão, foi substituída por uma nova etapa, pósmoderna e pagã, na qual superabundam “orientes” míticos intrusos. Nesta há a predominância de uma “mitologia contemporânea” encontrada nos filmes de ficção, na publicidade, na inundação de figuras no imaginário social. Essa força “... lança as multidões para lugares de peregrinação e faz o triunfo dos romances iniciáticos. É a isso que podemos denominar ‘ética da estética’’’. (2006, p. 277). Essa ética é a glutinum mundi dos alquimistas, uma força impessoal, um fluxo misterioso, “... através do qual cada um e cada coisa participa de uma misteriosa correspondência entre forças de atração”. (2006, p. 278): O desencantamento do mundo, característico da modernidade, havia apagado essa estética, ou ao menos a havia reduzido a certos lugares (por exemplo, os museus) ou tempos (festas sociais) bem delimitados e separados da vida de todos os dias. É um movimento inverso que se opera com o reencantamento do mundo que se observa em nossos dias: a experiência como cimento coletivo é, certamente, o vetor de semelhante processo.129 (2007, p. 94). Maffesoli recorre à linguagem metafórica, mas seu vocabulário não deixa de aproximá-lo linguagem mítico-religiosa, esotérica. Ele está falando de uma força supra-individual, seja essa força o Outro, o social (expressões nitidamente hipostatizadas), que concede ao indivíduo a sua existência por meio de uma paixão compartilhada: Nesse sentido é que podemos compreender a força do regresso ao arcaico e a pregnância de figuras 129 Texto original em espanhol: El desencanto del mundo, característico de la modernidad, había borrado esa estética, o al menos la había reducido a ciertos lugares (por ejemplo, los museos) o tiempos (fiestas sociales), bien delimitados y separados de la vida de todos los dias. Es un movimiento inverso que se opera com el reencantamiento del mundo que se observa en nuestros dias: la experiência como cimiento coletivo es ciertamente el vector de semejante proceso. 113 emblemáticas e de outros arquétipos no cotidiano. O fenômeno dos grupos de fãs nas novas gerações não é senão de uma forma paroxística destas múltiplas adesões vividas sem mesmo se lhes prestar atenção. É assim que “participamos” magicamente com tal cantor de rock, com um certo ídolo esportivo, com um tal guru religioso e intelectual, com tal líder político. Participação que gera uma comunhão quase mística, um sentimento comum de pertença. [...] No limite, cada tribo pósmoderna terá sua figura emblemática como cada tribo, stricto sensu, possuía, e era possuída, por seu “totem” (2006, p. 276) O indivíduo é levado a uma forma de plenitude, “... uma participação mágica ao estranho...” (2006, p. 279), “... que é da ordem do sagrado, como o qual cada um se comunica...” (2006, p. 279-280). Aqui ele coloca a pergunta crucial: “Ironia do trágico [...] esta dimensão numinosa que a modernidade havia acreditado ter retirado da vida social? Reencantamento do mundo? Certamente...” (2006, p. 280). Em outras palavras “... há alguma coisa que, a partir do que é visível, imanente, culmina no invisível, transcendente”. (2007, p. 105). O que é, então, o “reencantamento do mundo”? O “reencantamento” é o fenômeno de intemporalidade, a reafirmação cíclica de caracteres e maneiras de ser antropologicamente enraizadas – os arquétipos130 (do herói de guerra ou do esporte, por exemplo). Tem-se, na ética estética, uma dimensão sacral que retorna, que se expande e se retrai sem compromisso, mas agora, mais do que nunca, com toda força: [...] De minha parte, ao contrário daqueles que continuam analisando nossas sociedades em termos de individualismo e de desencantamento, já mostrei que o que parece estar na ordem do dia remete antes a uma espécie de tribalismo, que tem por vertente um verdadeiro reencantamento do mundo. A partir do que é visível, imanente, há 130 Há uma nítida relação entre o pensamento de Maffesoli com o de Gilbert Durand, que se expressou do seguinte modo: “Sabemos o profundo significado daquilo que Max Weber constatou: há um século a modernidade segue a trilha o “desencantamento” (“Entzauberung”) com o mundo e a cidade. Há meio século, entretanto, divisamos a existência de um movimento contrário, paralelo certamente, à descoberta das imagens pela psicanálise, guardando entrementes as devias distancias... (DURAND, 1989, p. 49). O que ele chama de “... ressurgência do mítico...” (DURAND, 1989, p 50). 114 algo que leva ao invisível. Ao transcendente. Acontece que nas sociedades pós-modernas, essa força de união, esse “maná” é quotidiano, é vivido aqui e agora, e encontra sua expressão em uma transcendência imanente de coloração fortemente hedonista. Assim, o que prevalece não é mais o indivíduo, isolado na fortaleza da sua razão, mas o conjunto tribal, que se comunica ao redor de um conjunto de imagens que consome com voracidade. (1995, p. 45). Maffesoli insista na ideia de que o indivíduo se funde na coletividade. E nessa fusão nasce uma ética imoralista, uma ética baseada no presenteísmo e que, mesmo por sua fugacida, é capaz de fundar o laço social. Eis o politeísmo de valores: “Reencantamento do mundo. O politeísmo de valores é então o meio mais seguro de protegerse do totalitarismo do pensamento totalizante.131” (2005, p. 99). Essa multiplicidade de afetos e sensações que circulam livremente e que representam um curto-circuito nos valores estabelecido fazem ver que há a persistência de uma coexistência. Mesmo que ele afirme que as tribos contemporâneas estão arraigadas no regresso de formas arcaicas arquetípicas, como partes de estruturas antropológicas fundadas no inconsciente coletivo: Devemos dizê-lo, graças à imagem compartilhada, tais copulações místicas escapam, amplamente, ao juízo moral. Devastam uma visão de mudo de essência contratual, posto que assim o indivíduo racional e dono de si, protagonista do “contrato social” moderno, tende a perder-se, podia dizer-se a “consumir-se”, na comunidade da que é, inteiramente, tributário. O ideal moral está bem provido para dirigir ao indivíduo racional. É impotente frente ao (res)surgimento dos imaginários tribais132. (2009, p. 47). 131 132 Texto original em espanhol: Reencantamiento del mundo. El politeísmo de los valores es entonces el medio más seguro de protegerse del totalitarismo del pensamiento totalizante. Texto original em espanhol: Debemos decirlo, gracias a la imagen compartida, dichas copulaciones místicas escapan, ampliamente, al juicio moral. Devastan una visión del mundo de esencia contractual, puesto que así el individuo racional y dueño de sí, protagonista del "contrato social" moderno, tiende a perderse, podría decirse a "consumirse", en la comunidad de la que es, enteramente, tributario. El ideal moral está bien provisto para dirigir al individuo racional. Es impotente frente al (re)surgimiento de los imaginarios tribales132. (2009, p. 47). 115 O intelectualismo e o racionalismo, para ele, estavam sempre ocupados em separar as diferentes esferas da natureza humana. Mas o corpo passa a ser, por meio de sua exacerbação, o lugar onde há o empenha na conquista e na defesa de toda intrusão, o que Maffesoli chama de “... ‘religância133’ imaginal” (2009, p. 48). Ao referir-se ao impulso de reforma do Mosteiro de Citeaux em relação ao relaxamento das regras em Cluny, que trazia consigo uma ética mais próxima da natureza e da simplicidade das relações, ele afirma o seguinte: Se faço aqui referência a um exemplo religioso é porque, em efeito, é impressionante ver como estas novas formas de socialidade estão por um lado atravessadas pela intensidade própria religiosidade, e por outro lado expressam uma desbordante intensidade em relação com o outro, e ele graças às imagens compartilhadas. Intensidade e densidade que, presenteísmo obriga, por mais efêmeras que sejam não deixam de ser reais134. (2009, p. 50). O acento à comunhão dos santos é reforçada pelo exemplo da vocação tradicional do monge: estar em comunhão com a catolicidade, com o mundo em sua totalidade. O monge não é solitário, mas solidário. Ele compara o canto gregoriano com os transes contemporâneos que se prestam a mesma função (2009, p. 110). Toda uma multiplicidade de símbolos (desde o véu islâmico, passando por piercings até uma bolsa Calvin Klein) são rituais anódinos ou exacerbados das micro-tribos: Pelos que transfiguram um cotidiano dominado por uma lógica mercantil, numa realidade espiritual que se bem, às vezes, refugia-se atrás da máscara da transcendência, não deixa de ser, sempre, profundamente, humana: o que vivo, com o os outros aqui e agora. Práticas encarnadas, 133 134 Neologismo. Texto original em espanhol: Si hago aquí referencia a un ejemplo religioso es porque, en efecto, es impresionante ver cómo esas nuevas formas de socialidad están por un lado atravesadas por la intensidad propia de la religiosidad, y por otro lado expresan una desbordante intensidad en relación con el otro, y ello gracias a las imágenes compartidas. Intensidad y densidad que, presenteísmo obliga, por más efímeras que sean no dejan de ser reales. (p. 50). 116 encarnação que deve compreender-se em um sentido preciso: prazeres da carne, mortificação da carne, a diferença tem pouca importância, como meios de voltar a dizer a importância do corpo individual no marco do corpo coletivo. Corpo místico ou “corpo imaginal”, que em todo caso já não se reconhece pelos mecanismo da abstração racional, senão que tende a afirmar-se na organicidade dos grupos emocionais. Invertendo o adágio popular, o hábito faz o monge. O “vestuário”, já seja sobre o corpo ou no corpo, converte-se assim em hieróglifo. Signo sagrado que permite participar de uma espécie de transcendência imanente. Pedras viventes de um templo imaterial de onde nos “sentimos” bem. Construção simbólica na qual se corporiza todo junto. Morada real ou virtual que assegura proteção e consolo.135 (2009, p. 51-52). [grifo nosso] A música (especialmente o hard rock), o teatro, o turismo de massas e outras comunhões com a natureza representam uma “...espécie de “chamanismo” difuso que se capilarizou em nossas sociedades civilizadas”. (2009, p. 90). É o aspecto sagrado que perpassa todos os eventos O que fica bem evidente na seguinte afirmação: Em cada destes casos, é o numinoso, cuja importância R. Otto demonstrou, o que constitui o eixo central. Justamente pelo que tem de estranho e inquietante. [...] Música “gótica” ou “metal”, [...] desenvolvimento do fetichismo ou do sadomasoquismo, do “branding”, que consiste no 135 Texto original em espanhol: Por los que transfiguran un cotidiano dominado por una lógica mercantil, en una realidad espiritual que si bien, a veces, se refugia tras la máscara de la trascendencia, no deja de ser, siempre, profundamente, humana: lo que vivo, con los otros aquí y ahora. Prácticas encarnadas, encarnación que debe comprenderse en un sentido preciso: placeres de la carne, mortificación de la carne, la diferencia tiene poca importancia, como medios de volver a decir la importancia del cuerpo individual en el marco del cuerpo colectivo. Cuerpo místico o "cuerpo imaginal", que en todo caso ya no se reconoce por los mecanismos de la abstracción racional, sino que tiende a afirmarse en la organicidad de los grupos emocionales.Invirtiendo el adagio popular, el hábito hace al monje. El "atuendo", ya sea sobre o en el cuerpo, se convierte así en jeroglífico. Signo sagrado que permite participar de una especie de trascendencia inmanente. Piedras vivientes de un templo inmaterial donde nos "sentimos" bien. Construcción simbólica en la que se corporiza todo junto. Morada real o virtual que asegura protección y consuelo. 117 fazer-se marcar por um ferro ao vermelho vivo, o alto estilismo bárbaro, inclusive o êxito as técnicas da New Age, ou do chamanismo, tudo isto põe acento na experiência estranha vivida em comum136. (2009, p. 77). [grifo nosso] As novas formas de agregação, as tribos, compartilham de sentimentos religiosos. O que lhes funda o laço é a religiosidade. “Precisamente em tanto traduz uma espécie de “legislação espiritual”, uma lei interna de todo estar-juntos137. (2009, p. 94). Essa socialidade a que Maffesoli se refere é estranha a valores estabelecidos: “É nesse sentido que a religiosidade, os sicretismos religiosos ou filosóficos constituem o que tenho chamado o fio condutor...138. (2009, p. 108). Essa forma de estar-juntos, esses “... colegiantes contemporâneos os ‘coventícuos contemporâneos e outras tribos“…”139 (2009, p. 103) fundam-se da seguinte forma: Uma dessas “ideias-forças”, mais além da separação, de essência teológica, própria da tradição judaico-cristã, é sem dúvida a participação, quase no sentido místico ou mágico do termo, de cada coisa ou de cada num conjunto que lhe dá sentido. Perspectiva “holística” que marca o retorno das forças primitivas, um pouco tenebrosas. (2009, p. 100). A das divindades próprias da “Grande Mãe”. Potências femininas que o monoteísmo patriarcal se ocupara de expulsar ou marginar. Por retomar uma expressão cara a Fernando Pessoa, retorno do “paganismo como princípio vital”140. (2009, p. 100). 136 Texto original em espanhol: En cada uno de estos casos, es lo numinoso, cuya importancia R. Otto ha demostrado, lo que constituye el eje central. Justamente por lo que tiene de extraño e inquietante. […]. Música "gótica" o "metal", […], desarrollo del fetichismo o del sadomasoquismo, del "branding", que consiste en hacerse marcar por un hierro al rojo vivo, el alto estilismo bárbaro, incluso el éxito de las técnicas del New Age, o del chamanismo, todo esto pone el acento en la experiencia extraña vivida en común. 137 Texto original em espanhol: Precisamente en tanto traduce una especie de "legislación espiritual", una ley interna de todo estar-juntos. 138 Texto original em espanhol: Es en este sentido que la religiosidad, los sincretismos religiosos o filosóficos constituyen lo que he llamado el hilo conductor… 139 Texto original em espanhol:... colegiantes" contemporáneos, los "conventículos" y otras tribus... 140 Texto original em espanhol: Una de esas "ideas-fuerzas", más allá de la separación, de esencia teológica, propia de la tradición judeocristiana, es sin duda la participación, casi en el sentido místico o mágico del término, de cada cosa o de cada cual en un conjunto que le 118 Essa perspectiva (participação) holística, “concepção ‘holística’ da vida, “... espécie de concatenação mágica, ou praticamente mística...”141 (2009, p. 59) implica que o corpo social é um corpo que une as dimensões material e espiritual e de que este corpo é mais que a soma de suas partes. Assim Maffesoli recorre à noção de corpo místico que caracteriza o corpo social: Espécie de “corpo místico” que possui uma “aura” original, e que se expressa nas múltiplas comunhões nas que todos e cada um somos “captados”, nas quais aquele se perde e, conforme o adágio “quem perde ganha”, adquire um excedente de ser142. (2009, p. 104). Sua filiação durkheiminiana é explícita, dada a importância que ele atribui às categorias religiosas para a compreensão da vida social, mesmo fora das fronteiras estabelecidas da sociologia da religião: Em As formas elementares da vida religiosa, Émile Durkheim, pese a não ser especialista na matéria, fez-nos ver a importância das categorias religiosas para a compreensão da vida social. Atualmente, ao haver-se desenvolvido, em numerosos âmbitos, a religiosidade, a referências a estas categorias resulta pertinente e se faz inclusive cada vez mais necessária. Não em tanto “sociologia da religião” (toda fronteira disciplinar que atesta uma mentalidade responsável, de “proprietário”), senão lato sensu aporta como ponto de vista do desenvolvimento societal. Concretamente, nesse processo de “participação mágica” de uma entidade mais vasta, essa transcendência imanente que favorece a união ao outro, a comunhão da alteridade, a integração em da sentido. Perspectiva "holística" que marca el retorno de fuerzas primitivas, un poco tenebrosas. La de las divinidades propias de la "Gran Madre". Potencias femeninas que el monoteísmo patriarcal se ocupara de expulsar o marginar. Por retomar una ex-presión cara a Fernando Pessoa, retorno del "paganismo como principio vital”. 141 Texto original em espanhol:...especie de concatenación mágica, o prácticamente mística...” 142 Texto original em espanhol: Reconocer que el cuerpo social es sin duda cuerpo que alía lo material y lo espiritual, y que es mucho más que los elementos que lo componen. Especie de "cuerpo místico" que posee un "aura" original, y que se expresa en las múltiples comuniones en las que todos y cada uno somos "captados", en las cuales aquél se pierde y, conforme el adagio "quien pierde gana", adquiere un excedente de ser. 119 si mesmo do estrangeiro, a incorporação da estrangeridade que aponta à realização de um Si mesmo coletivo. É nesse sentido que pode falar-se “corpo místico” ou inclusive, retomando a terminologia católica, de “comunhão dos santos”. Ou seja, uma conexão espiritual, podia dizer-se virtual, que transcende o espaço, que sobrepassa o cercamento identitário. [...] E assim, como em certos momentos do ano, como no cômputo de um calendário litúrgico, observamos aglomerações em “altos lugares” específicos (lugares “de onda” para empregar um jargão atual) 143. (2009, p. 105). [grifo nosso] Os novos meios de comunicação criam uma socialidade densa, elaborando um “...ambiente que pode qualificar-se de ‘espiritual’...” (2009, p. 107-108), pela união que transcende o tempo e o espaço. Maffesoli frisa principalmente a Internet como “... uma boa ilustração de um verdadeiro reencantamento do mundo.144 (2009, p. 155), uma forma contemporânea de fundar o laço entre as pessoas e que possui um significado propriamente espiritual: Em suma, podemos dizer que o vínculo entre o irreal e o real é a característica específica do uso atual da tecnologia. Minha definição de Internet é 143 144 Texto original em espanhol: En Las formas elementales de la vida religiosa, Émile Durkheim, pese a no ser especialista en la materia, nos ha hecho ver la importancia de las categorías religiosas para la comprensión de la vida social. Actualmente, al haberse desarrollado, en numeroso ámbitos, la religiosidad, la referencia a estas categorías resulta pertinente y se hace incluso cada vez más necesaria. No en tanto "sociología de la religión" (todo encierro disciplinario que atestigua una mentalidad responsable, de "propietario"), sino más bien como puesta en perspectiva, a fin de comprender lo que el hecho religioso lato sensu aporta como punto de vista en el desarrollo societal. En concreto, ese proceso de "participación mágica" de una entidad más vasta, esa trascendencia inmanente que favorece la unión al otro, la comunión de la alteridad, la integración en sí mismo de lo extranjero, la incorporación de la extranjeridad que apunta a la realización de un Sí mismo colectivo. Es en este sentido que puede hablarse de "cuerpo místico" o incluso, retomando la terminología católica, de "comunión de los santos". Es decir una conexión espiritual, podría decirse virtual, que trasciende el espacio, que sobrepasa el cercamiento identitario. Trivialmente "pasarla bomba" en el otro. Una explosión favorecida por las redes informáticas. Y es así cómo en ciertos momentos del año, como el cómputo de un calendario litúrgico, observamos aglomeraciones en "altos lugares" específicos (lugares "de onda" para emplear una jerga actual). Texto original em espanhol: La vitalidad de Internet es, a este respecto, una buena ilustración de un verdadero reencantamiento del mundo. Para ser precisos, porque la red da testimonio del vitalismo de que hablamos. 120 a seguinte: a comunhão dos santos pós-moderna. [...] Na comunhão dos santos contemporânea, internet, estamos unidos em espírito, compartilhamos coisas irreais.145 (2002, p. 228). Esses meios de comunicação (incluindo o telefone celular) suscitam uma “... aura específica...”146 (2009, p. 108)., colocando em cena “... o que Louis Massignon chamava a “substituição mística”, verdadeira união de orações que permitem estar unidos em espírito, com a eficácia que esta união tem sem dúvida na vida de todos os dias”.147 (2009, p. 108). O sujeito cartesiano, senhor e proprietário da natureza deixou de estar na ordem do dia. (2008, p. 118). Enfim, esse processo se dá como uma forma de desapego, uma forma de fusão mística: “Perda de si mesmo no Outro que pode ser considerado como uma verdadeira divinização. Deificação (theosis) pela qual o divino se imanentiza, humaniza-se em certo modo.”148. (2009, p. 122). É o que ele chama de mística de religância o que é o mesmo que a ética de religância149, no qual estão em interação o material o espiritual, o orgânico, o natural e o cultural (2009, p. 125). Ou ainda de “... mística da religância” (1009, p. 147-148), que é estar ligados uns aos outros irreversivelmente: “Assim é como se aborda a infância, o passado, o maravilhoso, a memória, as raízes profundas. [...] Tudo como vetor do reencantamento do mundo”150. (2009, p. 130). 145 Tradução do original em espanhol: En suma, podemos decir que el vínculo entre lo irreal y lo real es la característica específica del uso actual de la tecnología. Mi definición de Internet es la siguiente: la comunión de los santos postmoderna. […] En la comunión de los contemporánea, internet, estamos unidos en espíritu, compartimos cosas irreales. 146 Texto original em espanhol:... aura específica.... 147 Texto original em espanhol:... …o lo que Louis Massignon llamaba la "sustitución mística", verdadera unión de plegarias que permiten estar unidos en espíritu, con la eficacia que dicha unión tiene sin duda en la vida de todos los días”. 148 Texto original em espanhol: Tal vez no haya que lamentarse tan fácilmente. Las figuras caricaturescas que se han referido pueden considerarse como una forma de desapego. Pérdida del pequeño sí mismo en un Sí mismo más vasto: el de la comunidad. Pérdida de sí mismo en el Otro que puede ser considerado como una verdadera divinización. Deificación (theosis) por la cual lo divino se inmanentiza, se humaniza en cierto modo. 149 Patrick Tacussel (1994) organizou um livro que traz no título a expressão em questão. Cabe salientar, então, a intenção do livro: uma compreensão do mundo contemporâneo explorando as formas simbólicas da vida social e como estas são vividas na cotidianidade. Depois do título, a expressão aparece apenas no fim do prefácio. Neste texto, Maffesoli refirma sua abordagem durkheimiana de um ambiente englobante que determina de maneira forte as ações individuais. Neste texto ele explora a sua noção de religância. 150 Texto original em espanhol: Así es cómo se aborda la infancia, el pasado, lo maravilloso, la memoria, las raíces profundas. […] Todo como vector del reencantamiento del mundo. 121 Essa divindade não é transcendente, mais é o próprio laço social, pois "... a deidade em questão será a comunhão tribal, a comunhão com a natureza ou inclusive o fato de estar obcecado pelos objetos técnicos”151. (2009, p. 146). Todo esse resumo das reflexões de Maffesoli serve para mostrar de que natureza é o “reencantamento” por ele identificado: religioso. Aproximamos Maffesoli dos autores que exploram o fenômeno religioso por conta da sua linguagem e das experiências que busca descrever. Afinal, e não é demais repetir: seu contínuo e pródigo emprego de vocabulário religioso. Isso é apenas um indicativo que a natureza dos fenômenos que Maffesoli interpreta precisa de um vocabulário religioso para encontrar uma expressão adequada. Particularmente seu livro que traz o “reencantamento” no título tem uma profusão de metáforas religiosas, conceitos teológicos (próprios, inclusive, à tradição judaicocristã e outros relacionados à tradição mágica). Maffesoli está falando de épocas religiosas, uma moderna e cristã e outra pós-moderna e pagã. A estética que aglutina as novas comunidades de destino (de salvação?), as tribos pós-modernas, não é senão um impulso tipicamente - arquetipicamente? - religioso de agregação. A relação com os novos heróis e gurus é uma relação com uma figura totêmica. Por isso, apesar de sua roupagem multicolorida, o tribalismo é reencantador na medida em que reacessa formas mais primevas, originárias, de experiência religiosa. Temos, portanto, no tribalismo, um religioso transfigurado, mundanizado, saído dos templos que a racionalização religiosa mesma construiu, mas com uma visibilidade que só a tecnologia contemporânea poderia favorecer. “O paradoxal reencantamento do mundo que faz da técnica o motor do ambiente místico”. (2005, p. 100). A afirmação de uma ideia de deslocamento do sagrado dos autores desta seção se expressa de forma clara na ideia de trivialização do sagrado, pelos quais o meios de comunicação se tornam autêntico medium de experiência religiosa, (Maffesoli, Lee, Jenkins) pois a própria propaganda, por mais prosaica que pareça, oferece para o indivíduo experiências de maravilhamento (Jesus-Martín Barbero) e, consequentemente no consumo (Jenkins); pode-se falar além deslocamento do sagrado também em dispersão do sagrado/carisma, imanência do sagrado (Raymond Lee). A mesma concepção de deslocamento está associado à religiosidade profana, o que nasceria do 151 Texto original em espanhol: “… la deidad en cuestión será la comunión tribal, la comunión con la naturaleza o incluso el hecho de estar obsesionado por los objetos técnicos”. 122 politeísmo de valores (Antônio Fernandes). Também Maffesoli, com uma superabundância de vocábulos de matriz religiosa, tais como transcendência imanente e mística da religância, pelas quais as tribos contemporâneas (ou todo os contemporâneos) vivem uma forma de experiência religiosa em tempos e espaços indeterminados, de formas fluidas e transitórias, experiências que possuem uma natureza e uma intensidade religiosas, mas despojadas de uma aparência, de uma exterioridade religiosa (poder-se-ia dizer eclesiástico-institucional). A experiência de (re)encantamento se produz também em lugares mais exóticos, como o turismo (Tyriakian, Jenkins). Afinal, a não ser que o turismo fosse explicitamente religioso, o turismo – e com ele a busca pelo exótico - fornece um modo, um espaço para experiência individual de maravilhamento que é associado a uma forma de encantamento (Edward Tyriakian). O mundo é, pois, fonte de encantamento permanente, um grande sacramento, nunca deixada de lado, sempre capaz de suscitar admiração no ser humano. Não se pode esquecer da arte como forma de religião rival, um espaço onde o sagrado pode se abrigar e, com isso, a arte reencanta o mundo (Morgan, Graham, Sherry). Há, ainda, o papel contemporâneo do esporte (Gumbrecht), que ofereceria experiências autenticamente sacrais, pelas quais o indivíduo é tomado de fascínio, elevado, separado da cotidianidade, podendo viver uma ezperiência não-racional e nãopragmática como uma verdadeira epifania. Expostas as duas direções em que se poderia constatar o “reencantamento” religioso do mundo abre-se espaço agora para o segundo eixo: o “reencantamento” científico do mundo. 4 O “REENCANTAMENTO CIENTÍFICO DO MUNDO” É cada vez mais crescente a literatura que aborda as relações entre ciência e “reencantamento do mundo”. Este capítulo é prova disso. No entanto, o texto não procurou exaustividade, pois não haveria espaço, segundo os objetivos traçados, de mostrar um panorama que abarcasse toda a literatura existente. Por isso, a partir de agora serão perscrutados os autores que detectam na ciência uma possível força motriz de um “reencantamento do mundo”. Na verdade, a pergunta que perpassa os textos é a seguinte: a ciência leva necessariamente ao desencantamento? Questionado essa relação, abre-se a pergunta se a ciência poderia levar ao “reencantamento do mundo”. Como no capítulo anterior, muitos significados podem ser associados ao “reencantamento científico”: ele pode ser o reencontro entre sujeito e natureza e a derrubada das barreiras cognitivas entre o ser humano e o mundo (ALARCÓN, 2000); uma transfiguração espiritual da natureza material, dotada agora de características tradicionalmente vistas como humanas (RUSSO, PONCIANO, 2002). Pode, também, ser uma forma de conexão cósmica (PELLANDA, 2004), uma descoberta da complexidade e da necessidade de dominá-la, conferindo ao ser humano sua dimensão criativa (VILLEMEUR, WILLIAME, 1999), a ainda a busca por utopias ou alguma alegria (IANNI, 2000, 2002; RODRÍGUEZ-IBAÑEZ, 1981). Antes de prosseguir diretamente, um adiantamento temático, uma antecipação: o que está em questão neste debate é a ciência moderna que, como é largamente aceito, surge em torno do século XVII. Por isso, faz-se mister expor a ideia de natureza que se fazia nesse período, pois é daí que parte toda questão. 4.1 A IDEIA DE NATUREZA DO SÉCULO XVII A introdução, no início deste capítulo, sobre a ideia de natureza no século XVII é uma antecipação: para se compreender o “reencantamento” científico do mundo deve-se ter em conta as transformações na maneira de encarar a natureza que se deram neste século, pois elas são o principal alvo de avaliação dos autores que diagnosticam/propugnam o “reencantamento”. No século XVII se deu 124 um processo que Pierre Hadot chama de revolução mecanicista: Essa atitude prometéica existia havia muito entre os mecânicos e os mágicos, e já no Gênesis Deus ordenava ao homem que dominasse a terra. O que é preciso dizer, creio, é que com Bacon, Descartes, Galileu, Newton, operou-se uma ruptura definitiva não com as aspirações da magia mas com seus métodos, e que esses sábios descobriram o meio de avançar de modo decisivo e definitivo nesse projeto de dominação da natureza apegando-se à análise rigorosa do que pode ser medido e quantificado nos fenômenos sensíveis (2006, p. 144). A revolução mecanicista estava ligada ao movimento de democratização do saber, pois a ciência deixava de ser o atributo de alguns iniciados (como na magia) ou de alguns privilegiados (professores e estudantes universitários). A ciência passava a ser acessível a toda a humanidade, pela rigorosa aplicação do método científico, que iguala todos os talentos. Com Galileu surge uma nova definição de mecânica (até então entendida com a ciência dos objetos artificiais): [...] a física e a mecânica começam definitivamente a se identificar, porque a mecânica, por um lado, consiste na aplicação das leis da natureza e, por outro, a física galileana utiliza, para estudar a natureza, cálculos e noções matemáticas que serviam à mecânica antiga para construir objetos artificiais. O cientista opera então como um engenheiro que tivesse de reconstruir as engrenagens e funções da máquinanatureza. (HADOT, 2006, p. 146). Agora a natureza não é mais concebida como um organismo vivo (ou mesmo como uma Deusa), mas como uma máquina. Deus é o seu construtor, exterior a ela: “... o grande engenheiro, o grande arquiteto, o grande relojoeiro”. (HADOT, 2006, p 146). Surge, portanto, a física matemática, “... que se afeiçoa aos dados quantificáveis e mensuráveis dos fenômenos e se esforça em formular sob a forma de equações as leis que os regem.” (HADOT, 2006, p. 148). 125 Há o que se pode chamar de inspiração cristã, um caráter cristão152 do mecanicismo (mesmo que a Antiguidade não-cristã o tivesse conhecido). “A representação do mundo como máquina correspondia perfeitamente à ideia cristã de um Deus criador, transcendendo absolutamente a sua obra”. (HADOT, 2006, p. 150): Como a questão filosófica central do sentido último da experiência do homem desaparece do horizonte científico, tantos os valores do cosmos grego como os da sacralidade da natureza obra de Deus na Idade Média ocidental e as noções de micro-cosmos e macro-cosmos da Renascença com os laços de amor entre a natureza, os astros, todos os viventes do universo e Deus – a contemporaneidade científica – agora Wertfrei – confunde liberdade de pesquisa com onipotência. Se o físico da Idade Média chegava a Deus descobrindo suas intenções ao ingressar nas finalidades da natureza criada, o físico mecanicista, com o pensamento matemáticoalgébrico, abstrato e dedutivo, eleva-se até Deus, invadindo o próprio segredo do Engenheiro divino, colocando-se em seu lugar para compreender com ele, como o mundo foi criado. (MATOS, 2006, p. 341). No entanto, essa relação entre ciência e religião logo se desvaneceria. O voluntarismo teológico (a total liberdade da vontade criadora de Deus) implica que a ciência deve se desocupar da busca pelas verdadeiras causas: Os sábios do século XVII encontram nas razões teológicas um motivo suficiente para renunciar a se inquietar quanto à finalidade e à essência dos fenômenos. Basta-lhes determinar como esses fenômenos se produzem segundo as leis da mecânica. (HADOT, 2006, p. 154). 152 Ainda: “Nesta perspectiva, o surgimento da categoria de transcendência no seio do monoteísmo judaico-cristão levou os deuses a desertar o mundo abandonando os homens. No cristianismo, a transcendência divina coincide com a figura do homem como imago Dei: ela dá primazia lógica sobre uma natureza dessacralizada, inanimada no sentido de que cada alma tem desertado; e dá a missão de investir o mundo em vista de modelar em função de suas necessidades.” (PELLETIER, 1992, p.72-73); “Vários escritores cristãos assumiram a tese da responsabilidade do cristianismo no desencantamento do mundo, na matriz da crise ecológica”. (PELLETIER, 1992, p. 74). 126 Essa justificativa teológica traz em si a própria negação, o germe de sua autodestruição. Deus torna-se uma hipótese inútil. Ele é agora como um “engenheiro aposentado.” (HADOT, 2006, p. 156). Por isso, a partir do século XVIII e sobretudo o século XIX a ciência se torna indiferente ao problema da existência ou não de Deus. Ela se prende aos fenômenos. Assim, Hadot faz a seguinte interpelação: Mas pode-se perguntar se a transformação da ideia de natureza no espírito de um grupo microscópico de filósofos e de cientistas pôde verdadeiramente provocar uma transformação radical da atitude da humanidade com relação à natureza, uma “morte da natureza”. (HADOT, 2006, p. 157). Tal atitude em relação ao mundo é questionada pelos autores do “reencantamento do mundo”. Esse é o panorama que eles têm diante de si e sobre o qual tecem suas avaliações. 4.2 CIÊNCIA E “REENCANTAMENTO DO MUNDO” A exposição dos autores que relacionam a ciência com o “reencantamento do mundo” se inicia com Morris Berman.153 Ele, primeiramente, coloca em tela que até a véspera da Revolução Científica (século XVI) o mundo era encantado: “Durante mais de noventa e nove por cento do transcurso da história humana o mundo esteve encantado e o homem se via como parte integral dele.”154 (1981, p. 10) Esse mundo era tomado pelo que Berman chama de consciência participativa ou ainda de consciência holística (1981, p. 10), que fora o modo de conhecimento básico até o século XVI. Mas em que consistia essa participação original? Era como uma “... paisagem psíquica interna...”155 (1981, p. 57), uma “... coalizão ou identificação com o 153 Por uma razão simples: seu livro foi publicado em 1981. Comparando as datas dos textos, ele figura, no conjunto de nossa coleta, como o mais “antigo” texto que aborda o tema. A edição original do texto de Prigogine e Stengers, no qual há um capítulo sobre o tema, data de 1984. Tal afirmação não implica que se crê que Berman foi o primeiro a usar a expressão e, menos ainda, o primeiro a tratar do tema. 154 Tradução do original em inglês: For more than 99 percent of human history, the world was enchanted and man saw himself as an integral part of it. 155 Tradução do original em inglês: … inner psychological landscape… 127 ambiente...”156 (1981, p. 6). O processo de desencantamento do mundo é, pois, o “... colapso da participação original.”157(1981, p. 42). Morris Berman trata extensamente do tema, colocando no centro da discussão o problema do desencantamento do mundo: A história da época moderna, ao menos no nível da mente, é a história de um desencantamento contínuo. Desde o século XVII em diante, a mente tem sido exonerada do mundo fenomênico. Na teoria ao menos, os pontos de referência de toda explicação científica moderna são a matéria e o movimento, aquilo que os historiadores da ciência chamam a “filosofia mecânica”. Os desenvolvimentos contemporâneos que tem colocado em tela de juízo esta visão do mundo – por exemplo, a mecânica quântica e certos tipos de investigação ecológica [...]. Este tipo de pensamento pode descrever-se melhor como um desencantamento, uma não participação, devido a que insiste na distinção rígida entre observador e observado. A consciência científica é uma consciência alienada: não há uma associação extática com a natureza, mas bem há uma total separação e distanciamento dela. Sujeito e objeto sempre são vistos como antagônicos. Eu não sou minhas experiências e, portanto, não sou realmente parte do mundo que me rodeia. O ponto final lógico desta visão de mundo é uma sensação de reificação total; tudo é um objeto alheio, distinto e apartado de mim. Finalmente, eu também sou um objeto, também sou uma “coisa” alienada e um mundo de outras coisas igualmente insignificantes e carentes de sentido. Este mundo não o faço eu: ao cosmos não importo nada e não me sinto pertencente a ele. Com efeito, o que sinto é um profundo mal-estar na alma158. (1981, p. 0506). [grifo nosso] 156 Tradução do original em inglês: …involves merger, or identiication, with one’s surroundings… 157 Tradução do original inglês: … collapse of original participation. 158 Tradução do original inglês: The story of the modern epoch, at least on the level of mind, is one of progressive disenchantment. From the sixteenth century on, mind has been progressively expunged from the phenomenal world. At least in theory, the reference points for all scientific explanation are matter and motion - what historians of science refer to as the "mechanical philosophy." Developments that have thrown this world view into question 128 Ele associa o conceito de desencantamento do mundo, ressaltando seu parentesco com uma expressão de Schiller: A frase é de Weber: die Entzauberung der Welt. Schiller, um século antes, já havia pronunciado igualmente uma expressão para ela: die Entgoterung der Natur, o “desendeusamento” da natureza. A história do Ocidente, de acordo tanto com o sociólogo como com o poeta, é a remoção progressiva da mente, ou espírito, das aparências fenomenais.159 (1981, p. 37). Berman adota, ainda, a seguinte distinção: existem dois vetores de desencantamento: a ciência e a religião. Em seu texto aparecem nesta ordem. Por isso a exposição aqui seguirá o esquema do autor, que se preocupa primeiramente e de forma muito mais extensa com o papel da ciência, apresentando a religião em segundo lugar. O desencantamento é intrínseco à visão científica do mundo. O nascimento da consciência moderna se dá com o advento da revolução científica, tendo como pensadores emblemáticos Descartes e Bacon, Newton e Galileu. Para Bacon, a verdadeira meta da ciência é o controle, o que afasta a ciência moderna do ideal contemplativo dos gregos. “Não ao holismo, sim à dominação da natureza; não ao ritmo eterno da ecologia, sim ao manejo consciente do mundo...”160 (1981, p. 23). Descartes encontra em Deus o garantidor da ordem do mundo: a sua existência garante as proposições matemáticas e a sua bondade dá a segurança de que elas são corretas; a ciência é, pois, uma matemática - quantum mechanics, for example, or certain types of contemporary ecological research […]. That mode can best be described as disenchantment, nonparticipation, for it insists on a rigid distinction between observer and observed. Scientific consciousness is alienated consciousness: there is no ecstatic merger with nature, but rather a separation from it. Subject and object are always seen in opposition to each other. I am not my experiences, and thus not really a part of the world around me. The logical end point of this world view is a feeling of total reification: everything is an object, alien, not-me; and I am ultimately an object too, an alienated "thing" in a world of other, equally meaningless things. This world is not of my own making; the cosmos cares nothing for me, and I do not really feel a sense of belonging to it. What I feel, in fact, is a sickness in the soul. 159 Tradução do original em inglês:The phrase is Weber's: die Entzauberung der Welt. Schiller, a century earlier, had an equally telling expression for it: die Entgottenung der Natur, the "disgodding" of nature. The history of the West, according to both the sociologist and the poet, is the progressive removal of mind, or spirit, from phenomenal appearances. (1981, p. 69). 160 Tradução do original em inglês: Not holism, but domination of nature; not the ageless rhythm of ecology, but the conscious management of the world… 129 universal. Já no século XVII, a ciência que começou buscando Deus no universo terminou excluindo-o por completo. O mundo está desprovido de todo significado imanente. O real é o abstrato: No entanto, uma coisa que é indubitável acerca da história da consciência ocidental é que o mundo, desde aproximadamente o ano 2000 A.C, tem sido progressivamente desencantado, ou “desendeusado”. Ainda quando o animismo seja válido ou não o seja, não há dúvida de sua eliminação gradual do pensamento Ocidental. Por razões que permanecem obscuras, duas culturas em particular, a judia e a grega, foram as responsáveis dos princípios desses desenvolvimentos. 161 (1981, p. 38) Os judeus pela extirpação de crenças animistas e a rejeição de outros deuses, classificados como ídolos: O Antigo Testamento é a história do triunfo do monoteísmo sobre Astarte, Baal, o bezerro de ouro e os deuses da natureza de povos vizinhos “pagãos”. Aqui vemos os primeiros desenvolvimentos do que tenho chamado a consciência não participativa: o conhecimento de adquire mediante o reconhecimento da distância entre nós e a natureza. A união extática com a natureza se julga não meramente como ignorância, senão como idolatria. A Divindade deve experimentar-se dentro do coração humano; Ela, definitivamente, não é imanente à natureza.162 (1981, p. 38). 161 162 Tradução do original em inglês: thing that is certain about the history of Western consciousness, however, is that the world has, since roughly 2000 B.C., been progressively disenchanted, or "disgodded." Whether animism has any validity or not, there is no doubting its gradual elimination from Western thought. For reasons that remain obscure, two cultures in particular, the Jewish and the Greek, were responsible for the beginnings of this development. Tradução do original em inglês: The Old Testament is the story of the triumph of monotheism over Astarte, Baal, the golden calf, and the nature gods of neighboring "pagan" peoples. Here we see the first glimmerings of what I have called nonparticipating consciousness: knowledge is acquired by recognizing the distance between ourselves and nature. Ecstatic merger with nature is judged not merely as ignorance, but as idolatry. The Divinity is to be experienced within the human heart; He is definitely not immanent in nature. 130 Nos gregos, Sócrates que via que os artesãos aprendiam e prosseguiam por “puro instinto” e que Platão via na consciência participada exemplificada na poesia como uma forma patológica: Platão mesmo representava uma tradição relativamente nova, que buscava analisar e classificar os eventos em lugar de somente experimentá-los ou imitá-los. Ele falava em favor da noção de que o sujeito não era objeto, e que a função própria do primeiro era inspecionar e avaliar o último. Esta percepção jamais poderia levar-se a cabo se o sujeito e o objeto estivessem fundidos no ato de conhecer. [...] Assim, a obra de Platão equivale à canonização da distinção sujeito/objeto no Ocidente.163 (1981, p. 31). Interessa particularmente a Berman o tema da alquimia. Para o alquimista, todas as personalidades são potencialmente divinas e o alquimista considerava-se um especialista na natureza da matéria. “No entanto, se é que se pode imaginar tal estado da mente, podemos dizer que o alquimista não confrontava a matéria; penetrava-a.164” (1981, p. 51). Ele não fazia distinção entre acontecimentos mentais e materiais: Era a ciência da matéria, o intento de revelar os segredos da natureza; uma série de procedimentos empregados na mineração, nos tecidos das telas, na manufatura de vidros e na preparação de medicamentos; e, simultaneamente, um tipo de ioga, uma ciência da transformação psíquica. Devido que a matéria possuía consciência, a habilidade para transformar a primeira automaticamente significava que um era hábil para trabalhar com a última165. (1981, p. 50). 163 Tradução do original em inglês: Plato himself represented a relatively new tradition, one that sought to analyze and classify events rather than "merely" experience or imitate them. He spoke for the notion that subject was not object, and that the proper function of the former was to inspect and evaluate the latter. This perception could never take place if subject and object were merged in the act of knowing; […]. Plato's work thus marks the canonization of the subject/object distinction in the West. 164 Tradução do original em inglês: If the state of mind can at all be imagined, however, we can say that the alchemist did not confront matter; he penneated it. 165 Tradução do original em inglês: It was the science of matter, the attempt to unravel nature's secrets; a set of procedures which were employed in mining, dyeing, glass manufacture, 131 Berman se detém, então, no processo de eliminação da alquimia, último sinal para ele da consciência participativa, em favor da visão mecanicista do mundo. “Porque o que finalmente se criou mediante a mudança do animismo ao mecanicismo não foi meramente uma nova ciência, senão que uma nova personalidade que devia ir junto a ela.166 (1981, p. 62). Em Newton – o último dos magos - pode-se encontrar um epítome dessa personalidade. Mesmo, como Berman faz questão de frisar, sendo Newton um obcecado pelas ciências ocultas, contribuiu para a perda do holismo no Ocidente. Uma das afirmações fundamentais de Berman é a seguinte: [...] [o] triunfo [do paradigma cartesiano] sobre a metafísica da consciência participativa não foi um processo científico senão bem mais um processo político: a consciência participativa foi rechaçada, não refutada.167 (1981, p. 73) Isso por que a noção de uma natureza viva não se adequava à ideologia da burguesa nascente, que via na natureza uma fonte de exploração econômica indispensável ao desenvolvimento do capitalismo. A ciência torna-se, portanto, a “... mitologia integradora da sociedade industrial...”168 (1981, p.110). O segundo fator do desencantamento é a religião organizada, o catolicismo e o protestantismo. Berman fala mesmo que, apesar da oposição oficial da Igreja Católica à magia, no seu nível local ela era amplamente aceita, quando se via algumas orações e ritos possuindo uma eficácia mecânica. A alquimia fora vista pela Igreja como herética, principalmente por seu aspecto soteriológico, chegando mesmo a associar os sacramentos a processos alquímicos, especialmente a transubstanciação. Ao atribuir poder à matéria, negava-se o poder de Deus, que deveria ser visto como governador do mundo e não como imanente a ele. O protestantismo radicaliza a aversão à magia, and the preparation of medicines; and simultaneously a type of yoga, a science of psychic transformation. Because matter possessed consciousness, skill in transforming the former automatically meant that one was skilled in working with the latter… 166 Tradução do original em inglês: For what was ultimately created by the shift from animism to mechanism was not merely a new science, but a new personality to go with it. 167 Tradução do original inglês:... its triumph over the metaphysics of participating consciousness was not a scientific but a political process; participating consciousness was rejected, not refuted 168 Tradução do original em inglês:... integrating mythology of industrial society. 132 perscrutando qualquer resquício mágico nos sacramentos. Berman faz menção a Weber, lembrando ainda que o Calvinismo viu no dinheiro uma manifestação da salvação. No entanto, diante desse processo milenar resta, ainda, como uma possibilidade, o “reencantamento do mundo”. É justamente por meio da ciência que ele pode advir. Isso porque a ciência tenta inutilmente radicar a percepção holística, pois a consciência participativa sobrevive na epistemologia científica. Berman conclui que os desenvolvimentos da ciência contemporânea, especialmente a mecânica quântica, têm desfeito o projeto histórico dos judeus e dos gregos e do paradigma cartesiano. Ele data esse renascimento nos 20, quando a mecânica quântica, operando uma mudança fundamental na percepção moderna, o que constitui (o que se deduz de sua exposição) a via de “reencantamento do mundo”: não há algo como um observador independente, a inclusão deliberada do conhecedor no conhecido. Por isso, no “reencantamento do mundo” como Berman o entende a subjetividade torna-se a pedra angular para o conhecimento objetivo. Ou seja, o mundo não é independente de nós. E o grito de batalha da nova subjetividade é justamente este: “... Qual é a experiência humana da natureza?”169 (1981, p. 109). Essa é possibilidade aberta para a restauração da consciência participativa característica de um mundo encantado: A única esperança, ao menos assim me parece, encontra-se no reencantamento do mundo. Aqui, então, está o miolo do dilema moderno. Não podemos retroceder à alquimia e ao animismo - ou ao menos isso não parece muito possível; mas a alternativa é esse mundo triste, cientificista, completamente controlado, sombrio, dos reatores nucleares, de microprocessadores e da engenharia genética – um mundo que virtualmente já está acima de nós. Se é que vamos sobreviver como espécie terá que surgir algum tipo de consciência holística ou participativa com sua correspondente formação sociopolítica. Ainda não é evidente que as coisas vão involucrar esta mudança; mas há indicações de que existe um estilo de vida que lentamente irá cobrando realidade e que será bastante diferente da época que tem tão intensamente, na verdade, que tem criado os 169 Tradução do original em inglês: What is the human experience of nature? 133 detalhes de nossas vidas.170 (1981, p. 10). [grifo nosso] O “reencantamento” é, pois, a recuperação dessa consciência participativa (holística). Por isso, ele adverte: [… a] menos que a consciência participativa possa ser restaurada de um modo que seja cientificamente (ou ao menos racionalmente) crível e não meramente uma recaída em um animismo ingênuo, então o significado do que é ser uma criatura humana se terá perdido para sempre.171 (1981, p. 72) Mas Berman também não propõe um retorno a uma perspectiva religiosa nem uma volta a um mundo pré-moderno: Por que não abandonar o cartesianismo e abraçar uma perspectiva que seja declaradamente mística e quase religiosa, que conserve a visão interna monista superior da qual o cartesianismo carece? Por que não regressar deliberadamente à alquimia, ao animismo ou ao misticismo do número? Max Weber em uma oportunidade disse que se a realidade te assusta, sempre está ali a religião de teus pais para acolher-te de volta em seus braços amorosos172. (1981, p. 111). Mesmo reconhecendo o seu valor, para ele essas perspectivas 170 Tradução do original em inglês: The only hope, or so it seems to me, lies in a reenchantment of the world. Here, then, is the crux of the modern dilemma. We cannot go back to alchemy or animism-at least that does not seem likely; but the alternative is the grim, scientistic, totally controlled world of nuclear reactors, microprocessors, and genetic engineering-a world that is virtually upon us already. Some type of 110listic, or participating, consciousness and a corresponding sociopolitical formation have to emerge if we are to survive as a species. At this point, as I have said, it is not at all evident what this change will involve; but the implication is that a way of life is slowly coming into being which will be vastly different from the epoch that has so deeply colored, in fact created, the details of our lives. 171 Tradução do original inglês: … unless participating consciousness can be restored in a way that is scientifically (or at least rationally) credible and not merely a relapse into naive animism, then what it means to be a human being will forever be lost. 172 Tradução do original em inglês: Why not abandon Cartesianism and embrace an outlook that is avowedly mystical and quasi-religious, that preserves the superior monistic insight that Cartesianism lacks? Why not deliberately return to alchemy, or animism, or number mysticism? If reality frightens you, Max Weber once remarked, the religion of your fathers is always there to welcome you back into its loving arms. 134 terminam renunciando ao pensamento em sua totalidade. Assim ele vê na teorização de Gregory Bateson a única ciência holística plenamente articulada, pela qual se tem a recuperação da visão de mundo alquímica, mas cientificamente crível. Há, no pensamento de Bateson, clara proximidade com o pensamento oriental e semelhanças com a mecânica quântica e com a teoria da informação. A busca de Bateson, que se torna a de Berman, é a busca é por uma ciência holística, sensual, um mundo pós-cartesiano: a elevação a um novo nível de consciência holística. A mesma ideia de que há uma forma ampliadíssima de entender o “reencantamento” é a de Nancy Mangebeira Unger, colocada neste espaço por sua adesão ao pensamento de Berman, embora tome novas nuanças: É preciso dizer, quando falamos em desencantamento do mundo, que desencantamento é, na verdade, o desencantamento do nosso olhar. Porque a Natureza permanece com seus encantos e com o seu valor, independentemente do que os seres humanos possam pensar ou não pensar a respeito. É o nosso olhar que, se desencantando, se torna mais opaco, mais restrito. Então, reencantar o mundo (expressão que estou usando inspirada no título do livro [...] de Morris Berman, e que por sua vez se inspirou na expressão de Weber: o desencantamento do mundo) é, na verdade, reencantar o nosso olhar. O reencantamento do mundo significa redescobrirmos aquilo que nos constitui, reencantar o mundo é poder novamente ter uma vivência da realidade que não se reduza à reificação. (UNGER, 1991, p. 57). Visto que o mundo “reencantado” é aquele sobre o qual não se coloca mais o olhar reificador (segundo Unger próprio da tradição judaico-cristã), o olhar dominador que vê a natureza como objeto, chega-se a uma forma de experiência religiosa: As palavras transcendência, sagrado, não se referem necessariamente a uma religião instituída, a uma ortodoxia. Falamos do religioso na sua dimensão originária: religare, religar; a força espiritual que nos dá condições para que possamos, em meio à dúvida e à perplexidade que nos habitam neste nosso tempo temperado pela 135 sombra, construir uma nova ética, uma nova morada, uma nova identidade. (UNGER, 1991, p. 58). É o refazer de uma forma originária de religião identificada mesmo com a experiência se faz da natureza, sentindo-se parte dela, que constitui a via do “reencantamento”: É através de sucessivas rupturas ao longo de nossa história que a postura que caracterizou nosso percurso civilizacional leva primeiro à perda da unidade entre a consciência religiosa e a experiência cósmica, e finalmente à recusa de qualquer transcendência. A expulsão do sagrado para fora do Cosmos traz como consequência a progressiva divisão entre ciência e sagrado, entre saber e sabedoria. Ora, um mundo dessacralizado é um mundo passível de cálculo e manipulação pelo sujeito humano, visto finalmente na modernidade como centro ontológico do Universo. (UNGER, 1991, p. 55). [grifo nosso] Este é o momento em que a ciência se reencontra com o sagrado, e o mundo não é simplesmente passível de cálculo para corresponder a uma forma de exploração econômica da natureza como é o capitalismo: No caso do capitalismo nascente, há uma necessidade de realizar o que Weber chamou de “desencantamento do mundo”. Para que uma floresta possa ser vista unicamente com o olhar daquele que vê nesta floresta matéria-prima para sua fábrica de celulose, é preciso realmente que esta floresta seja desprovida de encantos, é preciso que esta floresta seja reduzida aos seus aspectos produtivos. (UNGER, 2001, p. 55). Outro participante deste movimento e, talvez, um dos nomes de maior expressão é do prêmio Nobel de Química de 1997, Ilya Prigogine. No livro A nova aliança (1984), escrito em parceria com Isabelle Stengers, bióloga e filósofa, ambos discorrem sobre um processo a que chama de metamorfose da ciência173. Os autores tratam desde o começo acerca da função que coube à 173 No Brasil quem também apresentou uma primeira tentativa de expor a noção de “reencantamento do mundo” em Prigogine foi Renato Fernandes (2007). 136 ciência clássica (século XVII): ultrapassar as aparências complexas, reduzindo a diversidade dos processos naturais a um conjunto de efeitos de leis, que “... descrevem o mundo em termos de trajetórias deterministas e reversíveis”. (1984, p. 7). Os enunciados científicos eram considerados como sinal de racionalidade universal e os movimentos naturais foram concebidos à imagem de uma máquina racionalizada. Os comportamentos naturais eram, portanto, matematizáveis. O homem tornou-se um estrangeiro no mundo. Prigogine e Stengers afirmam, numa das aparições do conceito de desencantamento do mundo, que “... o problema de uma investigação em cada progresso pôde ser vivido como desencantamento, descoberta dolorosa da estupidez autômata do mundo”. (1984, p. 33). A dimensão fundamental é a seguinte: o desencantamento é o processo operado pela ciência pelo qual o mundo se torna um objeto matematizável, um mero mecanismo causal, sem qualquer relação com o ser humano. Esse processo foi possível devido a uma ressonância entre o discurso teológico cristão e a atividade experimental. Um encontro nada inocente, um acordo ambíguo. A racionalidade de Deus possibilita ao mundo a sua inteligibilidade. Deus é, portanto, uma “... garantia epistemológica... ” (1984, p. 38) que confere simplicidade ao mundo e a possibilidade de universalizar as idealizações da ciência: A ciência clássica nasceu numa cultura dominada pela aliança entre o homem – situado a meio caminho entre a ordem divina e a ordem natural – e Deus, o legislador racional e inteligível, o arquiteto soberano que concebemos à nossa imagem e semelhança. (1991, p. 228). Outro uso do conceito explicita ainda mais esse raciocínio e tem o tom grave de um epílogo: Fizemo-nos eco do lamento segundo o qual a ciência, e a física em particular, desencanta o mundo. Mas ela desencanta precisamente por que o diviniza e nega a diversidade e o devir naturais, [...] em nome de uma eternidade incorruptível, única de ser pensada com verdade. O mundo da dinâmica é um mundo “divino” no qual o tempo não ataca e o nascimento e morte das coisas estão definitivamente excluídos (1984, p. 204). 137 Mundo desencantado, mundo divinizado? Paradoxal, mas só na aparência. Isso está em consonância com a relação que Prigogine e Stengers estabeleceram entre ciência e teologia, o que, para eles, constitui o mito fundador da ciência. O mundo divinizado é o mundo racional criado por um Deus (que também é racional) e que embasa a atividade científica objetivadora do mundo. A crítica de Prigogine se concentra no fato que a ciência clássica apareceu como um corpo estranho no interior da cultura, uma ameaça mesmo para o conjunto da vida cultural, substituindo-a, negligenciando os saberes, as tradições e experiências enraizadas na memória cultural. Para ele, no entanto, hoje se vive uma perspectiva diferente. Hoje “... não estamos mais reduzidos à alternativa entre uma ciência que faria do homem um estranho num mundo desencantado e um protesto anticientífico, talvez mesmo antirracional”. (1984, p. 25). A ciência clássica atingiu os seus próprios limites e está prestes a morrer. É o momento de novas alianças, pois: [...] a ciência de hoje não é mais a ciência clássica. Os conceitos básicos que fundamentavam a “concepção clássica do mundo” encontraram hoje seus limites num progresso teórico que não hesitamos chamar de metamorfose. A própria ambição de reduzir o conjunto de processos naturais a um pequeno número de leis foi abandonada. As ciências da natureza descrevem, de ora em diante, um universo fragmentado, rico de diversidades qualitativas e de surpresas potenciais. Descobrimos que o diálogo racional com a natureza não constitui mais o sobrevoo desencantado dum mundo lunar, mas a exploração, sempre local e eletiva, duma natureza complexa e múltipla. (1997, p. 5). Com essa mudança de perspectiva, a ciência como operadora do desencantamento do mundo também não existe mais. Quebrou-se o liame que unia a ciência (agente) e o desencantamento do mundo (processo): Ciência e ‘desencanto174 do mundo’ não são sinônimos. Nesta perspectiva, podemos reinterpretar os sucessos da ciência clássica, 174 A tradução em língua portuguesa traduz desencantamento por desencanto, o que não deixa de ser muito significativo. 138 mostrar como eles reforçaram e confirmaram as particularidades culturais dessa ciência desde os seus princípios até parecer impô-los como tantas outras tantas exigências de uma racionalidade universal. (1997, p. 5). No passado a ciência pode ter sido um dos vetores do desencantamento, mas, hoje, a ciência abre para o ser humano múltiplas possibilidades de relacionamento com a natureza. O homem não é mais um estranho no mundo que ele descreve (1984, p. 4). Há um segundo texto em que Prigogine (1996) retoma a questão do “reencantamento do mundo”. Ele o escreveu quinze anos depois, aparecendo incluído na obra coletiva A sociedade em busca de valores e que, mais uma vez, traz a expressão apenas como título. Neste texto ele trata diretamente de questões relacionadas à física: Uma questão que passa a formular-se é a de saber como conciliar estas duas visões que temos do mundo, uma obedecendo às leis da dinâmica, deterministas, reversíveis no tempo, e outra às leis da termodinâmica, à entropia, ela mesmo referida àquela flecha do tempo que corresponde à evolução do universo. Começamos a compreender que o universo é muito diferente daquela geometria intemporal que correspondia ao ideal da ciência clássica. O mundo que começamos a decifrar é mais parecido com um romance, com as Mil e uma noites. (p. 232). Com estas reflexões, Prigogine não imputa falsidade à física newtoniana. O que ele rechaça é que ela seja vista como uma única possibilidade de explicação, uma variável sem condição. Então, o que é o universo? É uma realização apenas, entre inúmeras outras possibilidades. Afinal, o que é o “reencantamento do mundo”? É a própria metamorfose da ciência, que abandonando sua abordagem mecanicista, redescobre um mundo vivo e autônomo (e não mais autômato). O “reencantamento do mundo” é, enfim,“... a reunificação do homem e da natureza”. (JAPIASSÚ, 1996, p. 126). Outro texto que deve ser mencionado é aquele que Comissão Gulbenkian, Para abrir as ciências sociais, sob a coordenação de Immanuel Wallerstein (Prigogine fazia parte da Comissão), que tentava oferecer alternativas de resposta à pergunta “Que tipo de ciências sociais 139 nos cabe, hoje, construir?”. O texto visa a revisão da estrutura “... organizativa das próprias ciências sociais... ” (WALLERSTEIN, 1996, p. 105) que recobre os seus membros por um véu protetor, profundamente desestimulados a “qualquer violação das linhas de demarcação” (WALLERSTEIN, 1996, p. 105). No texto, aparece a seguinte concepção do conceito de desencantamento do mundo: No início do século, Max Weber resumiu a trajetória do pensamento moderno chamando-lhe “desencantamento do mundo”. A expressão limitava-se a descrever um processo que fato se desenvolvera ao longo de centena de anos. Em La nouvelle alliance, Prigogine e Stengers apelaram a um “reencantamento do mundo”. O conceito de “desencantamento do mundo” representou a busca de um conhecimento objetivo, liberto de sabedorias ou ideologias reveladas e/ou aceitas. Nas ciências sociais ele traduziu-se na exigência de que não reescrevêssemos a história em nome das estruturas de poder vigentes. Tal exigência constitui um passo no sentido de libertar a atividade intelectual de manietadoras pressões externas e da mitologia, e continua a manter-se válida. Não temos, portanto, o menor desejo de fazer retroceder o pêndulo e de novo nos encontrarmos na difícil situação de que o desencantamento do mundo nos procurou salvar (WALLERSTEIN, 1996, p. 109). Ou seja, o desencantamento do mundo é o processo pelo qual o conhecimento objetivo, a própria atividade científica, a pesquisa, desvencilharam-se das doutrinas impostas, sejam elas religiosas ou de qualquer outra natureza. A menção ao desencantamento é mais corretiva, deixando entrever a intenção de dirimir alguns equívocos e frear usos indiscriminados resultantes da má interpretação da expressão “reencantamento” depois de seu emprego por Prigogine. Por isso o tom do texto mais prudente e explicativo: O apelo no sentido de um “reencantamento do mundo” é de natureza diferente. Não se trata de um desejo de mistificação. Trata-se, antes, de um 140 apelo ao desmantelamento das fronteiras artificiais existentes entre os seres humanos e a natureza, ao reconhecimento de que ambos fazem parte de um universo único, informado pela flecha do tempo. Pretende-se que o reencantamento do mundo libere mais ainda o pensamento humano. O problema foi que, na tentativa de liberar o espírito humano, o conceito de cientista neutro (avançado não por Weber, mas pelas ciências sociais positivistas) veio oferecer uma solução impossível ao louvável objetivo de libertar a investigação da ortodoxia arbitrária. [...] Com o correr do tempo, a crença generalizada numa neutralidade científica tornou-se, ela própria, um grande obstáculo ao crescimento do valor de verdade de nossos achados. [...] Transpor o reencantamento do mundo para uma prática razoável e eficaz não será fácil. Mas parece-nos ser uma tarefa urgente para os cientistas sociais. (WALLERSTEIN, 1996, p. 110). O objeto aqui é, mais uma vez, a ciência. O problema em tela é a atividade científica, a relação de compartimentação entre as ciências e a relação que cada uma delas (especialmente as naturais) estabeleceu com a natureza: uma relação de dominação. Em resumo a todas as afirmações de Prigogine e Stengers, pode-se afirmar o seguinte: Nova aliança: a principal tese é a de que ciência e desencantamento não caminham juntas. (...) Esta afirmação quer pelo menos dizer duas coisas. Em primeiro lugar, que o homem, cientista ou não, não é estranho ao universo: a ciência clássica, explica Prigogine, impunha a escolha entre a “visão de um homem estranho ao mundo e a recusa do único modo de diálogo fecundo com a Natureza”. O objecto de La Nouvelle Alliance consistirá em pôr termo a essa ilusão. (TERRÉFORNACIARI, 1993, p. 154). Outros autores prosseguem nessa orientação de pensamento, explorando muitas das mesmas ideias-chave dos autores até agora explorados. Assim sendo, Marc Luyckx Guisi afirma: 141 Max Weber tinha razão: a modernidade tem desencantado o mundo. As almas não tem mais encontrado o oxigênio, mais a base estável para fundar os valores para fora da Deusa Razão. Toda alusão à dimensão profunda da existência é incongruente em público. O mundo não é mais que racional. O resto, o que não é explicável cientificamente, não existe. O único encantamento proposto ao público é o maravilhamento ao olhar do progresso da ciência e da tecnologia.175 (2002, p. 93). Ele se deteve sobre a mudança do papel do cientista. Há, segundo ele, o nascimento de um paradigma da transmodernidade, que sucederia o pré-moderno (fundado em Deus e na hegemonia do clero), o moderno (da Deusa Razão e a hegemonia dos cientistas) e o pós-moderno (sem verdade única mas ainda com a hegemonia dos cientistas). O paradigma da transmodernidade é aquele: [...] capaz de reencantar o mundo, pois ela pode liberar o acesso à alma. Se a dimensão espiritual não é mais tabu, uma reconciliação entre corpos, inteligências, espíritos e almas, estas diferentes dimensões que compõem toda pessoa, torna-se possível. Essa reconciliação libera uma energia profundamente enterrada em nós, inesperada e poderosa. Em oposição ao desencantamento, este reencantamento pode começar quando a alma recomeça a viver a esperar. Mas a transmodernidade pode também degenerar num desencantamento mais profundo ainda que aquele que banha o mundo atual se ela se depara com a resistência musculosa de outros paradigmas.176 (GUISI, 2002, p. 96). 175 176 Tradução do original em francês: Max Weber a raison: la modernité a désenchanté le monde. Les âmes n’y trouvent plus d’oxygène, plus de base stable pour fonder les valeurs en dehors de la Déesse Raison. Toute allusion à la dimension profonde de l’existence est incongrue en public. Le monde n’est que rationnel. Le reste, ce qui n’est pas explicable scientifiquement, n’existe pas. Le seul enchantement proposé au public est l’émerveillement à l’égard des progrès de la science et de la technologie. Tradução do original em francês:... capable de réenchanter le monde car elle peut libérer l’accès à l’âme. Si la dimension spirituelle n’est plus un tabou, une réconciliation entre corps, intelligences, esprits et âmes, ces différentes dimensions qui composent toute personne, devient possible. Cette réconciliation libère une énergie profondément enfouie en nous, inattendue et puissante. À l’opposé du désenchantement, ce réenchantement peut commencer lorsque l’âme se reprend à vivre et à espérer. Mais la transmodernité peut aussi 142 Neste novo paradigma, o cientista deve-se colocar em pé de igualdade com outras aproximações possíveis do real: O estatuto do perito torna-se o estatuto de um dos parceiros da discussão, um parceiro rigoroso, completo e respeitado, mas certamente não o único nem aquele que, por definição, terá a palavra final.177 (GUISI, 2002, p. 97). Vê-se que a postura de Guisi decorre da necessidade de rejeitar uma supremacia da ciência em relação a outros saberes. É nítida a aproximação do pensamento de Prigogine. A supremacia da ciência em relação a todos os outros saberes é seriamente questionada. E a favor de uma mesa redonda em que todos estejam em diálogo, contra púlpitos altos e exclusivos. Richard Jenkins, de todos os autores que apareceram e aparecerão nesta pesquisa é o que apresenta Weber de forma mais caricaturizada: Embora Weber não fosse um cínico, seu trabalho é caracterizado pelo pessimismo e um reconhecimento aborrecido que, como o Jedi de Star Wars, poderíamos chamar de 'Dark Side' da Força da modernidade.178 (2000, p. 12) Voltando-se em outra parte para o desencantamento ele acrescenta a visão que Weber teria do mundo pré-moderno encantado e sobre o qual teria agido o desencantamento, caracterizado por um movimento de duas direções: A primeira é a destruição da unidade moral, cognitiva e interpretativa que ele acreditava que caracterizou a visão de mundo pré-moderna encantada [...] A segunda, Weber nos chama a atenção para o declínio da magia per se, à dégénérer en un désenchantement plus profond encore que celui qui baigne le monde actuel si elle se heurte à la résistance musclée d’autres paradigmes 177 Tradução do original em francês: Le statut de l’expert devient le statut de l’un des partenaires de la discussion, un partenaire rigoureux, complet et respecté mais certainement pas le seul ni celui qui par définition aurait le dernier mot. 178 Tradução do original em inglês: Although Weber was not a cynic, his work is characterized by pessimism and a weary acknowledgement of what the Jedi of Star Wars might call the ‘Dark Side’ of the Force of modernity. 143 presunção que, pelo menos em princípio, o mundo está aventurado num caminho no final do qual não haverá mais mistérios179. (2000, p. 15). No entanto, esse processo, hoje, vem sendo minado constantemente por forças de resistência: Ele afirma diretamente: [...] Eu argumento que o imperialismo da lógica formal-racional e dos processos tem sido, e necessariamente ainda é, subvertido e minado por um diversificado leque de resistentes (re)encantamentos. Como ponto de partida [...] o (re)encantamento será tomado para se referir a duas tendências ligadas: uma que insiste em que há mais coisas no universo do que sonhadas pelas epistemologias e ontologias racionalistas da ciência, o outro que rejeita a noção de que o a racionalidade formal, calculativa, procedural, é sempre o “melhor caminho"180. (2000, p. 12). [grifo nosso] Note-se o acento: o “reencantamento” tem dois aspectos: a epistemologia racionalista e as “metafísicas” da ciência não conseguem descrever o Universo de forma ilimitada, deixando escapar diversos aspectos da realidade. E, em segundo lugar, o questionamento se a racionalização formal, baseada em procedimentos e cálculos é o melhor caminho a seguir para alcançar os fins desejados. Por isso, Jenkins faz uma listagem de fenômenos que, para ele, são claros indícios de (re)encantamento.181: em relação à racionalização e burocracia, deve-se duvidar da eficiência da jaula de ferro, por maior ou menor que seja a organização, maior será o potencial para a quebra de suas regras e 179 Tradução do original em inglês: The first is the shattering of the moral, cognitive, and interpretive unity which he believed characterized the enchanted pre-modern world-view. [...]. Second, Weber is drawing our attention to the decline of magic per se, to the presumption that, in principle at least, the world is embarked on a path at the end of which there will be no more mysteries. 180 Tradução do original em inglês: … I argue that the imperialism of formal-rational logics and processes has been, and necessarily still is, subverted and undermined by a diverse array of oppositional (re)enchantments. As a starting point—I will return to the definitional issue in more detail in closing—(re)enchantment will be taken to refer to two linked tendencies: one which insists that there are more things in the universe than are dreamed of by the rationalist epistemologies and ontologies of science, the other which rejects the notion that calculative, procedural, formal rationality is always the ‘best way’. 181 O recurso aos parênteses por Jenkins fica claramente justificado por sua perspectiva de que o desencantamento não aconteceu necessariamente e de forma homogênea. 144 estruturas; as necessidades relacionais dentro da organização representam a dependência da formalidade em relação à informalidade; que mesmo a racionalização forma exige dos atores competências cognitivas e sociais. Portanto, nem tudo é suscetível de racionalização formal: Finalmente, ainda dentro mais eficientemente racionalizada das burocracias, as dimensões "irracionais" da vida social - simbolismo e mitos, as noções de destino ou sorte, a sexualidade, ideologias religiosas ou outras, sentimento étnico, etc. necessariamente, influenciam o comportamento organizacional [...]. As organizações formais não são recipientes isolados de racionalidade.182 (2000, p. 14). A partir de agora pode-se perceber que Jenkins, ao contrário de outros autores, posiciona-se claramente diante da avaliação weberiana da modernidade. Ele não fala num alcance limitado temporal e geograficamente do pensamento weberiano. Ele é taxativo: Weber está equivocado no seu diagnóstico acerca do desencantamento: Não importa que versão adote, há boas razões para desafiar o diagnóstico de Weber sobre essas dimensões do desencantamento. É, por exemplo, questionável se o “mundo encantado” foi sempre tão unificado ou homogêneo em sua cosmologia e crenças como o argumento de Weber parece presumir. Mesmo se desconsiderarmos a rica variedade de etnias e comunidades no mundo prémoderno, não há todas as razões para sugerir que o mundo europeu, pelo menos, tem sido desencantado, no sentido de epistemicamente fragmentado, como nós podemos perceber nos registros históricos. [...] Devemos também ter dúvidas sobre o outro lado desta moeda, a suposta fragmentação normativa e cognitiva do moderno mundo. Tomemos, por exemplo, a noção de "processo civilizador" [...]. De muitas maneiras, 182 Tradução do original em inglês: Finally, even within the most efficiently rationalized of bureaucracies, ‘irrational’ dimensions of social life—symbolism and myth, notions of fate or luck, sexuality, religious or other ideologies, ethnic sentiment, etc.—necessarily influence organizational behaviour. […] Formal organizations are not insulated containers of rationality. 145 essa é uma versão alternativa da tese do desencantamento. No entanto, Elias sugere que a nossa visão de mundo tornou-se mais, não menos, unificada com o aparecimento gradual da sociedade moderna desde a antiguidade, e a "quebra da magia", que limita o mundo prémoderno183 (2000, p. 15-16).. Em suma, o mundo “primitivo” não era tão homogeneamente desencantado, o que é bem exemplificado. E ainda a ideia de que o mundo moderno é mais homogêneo que o primitivo é a própria ideia de globalização e o seu contínuo progresso (dos negócios, do turismo, da política e da cultura mesmo). Mas mesmo assim não se podem negar o pluralismo e a fragmentação como reais; isto como um aspecto da suposta pós-modernidade. Assim, ele conclui: Reconhecendo este paradoxo - se que é, na verdade, o que é - obriga-nos a reconhecer a complexidade de um mundo que não é nem definitivamente encantado nem desencantado (e que provavelmente foi sempre assim)184. (2000, p. 16-17). Outro aspecto importante ainda relacionado ao declínio da magia é o papel da ciência no “reencantamento”: Vindo para o outro lado do suposto declínio da magia, o banimento progressivo do mistério em face do conhecimento "objetivo" é uma ideia que era mais defensável no dia de Weber do que é 183 Tradução do original em inglês: No matter which version one adopts, there are good reasons for challenging Weber’s diagnosis of these dimensions of disenchantment. It is, for example, questionable whether the ‘enchanted world’ was ever as unified or homogenous in its cosmology and beliefs as Weber’s argument seems to presume. Even if we disregard the rich variety of communities and ethnies in the pre-modern world, there is every reason to suggest that the European world, at least, has been disenchanted, in the sense of epistemically fragmented, for as long as we can perceive it in the historical record. (…)We should also be sceptical about the other side of this coin, the supposed normative and cognitive fragmentation of the modern world. Take, for example, the notion of the ‘civilizing process’ (Elias 1993). In many ways this is an alternative version of the disenchantment thesis. However, Elias suggests that our world-view has become more, not less, unified with the gradual emergence of modern society from antiquity, and the ‘breaking of the spell’ that bound the premodern world. 184 Tradução do original em inglês: Acknowledging this paradox — if that is, indeed, what it is — forces us to recognize the complexity of a world that is neither definitively enchanted nor disenchanted (and which was probably ever thus). 146 hoje, como foi uma visão de um campo problemático e autoritário explicativo chamado "ciência" [...]. A questão importante aqui se o paradigma científico é ou não "verdadeiro", mas como ele é entendido, interpretado, recebido e experienciado185. (2000, p. 17). O desafio à supremacia da ciência está relacionado aos seus efeitos de médio e longo prazo sobre o meio ambiente planetário. A ciência, ainda que seja escolha prioritária como meio de cura, vem concorrendo com alternativas como a acupuntura e a homeopatia “... que, embora possam ser enraizadas em cosmologias radicalmente diferentes, são amplamente consideradas como ‘trabalho’”186. (2000, p. 17). Jenkins aqui coloca em tela a física de Newton, que como em diversos autores aqui mencionados, questionam o seu alcance hoje: Assim, os conhecimentos "objetivos" da ciência ocidental estão se tornando cada vez mais entendidos como (no máximo) contingentes e não verdades permanentes. O conhecimento sempre em expansão já não é, em si, acreditado ser suficiente. O mundo pode realmente tornar-se um pouco mais misterioso e não menos. Isso não deve necessariamente ser entendido como uma erosão da autoridade da ciência, mas sim como uma potencial mudança no seu centro de gravidade no sentido de um maior pluralismo epistemológico.187 (2000, p. 17). Acrescente-se a isso o desafio permanente ao conhecimento científico de outros quadros explicativos, como sorte e destino, 185 Tradução do original em inglês: Coming on to the other side of magic’s supposed decline, the progressive banishment of mystery in the face of ‘objective’ knowledge is an idea which was more defensible in Weber’s day than it is today, as was a vision of an unproblematic and authoritative explanatory field called ‘science’ […]. The important issue here is not whether or not the scientific paradigm is ‘true’, but how it is understood, interpreted, received, and experienced. 186 Tradução do original m inglês: … which, although they may be rooted in radically different cosmologies, are widely believed to ‘work’. 187 Tradução do original m inglês: Thus the ‘objective’ knowledges of Western science are becoming increasingly understood as (at best) contingent rather than permanent verities. Ever-expanding knowledge is no longer, in itself, believed to be enough. The world may actually be becoming somewhat more mysterious rather than less. This should not necessarily be understood as an erosion of the authority of science, but rather as a potential shift in its centre of gravity towards greater epistemological pluralism. 147 institucionalizado na astrologia e afins, além da já afirmada busca de tratamentos alternativos. Mas Jenkins vai além: Mais geralmente, pode-se apontar para uma ampla gama de importantes (re)encantamentos que são decididamente modernos: o fundamentalismo religioso, seja qual for seu matiz, estilos de vida alternativos, muitos deles resistências explícitas ao urbanismo e ao capitalismo; neo-paganismo e outras tradições espirituais inventadas; psicanálise/psicoterapia. Mais transitórios mesmo, pode-se dizer, superficiais - são tais (re)encantamentos menores como os sonhos da alteridade inspirada pelo turismo, em particular seus modos alternativos autoconscientes; os devaneios mundanos da propaganda e do consumo; escapismo cinematográfico; ficção científica e fantasia; e, não menos importante, as atrações virtuais disponíveis na internet.188 (2000, p. 18) Há duas outras direções nas quais se pode-se identificar formas de “reencantamento”: o carisma político, pois o “... poder tem exercido sempre exercido o seu próprio encanto.”189 (2000, p. 18); e um movimento cultural, nascido como resposta ao racionalismo iluminista, o Romantismo, “...continua a ser influente.”190 (2000, p. 19). Jenkins também se ocupa do tema da religião, ou melhor sobre participação em religiões formais, organizadas. Para ele, essa participação declina na Europa, mas isso não representa o declínio em crenças sobrenaturais e nem mesmo que a religião cristã será suplantada por outras espiritualidades. “Secularização e desencantamento não são as mesmas coisas, embora sejam facilmente confundidos”191. (2000, p. 19). Embora tenha tomado como ponto de partida o conceito de 188 Tradução do original em inglês: More generally, one can point to a wide range of substantial (re)enchantments which are decidedly modern: religious fundamentalism, whatever its hue; alternative life-styles, many of them explicit resistances to urbanism and capitalism; neopaganism and other invented spiritual traditions; and psychoanalysis/psychotherapy. More transient— even, one might say, superficial—are such minor (re)enchantments such as the dreams of alterity inspired by tourism, particularly in its self-consciously alternative modes; the mundane daydreams of advertizing and consumption; cinematic escapism; science fiction and fantasy; and, not least, the virtual attractions available on the internet. 189 Tradução do original em inglês: … power has always cast its own spell. 190 Tradução do original em inglês:... remains influential. 191 Texto original em inglês: “Secularization and disenchantment are not the same things, although they are easily confused”. 148 desencantamento do mundo, Jenkins renuncia a ele no seu caminho e está muito consciente disso. A dinâmica da contemporânea e mesmo a época de Weber fazem deste autor portador de uma visão limitada, para não dizer equivocada. Jenkins se mostra, dentre todos os autores que tratam do “reencantamento” religioso do mundo, o mais claro e assumido opositor de Weber. Esta exposição sucinta do “reencantamento” propriamente ligado à atividade científica leva à temática da ecologia. Afinal, os dois pontos estão interligados: se a concepção da natureza ao ser modificada é o que faz o “reencantamento” científico, muda também o modo como os cientistas se colocam diante do conjunto total da cultura e, consequentemente, diante de outros saberes. Mas um “reencantamento” totalmente centrado no fazer do cientista é uma forma estéril e abstrata demais se não desencadear numa maneira renovada de relação com a natureza. Se o ser humano deve se reunificar com ela, se deve se sentir um familiar e não mais um estranho, as relações entre homem e natureza devem ser relações baseadas no cuidado, no respeito. Então, na verdade, o “reencantamento” científico desdobra-se na direção de um “reencantamento” ecológico. 4.3 ECOLOGIA E “REENCANTAMENTO DO MUNDO” Os autores, até agora, colocaram a ciência clássica como uma forma violentadora da ciência. E esse domínio – que deve cessar – leva, necessariamente, à preocupação com a temática da ecologia. Pois não é apenas a atividade científica que ganha “novo sentido”, mas a natureza principalmente. Por isso, aqui não se fará uma exposição da questão ecológica como tal, mas apenas de como a natureza é vista a partir do “reencantamento do mundo”. O primeiro autor que pode ser colocado neste enquadramento é Serge Moscovici, que em seu livro A natureza trata explicitamente do tema. É interessante notar a analogia de Moscovici acerca do conceito de desencantamento do mundo: este é o “... Cristóvão Colombo da modernidade...” (2007, p. 84), expressão que bem explica a civilização moderna e da qual, ainda segundo ele, “... nós ressentimos em maior profundidade...” (2007, p. 84). Se a expressão contém toda a força explicativa que Moscovici lhe atribui, cabe perseguir o conteúdo da expressão. Moscovici a deixa bem evidente no texto, afirmando que o desencantamento do mundo significa: 149 Primeiramente, a metáfora da passagem da magia à ciência. Em seguida, a tendência milenar que se estende do mundo encantado dos homens ao mundo desencantado das máquinas. (2007, p. 84). Moscovici oferece um passo singular na interpretação do conceito. Um mundo dominado pela magia passa para um mundo dominado pela ciência: Para resumir o que é o desencantamento do mundo, eu direi que ele é um processo de desmagificação, visando liberar a natureza do animismo, que povoa o universo de almas angélicas ou demoníacas, como também do antropomorfismo, que concebe toda a imagem do homem, a fim de dissipar toda a sua aura feérica ou grotesca e expô-la em plena luz, impessoal e indiferente aos homens. Eles esperaram assim esse ponto culminante donde eles poderão dizer, como Nietzsche: “A ciência nos ensinou que o universo é uma máquina e que não precisa de nós”. Ele não duvida, a meu ver, que desencantar o mundo é, primeiramente e sobretudo, desencantar os saberes do mundo. (2007, p. 85). A natureza a maior afetada por este processo. O seu acento é sobre como a ciência transformou a relação com a natureza e com o conhecimento sobre a natureza. A ciência se arrogou o monopólio da verdade e desqualificou todas as formas de conhecimento (senso comum, filosofia, artes, a religião e as diversas tradições). A ciência transformou-se em nossa religião moderna, pois enquanto a religião exigia o sacrifício da razão (do intelecto, para recordar o termo weberiano), a ciência: [...] exige da razão que ela sacrifique o corpo dos saberes vivos e partilhados de uma geração à outra, decretando que eles são menos verdadeiros que a verdade. [...] Só existe uma única racionalidade que, no interior do processo de desencantamento do mundo, exclui todas as outras possibilidades de conhecer o que é real e seguramente verdadeiro. (2007, p. 86). Essa nova orientação foi preparada por Descartes, Galileu, Newton. Os fenômenos naturais passam a ser vistos através das 150 máquinas. Só que o curso do desencantamento muda acentuadamente: a ciência passa a se apropriar também dos fenômenos sociais e psíquicos. A história do Ocidente, marcada pelo desencantamento do mundo, “... Weber a leu como um esquecimento da natureza, do seu elo carismático conosco...” (2007, p. 102). O que Moscovici aponta é que, se não queremos seguir a via do desencantamento, aquela que leva os homens excessivamente confiantes em sua razão a se precipitarem sobre a natureza, cabe-nos um “... retorno para dentro da natureza” (2007, p. 115). Isso é o “reencantamento do mundo”, preconizado pelos movimentos naturalistas, que têm como objetivo a liberação da natureza, deixando de lado uma obsessão eminentemente moderna que é desencantá-la como o homem não tivesse relação alguma com ela. Diante dos resultados do desencantamento, os movimentos naturalistas são agentes do “reencantamento”. Moscovici assim o resume: Seremos tentados a considerar o reencantamento do mundo como um estado de esperança, a cada vez descrito com tanto fervor quanto imprecisão, ou como um sonho acordado, se não tivesse deixado tantas marcas nas iniciativas concretas ou na troca de experiências. Se nós o extraímos dessas experiências acumuladas e das discussões que acompanham alguns indícios discordantes, elas remetem a dois sintomas que emergem da massa de ideias e de desejos ordinários. (2007, p.117). [grifo nosso] Como se pode ver, o “reencantamento do mundo” é uma aspiração, uma bandeira erguida pelos movimentos naturalistas, que desejam restabelecer as relações do ser humano com a natureza: Tudo se passa como se, se a “criação da vida”, a vida humana não fosse uma vida. O que chamamos assim é uma manifestação de seu desencantamento, que desejou apagar a distinção entre homem-animal e homem-homem, reduzir os dois aspectos da natureza a um princípio mecânico e fazer de nossa espécie um último elo da longa cadeia de seres vivos. Por consequência, o reencantamento do mundo toma uma nova forma: não mais de promessa de um mundo melhor, mas de uma tarefa mais profunda, que é 151 unificar as relações que os homens mantêm com a natureza. (2007, p. 119). [grifo nosso] Segundo Moscovici, são dois os passos na direção do “reencantamento”: uma série de trocas que promovam o encontro, no domínio prático, entre a ciência (especialmente a técnica, a biologia e a ecologia), o senso comum e as artes; e, enfim, a coalizão de saberes, enraizando-os em outra forma de vida. Na mesma linha da reflexão ecológica aparece Ana Patricia Noguera de Echeverri, que defende uma estética ambiental que expressa a necessidade de um “reencantamento do mundo”. O pensamento ambiental por ela endossado (estética, ética, filosofia, educação, ciência e outros campos) surge da problemática ambiental da mesma forma que a física newtoniana e o paradigma mecanicista nascem do paradigma burguês do século XVII. As reflexões de Echeverri são uma dura crítica ao reducionismo cientificista. São uma crítica à “... visão dividida no ocidente...192” que inicia com Platão, passa por Aristóteles, pelo cristianismo (seja agostianiano ou tomista) e ainda pelo pensamento moderno (Descartes, Galileu, a fenomenologia e a hermenêutica). Uma crítica à teoria dos dois mundos, à ontologia da excisão. A razão moderna é a expressão mais clara da excisão do Ocidente, a “dualética”, a oposição entre o racional e o irracional: O racionalismo que tudo abarca e desdenhoso de outros saberes, não podia aceitar que o mundo mítico estivera no mesmo plano do mundo técnico-científico. O acontecimento mais importante da modernidade foi, portanto, o abandono que o homem fez dos deuses, do mundo do sagrado, do mundo do mítico, do mundo do poético – da possibilidade de expressão do ser como poético – para passar do calculado, do exato, do explicável racionalmente, do mundo amputado, precisado, despoetizado, desencantado.193 (2004, p. 4). 192 193 Tradução do original em espanhol:... vision escindida em occidente... Tradução do original m espanhol: El racionalismo omniabarcante y desdoñoso de otros saberes, no podía aceptar que el mundo mítico estuviera en el mismo plano del mundo tecnocientífico. El acontecimiento más importante de la modernidad fue, por tanto, el abandono que el hombre hizo de los dioses, del mundo de lo sagrado, del mundo de lo mítico, del mundo de lo poético — de la posibilidad de expresión del ser como poético— para pasar al mundo de lo calculado, de lo exacto, de lo explicable racionalmente, del mundo amputado, precisado, despoetizado, desencantado. 152 A autora trabalha com uma nova imagem da ciência: ela não nos entrega verdades de cunho universal, com seus respectivos valores, modelos e métodos (2004, p. 16). Por isso, ela defende a proposta de “... construção de outro ethos cultural a partir da dimensão estéticoambiental... 194” (2004, p. 16): [...] uma tarefa prioritária, a proposta do reencantamento do mundo, através da recuperação da dimensão mítico poética da existência, do sentido de habitar a terra para a reflexão ambiental, pois o espírito desta nova época tem sua expressão em atitudes transgressoras, rupturas epistemológicas, novas junções, dissolução de paradigmas políticos, éticos, estéticos, científicos e culturais, ademais de uma série de transformações dentro do tempo e do espaço, que tem colocado em tela de juízo a linearidade teleológica da história e a pretendida homogeneidade de conceitos tais como desenvolvimento e progresso, segundo os postulados da Modernidade195. (2004, p. 15). O ambientalismo não se pretende o paradigma do terceiro milênio pois não se postula como uma verdade universal. Um novo ethos cultural não surge de uma decisão, seja ela política, tecnológica ou econômica. Este novo ethos é uma nova forma de morar, que tem um nexo profundo com o mítico, que o positivismo trabalhou para eliminar. É preciso poetizar as relações entre os seres humanos e a terra, construindo uma ética-estética do respeito do agradecimento, cuidado e responsabilidade. É necessária uma “... revitalização do sentido poético do mundo...”196 (2004, p. 64): 194 Tradução do original em espanhol: “… construcción de otro ethos cultural desde la dimensión estético-ambiental...” 195 Tradução do original em espanhol:... una tarea prioritaria, la propuesta del reencantamiento del mundo, a través de la recuperación de la dimensión mítico poética de la existencia, del sentido del habitar la tierra para la reflexión ambiental, pues el espíritu de esta nueva época tiene su expresión en actitudes transgresoras, rupturas epistemológicas, nuevas junturas, disolución de paradigmas políticos, éticos, estéticos, científicos y culturales, además de una serie de transformaciones dentro del tiempo y el espacio, que han puesto en tela de juicio la linealidad teleológica de la historia y la pretendida homogeneidad de conceptos tales como desarrollo y progreso, según los postulados de la Modernidad. 196 Tradução do original em espanhol:... revitalización del sentido poético del mundo... 153 Creio que buscar um reencantamento do mundo é sair da visão cientificista de um mundo reduzido a uma fórmula matemática, a um mundo onde o sagrado, no inominável, o hermético, aquilo do qual só podemos dizer que é, torna-se uma proposta de sentidos do mundo onde nós somos poiesis desse mundo que é potência e virtus, expansões do corpo – natureza, no dizer de Espinoza [...] A poetização do mundo, seu reencantamento exige então um silenciamento dos discursos sufocantes das grandes teorias científicas, das racionalidades excludentes e que tudo abarcam; exige deixar que a voz misteriosa do mundo como vida, como ser em desenvolvimento, como perpétua aurora e crepúsculo, possa ser escutada. A filosofia ambiental não poderá ser então uma voz solo impondo ao mundo sua canção. Terá que ser um coro dodecafônico, diverso, multitonal. Não será uma teoria. Será um convite à poesia, ao silêncio do sujeito cartesiano, à entrada na trama da vida197. (2004, p. 21-22). É a passagem de uma visão compartimentada do mundo da vida para uma visão integral, complexa e holística. É necessária a desconstrução dos discursos modernos, baseados no paradigma técnicocientífico, baseados na divisão entre cultura (uma criação metafísica) e natureza (inferiorizada e exterior à espécie humana), entre sujeito e objeto, entre o terrenal e o espiritual. A natureza é cultura, através do símbolo e a cultura é natureza através do corpo. Mas a autora ainda conclui com uma advertência para aqueles que aderirem ao projeto: Aqueles de nós que trabalhamos na construção do pensamento ambiental, sabemos que o 197 Tradução do original em espanhol: Creo que buscar un reencantamiento del mundo es salir de la visión cientificista de un mundo reducido a una fórmula matemática, a un mundo donde lo sagrado, lo innombrable, lo hermético, aquello de lo cual solo podemos decir que es, se torna en propuesta de sentidos de mundo donde nosotros somos poiesis de ese mundo que es potencia y virtus, expansiones del cuerpo- naturaleza, al decir de Spinoza. […] La poetización del mundo, su reencantamiento, exige entonces un acallamiento de los discursos sofocantes de las grandes teorias científicas, de las racionalidades excluyentes y omniabarcantes; exige dejar que la voz misteriosa del mundo como vida, como ser en despliegue, como perpetua aurora y crepúsculo, pueda ser escuchada. La filosofía ambiental no podrá ser entonces una voz solista imponiendo al mundo su canción. Tendrá que ser un coro dodecafónico, diverso, multitonal. No será una teoría. Será una invitación a la poesía, al silencio del sujeto cartesiano, a la entrada en la trama de la vida. 154 reencantamento do mundo através da poetização da ciência, tecnologia e vida social é um trabalho árduo.198 (2004, p. 64). Na mesma linha Mohammed Taleb afirma que o desencantamento é o processo pelo qual o mundo, o “...universo de magia, de charme e imaginação...199” (2008, p. 277), “... perde seu mistério por se tornar um objeto, podendo ser submetido às regras da estatística, da contabilidade, da quantificação.”200 (2008, p. 278). Ele aponta um processo de reificação (objetivação), que é caracterizada pela “... vontade de potência e a lógica de interesse...” 201 (2008, p. 277), sendo a essência do capitalismo e, por isso, tem um papel causal na crise ecológica atual: A crise sócio-ecológica moderna é diferente daquelas que afetaram o meio ambiente na Antiguidade (notadamente nas civilizações procedentes da revolução neolítica) por que o processo no qual é levada a Natureza é um processo de morte: a objetivação, pela transformação que ela opera de todas as realidades, materiais e imateriais, em “coisa” ou mais justamente em “mercadoria”, é a matriz mesma do desencantamento do mundo.202 (2008, p. 282). Ou seja, com a passagem do valor de uso para o valor de troca a natureza mesma se tornou mercadoria. O avanço da reificação da natureza só foi possível por encontrar no reducionismo da ciência moderna o seu ensejo ideal para o seu desenvolvimento. Ou seja, este modelo de reificação: 198 Tradução do original espanhol: Quienes trabajamos en la construcción de un pensamiento ambiental, sabemos que el reencantamiento del mundo a través de la poetización de la ciencia, la técnica y la vida social es un trabajo difícil. 199 Tradução do original em francês:... univers de magie, de charme et d’imaginaire... 200 Tradução do original em francês :... perd son mystère pour devenir un objet pouvant être soumis aux règles de la statistique, de la comptabilité, de la quantification. 201 Tradução do originalm francês:... la volonté de puissance et la logique de l’intérêt... 202 Tradução do originalm francês: La crise socio-écologique moderne est différente de celles qui affectèrent l’environnement dans l’Antiquité (notamment dans les civilisations issues de la révolution néolithique) parce que le processus dans lequel est emportée la Nature est un processus de mort: l’objectivation, par la transformation qu’elle opère de toute les réalités, matérielles et immatérielles, en “chose” ou plus justement en “marchandise”, est la matrice même du désenchantement du monde. 155 [...] é dificilmente separável do modelo científico da modernidade que emergiu, nos séculos 16 e 17, não ao lado do capitalismo, mas em seu seio. Galileu, Descartes, Newton e Bacon são os nomes desta intelectualidade que iria originar a ciência moderna. 203 (2008, p. 283). Taleb vê entre a busca pelo universalismo de leis científicas que caracteriza a ciência moderna e o universalismo da ideologia ocidental que busca civilizar os povos colonizados há uma relação de identidade. “Redutor, lógico-matemático ou etnocêntrico,este universalismo é uma dimensão essencial do desencantamento do mundo204. (2008, p. 284). Diante deste modelo surge, contemporaneamente, o “reencantamento” como um elemento de resistência à globalização econômica e imperialista, como um “... projeto ético-filosófico...”205 (2008, p. 285), compartilhado principalmente pelos românticos, os representantes da naturphilosophie. Por isso o autor propõe um empenho pelo “reencantamento” principalmente no contexto político, pois se as injustiças sociais e ecológicas se situam no contexto do desencantamento, as injustiças sociais são indissociáveis das injustiças ecológicas: A militância pelo reencantamento do mundo, no qual nós estamos engajados tanto sob um plano acadêmico quanto político, provindo, em parte, desta íntima convicção que a justiça social e a justiça ecológica não podem verdadeiramente advir e se realizar se nós permanecemos no interior dos limites do quadro político e econômica internacional atual. Com efeito, não se trata de instalar esse quadro, mas bem de o transformar. O reencantamento do mundo aparece, em nossa perspectiva, como um componente fundamental deste novo paradigma que se elabora, lentamente mas certamente, no contexto das dinâmicas de resistência dos povos à globalização econômica e ao imperialismo. Este 203 Tradução do original em francês:... est difficilement séparable du modèle scientifique de la modernité qui a émergé, aux 16e et 17e siècles, non pas à côté du capitalisme, mais en son sein. Galilée, Descartes, Newton et Bacon sont les noms de cette intellectualité qui allait enfanter la science moderne. 204 Tradução do original em francês: Réducteur, logico-mathématique ou ethnocentrique, cet universalisme est une dimension essentielle du désenchantement du monde. (2008, p. 284). 205 Tradução do original em francês:... projet éthico-philosophique... 156 novo paradigma incorpora, reatualizando-as, as antigas intuições formuladas nos contextos diversos (ciência, literatura, engajamento social), intuições que dizem que o real não se reduz ao material, que o humano não se reduz a uma mercadoria, que a Natureza não é um objeto. 206 (2008, p. 278). [grifo nosso] O reencantamento do mundo só é possível se houver uma educação relativa ao meio ambiente, que teria o papel de despertar a consciência coletiva para o perigo que ele qualifica de mortal de submeter, de fazer triunfar o objeto sobre o espírito, o dinheiro sobre laço social, a Natureza e a Humanidade. Essa educação ambiental pode, enfim, “reencantar” a relação do ser humano com o mundo. O último autor deste grupo é José Maria García Gomez-Heraz, que com busca estabelecer um confronto entre dois mundos: o desencantado e o reencantado, comparando dois autores: Max Weber e Ernst Bloch. Antes de tudo, ele apresenta o que é um mundo desencantado: A ciência e a racionalidade instrumental evacuam as potências mágicas que outrora pairavam sobre o viver e o fazer dos mortais. Desencantamento do mundo acontece cada vez que a racionalidade técnico-utilitária destrói utopias ou crenças, relegando aquilo que a fantasia humana forja ou que o desejo anseia ao esconderijo das vivências emotivas dos sujeitos. O desaparecimento de mitos e feitiços, que o desencantamento exige, significa o relevo do mundo utópico criado pela imaginação fértil e sua substituição por tudo aquilo, que gera a convicção de todas as coisas podem ser explicadas pelo cômputo matemático e 206 Tradução do original em francês: La militance pour le réenchantement du monde, dans laquelle nous sommes engagés aussi bien sur un plan académique que politique, provient, en partie, de cette intime conviction que la justice sociale et la justice écologique ne peuvent véritablement advenir et se réaliser si nous restons à l’intérieur des limites du cadre politique et économique international actuel. En effet, il ne s’agit pas d’aménager ce cadre, mais bien de le transformer. Le réenchantement du monde apparaît, dans notre perspective, comme une composante fondamentale de ce nouveau paradigme qui s’élabore, lentement mais sûrement, dans le contexte des dynamiques de résistance des peuples à la globalisation économique et à l’impérialisme. Ce nouveau paradigme reprend, en les réactualisant, d’anciennes intuitions formulées dans les contextes divers (science, littérature, engagement social), intuitions qui disent que le réel ne se réduit pas au matériel, que l’humain ne se réduit pás à une marchandise, que la Nature n’est pas un objet. 157 dominadas pela técnica que dele deriva207. (GOMEZ-HERAS,1992, p. 271-272) Esse mundo, dominado por uma compreensão matemática é um mundo racionalizado. Os conceitos weberianos são igualados em sua interpretação: Racionalizar, desencantar, secularizar, desmitificar... são termos equivalentes. Aquelas interpretações haviam construído uma imagem unitária do mundo, em cujo contexto as perguntas sobre o sentido da vida e do acontecer eram suscetíveis de respostas adequadas.208 (GOMEZHERAS, 1992, p. 273). Mas, o processo de racionalização “... não logra erradicar o mistério do mundo e da história” 209. (GOMEZ-HERAS, 1992, p. 274). A razão utópica, como ele nomeia, sobrevive; o espírito da utopia impregna a história e devolve as diversas esferas (cultura, política, economia) ao mundo encantado. “O mundo desencantado, mais que realidade verdadeira, é miragem enganosa. O que a “razão adequada a fins” desencanta é a exterioridade da vida, não a substância da mesma.” 210 (GOMEZ-HERAS, p. 274). A pressão da razão instrumental faz com que valores e utopias emigrem para as estâncias da subjetividade, onde devem conviver com a fantasia, o sentimento, a paixão. Há, portanto, um choque entre o desencantamento técnico científico do mundo e o “reencantamento”, que estimula o desejo e a liberdade. Por isso, Gomez-Heras enumera diversas formas 207 Tradução do original em espanhol : La ciencia y Ia racionalidad instrumental evacuan Ias potenciais mágicas que otrora planeaban sobre el vivir y hacer de los mortales. Desencantamiento del mundo acontece cada vez que Ia racionalidad técnico-utilitaria destruye utopías o creencias, relegando aquello que Ia fantasia humana forja o que el deseo anhela alescondrijo de Ias vivencias emotivas de los sujetos. La desaparición de mitos y embrujos, que el desencantamiento exige, significa el relevo del mundo utópico creado por Ia imaginación fértil y su sustitución por todo aquello, que genera Ia convicción de que todas Ias cosas pueden ser explicadas por el computo matemático y dominadas por Ia técnica que de él deriva. 208 Tradução do original em espanhol: Racionalizar, desencantar, secularizar, desmitificar... son térmicos equivalentes. Aquellas interpretaciones habían construido una imagen unitaria del mundo, en cuyo contexto Ias preguntas sobre el sentido de Ia vida y del acontecer eran susceptibles de respuestas adecuadas. 209 Tradução do original em espanhol: … no logra erradicar el misterio del mundo y de Ia historia. 210 Tradução do original m espanhol: El mundo desencantado, mas que realidad verdadera, es espejismo enganoso. Lo que Ia "razón adecuada a fines" desencanta es Ia exterioridad de Ia vida, no Ia sustancia de Ia misma. 158 contemporâneas de “reencantamento”: Nossa época, que põe o homem em situação de ter que decidir na solidão sobre o sentido da própria existência, assiste a uma desacostumada floração de ofertas de reencantamento e remitologização do mundo. Profetas de novos deuses pululam em todos os lugares, ofertando sortilégios salvadores. Da solidão humana emergem os novos mitos com pretensões de satisfazer uma exigência indigente. O mais potente produtor de novas bruxarias e feitiços é cabalmente a razão tecnológica, abrigada sob o manto da ciência e do progresso. [...] Também a ciência e a técnica, neste caso, fazem-se credoras de ser submetidas aos critérios do desencantamento e da desmitificação. A luta contra a superstição de toda razão “ilustrada” obriga a que o homem repense criticamente os fundamentos da modernidade e desmascare o mito de uma civilização técnico-utilitária, que perdeu o sentido de suas origens e de seus fins211. (p. 275-276) Diante do mundo desencantado é a natureza que reivindica sua “... dimensão encantada...” (1992, p. 284). É a utopia ecológica que busca a reconciliação entre técnica e cultura, entre o mundo dado e aquele forjado por sua mão: A utopia da reconciliação do homem com natureza se alça, por outra parte, como instância crítica que julga aos verdugos do “planeta ferido”. Só na medida em que a utopia da reconciliação do homem com a natureza inspire as relações entre a 211 Tradução do original em espanhol: Nuestra época, que pone al hombre en situación de tener que decidir en soledad sobre el sentido de Ia propia existencia, asiste a una desacostumbrada floración de ofertas de reencantamiento y remitologización del mundo. Profetas de nuevos dioses pululan por doquier, ofertando sortilégios salvadores. De Ia soledad humana emergen los nuevos mitos con pretensiones de satisfacer una existencia indigente. El mas potente productor de nuevos embrujos y hechizos es cabalmente Ia razón tecnológica, cobijada bajo el manto de Ia ciencia y del progreso. […] Tambien Ia ciencia y Ia tecnica, en este caso, se hacen acreedoras de ser sometidas a los criterios del desencantamiento y de Ia desmitificación. La lucha contra Ia superstición de toda razón "ilustrada" obliga a que el hombre repiense criticamente los fundamentos de Ia modernidad y desenmascare el mito de una civilización técnico-utilitaria, que ha perdido el sentido de sus orígenes y de sus fines. 159 técnica e as coisas, estas recuperarão sua dimensão encantada212. (GOMEZ-HERAS, p. 284). A busca da utopia ecológica é de uma concepção da natureza de caráter qualitativo, distanciada de uma imagem físico-matemática do cosmos. A uma concepção qualitativa: [...] corresponde uma peculiar mística da natureza, que subjaz a atitude ecológica. Dessa mística da natureza forma parte o assombro ante a paisagem, a carência de palavras para descrever a majestade da tormenta ou a admiração ante a obra de arte, produzida por agentes naturais. São manifestações da uma natureza organismo, cheia de vida, reproduzindo-se a si mesma em um sem fim de variações.213. (GOMEZ-HERAS, 1992, p. 286). Para Gomez-Heras, Bloch, mostra-se reticente diante da visão galileano-newtoniana do mundo. Uma natureza que se harmoniza com o homem não é essa baseada sobre conhecimentos exatos e quantificação. Isso por que se mostram incapazes de “... penetrar a interioridade da matéria”.214. (1992, p. 287). “A interioridade do mundo aparece então como encanto do mundo.”215. (GOMEZ-HERAS, 1992, p. 288). Há, para Bloch, tradições não-euclidianas que buscaram descobrir os segredos do cosmos por caminhos diferentes216, as quais buscavam uma cosmologia qualitativa: A intercomunicação entre o homem e a natureza se estabelece sobre a vivência simpatética e não sobre a experiência quantitativa. Na primeira, a 212 Tradução do original m espanhol: La utopía de Ia reconciliación del hombre con Ia naturaleza se alza, por otra parte, como instancia crítica que enjuicia a los verdugos del "planeta herido". Solo en Ia medida en que Ia utopía de Ia reconciliación del hombre con Ia naturaleza inspire Ias relaciones entre Ia técnica y Ias cosas, estas recuperarán su dimensión encantada. 213 Tradução do original m espanhol: … corresponde una peculiar mística de Ia naturaleza, que subyace a Ia actitud ecológica. De esa mística de Ia naturaleza forma parte el asombro ante el paisaje, Ia carencia de palabras para describir Ia majestad de Ia tormenta o Ia admiración ante Ia obra de arte, producida por los agentes naturales. Son manifestaciones de una naturalezaorganismo, pleno de vida, reproduciéndose a si misma en un sin fin de variaciones. 214 Tradução do original m espanhol: “... penetrar en Ia interioridad de Ia materia” (1992, p. 287). 215 Tradução do original m espanhol: “La interioridad del mundo aparece entonces como encanto del mundo”215. 216 Os pensadores aristotélicos árabes, o renascentista Giordano. Bruno, os racionalistas Spinoza y Leibniz, o romântico Schelling. Há ainda a especulação judaica da Cabala e, ainda, o idealismo romântico. 160 relação entre o homem e o seu entorno discorre sobre as sendas do apreço, do respeito e do afeto e não pelas da utilidade, o cálculo e a medida. Tal simpatia pelo cosmos permite recuperar aquelas dimensões mágicas sacrificadas pela físicamatemática. O encanto do mundo reaparece da mão do “sentir com o mundo”217. (GOMEZHERAS, 1992, p. 289). Como se pode perceber, o acento dos autores do “reencantamento” ecológico está baseado no modo como deve ser encarada a natureza. Não mais com a postura de domínio, mas com cuidado, respeito, admiração, pois a natureza é a morada do ser humano. A natureza, como mesmo o ser humano, portanto, não pode ser objeto de quantificação, de fragmentação de uma ciência que esquadrinha e, consequentemente, mata a unidade do ser humano como tal e a dele com a natureza. Toda essa literatura “reencantadora” não passou despercebida da análise crítica. Abordagens como essas têm mais implicações teóricas do que se possa perceber à primeira vista. DA LITERATURA CRÍTICA 4.4 ANÁLISE “REENCANTAMENTO” CIENTÍFICO DO MUNDO ACERCA DO Há, enfim, uma última categoria de trabalhos sobre o “reencantamento do mundo”. É nela que esta pesquisa se enquadra. É o conjunto de balanços críticos anteriores, aos quais deve a compreensão mais larga do tema. Mesmo que pareça um esforço redundante, estabelecer uma revisão de revisões de literatura (pois é como se colocam os autores a seguir) persegue um objetivo claro: ajuntar percepções comuns, tentando captar as linhas “invisíveis” que perpassam essas avaliações e lhes conferem certa unidade. Estes balanços, mesmo tendo objetivos distintos do objetivo deste trabalho, oferecem, no entanto, material para ampliar a avaliação que aqui se pretende realizar acerca dos autores que tratam do “reencantamento”. Nesta pesquisa foram identificados pelo menos 217 Tradução do texto original m espanhol: La intercomunicación entre el hombre y Ia naturaleza se establece sobre a vivencia simpatética y no sobre Ia experiencia cuantitativa. En Ia primera, Ia relación entre el hombre y su entorno discurre por Ias sendas del aprecio, del respeto y del afecto y no por Ias de Ia utilidad, el cálculo y Ia medida. Tal simpatía por el cosmos permite recuperar aquellas dimensiones mágicas sacrificadas por Ia físicomatemática. El encanto del mundo reaparece de Ia mano del "sentir con el mundo". 161 quatro balanços críticos relevantes: David Griffin, Johannes Weiss, Hilton Japiassú e Jean-Louis Schlegel. Afinal, quais aspectos de suas avaliações podem ser aplicados aos autores desta exposição? David Griffin desde o começo afirma que alude a Max Weber ao falar em “reencantamento”. Ele reflete sobre a questão – que perpassa todo este capítulo – se a ciência leva necessariamente ao desencantamento do mundo: O consenso moderno então [...] foi que a ciência e o desencantamento caminham lado a lado. Por um lado, presume-se, a ciência só pode ser aplicada ao que já foi desencantado, o que significa desanimado. [...] Por outro lado, presume-se que a aplicação do método científico para qualquer coisa confirma a veracidade da visão desencantada da mesma, que pode ser adequadamente compreendida em termos puramente impessoais, como incorporando a não criatividade, a não auto-determinação em termos de valores ou normas, e nada que poderia ser considerado divino218. (GRIFFIN, 1998, p. 07). No entanto, as abordagens contemporâneas ligadas à pósmodernidade questionam se essa é uma relação necessária. “A abordagem pós-moderna do desencantamento envolve um reencantamento da ciência em si”.219 (GRIFFIN, 1998, p. 01). Mas que desencantamento é esse que sofre tal inversão? Antes de tudo ele procura responder o que significa o “desencantamento da natureza: Mais fundamentalmente, significa a negação da natureza de toda subjetividade, toda experiência, todo sentimento. Por causa desta negação, a 218 Tradução do original em inglês: The modern consensus then (…) has been that science and disenchantment go hand in hand. On the hand, it is assumed, science can only applied to that which has already been disenchanted, which means deanimated. […] On the other hand, it is assumed that the application of the scientific method to anything confirms the truth of the disenchanted view of it, that it can be adequately understood in purely impersonal terms, as embodying no creativity, no self-determination in terms of values or norms, and nothing that could be considered divine. 219 Tradução do original em inglês: The postmodern approach to disenchantment involves a reenchantment of science itself. The essays herein reflect some of the dimensions that would be involved in a reenchanted science. This introduction positions these essays by showing how they imply a reversal of the modern disenchantment of science and nature and how this reversal fits within the larger contemporary reassessment of natural science. 162 natureza é desclassificada - é negado que todas as qualidades que não são pensáveis para além da experiência. [...] Friedrich Schiller, que falou do desencantamento da natureza um século antes de Weber, usou o termo Entgötterung, que significa literalmente a desdivinização da natureza. [...] Desta maneira, a natureza foi destituída de todas as qualidades com as quais o espírito humano pode sentir uma sensação de parentesco e de qualquer coisa que lhe poderia derivar normas. A vida humana foi entregue alienada e autônoma220. (GRIFFIN, 1998, p. 03). Mais uma vez aparecem em cena Galileu, Descartes, Newton e agora Boyle: [...] o ponto de vista “animista”, que atribui causalidade às forças impessoais, foi completamente rejeitado. [...]. O mundo como um todo foi dessa forma desencantado. Esta visão desencantada significa que a experiência não desempenha um papel real não só no “mundo natural", mas no mundo como um todo221. (GRIFFIN, 1998, p. 03). Só que o desencantamento do mundo não termina assim. Há consequências para a própria ciência: [...] desencantando a natureza, começou uma trajetória que acabou por desencantar a própria ciência. Se toda a vida humana não tem sentido, então a ciência, como uma destas atividades, deve participar neste sem sentido222. (GRIFFIN, 1998, p. 03). 220 221 222 Tradução do original em inglês: Most fundamentally, it means the denial to nature of all subjectivity, all experience, all feeling. Because of this denial, nature is disqualified – it is denied all qualities that that are not thinkable apart from experience. […] Friedrich Schiller, who spoke of the disenchantment of nature a century before Weber, used the term Entgotterung, which literally means the dedivinization of nature. […] In these ways, nature was bereft of all qualities with which the human spirit could feel a sense of kinship and of anything from which it could derive norms. Human life was rendered both alien and autonomus. Tradução do original m inglês: In those ways, the “animistic” viewpoint, which attributes causality to personal forces, was completely rejected. […]. The world as a whole was thus disenchanted. This disenchanted view means that experience plays no real role not only in “natural world” but in the world as a whole. Tradução do original em inglês: … disenchanting nature, began a trajectory that ended by disenchanting science itself. If all human life is meaningless, then science, as one of this activities, must share in this meaninglessness. 163 Por isso, hoje se faz uma distinção na ciência: “Outros, no entanto, distinguem entre a ciência moderna, que desencanta, e uma ciência como tal, que pode ser aberta para reencantamento223. (GRIFFIN, 1998, p. 08). No entanto, Griffin deixa bem claro que o desencantamento avança, mas que nasce em seu seio outro movimento, o Romantismo, um contraprocesso que nasce como um “reencantamento” da ciência. Griffin faz uma análise sobre três aspectos que levariam a uma reversão do desencantamento do mundo: 1) Uma nova visão da origem da ciência moderna: Primeiro, a visão de mundo atéia, materialista de hoje não tem atrás de si a autoridade dos fundadores do século XVII, da ciência moderna, como Galileu, Mersenne, Descartes, Boyle e Newton. [...] Em segundo lugar, mesmo essa visão parcialmente mecanicista, em que a natureza (não humana) foi vista mecanicamente, não era o contexto pressuposto por muitas das descobertas geralmente consideradas como estando na raiz da ciência moderna. Harvey era um aristotélico, e Copérnico, Gilbert, e Newton pensavam em termos de uma "cosmovisão" mágica, no qual a atração à distância foi central. [...] Em terceiro lugar, a visão mecanicista da natureza foi adotada menos por razões empíricas que por teológicas, sociológicas e políticas224. (GRIFFIN, 1998, p. 10). As leis da natureza eram, antes de tudo, leis divinas e, por isso, não há como julgar a ciência nos seus inícios como atéia ou no mínimo alheia a Deus. Vendo a gênese da ciência moderna desta maneira, abrese caminho também para uma 2) uma nova visão da natureza da ciência: 223 Tradução do original em inglês: Others, however, have distinguished between modern science, which disenchants, an science as such, which may be open to reenchantment. 224 Tradução do original em inglês: First, the atheistic, materialistic worlview of today does not have behind it the autorithy of seventeenth-century founders of modern science, such as Galileo, Mersenne, Descartes, Boyle and Newton. […] Second, even this partially mechanistic view, in which (nonhuman) nature was viewed mechanistically, was not the context presupposed by many of the discoveries usually considered to lie at the root of modern science. Harvey was an Aristotelian, and Copernicus, Gilbert, and Newton thought in terms of a “magical” worldview, in which attraction at distance was central. […] Third, the mechanistic view of nature was adopted less for empirical than for theological, sociological, and political reasons. 164 O reconhecimento que a ciência descobriu uma vasta gama de verdades é compatível com a convicção de que uma vasta gama de verdades que ainda não descobriu existe, e que a sua formulação das verdades que descobriu são unilaterais, apresentando apenas abstrações da verdade toda225. (GRIFFIN, 1998, p. 09-10). O terceiro e último ponto que levaria do “reencantamento do mundo” refere-se aos 3) desenvolvimentos recentes da ciência, dentre os quais a própria mecânica quântica, por exemplo. Mas Griffin não é um propositor do “reencantamento”. Na verdade, ele coloca uma crítica fundamental: a mecânica quântica não destrói a visão de mundo mecanicista e há, latente em todas essas discussões sobre ela, certa promoção do “misticismo, mesmo que indiretamente. Por isso, é incisivo: todos esses desenvolvimentos “.... não fornecem base para uma nova visão de mundo”226. (GRIFFIN, 1998, p. 14). O segundo autor, Johannes Weiss, concentra-se no que ele denomina de uma renascimento (neo)romântico. Os principais aspectos defendidos pelo romantismo hoje ressurgem de modo muito forte, numa crítica sobre a racionalidade. Weiss enumera algumas características deste movimento, duas são destacadas a seguir: Uma atitude crítica ou negativa em relação a "racionalidade instrumental" em geral, e em relação às ciências da natureza e tecnologias modernas, em particular, voltou positivamente: o desafio de uma nova ou simpatética relação do homem com a natureza; a rejeição de contextos de ação regulamentados, funcionalmente diferenciados, despersonalizados e burocráticos e a busca da holística, de fortes sentimentos de afeto pessoal e completa abertura das relações sociais, desenvolveu-se não apenas em pequenos círculos, mas também em geral e mesmo no nível da sociedade global... (1986, p. 102). O Romantismo nasce justamente como um movimento contrário 225 Tradução do original em inglês: Recognition that science has discovered a wide range of truths is compatible with the conviction that a wide range of truths it has not discovered exists, and that its formulations of the truths it has discovered are one-sided, presenting only abstractions the full truth. 226 Tradução do original em inglês:... it does not provide us with basis for a new worlview. 165 ao desencantamento do mundo, como oposição ao princípio da unilateralidade, das generalizações falsas, dos contrastes entre fé e conhecimento, pensamento sentimento, mente e corpo. O neoromantismo representa, então, uma abertura para a natureza, uma sintonia inexplicável entre o mundo natural e o humano (que, para o romantismo, são um só), uma forma participativa, comunicativa de intercâmbio entre o ser humano e a natureza. Esse movimento neo-romântico, a partir desse princípio de rejeição de postura instrumental diante da natureza, dá origem a diversos empenhos e ideais contemporâneos e, dentre eles, destacam-se, os movimentos de contracultura, movimentos ecológicos, minorias religiosas e, também, processos de conhecimento contemplativo, meditativos (místicos, gnósticos). Mas também no âmbito da ciência há os promotores do “reencantamento”, cientistas nele empenhados. Ele cita explicitamente Fritjof Capra (não explorado neste trabalho) e Morris Berman (acrescentando Prigogine e Stengers numa nota de rodapé). Vê-se que Weiss acentua que os cientistas que propagam o “reencantamento” desposam a “... ideia de totalidade...227” (1986, p. 107), uma “... perspectiva holística e organicista...228” (1986, p. 107) que se desvencilha da visão mecanicista para desembocar numa visão “organicista”, que ele chama claramente (nos termos de Berman) de participação holística. A ideia de “totalidade” inclui, portanto, o reacessar de outras formas de conhecimento alem da ciência, pois mesmo a ciência oferece uma visão limitada, parcial da realidade. Outro autor a avaliar os esforços científicos pelo “reencantamento” foi Hilton Japiassú. Sua posição é veementemente contrária a esse movimento, vendo nele ideias como “retorno do misticismo”, “revanche da subjetividade”, “retorno do obscurantismo”, “retorno do fundamentalismo e/ou do integrismo”, “retorno do mágico, do místico, do encantado, do irracional”, “retorno do sagrado”: O que pretendo mostrar é que, nas últimas décadas, vem emergindo um movimento, oriundo de fontes diversas e, mesmo, antitéticas, conferindo à ciência um estatuto cada vez mais independente da noção de “Verdade”, cada vez menos submetida às diretrizes da Razão, pouco preocupado com os critérios clássicos de 227 228 Tradução do original alemão:... Idee der Ganzheitlichkeit... Tradução do original alemão:... Diese "holistische" und "organizistische" Perspektive... 166 Cientificidade e voltado mais para a construção de uma imagem de mundo bastante informada por uma metafísica mais ou menos homogênea susceptível de integrar os saberes antigos ou tradicionais e postulando uma visão do mundo ao mesmo tempo monista e panteísta do mundo. É a este tipo de movimento que se aplica a expressão reencantamento do mundo. (1996, p. 107-108). A ciência, saindo do campo dos fenômenos observáveis, indo além da matéria, está fazendo metafísica. Para Japiassú, são dois movimentos anticientificistas que se colocam no interior da atividade científica: o “evolucionismo panpsiquista” e de uma “nova Gnose”. Esse último movimento é o que interessa mais à pesquisa. É essa “nova Gnose” que perpassaria muitas das reflexões dos cientistas-filósofos (Japiassú chama-os de “cientistas místicos”). A principal característica dessa nova Gnose com roupagem científica é seu holismo: Ora, o termo “holismo” quando pronunciado em inglês, refere-se tanto a “whole” (inteiro, global) quanto a “holy” (santo, sagrado). Assim, designa uma atitude que recusa a fragmentação das ciências, a fim de reencontrar a totalidade do mundo (com seu aspecto sagrado). (1996, p. 127). Essa forma de holismo é crítica de toda forma de dicotomização da realidade, de uma realidade fragmentada: Prigogine, como tantos outros cientistas mencionados por Japiassú, é qualificado como cientista-místico, pois revela esse holismo. Advoga-se uma ciência nãocompartimentada e a busca de abordagens holísticas. Ao referir-se a Prigogine e Stengers ele afirma: “... o que se encontra em questão, não é tanto o mecanicismo enquanto quadro de representações dos fenômenos, mas enquanto única concepção válida de mundo”. (1996, p. 117). A ciência clássica não é, pois o único modo de explicar a realidade. O mundo pensado como estranho ao ser humano cai por terra: A posição, mais ou menos comum, dos cientistas que, de um modo ou de outro, procuram “reencantar” o mundo, pode ser resumida assim: a partir do racionalismo cartesiano, que promoveu o dualismo metafísico em dualismo epistemológico, instaurou-se uma concepção segundo a qual o “mundo interior” do observador é absolutamente 167 separado e independente da realidade física. [...] E o que dizem os cientistas místicos é que não podemos mais aceitar essa dicotomia (ou esquizofrenia) entre o Sujeito e o Objeto. (1996, p. 108). Uma abertura da ciência a saberes antigos indicaria que um discurso de racionalidade que é utilizado para legitimar a prática do que qualifica desrazão. Contra esse discurso ele levanta sua voz. Essa reintegração caracteriza-se por uma visão metafísica da ciência e atrelada a uma visão mística do mundo: Majoritariamente anglo-saxão, esse exotismo religioso é susceptível de uma análise weberiana. Para Max Weber, o capitalismo, o protestantismo e o desencantamento do mundo andam juntos. Ora, se a eliminação de toda transcendência religiosa (bem como de seus substitutos metafísicos) e da unidade de sentido do mundo, da existência humana, constitui o “desencantamento do mundo” (tudo isso é o correlato da racionalização das praticas e das estruturas da ação coletiva que engendra nossa modernidade), a busca de restauração dessa transcendência e dessa unidade passa a constituir, não a causa, mas um dos fatores do atual reencantamento do mundo. (1996, p. 168). [grifo nosso] Esse movimento possui, para Japiassú, ao menos uma vantagem: leva a uma autocrítica da ciência, por seus abusos contra a natureza. Toda essa onda é influenciada por uma forma antiga de racionalidade mística que é a Gnose, que desde as suas origens se pretendeu como conhecimento e meio de salvação. O ponto de partida desse conhecimento é a percepção aguda e invasora da unidade do Todo, percepção esta que se dá na experiência interior e cotidiana dos indivíduos. [...] Por isso, quando muitos cientistas atuais tentam construir uma ciência que se tornaria Sistema Global e Meio de Salvação (Gnose), e quando procuram “cientificizar” certas experiências e visões místicas do Universo, estão adotando uma posição que, ao contrariar tudo o que a ciência tem sido e 168 tem feito, com uma extraordinária eficácia e êxito, pode ser chamada de “metafísica”. (1996, p. 119-120). Jean-Louis Schlegel também explorou a conexão entre ciência, gnose e “reencantamento do mundo”. Ele caracteriza das aproximações contemporâneas entre ciência e religião de esforço neo-gnóstico: O esforço neo-gnóstico consiste em costurar todos os rasgões impostos pela ciência a um mundo desencantado, por assim dizer "morto", reduzido à objetividade e ao saber lógico e o cálculo, abandonado pelo sagrado... Mais explicitamente, chama-se pois, aqui, a um novo “holismo”, que reafirmará a prioridade do Todo sobre as partes, assim que a interdependência de todas as partes e da interdependência universal das diferentes realidades: o passado e o presente, o céu e a terra, matéria e espírito, corpo e mundo, infinitamente pequeno e infinitamente grande...229 (SCHLEGEL, 1987, p. 389). Esse esforço contém uma dupla orientação: em primeiro lugar, a restituição de uma cosmologia plena, de um mundo vivo, unitário230: “Em tal mundo, a lei da causalidade é suplantada pela descoberta e interpretação de analogias.”231 (SCHLEGEL, 1987, p. 391). Essa nova atitude leva a uma reespiritualização na natureza e da ciência mesma. “A 229 Tradução do original em francês: L’ effort neo-gnostique consiste à recoudre toutes les déchirures imposées par la science à un monde désenchanté, pour ainsi dire “mort”, réduit à l’objectivité par e savoir logique et calcul, déserté par le sacré... Très explicitement, on en appelle donc, ici, à un nouveau “holisme”, qui réaffirnerait la priorité du Tout sur les parties, ainsi que l’interdépendance universelle des diverses réalités : passé et présent, ciel et terre, matière et sprit, corps et monde, infinement petit et infinement grand... (SCHLEGEL, 1987, p. 389). 230 Essa nova visão da terra como um organismo fica bem expresso nas palavras de Octávio Ianni: “Ao redescobrir e reavivar “terra-pátria” e “Gaia”, o pensamento científico restitui a articulação entre as espécies e o seu vasto e complexo habitat, como um todo vivo, em movimento, em que todos encontram-se em dependência recíproca, reciprocamente determinados. Passa-se da realidade mais imediata, dada, empírica, ao seu ambiente natural, da sociedade à natureza, das espécies animais, vegetais e humana à Terra, todos compondo Gaia. Nesse percurso, mais uma vez, ocorre a metamorfose da ciência em ideologia e utopia, logo contemplando as religiões, as mitologias. Em Gaia, na terra-pátria, no planeta Terra ou na sociedade civil mundial, todos são desafiados a reconhecer que fazem parte da mesma humanidade. (2002, p. 82). 231 Tradução do original em francês: Dans un tel monde, la loi de causalité est supplantée par a découverte et l’interpretation des analogies. La nouvelle attitude ou le “paradigme ” impliquent qu’on dépasse la scission entre sujet et objet, entre conscience et monde, entre esprit et matière. 169 novidade é que esta atitude vem de sábios e cientistas, e não de teólogos.”232 (SCHEGEL, 1987, p. 397). Em sua crítica Schlegel fala das afirmações de Fritjof Capra sobre a equivalência entre as descobertas da física contemporânea e a mística. Acrescenta a isso as aproximações com o Budismo. O Oriente oferece uma consciência participante, que engloba ao mesmo tempo... “a exaltação do eu e o desaparecimento do eu”. (SCHLEGEL, 1987, p. 393). Essa consciência cósmica significa que eu pode nela se funde, torna-se uma parcela do Grande Todo. Enfim, Schlegel lança sua crítica contra o esforço neo-gnóstico da seguinte maneira: “... ninguém pode decretar como por encantamento seu reencantamento”233. (SCHLEGEL, 1987, p. 396). Retomando alguns pontos comuns das avaliações apresentadas: David Griffin, embora queira expor de modo esquemático os principais aspectos que envolvem o tema do “reencantamento”, acaba tocando no tema da mecânica quântica234 e criticando os seus defensores por aproximá-la do misticismo oriental. Entre Weiss (de forma indireta), 232 Tradução do original em francês: La nouveauté est que cette attitude vient des savants et des scientifiques, et non des théologiens. (p. 397). 233 Tradução do original em francês:.. nul ne peut décretér comme par enchantement son réenchantement. 234 Um tema que está intimamente associado ao reencantamento do mundo e que foi ressaltado por Pierre Thuillier é a mecânica quântica. Este não é o espaço para uma apreciação dos debates em torno dela e suas incursões no campo da filosofia da natureza, mesmo por que tal balanço foi realizado, por exemplo, pelo próprio Thuillier (e mesmo Hilton Japiassú, que virá em seguida). Dos autores elencados por Thuillier, ele dá destaque a dois: David Bohm e Basarab Nicolescu. Qualifica-os como participantes de um “movimento místico” (ao qual ele agrega Jean-Claude Charon, Fritjof Capra, Werner Heisenberg, Niels Bohr, James Lovelock, entre outros). Mas é o pensamento de Nicolescu que pode ser rapidamente agregado ao conjunto deste trabalho, pois recorre à necessidade de “reencantar o mundo”. Para Nicolescu a ciência suscita a questão do sentido e o sagrado é uma realidade irredutível. A ciência dos “dinossauros” cientificistas, para dizê-lo nas palavras de Nicolescu, é precisamente a ciência mecanicista. Por sua culpa o mundo perdeu seu encanto. Perdeu seu sentido, tornou-se tão estranho para nós que já não podemos comunicar-nos com ele. O objetivo é, pois, evidente: “voltar a reencantar o mundo”. Na realidade, nem Bohm nem Nicolescu desejam um Renascimento religioso. Mas ambos estão impregnados de uma espiritualidade mais ou menos panteísta... É verdade que Nicolescu se esforça para dizer-nos que a ciência moderna não nos fará voltar ao panteísmo. Mas também o que é que fala do sagrado, do “reconhecimento de uma realidade irredutível”234. (THUILLIER, 1990, p. 91 92). As discussões em torno da relação física e mística (ou física e espiritualidade) exemplificam o que é no domínio de questões de sentido – um sentido ético para o mundo – em que tocam estes que Thuillier chama também “...quânticomísticos234” (1990, p. 94). Há uma aproximação clara com o universo religioso, e isso nasce justamente da busca pela “... elaboração de uma nova filosofia da natureza234”. (THUILLIER, 1990, p. 88), um claro assalto contra a filosofia mecanicista. A física se torna fundamento para um neo-romantismo. 170 Schlegel e Japiassú há uma ideia norteadora: o holismo. Claro que ambos têm diante de si, por exemplo, o pensamento de Fritjof Capra, (como Griffin também), que não foi exposto neste trabalho por questões de uso conceitual da expressão investigada. Weiss, por exemplo menciona Berman e Prigogine, enquanto Japiassú nomeia diretamente este último. Então, esse mesmo holismo, pode ser aplicado aos autores aqui? Não é possível tomar o pensamento de um como o pensamento de todos. Mas uma forma de holismo está presente, sim, um esforço ao mesmo tempo neo-gnóstico, se entendermos com isso que tudo forma uma unidade, uma totalidade235, um organismo. Tal interconexão pode não ter uma postura claramente religiosa. Nenhum dos autores aqui listados se pronuncia a favor de uma aproximação entre ciência e religião, claramente. Há um discurso subjacente de aproximação com outros saberes, negligenciados pela supremacia da ciência. Como não pensar especialmente na religião? Esse pensamento tem consequências para o secular debate entre o racional e o não-racional (TERRÉFORNACIARI, 1993), entre a ciência e religião (principalmente religiões orientais, por ver qualidades divinas em todo o cosmos). Tal esforço pode ser chamando também de neo-romântico, nascido da recusa de ver a natureza como fragmentada e como máquina, tratada como sujeito e não como objeto, chegando a ser mesmo reespiritualizada; da recusa conseqüente de ver o homem fragmentado; e de ver a ambos, ser humano e mundo como unidades, entidades separadas e incomunicáveis. Terminada a exposição dos autores, antes de ir diretamente para conclusão, exige-se mais uma vez uma apreciação deste grupo de autores. No início, figurava uma pergunta norteadora: a ciência leva necessariamente ao desencantamento do mundo? Em primeiro lugar, a ciência desencantou o mundo. Isso é 235 “Se a modernidade trouxe em seu bojo o desencantamento do mundo, reduziu-o a material de experimentação humana e da interferência da razão tecnocrática em seu afã de dominar e de acumular benefícios materiais, hoje na nova era histórica, caracterizada pela percepção da totalidade, diferenciada, orgânica, masculina-feminina e espiritual, importa recuperar o reencantamento do mundo. O reencantamento não emerge voluntaristicamente; surge quando alargamos nosso horizonte para além daquele da racionalidade moderna e nos damos conta, pelo conhecimento simbólico e místico, de que o mundo é portador de uma mensagem e um mistério. Este mistério é entrevisto tantos pelos cientistas que chegam aos limites do conhecimento da matéria, da energia e da vida quanto é experenciado pelos místicos orientais e ocidentais que o vêem como um sistema de energias sempre em relação e interação, movimento e integração, remetendo para o Espírito supremo que tudo penetra, vivifica e transparenta”. (BOFF, 1992, p. 14-15). 171 claramente defendido. Essa defesa se dá, é claro, por uma interpretação larga do conceito de desencantamento. Esse conceito aparece no contexto da ciência como uma autêntica varredura de aspectos fundamentais da compreensão da natureza. Por isso, em momento algum é colocado em xeque o processo de desencantamento do mundo. Questionar a legitimidade cultural ou existencial de seus resultados é diferente de negar sua existência, de sua efetivação histórica. Em segundo lugar, há uma compreensão do desencantamento do mundo em sentido amplo. Este conceito é entendido como a remoção progressiva da mente, das aparências fenomenais (Berman), a negação da diversidade e do devir naturais (Prigogine e Stengers), a eliminação da dimensão espiritual e da integralidade existencial do ser humano, pois desencantar é restringir tudo à racionalidade (Guisi). O desencantamento, além da exclusão da magia pode ser o esquecimento do elo carismático do ser humano com a natureza (Moscovici), a perda do mistério (Taleb), a quantificação da natureza e sua desmitologização (Gomez-Heraz), tanto quanto a eliminação da dimensão mítico-poética (Echeverri). Em terceiro lugar, ao se buscar um cerne semântico para a expressão “reencantamento” (científico) do mundo figura, majoritariamente, o sentido de uma reunificação do homem com a natureza. É um autêntico uníssono o que se pode ouvir destes autores. O mundo desencantado é o mundo separado, é o ser humano separado: o ser humano não faz parte do mundo que o rodeia (Berman), é um estranho no mundo (Prigogine e Stengers), foi esquecido seu elo com o mundo (Moscovici). É separação entre sujeito (ser humano) e objeto (mundo), entre observador e observado. No pensamento dos três últimos autores mencionados estão contidas essas ideias fundamentais do “reencantamento”, enquanto o pensamento dos outros gravita em torno dessa premissas. Para essas posturas cabem, ao menos, duas apreciações críticas. A primeira toma por base o conceito de “desencantamento do mundo” exposto no primeiro capítulo, a apropriação deste conceito realizada pela maioria destes autores padece de uma limitação: mesmo que o seu foco seja a ciência, exclui a exposição do processo histórico-religioso que lhe embasa. Tem-se um conceito amputado e, portanto, com uma identidade perdida. Mesmo que sejam cientistas, especialistas das áreas das ciências da natureza, ou mesmo que sejam filósofos e sociólogos (o que lhes aumenta o compromisso), ao falarem do “reencantamento” é uma exigência mínima que agreguem às suas exposições o conceito weberiano de “desencantamento do mundo” em sua inteireza. Afinal, 172 ele trata de um duplo processo histórico: histórico-religioso e históricocientífico. Somente uma dessas dimensões sozinha não constitui o “desencantamento do mundo” como foi formulado por Weber. Mesmo que toquem nos aspectos religiosos do tema (e “sentido” também é um deles), falta o papel da religião, sua atuação no processo. Para exemplificar: Serge Moscovici, coloca o desencantamento como desmagificação, mas dá um passo extremamente largo: ele vai da magia à ciência. Antes da ciência se confrontar com a natureza, a religião o fez. O confronto com o animismo é uma obra da religião, em primeiro lugar. A religião primeiramente expulsa os espíritos manipuláveis pela magia, colocando até Deus fora do mundo, mesmo que seja para adorá-lo, ainda conferindo sentido ao mundo. A ciência com sua explicação dos fenômenos naturais também o faz, mas esvazia o mundo ainda mais: a ciência também lhe retira o sentido, tão caro à religião. Nesse sentido cabe acentuar que Berman é uma exceção: ele estrutura sua exposição do desencantamento em torno da religião e da ciência, o que corresponde mais adequadamente à sistematização weberiana do(s) processo(s), embora se possa criticar os significados atribuídos ao conceito. A segunda apreciação se refere propriamente à noção da carga anexa à expressão “reencantamento do mundo”. Há sempre um posicionamento subjetivo colocado diante do desencantamento. Em todos estes autores identifica-se a presença de um ressentimento (para usar o termo de Moscovici), um lamento (tomando agora o de Prigogine e Stengers). O desencantamento é visto como uma perda, mas uma perda a ser intensamente lamentada: é a perda da ligação, da unidade do ser humano com a natureza. Os autores que falam do “reencantamento” científico do mundo estão empenhados nele. O “reencantamento do mundo” não é apenas um diagnóstico, mas uma proposta, um apelo, uma tarefa, uma necessidade. Nesse sentido, a divisão do capítulo entre reencantamento científico e ecológico tinha uma finalidade simples: acentuar que as reflexões em torno do reencantamento, inicialmente filosófico-sociológicas, desenvolvem-se na direção de uma militância pelo reencantamento do mundo, no sentido de transformar as relações do ser humano com a natureza, conferindo a esses teóricos uma função social e, por que não dizê-lo, cultural. CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma discussão só pode ser frutuosa se cada participante está no seu devido lugar e falando em termos que sejam compreensíveis pelos demais. Por isso, a preocupação inicial deste trabalho estava concentrada em oferecer ao leitor um ordenamento dos debates acerca do “reencantamento do mundo”, que na verdade implicava a apresentação dos conceitos (e expressões) empregados por estes. Por isso, a estrutura deste trabalho é o seu autêntico resultado. Mas, talvez, ao final, o leitor esperasse deste trabalho um posicionamento específico, a forma como ele mesmo se situa na discussão. Não era este o seu objetivo. Sua meta não é julgar, mas compreender, não é avaliar, mas explicar. Se a sociologia é ciência, ao mesmo tempo, explicativa (erklären) e compreensiva (verstehen) das relações sociais e do mundo social, é nesta tarefa que se manteve. O que está aqui é a sociedade, sim, mas em seus diferentes discursos (peritos). O que se analisou foram os analistas da sociedade e, mais uma vez, seus diferentes discursos. Em outra fórmula: buscou-se compreender os discursos que perfazem interpretações sobre a realidade. O acesso não foi imediato, foi mediado, instruído por estes discursos, pelas suas estratégias argumentativas, suas visões da realidade, suas interpretações, suas linhas de compreensão, seus pontos de vistas, seus conceitos e noções. Foram muitos livros e muitos autores e o intuito, ao descrevê-los, era mostrar ao leitor a babel de leituras, a multiplicidade de rumos, a variedade de tons e estilos, fazendo-se sentir e emergir as buscas e ânsias que conduziram a tantos labirintos. Girando em torno de tantos nomes, textos ou autores havia um vocábulo, uma noção, uma idéiaeixo. Como ordenar esta polifonia de vozes, como dar sentido a um caos e encontrar tipos-ideais que, partindo da própria leitura dos textos, pudessem ser autênticos guias? Este foi o esforço desta pesquisa e, se ela precisou da paciência e também do esforço do leitor, ele partilhou do principal desafio que a pesquisa se propôs. Nesta direção, fez-se o exercício lento, cauteloso e “científico” de ordenação do debate, mostrando que, a partir do preceito intelectual de colocar conceitos claros como ponto de partida, pode-se pensar o problema do “reencantamento” em seis âmbitos, ou melhor, em seis linhas de argumentação. 174 A primeira linha é do “reencantamento do mundo” em Weber, dos autores que perscrutam na obra de Max Weber – exclusivamente pistas de “reencantamento”, rastreando conceitos, metáforas, substantivos, verbos, adjetivos, que ofereçam um lampejo do que, ao menos, poderia ser este “reencantamento” sob uma ótica weberiana. Estes autores não formam um grupo homogêneo, como foi visto, mas possuem o mérito de buscar naquele que alcunhou alguns processos específicos de racionalização como “desencantamento do mundo” o que se poderia também entender também como “reencantamento do mundo”. A segunda linha é do “reencantamento do mundo” a partir e além de Weber, São os autores que colocam Weber e outros autores lado a lado, comparando suas avaliações da modernidade e os seus prognósticos para ela. Esta leitura estabelece pontos comuns e disparidades entre as abordagens de Weber e de autores diversos, inclusive da chamada pós-modernidade, para mostrar como ambos identificaram um modo possível de resistir ao desencantamento do mundo. A terceira linha é aquela do “reencantamento religioso do mundo” na esfera religiosa. Busca-se, aqui, encontrar indícios de “reencantamento do mundo” por meio da religião, onde ela se apresenta ainda como religião mesmo. É a orientação dos especialistas do fenômeno religioso, que tem na religião stricto sensu um objeto de estudo passível de análise. É esta linha que dedica maior atenção à magia. Este é, por sua vez, o seu denominador comum. Seja a partir dos “teóricos da secularização” seja do “retorno do sagrado” o acento está no recurso contemporâneo à magia, também stricto sensu, enquanto feitiço, que postula um cosmos povoado de espíritos. A quarta linha é a do “reencantamento religioso do mundo” além da esfera religiosa. Aqui temos autores que se integram a uma linha que se poderia chamar de deslocamento da religião ou mesmo deslocamento do sagrado. É uma orientação que chama atenção para o fato que há um núcleo autônomo de experiência religiosa, que perpassa outros comportamentos individuais e grupais que não são explicitamente religiosos. Não se reduz a uma forma de desinstitucionalização religiosa apenas, como a passagem da prática de uma religião formal, regulada externamente por especialistas do sagrado (para tomar os termos de Pierre Bourdieu) para práticas religiosas informais livremente constituídas pelo indivíduo a partir de suas necessidades mais subjetivas. Não há, necessariamente, da parte do indivíduo, consciência de que ele está vivendo uma experiência religiosa, mas ela o é; algo 175 como um comportamento cripto-religioso (Mircea Eliade). Por isso, tem-se aqui a religião lato sensu, mais como uma intensidade, uma energia difusa, um impulso, que perpassaria alguns comportamentos e se poderia qualificar de religioso236. Esta orientação já não está concentrada sobre o problema da magia, mas numa forma de uma experiência entendida como uma participação quase mística, um sentimento religioso que perpassa áreas como os meios de comunicação, a arte, o esporte, o turismo, e todas as formas fluidas de agregação como as tribos. Na verdade, são áreas que se tornam competidoras da religião, religiões rivais em certa medida. A magia é, portanto, entendida lato sensu, como maravilhamento, fascinação, enlevo. A quinta linha é dos autores do “reencantamento científico do mundo”, aqueles que se dedicam questionar à visão de natureza e de ser humano que a atividade científica moderna ofereceu e em que medida a ciência hoje - que não seria mais moderna - pode oferecer uma nova perspectiva para o ser humano. Essa metamorfose da ciência implica uma reunificação do homem com a natureza. O que está em xeque é o papel da ciência como promotora de uma visão de natureza limitada, principalmente por apresenta-se como única, exclusiva. Os que foram agregados nessa linha representam o autêntico uníssono que já se falava acima. É só perceber quais são as personalidade históricas que são seu alvo comum: Bacon, Descartes, Galileu e Newton, fundamentalmente. A ideia de natureza da qual são portadores estes “pais fundadores” da ciência moderna representa uma quebra com o passado, que veria na atividade científica a procura pelos segredos da natureza e não uma forma de esquadrinhar suas leis no afã de dominá-la. Isso leva a um questionamento de sua postura em relação a outros saberes (tais como a arte, a religião, o senso comum), que apresentam cada uma forma de compreensão da natureza e mesmo do ser humano. Ou seja, não só a natureza não pode ser dominada pelo conhecimento empírico, como também outras formas de saber não podem ser eliminadas em favor da ciência. A sexta linha é a do “reencantamento ecológico do mundo” um 236 Claro que nessas múltiplas manifestações de uma religiosidade fluida não se encontra o mesmo grau de formulação (sistematização) da experiência religiosa. Nesse sentido é que Manuel Mandianes desenvolve sua crítica: As religiões transportam seus seguidores a uma transcendência profunda, aos fins últimos; pelo contrário, as religiões seculares não encerram nenhuma promessa de um porvir religioso nem fora deste mundo. Pode-se falar de um sagrado selvagem, liberado por completo das instituições, que desfruta de uma grande mobilidade porque os objetos que estão revestidos dele também mudam e se movem com facilidade e se metamorfoseia segundo as experiências subjetivas. (MANDIANES, 1996, p. 148). (tradução do original em espanhol). 176 desenvolvimento claro da linha do reencantamento científico. Ela nasce como um aprofundamento dessa concepção: deve-se elaborar um pensamento a partir da problemática ambiental. Apresenta-se mais claramente como um projeto ético-filosófico, mesmo tendo seus principais protagonistas nos movimentos naturalistas. Não é um simples discurso de respeito à natureza ou de preservação de recursos naturais. O ser humano passa a ser pensado a partir do interior do mundo natural. O mundo natural é um ponto de partida filosófico, o espaço para a construção de um ethos. Constitui-se mais como um movimento, que busca se fundamentar filosoficamente para apresentar uma militância em favor da ecologia. A lista acima perfaz, em seu conjunto, diferentes sentidos do discurso do “reencantamento”, nas suas duas supostas vias fundamentais: a religiosa e a científica. É na medida em que estes discursos revelam seus eixos que podemos apontar, então, uma tese do “reencantamento” e o perfil que ela adquire, o modo como se articula, a estrutura que a informa, a argumentação que engendra, o caminho que nos faz trilhar. Seis caminhos que nos levariam cada um a seu modo e, todos eles, na direção do “reencantamento”? Além de oferecer um enquadramento dos autores e dos temas, pode-se aventar outras avaliações sobre tudo o que foi apresentado até aqui. Não se renunciou a esta tarefa. Se o norte da pesquisa é científico, nem por isso deixa de ser “crítico”. Se é objetivo, nem por isso deixa de avaliar os discursos, cotejá-los, julgar sua lógica, submetê-los ao tribunal da razão, da consistência, da sustentação, da correta argumentação. Tal “julgamento” (científico, e não valorativo, bem dito) é possível porque se possui um padrão que é imanente aos próprios discursos em questão. Na sua concomitância de significados, o tema do “reencantamento” tem seu adverso, tem seu referente claro em um autor e sua teoria: Max Weber e a tese do desencantamento do mundo. Esta é, ao final, a medida e o padrão de análise. Não porque Max Weber está aqui sendo canonizado ou dogmatizado. Não se trata de uma “polícia weberiana”. Ora, mas não é ele o padrão discursivo ao qual todos se remetem, seja explícita ou implicitamente? A discussão sobre o “reencantamento do mundo” passa ao largo do núcleo duro do conceito de “desencantamento do mundo” ou tem algo a dizer quanto a isso? Enfim, a grande pergunta que fica é se Max Weber foi refutado, suplantado, alargado, complementado? O conceito de desencantamento do mundo passa por inúmeros alargamentos semânticos, apropriações e dilatações tais que o levam a 177 significar, por exemplo: o refluxo, o declínio, a exclusão da magia, mas também do mito (desmitificação), da superstição religiosa e do “mistério espiritual”; perda do mistério, o esgotamento do domínio do invisível, a exoneração do domínio fenomênico, a eliminação de toda transcendência religiosa e da unidade de sentido do mundo, a “descomicização” do sagrado e redução da natureza a um princípio mecânico, só para citar alguns. Note-se que os dois eixos que dominam o tema do “reencantamento” correspondem às duas forças motrizes do desencantamento do mundo: a religião e a ciência. No entanto, a interpretação do conceito weberiano de desencantamento (com exceção dos estudiosos da obra de Weber) faz dele muitas vezes um verniz que encobre a ausência de seu duplo núcleo-duro, nos sentidos de desmagificação e perda de sentido. Vale colocar, portanto, um acento na força poética do desencantamento do mundo (ISAMBERT, 1986), à qual se pode imputar uma força causal no nascimento da expressão “reencantamento do mundo”. Falando-se em sentido, associou-se à ideia de encanto, não no sentido de sortilégio, feitiço, mas no sentido de coisa maravilhosa, sedução, enlevo. Pode-se dizer que na apreensão do conceito o sentimento se sobrepôs ao sentido, para usar um trocadilho rasteiro. É uma opção pela poesia. Deve-se levar em conta que a tradução do alemão Entzauberung para o inglês disenchantment também associa o conceito à desilusão. E quanto à segunda pergunta: o diagnóstico weberiano do desencantamento do mundo foi refutado ou suplantado pelos fatos? Eis a pergunta direta e fundamental. Claro que a pergunta possui nuanças. Por isso, essa questão pode ser desdobrada em outras duas mais específicas. A primeira delas: Weber se equivocou ao apresentar o desencantamento do mundo como um processo realizado, consumado, como parte do desenvolvimento geral que teria dado origem à modernidade? Em outras palavras: hoje o diagnóstico do desencantamento do mundo não é mais válido, como uma ferramenta antiga, necessária por um tempo, mas já descartável? Com poucas exceções, não há uma rejeição majoritária e total do diagnóstico do desencantamento do mundo. Exceto, principalmente, pelos “teóricos do retorno do sagrado”, que não o negam completamente, mas relativizamno, ou porque seria aplicado indiscriminadamente à realidades estranhas àquelas a que se pretendia referir especificamente ou porque não seria um projeto totalizante, realizado de forma igual em todos os lugares, 178 varrendo por completo a magia. Mas são estes, os “teóricos do retorno do sagrado” os primeiros a renunciarem à ideia de desmagificação aliada ao desencantamento, associando-o à eliminação de uma mentalidade religiosa ou de conteúdos sacrais, por exemplo. Mesmo a ideia de um deslocamento do sagrado desvia-se ainda mais da questão do desencantamento, pois já não se sabe ao certo o que entender tanto por magia quanto por religião. Enquanto no plano do “reencantamento” religioso persiste essa interrogação sobre o próprio diagnóstico do desencantamento do mundo (mesmo que, como se viu, não se tenha encontrado respostas refutadoras satisfatórias), no plano da ciência ele é considerado uma evidência, um fato consumado. A ciência endossa a ideia de que sim, o mundo perdeu o sentido; todas as fontes produtoras de sentido (religião, metafísica e outros saberes) foram submetidas ao controle da ciência (moderna) que de tudo retirou o sentido, até de si mesma. Contra esse sem-sentido permanente é que se levanta a voz de tantos e tantos cientistas. Vê-se, portanto, que o desencantamento é visto sob o ângulo de um processo a ser lamentado e não celebrado. A segunda pergunta é a seguinte: se houve, sim, o desencantamento do mundo, hoje ele é revertido pelo “reencantamento do mundo”? É fundamental recordar mais uma vez que aqui são avaliados os representantes de cada linha de argumentação e não autores que são externos à pesquisa. Há uma remagificação do mundo? Como já foi dito, o tema da magia domina os estudos sobre o fenômeno religioso. Mas não se pode falar propriamente de um resgate de uma mentalidade mágica, de uma forma de pensamento em que os indivíduos dependem da atuação dos espíritos, divindades para atender às suas necessidades. Há, sim, a coexistência de práticas mágicas com a expectativa no sempre crescente aperfeiçoamento da técnica e da ciência. Não há uma exclusão de uma em favor de outra. Nem menos um detrimento sério da ciência em favor da magia. A ciência e a tecnologia são a regra, enquanto a magia aparece como um recurso excepcional. A ciência continua a avançar em diversas camadas como a forma mais autorizada de encarar a natureza e a realidade. Quanto à remagificação não se encontra uma resposta clara numa linha do “reencantamento” científico. Não há um tratamento da questão. Talvez se pudesse pensar que sob o termo “saberes” se pudesse pensar numa “retomada” do pensamento mágico para ver o que nele corresponde aos desenvolvimentos da ciência (como tem sido feito com as religiões orientais), mas disto saltar para a remagificação constituiria 179 uma imprudência, para não chamar de exagero. Hoje há uma recuperação de sentido? Na linha do reencantamento religioso persiste a ideia de que é o indivíduo, que constrói e vive a religião como bem entende ou mesmo a vive sem entendê-la como tal, que continua a buscar sentido para sua existência individual. Deveria haver, para um reencantamento do mundo em termos weberianos, uma recuperação de um sentido unitário para o mundo, e não sentido continuamente refeito, amalgamado, pelo indivíduo e só para ele. O que deveria ser reencantado é o mundo. Weber bem sabia que cada um, como um solitário puritano, deveria buscar por conta própria o sentido de sua existência. E para haver esse sentido unitário seu promotor deveria se uma religião. O acento deve ser dado independentemente ao artigo indefinido e ao substantivo. Uma: num contexto de livre concorrência, como uma religião pode pretender exclusividade como fornecedora de sentido, quando é continuamente corroída por crenças concorrentes? Religião: ou seja, um corpo de crenças minimamente compartilhado (uma estrutura de plausibilidade, nos termos de Peter Berger) e não uma espiritualidade formada pelo indivíduo. E quanto à ciência? No que se pode depreender da exposição do “reencantamento científico”, a ciência, portanto, não levaria necessariamente à perda de sentido. A ciência deixaria aberto ao ser humano o sentido de admiração, de estupor, de maravilha. Mesmo porque o que o ser humano descobre sobre a natureza também descobre sobre si mesmo, pois não é independente dela. Neste sentido, a equação ciência-igual-a-desencantamento seria quebrada. Mas são diferentes a perda de sentido e perda do mistério do mundo natural. A perda do “mistério” do mundo natural começa já com a desmagificação por obra da religião, enquanto a perda de sentido é operada pela ciência. Por isso, passar de uma nova compreensão do mundo natural para um afirmação de um “reencantamento do mundo” é um tanto temerário. Faz esquecer que mesmo uma nova filosofia da natureza não se apresenta como uma visão de mundo com a pretensão do conferir sentido a todos os aspectos da vida, como só a religião (formal, principalmente) pretende fornecer. Uma filosofia da natureza não porta consigo características, funções eminentemente religiosas, apresentando, por exemplo, uma teodicéia e uma escatologia pretensamente coerentes. Uma filosofia da natureza aponta necessariamente para este mundo. Pode ajudar o ser humano a se acomodar nele, mas não pode falar-lhe de outros “lugares” fora dele. Por mais que o sentimento de maravilhamento, de estupor seja 180 intenso, ele não se apresenta ao indivíduo como uma constante, como forma permanente de encarar a realidade a todo e qualquer instante. Pode manter um aspecto motivacional, mas talvez pouco religioso (mesmo porque é diferente do cunho religioso de muitos movimentos naturalistas). Como se vê, o pensamento de Max Weber continua como uma forma válida e atual para a compreensão dos processos contemporâneos analisados tanto nos estudos sobre a religião quanto sobre a ciência. Claro que o julgamento foi feito sobre um material específico. No entanto, falou-se de linhas de interpretação e não só de autores individuais. Portanto, é possível alargar o horizonte de reflexão a partir de cada linha e ainda pensá-la criticamente sob uma perspectiva weberiana. Enfim, o que esse trabalho quis oferecer foi um ponto de partida para um debate organizado sobre o reencantamento do mundo. Como tal, espera-se que as perguntas deixadas abertas tornem o debate ainda mais fecundo, que o enquadramento mantenha o seu valor de ferramenta e que sirva àqueles que buscam com honestidade intelectual encarar o que é o autêntico destino do nosso tempo. REFERÊNCIAS ALARCÓN, Luis. Reencantamiento del mundo. El dialogo entre las Ciencias y las Humanidades. Es posible; desde onde? A Parte Rei: Revista de Filosofia 12, 2000, p. 1-11. ALGRANTI, Joaquin. Globalización religiosa y reencantamiento del mundo. La afinidad electiva entre el capitalismo y el universo pentecostal. In: ARONSON, Perla. (org.). 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AUTOR Antônio Flávio Pierucci Hartmut Lehmann Alkis Kontos EM WEBER OBRA DE WEBER Rejeições religiosas do mundo e suas direções A ética protestante e o “espírito” do capitalismo A ciência como vocação A ciência como vocação PISTA Esfera erótica Esfera religiosa “Essência humana” AUTOR Nicholas Gane Gilbert Germain ALÉM DE WEBER AUTORES RELACIONADOS A WEBER Jean-François Lyotard, Jean Baudrillard e Michel Foucault Jacques Ellul PISTA Esfera política Esfera política 192 CAPÍTULO 2: O “REENCANTAMENTO” RELIGIOSO DO MUNDO TEÓRICOS DO RETORNO DO SAGRADO AUTOR IDEIA CENTRAL Semi-encantamento + Lísias Negrão Secularização relativa. Pierre Sanchis Secularização + Reencantamento John Wallis: Desencantamento + Reencantamento TEÓRICOS DA SECULARIZAÇÃO IDEIA CENTRAL Secularização + Modernização heterogênea + Reginaldo Prandi Remagificação Secularização + Mobilização religiosa com Antônio Flávio Pierucci Remagificação. Christopher Partridge Secularização + Reencantamento (New Age). Steven Auper e Dick Desencantamento + Reencantamento Houtman AUTOR ALÉM DA ESFERA RELIGIOSA AUTOR IDEIA CENTRAL Jesús Martin-Barbero Meios de Comunicação Dispersão do carisma Deslocamento do sagrado Raymond Lee Dialética entre desencantamento e reencantamento • Dialética entre desencantamento e reencantamento Edward Tyriakian • Romantismo (música, dança, poesia…) Exotismo + Turismo Patrick Sherry Sacramento (Mundo + Arte) David Morgan Arte Gordon Graham Arte Hans Ulrich Gumbrecht Esporte Religiosidade: fio condutor. Metáforas: Michel Maffesoli Corpo Místico, Comunhão dos Santos, Participação mágica/mística. 193 CAPÍTULO 3: “REENCANTAMENTO” CIENTÍFICO DO MUNDO CIÊNCIA E “REENCANTAMENTO DO MUNDO” AUTOR IDEIA CENTRAL Participação Holística / Morris Berman Consciência Participativa (+ Nancy Mangabeira Unger) Cîência Holísticas Crítica ao mecanicismo Ilya Prigogine, Isabelle Stengers Metamorfose da Ciência (+ Comissão Gulbenkian) Crítica ao mecanicismo Marc Luyckx Guisi Transmodernidade Richard Jenkins Física de Newton relativizada ECOLOGIA E “REENCANTAMENTO DO MUNDO” AUTOR IDEIA CENTRAL Crítica ao mecanicismo Retorno para dentro da natureza Serge Moscovici Movimento naturalistas Crítica ao mecanicismo Crítca à “dualética” ocidental Construção de outro ethos cultural a partir da dimensão estético-ambiental Crítica ao mecanicismo Reificação da natureza Militância Reabilitação de outras intuições sobre o “real” Weber versus Bloch Crítica ao mecanicismo Utopia ecológica Ana Patricia Noguera Echeverri Mohammed Taleb José Maria García GomezHeraz LITERATURA CRÍTICA ACERCA DO “REENCANTAMENTO” AUTOR IDEIA CENTRAL David Griffin Promoção indireta do misticismo Johannes Weiss Renascimento romântico Retorno do misticismo Hilton Japiassú Nova Gnose – Holismo